SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. OBJETIVOS. JUSTIFICATIVA.METODOLOGIA. 1. DOS ALIMENTOS 1.1 Características da Obrigação de Prestar Alimentos1.2. Natureza Jurídica do Direito aos Alimentos1.3. Classificação dos Alimentos 1.4. Pressupostos Essenciais da Obrigação de Prestar Alimentos 1.5. A Extinção da Obrigação Alimentar. 1.6. Quem Deve Prestar Alimentos e Quem os Pode Reclamar. 2. A PRISÃO CIVIL POR DÉBITO ALIMENTAR. 2.1. Procedimento Mediante Coerção Pessoal.2.2. Requisitos da Inicial no Processo Executório pelo Rito do Art. 733 do CPC. 2.3. A Defesa do Executado. 2.4. A Prisão do Executado.3. A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS PELOS AVÓS.4. A PRISÃO CIVIL DE AVÓS POR DÉBITO ALIMENTAR.CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A entidade familiar tem passado por uma série de mudanças. Diversos paradigmas relativos à família vêm sendo derrubados, dando lugar a outros modelos de organização, que apresentam relações onde a figura masculina já não mais representa, de forma exclusiva, o centro decisório e mantenedor financeiro do lar.
Na esteira de tais mudanças, o direito de família brasileiro, antes fundado nas lições do Código Civil Francês e nas relações familiares patriarcais, modernizou-se, sendo atualmente fundado nos anseios e interesses dos diversos integrantes da entidade familiar, considerados tanto de forma global quanto individualmente, passando a priorizar os interesses das crianças, dos adolescentes e das relações afetivas.
Diante dessa nova realidade, um tema se destaca de forma essencial no âmbito do direito de família, os alimentos. Tal destaque se deve ao crescimento, cada vez maior, de um modelo familiar que, em decorrência da dissolução da sociedade conjugal, passa a ser centrado na figura materna, que normalmente é a detentora da guarda dos filhos, ficando o varão fora do espaço físico do antigo lar conjugal. Com isso, necessário se faz a devida contribuição material paterna no sustento os filhos do casal, e tal contribuição se dá através da prestação alimentícia.
Obviamente, os alimentos não se limitam à situação citada no parágrafo anterior, visto que abrangem uma gama de situações em que se tornam necessários. Todavia, o presente estudo não se propõe a tratar de matéria tão extensa, e nem mesmo dos alimentos em relação ao modelo familiar acima citado, mas sim, a partir de tal modelo, estudar uma situação que tem causado discussões no universo jurídico brasileiro, bem como merecido constantes destaques na mídia, a prisão civil de avós, decorrente de débito alimentar.
OBJETIVOS
O presente artigo tem como objetivo geral o estudo da obrigação de prestar alimentos pelos avós, iniciando-se com uma explanação resumida sobre os alimentos nas relações familiares, evitando-se tratar das obrigações alimentícias oriundas de questões trabalhistas ou indenizatórias, visto que tais situações não são pertinentes ao direito de família. Seguindo-se para o estudo dos princípios da solidariedade familiar e capacidade financeira, no que tange à obrigação de prestar alimentos entre parentes, em especial a dos avós. Concluindo com a análise da prisão civil decorrente de débito alimentar, tratada inicialmente de forma geral, e, em seguida, no caso em que ocorre por dívida oriunda de obrigação alimentícia dos avós.
Quanto aos objetivos específicos deste estudo, são eles:
- analisar a natureza da obrigação de prestar alimentos pelos avós, quanto às causas que a originam e aos efeitos dela decorrentes;
- verificar até que ponto a prisão civil, nos moldes em que apresenta, mostra-se um instrumento eficaz e justo diante das peculiaridades da situação em questão;
- analisar as posturas doutrinárias e jurisprudenciais majoritárias em relação ao tema.
JUSTIFICATIVA
A análise do tema objeto deste estudo se justifica pelas peculiaridades que envolvem as partes que se encontram nos opostos da relação jurídica, ou seja, de um lado os
netos, crianças ou adolescentes que necessitam do devido amparo na sua formação; de outro os avós, idosos, muitas vezes sobrevivendo à custa de uma mirrada aposentadoria, que mal lhes satisfaz as necessidades básicas.
