INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 apresenta um controle jurisdicional baseado nos métodos difuso-incidental e concentrado-principal.
DESENVOLVIMENTO
A Constituição Federal trouxe características dos sistemas americano e austríaco ao prever a combinação dos métodos difuso-incidental e concentrado-principal.
O controle concentrado caracteriza-se pelo exame da constitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo por parte do Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados.
Vale destacar a lição de Dirley da Cunha Júnior acerca do método concentrado-principal:
Pelo método concentrado-principal, por sua vez, só o Supremo Tribunal Federal pode exercer, em sede de ação direta, e em abstrato, o controle da constitucionalidade dos atos normativos federais ou estaduais em face da Constituição Federal e somente os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal podem exercer, também diante de uma ação direta, o controle da constitucionalidade dos atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 89).
Sobre seu surgimento no direito brasileiro, Dirley da Cunha Júnior ensina que:
A jurisdição constitucional no controle concentrado logrou despontar-se no direito brasileiro, embora timidamente, a partir da Constituição de 1934, com a criação da representação interventiva confiada ao Procurador-Geral da República e sujeita exclusivamente à competência decisória do Supremo Tribunal Federal (art. 12, § 2º), nas hipóteses de ofensa aos princípios constitucionais consagrados no art. 7º, I, alíneas a a h da Constituição da época (ditos princípios constitucionais sensíveis). Contudo, foi com a Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, que se instalou definitivamente no Brasil o controle concentrado da constitucionalidade das leis e atos normativos federais e estaduais em face da Constituição Federal, com a criação da representação genérica de inconstitucionalidade (hoje denominada ação direta de inconstitucionalidade por ação), nos moldes do sistema europeu, de competência reservada exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 159).
Com efeito, o modelo de controle concentrado previsto na Carta de 1988 recebeu algumas importantes inovações:
A Constituição vigente ampliou e aperfeiçoou o controle concentrado, com a criação de novas ações diretas e a extensão da legitimidade para provocar a jurisdição concentrada do Supremo Tribunal Federal a outras autoridades, órgãos e entidades, além de haver acenado para a possibilidade de adoção de efeitos vinculantes nas decisões proferidas no âmbito das ações próprias deste sistema de controle, com o que aproximou muito o Supremo Tribunal brasileiro aos Tribunais Constitucionais europeus (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 159).
Sobre os avanços da Lei Fundamental de 1988, Clèmerson Merlin Clève assevera que:
Com a Constituição de 1988, o sistema brasileiro (combinação do modelo difuso-incidental com o concentrado-principal) de fiscalização da constitucionalidade foi aperfeiçoado. Com efeito, (i) ampliou-se a legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (antiga representação); (ii) admitiu-se a instituição pelos Estados-membros, de ação direta para declaração de inconstitucionalidade de ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2º); (iii) instituiu-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º) e o mandado de injunção (art. 102, I, ‘q’, quando de competência do STF); (iv) exigiu-se a citação do Advogado-Geral da União que, nas ações diretas, deverá defender o ato impugnado (art. 103, § 3º); (v) exigiu-se, ademais, a manifestação do Procurador-Geral da República em todas as ações de inconstitucionalidade, bem como nos demais processos de competência do Supremo Tribunal Federal (art. 103, § 1º); (vi) não atribuiu ao Supremo Tribunal Federal competência para julgar representação para fins de interpretação, instrumento que foi, portanto, suprimido pela nova Lei Fundamental; (vii) previu a criação de um mecanismo de arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição (art. 102, par. único) (CLÈVE, 1995, p. 72).
Por seu turno, Barroso ressalta que:
A principal inovação trazida pelo constituinte de 1988, que ampliou significativamente o exercício da jurisdição constitucional no Brasil, foi o fim do monopólio exercido pelo Procurador-Geral da República em relação à propositura da ação direta de inconstitucionalidade. Com a nova Carta, o controle de constitucionalidade por via principal passou a poder ser deflagrado por um extenso elenco de legitimados, alinhados no art. 103 (BARROSO, 2009, p. 185-215).
Gilmar Ferreira Mendes, ao tratar da importância da ampliação dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, destaca que:
Esse fato fortalece a impressão de que, com a introdução desse sistema de controle abstrato de normas, com ampla legitimação e, particularmente, a outorga do direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, pretendeu-se reforçar o controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente. Não é menos certo, por outro lado, que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial – ainda que não desejada – no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil (MENDES, 2005, p. 528 e ss).
E arremata:
A Constituição de 1988 conferiu ênfase, portanto, não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vez que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo Tribunal Federal, mediante processo de controle abstrato de normas. A ampla legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar, constituem elementos explicativos de tal tendência (MENDES, 2005, p. 528 e ss).
Assim, nota-se que a Carta de 1988 trouxe importantes inovações relacionadas ao controle de constitucionalidade. Promoveu a ampliação do rol dos legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 103 da Constituição Federal. Trouxe a previsão da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, como elemento de combate à omissão. Também previu novamente o instituto da ação direta de inconstitucionalidade no âmbito estadual. Outro destaque diz respeito à criação da arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, alterou a redação constitucional para prever a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, de competência do Supremo Tribunal Federal.
Portanto, o modelo concentrado adotado pela Constituição de 1988 constitui um importante mecanismo de fiscalização das leis e atos normativos em defesa do ordenamento jurídico como um todo.