Assim, nesse embate em que as duas partes são frágeis, o uso de uma medida extrema como a prisão civil, para garantir a satisfação do débito alimentar, merece ser analisado de forma profunda, visto que suas conseqüências normalmente são mais nocivas que benéficas para ambas as partes.
METODOLOGIA
A metodologia deste trabalho de pesquisa baseia-se no direito de família, estendendo-se para o direito constitucional, o civil e o processual civil. A principal fonte de dados foi a pesquisa bibliográfica, nas esferas doutrinária e jurisprudencial.
1. DOS ALIMENTOS
No entendimento de Fiuza (2002, p.842) os alimentos são as prestações periódicas concedidos por uma pessoa a outra, a fim satisfazer as necessidades vitais de conservação e existência do ser humano, compreendendo não só os alimentos naturais, como também habitação, saúde, educação, vestuário e lazer. Em síntese, nas palavras de Gonçalves (2002, p.
131) “os alimentos são prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”.
Nessa linha, Venosa (2004, p. 385) assevera:
[...] o ser humano, desde o nascimento até sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e de bens essenciais ou necessários para a sobrevivência. Nesse aspecto, realça-se a necessidade de alimentos. Desse modo, o termo “alimentos” pode ser entendido, em sua conotação vulgar, como tudo aquilo necessário para sua subsistência. No entanto, no Direito, a compreensão do termo é mais ampla, pois a palavra, além de abranger os alimentos propriamente ditos, deve referir-se também à satisfação de outras necessidades essenciais da vida em sociedade.
Segundo o ensinamento de Orlando Gomes, "alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si", em razão de idade avançada, enfermidade ou incapacidade, podendo abranger não só o necessário à vida, como "a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação", mas também "outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada".
Por sua vez, Lopes da Costa afirma que alimentos, em sentido amplo, "é expressãoque compreende não só os gêneros alimentícios, os materiais necessários a manter a dupla troca orgânica que constitui a vida vegetativa (cibaria), como também habitação (habitatio), vestuário (vestiarium), os remédios (corporis curandi impendia)".
Para Sílvio Rodrigues:
"alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução".
Poder-se-ia apresentar os conceitos de outros autores, entretanto isso não se faz necessário, em razão de que os conceitos não são divergentes; ao contrário, coadunam-se.
Assim, deve-se entender por alimentos tudo aquilo que é capaz de propiciar ao sujeito as condições necessárias à sua sobrevivência, respeitados os seus padrões sociais.
1.1. Características da Obrigação de Prestar Alimentos
Quanto às características da obrigação de prestar alimentos, conforme Scalquette(2005, p. 93), podem ser destacadas:
- A pessoalidade é a característica fundamental do direito a alimentos, uma vez que se pretende preservar a vida do necessitado, não podendo passar a sua titularidade a ninguém, seja por negócio jurídico ou por fato jurídico;
- os alimentos são irrenunciáveis, visto que o credor pode abrir mão de seu exercício, através de dispensa provisória, mas não do direito à sua percepção;
- os alimentos não são suscetíveis de cessão ou compensação;
- os alimentos são impenhoráveis;
- a obrigação de prestar alimentos transmite-se para os herdeiros do devedor, até as forças da herança;
- os alimentos já prestados não são reembolsáveis, mesmo que tenha ocorrido a extinção de sua necessidade;
- o direito aos alimentos é imprescritível, embora prescreva em dois anos a pretensão de haver prestações alimentares, a partir da data em que se venceram, conforme o art. 206, § 2º, do Código Civil;
- a obrigação de prestar alimentos pode ser cumprida sob diversas formas, entre elas: acolhimento na casa, hospedagem, sustento do alimentando ou através de uma quantia em dinheiro, em gênero ou por rendimentos de bens. A primeira forma caracteriza-se pela continuidade, já a segunda pela periodicidade efetuando o pagamento da pensão mediante prestações periódicas, forma esta, mais conveniente tanto para o credor quanto para o devedor.