O controle concentrado não possui partes e só pode ser exercido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados em um verdadeiro processo objetivo (BARROSO, 2009, p. 156-185).
Referido controle é feito por via de ação, ou seja, por meio do ajuizamento de ação direta, cujo pedido principal está relacionado à constitucionalidade da lei ou ato normativo.
Com efeito, o controle concentrado só pode ser realizado pela via principal, por meio das seguintes ações: ação direta de inconstitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação direta de inconstitucionalidade interventiva, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental.
A ação direta de inconstitucionalidade busca a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Carta Maior.
Por sua vez, a ação declaratória de constitucionalidade representa instrumento que visa à declaração de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Tem como pressuposto a existência de controvérsia judicial que coloque em risco a sua presunção de constitucionalidade.
Nos termos do artigo 103 da Constituição Federal, podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
A Constituição Federal ainda dispõe que o Supremo Tribunal Federal, quando apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo, deverá citar previamente o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado. Além disso, o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.
A Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, regulamenta o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Em regra, a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade tem eficácia contra todos, efeito retroativo e vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Todavia, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, a Corte Suprema pode restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Ou seja, em situações peculiares, pode o Supremo Tribunal Federal atribuir efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade, o que demonstra o importante papel atribuído a essa Corte (LUNARDI, 2009, p. 209-227).
Por outro lado, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão representa modalidade de controle abstrato de omissão de norma constitucional de eficácia limitada. Possui os mesmos legitimados da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade.
Vale lembrar a lição de Paulo Bonavides acerca da ação direta de inconstitucionalidade por omissão:
Esse novo instrumento, provavelmente de inspiração constitucional portuguesa, se dirige sem dúvida aos comportamentos omissivos de legislador como uma garantia destinada a resolver o problema de eficácia das normas constitucionais programáticas, principalmente em matéria de direitos sociais (BONAVIDES, 2004, p. 332-333).
Já a arguição de descumprimento de preceito fundamental possui previsão constitucional no artigo 102, parágrafo 1º, da Carta de 1988. Referido dispositivo prevê que a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
Esse mecanismo pretende preservar a obediência devida às normas constitucionais tidas por fundamentais e que merecem uma proteção maior que outros preceitos inseridos na Carta Magna (TAVARES, 2007, p. 57-72).
A Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, regulamentou esse instituto. O citado diploma legal determina que a ação em questão tem por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público (artigo 1º da Lei nº 9.882, de 1999).
Constitui um importante avanço no sistema brasileiro de fiscalização de constitucionalidade, ao permitir o controle de qualquer ato do poder público que represente afronta aos preceitos constitucionais fundamentais, seja normativo ou não, abstrato ou concreto, anterior ou posterior à Constituição (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 517-536).
Deve-se salientar que não se admite a utilização dessa ação quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
Por fim, a ação direta de inconstitucionalidade interventiva constitui ação destinada à resolução de grave conflito federativo. Com efeito, apesar de ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal de forma concentrada, trata da apreciação de um caso concreto.
A Constituição determina, em seu artigo 34, VII, que a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis (forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde).
Sobre o assunto, Dirley da Cunha Júnior assevera que:
Nesse contexto, ela tem por finalidade a resolução, num caso concreto, de um conflito de natureza federativa, envolvendo, de um lado, a União Federal e, de outro, os Estados-membros ou o Distrito Federal, que pode culminar na decretação da intervenção daquela pessoa política central nestes entes políticos regionais. Isso significa afirmar que tal ação direta não se presta apenas à declaração, quer abstrata, quer concreta, de inconstitucionalidade de um ato estadual. Sendo assim, não se tem aqui um processo objetivo (próprio das ações diretas de inconstitucionalidade e constitucionalidade), mas verdadeiro processo subjetivo, por envolver um litígio ou um conflito de interesses entre as unidades políticas da Federação (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 238).
A legitimidade para a propositura da ação interventiva é do Procurador-Geral da República e a competência para julgamento é do Supremo Tribunal Federal (artigo 36, III, da Constituição Federal).
CONCLUSÃO
Após essa breve explanação acerca do controle concentrado de constitucionalidade e das ações existentes para o exercício dessa fiscalização, nota-se que a Constituição Federal de 1988 trouxe grandes avanços relacionados ao tema.
Incorporou novos mecanismos, de forma que, atualmente, o sistema permite uma fiscalização efetiva da constitucionalidade, em tese, das leis e atos normativos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Os atos ou omissões controláveis. Decisão e seus efeitos. In: DIDIER, Fredie (org.). Ações constitucionais. 4a ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 517-536.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de Constitucionalidade. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007.
LUNARDI, Soraya Gasparetto. Modulação temporal dos efeitos no processo de controle de constitucionalidade e influência de argumentos econômicos. In: Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC. Ano 3, nº 9, jan/mar 2009, Belo Horizonte: Forum, p. 209-227.
MENDES, Gilmar Ferreira. O controle incidental de normas no direito brasileiro. In: MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 28a ed. São Paulo: Malheiros, 2005, 8a parte, p. 528 e ss.
TAVARES, André Ramos. Repensando a ADPF no complexo modelo brasileiro de controle da constitucionalidade. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (org.). Leituras Complementares de Constitucional: Controle de Constitucionalidade. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 57-72.
Procuradora Federal lotada no Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI/Brasília-DF. Pós-graduanda em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Danielle Salviano. O controle concentrado baseado na Constituição de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2013, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33607/o-controle-concentrado-baseado-na-constituicao-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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