- a obrigação de prestar alimentos não é solidária, mas igualmente divisível entre os vários parentes, conforme o disposto nos artigos 1.696 e 1.697 do Código Civil. Assim os parentes podem contribuir com sua quota para os alimentos proporcionalmente com suas condições, sem que ocorra solidariedade entre eles. Esse caráter divisível da obrigação representa o entendimento doutrinário dominante.
No direito de família, os alimentos podem ser exigidos dos parentes do necessitado em razão da relação de parentesco, ao cônjuge, que deve mútua assistência , em virtude do vínculo conjugal, e, do companheiro na união estável. Porém, neste estudo serão abordados apenas os alimentos decorrentes das relações familiares entre ascendes e descendentes.
1.2. Natureza Jurídica do Direito aos Alimentos
Muito embora existam autores que consideram os alimentos como um direito pessoal extra-patrimonial, outros, como Diniz (2002, p. 463) defendem que o direito aos alimentos fundamenta-se em um interesse superior familiar, apresentando-se como uma relação patrimonial de crédito-débito, uma vez que consiste no pagamento periódico de soma de dinheiro ou no fornecimento de víveres, remédios e roupas, feito pelo alimentante ao alimentando, havendo, portanto, um credor que pode exigir de determinado devedor uma prestação econômica. Nessa mesma linha, Cahali (2003, p. 34) entende que o crédito ligado à pessoa do alimentando, trata-se de um direito inerente à integridade da pessoa e à personalidade, visando à conservação e sobrevivência do ser humano necessitado. Ou seja, nas próprias palavras do autor (2003, p.34) “[...] refere-se a normas de ordem pública, ainda que imposta por motivo de humanidade, de piedade ou solidariedade, pois resultam do vínculo de família, que o legislador considera essencial preservar” .
1.3. Classificação dos Alimentos
Os alimentos são classificados segundo vários critérios, entre eles quanto à natureza, finalidade, causa jurídica, etc. Abaixo seguem as principais classificações.
1.3.1 Quanto à Natureza: Naturais ou Civis
Conforme Diniz (2002, p. 476), os alimentos poderão ser naturais, que são os estritamente necessários à sobrevivência do alimentando, entendendo-se como tal a alimentação, os remédios, o vestuário e a habitação; ou civis, os que englobam outras necessidades, como as intelectuais e morais, ou seja, educação, instrução, assistência e recreação.
1.3.2. Quanto à Finalidade: Provisionais, Provisórios e Regulares ou Definitivos.
Na definição de Scalquette (2005, pp. 95-96), os alimentos provisionais são aqueles determinados através de medida cautelar, preparatória ou incidental, de ação de separação judicial, divórcio, anulação ou nulidade de casamento ou até mesmo em ação de alimentos. Tem como objetivo manter o litigante na pendência da lide.
Os alimentos provisórios são os fixados liminarmente na própria ação de alimentos, de rito especial fixado pela Lei 5.478/68, exigindo-se para sua fixação a prova pré- constituída de parentesco, casamento ou união estável.
Quanto aos alimentos regulares ou definitivos são aqueles estabelecidos pelo juiz na sentença ou pelas próprias partes, em acordo devidamente homologado, com prestações periódicas, de caráter permanente, ainda que sujeitos à revisão prescrita no art. 1.699 doCódigo Civil.
1.3.3. Quanto às Modalidades: Obrigação Alimentar Própria e Imprópria.
Segundo Cahali (2003, p. 28), a obrigação alimentar própria tem como conteúdo a prestação daquilo que é diretamente necessário à manutenção da pessoa. Já a obrigação alimentar imprópria caracteriza uma obrigação que tem como conteúdo o fornecimento de meios idôneos à aquisição de bens necessários à subsistência.
1.3.4. Quanto à Causa Jurídica: Voluntários, Ressarcitórios e Legítimos.
Alimentos voluntários são aqueles que resultam da declaração de vontade inter vivos ou causa mortis, estando inseridos no direito das obrigações ou no das sucessões. Diniz (2002, p. 468) exemplifica:
[...] se o doador ao fazer uma doação não remuneratória, estipula ao donatário a obrigação de prestar-lhe alimentos se ele vier a necessitar, sendo que, se este não cumprir a obrigação, dará motivo à revogação da liberalidade por ingratidão. Por disposição testamentária, o testador pode instituir, em favor do legatário, o direito a alimentos, enquanto viver.
Alimentos ressarcitórios são aqueles utilizados como meio de indenizar um prejuízo para ressarcir o dano causado à vítima de ato ilícito.
Os alimentos legítimos são aqueles em que a lei o impõe dever de prestar alimentos em razão de existir entre as pessoas um vínculo familiar, incluindo também os alimentos entre os cônjuges e os alimentos ao companheiro necessitado. Assim, esses alimentos, conforme Cahali (2003, p. 22), “são devidos por direito de sangue, por um vínculo de parentesco ou relação de natureza familiar, ou em decorrência do matrimônio”.
1.4. Pressupostos Essenciais da Obrigação de Prestar Alimentos
O primeiro pressuposto da obrigação alimentar, conforme ensina Scalquette (2005, p. 94), é a existência de determinado vínculo entre o alimentando e aquele que será compelido a prestar alimentos, como o vínculo de parentesco ou conjugal entre o alimentando e o alimentante em se tratando de parentes e casamento, ou companheirismo na união estável.
Com relação e esse primeiro pressuposto, deve ser salientado que nem todos os parentes são obrigados a prestar alimentos, uma vez que, de acordo com a Lei, somente o são os ascendentes, descendentes e irmãos bilaterais ou unilaterais.
Como segundo pressuposto, tem-se a necessidade do alimentando. Assim, os alimentos só podem ser reclamados por aquele que não tem condições de prover a sua mantença com o seu próprio esforço, comprovando a sua necessidade. Além disso, caso o necessitado encontrar-se em estado de penúria, ainda que seja responsável pela própria miséria, poderá pedir alimentos, de modo que o pedido será apreciado pelo magistrado para que este verifique as justificativas do que foi requerido pelo alimentando, considerando suas condições sociais, sua idade, sua saúde e outros fatores que influem na própria medida. Assim, o credor da prestação alimentar deve, efetivamente, encontrar-se em estado de necessidade, de maneira que se não vier a receber os alimentos, isso poderia pôr em risco a sua própria subsistência.
O último pressuposto é a possibilidade econômica do alimentante, já que este deverá cumprir o seu dever sem que nada falte ao seu sustento, pois seria injusto obrigar o alimentante a prestar alimentos, caso ele apenas possuísse o necessário para a sua sobrevivência. A necessidade de um importa na possibilidade do outro.
A proporcionalidade entre a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante são definidas por Venoza (2004, p. 388) :
[...] as condições de fortuna do alimentando e do alimentante são mutáveis, razão pela qual também é modificável, a qualquer momento, não só o montante dos alimentos fixados, como também a obrigação alimentar pode ser extinta, quando se altera a situação econômica das partes. Com isso, pode ocorrer do alimentando passar a prover sua própria subsistência e o alimentante ter sua fortuna diminuída, ficando impossibilitado de prestar alimentos. Assim, nessas hipóteses, poderá ser proposta a ação revisional ou de exoneração de alimentos, porém, a decisão que concede ou nega alimentos nunca faz coisa julgada.
De qualquer modo, quando da estipulação da prestação de alimentos, a observância do binômio necessidade/possibilidade se impõe, devendo os mesmos serem fixados de forma equilibrada. Assim, na mesma oportunidade em que se busca responder às necessidades daquele que os reclama, deve-se atentar aos limites das possibilidades daquele que se encontra na condição de responsável pela prestação alimentícia. Não se admite que esta se torne um fardo impossível de ser carregado. A busca da proporção, portanto, é fundamental.
Vale acrescentar ainda que na ausência de algum dos pressupostos supra referidos, cessa para o devedor a sua obrigação pelos alimentos.
1.5. A Extinção da Obrigação Alimentar
As causas extintivas da obrigação de prestar alimentos são, conforme Scalquette
(2005. p. 97), as seguintes:
- A morte do alimentando;
- O desaparecimento de um dos pressupostos da obrigação alimentar1 ;
- Caso o credor tiver procedimento indigno em relação ao devedor, nos termos do art. 1708, parágrafo único, do Código Civil;
- Se o cônjuge credor contrair nova união.
1.6. Quem Deve Prestar Alimentos e Quem os Pode Reclamar
O pedido de alimentos a uma outra pessoa, seja ela parente, cônjuge ou companheiro só é admissível se o credor provar que se encontra em estado de necessidade, uma vez que quem pretende alimentos é o incapaz, ou o que não tem bens suficientes, nem pode manter-se com seu trabalho. Desta forma, a prestação de alimentos é recíproca entre
ascendentes, descendentes e colaterais de 2º grau, recaindo a obrigação aos parentes mais próximos em grau, uns em falta de outros, de modo que, segundo Venosa (2004, p. 396) “a falta de parente alimentante deve ser entendida não somente como inexistência, como também ausência de capacidade econômica dele para alimentar”.
É importante ressaltar, conforme ensina Gonçalves (2002, pp. 135-136), que em função do caráter não solidário da obrigação alimentar, que é considerada conjunta e divisível, os coobrigados são chamados ao processo em litisconsórcio, esclarecendo que esta é uma reunião de litigantes numa mesma relação processual atuando como autores, como réus ou como autores e réus, sendo assim definido por Fux (2004, p.265):
Litisconsórcio é o fenômeno jurídico consistente na pluralidade de partes na relação processual. Em conseqüência, admite a classificação de ativo quando há vários autores; passivo quando há vários réus e misto quando a pluralidade verifica-se em ambos os pólos da relação processual.
Monteiro (2007, p. 295), exemplifica a não existência de solidariedade, bem como a formação do litisconsórcio, da seguinte forma:
Outro aspecto interessante da obrigação alimentar: na hipótese de coexistirem vários parentes do mesmo grau, obrigados à prestação, não existe solidariedade. Exemplificativamente: um indivíduo de idade avançada, pai de vários filhos, carece de alimentos. Não se tratando de obrigação solidária, em que qualquer dos co-devedores responde pela dívida toda (Cód. Civil, art. 904), cumpre-lhe chamar a juízo, simultaneamente, num só feito, todos os filhos. Não lhe é lícito dirigir a ação contra um deles somente, ainda que o mais abastado. Na sentença o juiz rateará entre os litisconsortes a soma arbitrada, de acordo com as possibilidades econômicas de cada um. Se um deles estiver incapacitado financeiramente, será por certo exonerado do encargo. Anote-se ainda que divisível é a obrigação. Em tais condições, numa ação de alimentos, não pode o réu defender-se com a alegação de que existem outras pessoas igualmente obrigadas e aptas a fornecê-los.
As considerações acima demonstram que a doutrina possui um posicionamento firme com relação à não solidariedade entre os co-devedores. Entretanto, é incisiva no entendimento de que é necessário o litisconsórcio entre estes, de forma divisível na proporção de suas possibilidades.
Tal forma de entendimento é de extrema importância para este estudo, conforme será visto adiante, quanto da análise da obrigação alimentar dos avós.
2. A PRISÃO CIVIL POR DÉBITO ALIMENTAR
É facultativo ao credor do débito alimentício a cobrança através da execução por quantia certa contra o devedor. Todavia, através dos arts. 733 e seguintes do Código de Processo Civil, a forma de cobrança se mostra muito mais eficaz, visto que abre a perspectiva da prisão civil do devedor inadimplente, medida coativa de maior eficácia diante do caráter de urgência peculiar ao débito alimentício. Portanto, embora não seja a regra no processo executivo, no que se refere a dívida alimentar o devedor poderá sofrer coação pessoal para adimplir a obrigação.
Quanto à natureza da prisão por débito alimentício, a doutrina tem reconhecido que a possibilidade de prisão para o caso de inadimplemento de verba alimentar não se constitui em pena, mas apenas em meio coercitivo para compelir ao executado que pague os alimentos devidos. Ou seja, conforme Miranda (1974, p. 483), a prisão civil do devedor inadimplente de alimentos não se dá como meio de punição, tanto é que se o devedor pagar o que deve será posto em liberdade. Portanto, a referida prisão, conforme já foi dito, é apenas meio coativo, do qual pode se utilizar o alimentando para exigir do alimentante o adimplemento da verba alimentar, sendo este o entendimento de Azevedo (1993, p. 132).
Quanto ao uso da medida coativa, alguns doutrinadores defendem que ela somente poderá ser utilizada quando esgotados todos os demais meios para o pagamento da dívida. Nesse sentido, Castro (1974, p. 377), prescreve:
A prisão existente na jurisdição civil é simples fator coercitivo, de pressão psicológica, ou de técnica executiva, com fins de compelir o depositário infiel ou o devedor de alimentos, a cumprirem sua obrigação. Insere-se na Constituição Federal como exceção ao princípio da inexistência de constrição corporal por dívida. Sua finalidade é exclusivamente econômica, pois não busca punir, mas convencer o devedor relapso de sua obrigação de pagar.
A possibilidade do pedido de prisão é uma opção do credor, desde que preenchidos os ditames legais. Sendo que uma parte da doutrina tem se posicionado no sentido de que se mostra inadmissível a prisão civil antes de esgotados todos os meios para a cobrança da obrigação. Ou seja, só seria cabível a prisão se não houvesse outra possibilidade de receber o quantum devido, quer seja por desconto em folha de pagamento, arresto de renda ou bens do devedor, eis que a prisão seria “remédio heróico, só aplicável em casos extremos, por violento ou vexatório".
Esse entendimento, todavia, não é dominante, já que condenaria o credor à lenta e dispendiosa execução expropriatória, visto que tal preterição do meio executório da coação, contraria a natureza e a urgência do crédito. Nessa corrente, vale citar Marmitt (1989, p. 7), para quem:
O caráter coercitivo da custódia por débito alimentar requer que ela seja imposta sem delongas, para que não se constitua em expediente meramente teórico. Sua razão de ser exige que tenha efeitos práticos e expeditos, os quais lhe devem ser inerentes. É inadmissível na espécie qualquer uso de manobras ladinas ou deletéreas, que até podem levar ao definhamento e à morte de crianças inocentes.
Apesar do que foi exposto acima com relação a outras formas de execução, o que realmente importa ao presente estudo é o procedimento executório pelo rito do art. 733 e seguintes do Código de Processo Civil, portanto, deste ponto em diante será analisado processo executório sob este prisma.
2.1. Procedimento Mediante Coerção Pessoal
Muito embora, para muitos a decretação da prisão como medida de coerção pessoal, a fim de compelir o devedor a adimplir com a sua obrigação alimentar, possa parecer uma medida odiosa e ultrapassada, sem dúvida alguma, em termos práticos é a que apresenta resultados mais satisfatórios, já que são comuns situações em que os devedores de alimentos fazem de tudo para furtar-se ao pagamento, mesmo que seja dirigido a filhos de tenra idade, somente pagando as pensões com atraso, se ameaçados de prisão civil, ou quando esta se efetiva.
Apesar disso, o entendimento jurisprudencial buscou, através da súmula 309 do STJ, limitar o uso de tal medida, visto que esta prescreve que somente poderão ser cobradas pela modalidade executória do art. 733 do CPC as três últimas parcelas vencidas até a citação do executado, bem como as vencidas ao longo do processo.
Tal entendimento se mostra acertado no ponto em que, se a medida coativa tem como pressuposto a urgência na satisfação do débito, não pode o credor ser relapso quanto à cobrança, sob pena de se mostrar pequena sua necessidade, pressuposto essencial na obrigação alimentar. Além disso, o acúmulo de diversas prestações torna o pagamento muito mais difícil, principalmente levando-se em conta que o devedor encontra-se preso. Assim, a súmula 309 do STJ reforça o caráter coativo da medida, em detrimento de um eventual aspecto punitivo da mesma.
Todavia, conforme Dias (2005), apesar de um acerto de intenções, a súmula 309 do STJ apresenta um grave erro formal, visto que limita a aplicação da forma executória do art. 733 do CPC às três parcelas anteriores à citação do devedor, ou seja, o uso do termo citação, levando-se o entendimento jurisprudencial de forma literal, incentiva a escusa do devedor em ser citado, salvo melhor juízo, mais acertado seria, no lugar de citação, o uso da expressão ajuizamento da ação.
Outro ponto importante com relação à execução pelo rito do art. 733 do CPC é a exigência, além do vínculo familiar existente entre credor e devedor, que a execução tenha por base título executivo judicial, ou seja, não se admite a coerção pessoal tendo por base título executivo extrajudicial. É neste sentido o entendimento de Assis (2001, p. 112), segundo o qual o art. 733 do CPC refere-se apenas a sentença e ou decisão, não englobando portanto títulos extrajudiciais. E segue o autor (2001, p. 112) mencionando que “inadmissível se afigura o uso da coação pessoal independentemente de prévio e rigoroso controle judicial sobre a existência do crédito alimentar”. Não havendo assim o crivo judicial quanto a existência do crédito, o credor munido de documentos com natureza de título extrajudicial deverá deduzir sua pretensão em ação condenatória, a fim de obter, caso procedente o seu pedido, o competente título executivo judicial que lhe autorizará então o uso da coerção pessoal contra o devedor inadimplente.
2.2. Requisitos da Inicial no Processo Executório pelo Rito do Art. 733 do CPC
A inicial da execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC, deve de seguir os requisitos preceituados no art. 282 do CPC, devendo inclusive face ao art. 604 do CPC, ser instruída a inicial com a planilha de cálculo do débito. Também é necessário que seja observado o enunciado no art. 733 do CPC, ou seja, no entendimento de Marmit (1989, p. 14), deverá o credor requerer a citação do devedor para que, no prazo de 03 dias, efetue o pagamento, comprove caso já o tenha feito, ou apresente justificativa da impossibilidade, sob pena de não o fazendo ser-lhe decretada a prisão.
Esses requisitos devem ser observados, a fim de evitar o indeferimento da inicial, pois que ao juiz cabe de ofício a verificação dos mesmos; e caso encontre alguma irregularidade mandará intimar o credor para que a supra, caso contrário indeferirá a inicial. De acordo com Assis (2001, p. 114) esse controle da inicial é oficioso do órgão jurisdicional, o qual deve verificar os pressupostos de existência, validade e eficácia do procedimento executivo. Sendo que o indeferimento da inicial só seria cabível se o juiz se deparasse com vício insanável como o de manifesta ilegitimidade de parte. Cumprindo mencionar que a decisão que indeferir a inicial é considerada sentença passível de recurso de apelação.
Uma questão de divergência doutrinária é se o juiz pode de ofício, ou seja, sem o pedido do credor, determinar a prisão do devedor. O posicionamento que tem prevalecido é no sentido de que a prisão civil só é possível em face de requerimento do credor, pois segundo Marmitt (1989, p. 15) é ele que “dispõe de melhores condições para avaliar a oportunidade e a conveniência. É o exeqüente que tem a liberdade para requerer ou deixar de requerer a aplicação desse mecanismo forte de coação”. Ademais é ele quem sabe de suas necessidades e das possibilidades do devedor, podendo muito bem acontecer que o credor, maior interessado na questão, por qualquer motivo, considere inoportuna e até inconveniente a prisão do executado naquele momento.
2.3. A Defesa do Executado
Por força das disposições do art. 733 do CPC, no tríduo legal, após devidamente citado, o executado terá quatro opções: efetuar o pagamento, comprovar que o tenha efetuado,
apresentar defesa ou então se manter inerte.
Quanto ao pagamento do débito, ele deverá abranger a integralidade das prestações vencidas, bem como as que se venceram até a data do pagamento. Sendo que, de acordo com Assis (2001, p. 114), o que elide a prisão é o pagamento integral, no entanto, pagamentos parciais os quais denotam impossibilidade momentânea, bem como, proposta de parcelamento, inibem em princípio a privação da liberdade.
Azevedo (1993, p. 134) menciona também o fato de que verbas estranhas ao débito alimentar não viabilizam a prisão civil. A orientação que tem prevalecido é no sentido de que a prisão só será cabível no caso de inadimplemento dos valores referentes tão somente à verba alimentar, ou seja, a prisão civil não cabe para o caso de o devedor não recolher o valor referente às despesas processuais e aos honorários advocatícios. Portanto, a falta do recolhimento de parcelas autônomas, diversas do crédito alimentar, não pode acarretar a coerção pessoal.
Já a defesa do executado, caso queira apresentá-la, se dá sob a forma de incidente, nos próprios autos, ficando limitada à prova do pagamento ou a apresentação de justificativa de impossibilidade de fazê-lo.
No que se refere à defesa de impossibilidade, embora haja entendimento de que a única que pode ser alegável é a temporária, deve tal questão, caso haja impossibilidade permanente, ser deduzida em ação própria; é dominante a corrente que defende que havendo impossibilidade permanente, o caso é de exoneração do encargo. Conforme afirma Castro (1974, p. 378), em tais casos, deve-se declarar extinta a execução por falta de objeto. Havendo a apresentação de justificativa de impossibilidade, mostra-se inviável a decretação de prisão sem que o juiz a aprecie, sendo que isso por vezes abrangerá a necessidade de produção de provas, as quais podem ser todas aquelas admitidas em direito. Lembrando ainda, que ao devedor cabe o ônus da alegação e o ônus da prova da referida impossibilidade, mas tal prova
não precisa ser produzida de imediato, ou seja, no tríduo legal, pois que como bem lembra Neves (1999, p. 163), pode haver “insinuação de prova, nesse prazo, podendo o juiz determinar as providências que o incidente exija, inclusive mediante requisição de informações”. Desta forma, independente de qual seja a causa da impossibilidade, havendo a sua respectiva comprovação, mostra-se inviável a coerção pessoal do devedor.
2.4. A Prisão do Executado
Não havendo a apresentação de justificativa de impossibilidade, ou tendo esta, caso apresentada, sido rejeitada, e o devedor não conseguido alterar a decisão mediante recurso, caberá então ao juiz decretar-lhe a prisão.
Esta decisão é interlocutória e deverá ser fundamentada, cumprindo-lhe fixar o prazo da prisão, visto que, como adverte Marmitt (1989, p. 8) “o confinamento por tempo indeterminado não pode prevalecer, impondo-se a sua imediata desconstituição”. Sendo este também o entendimento de Cahali (2002, p. 377), para quem, tendo em vista as características da cominação, tem-se por ineficaz a decisão que a determina se é omissa com relação ao respectivo prazo.
Quanto à duração da prisão, diante do disposto no art. 19 da lei 5478/68 e no art. 733 do CPC, ocorrem divergências doutrinárias, pois no primeiro há previsão de tempo até sessenta dias, e no segundo há previsão de um a três meses. Segundo Porto (1986, p.83) são encontrados posicionamentos doutrinários para um ou outro dispositivo, mas segundo este mesmo autor (1986, p. 83), o posicionamento que há de prevalecer é o que limita a prisão ao tempo máximo de 60 dias, pois “considerando que a prisão não é pena, mas modo coercitivo, forma de execução, e que, segundo os princípios gerais, deve ser feita de forma menos gravosa para o devedor, não resta dúvida que preponderam os 60 dias”.
Com relação à possibilidade de o devedor pleitear o benefício de cumprimento da pena em regime diverso do fechado, segundo Marmitt (1989, p. 39), necessário se faz analisar o fato de que, em face da sua própria natureza e finalidade, a prisão civil não se confunde com a criminal, por isso o regime de prisão domiciliar não se aplica às prisões civis, eis que poderia lhe tirar o caráter constritivo que a embasa e justifica. Também na jurisprudência o entendimento é concorde com a doutrina acima citada. Mesmo diante de divergências, como a ocorrida em julgamento de processo de habeas corpus no STF , onde, em seu voto o Ministro Marco Aurélio, defendendo a aplicação do regime aberto no caso da prisão civil, afirmou que “O meio coercitivo de pagamento do débito não deve desaguar em situação mais gravosa do que aquela que decorreria de prática verdadeiramente criminosa”; e por outro lado o Ministro Moreira Alves, em seu voto asseverou que “ O problema da prisão civil nada tem que ver com o problema da prisão penal. Embora, por vezes, impropriamente a lei aluda a pena, na realidade não é pena, é um meio coercitivo indireto de execução de sentença civil [...]”, acrescentando ainda que “É um modo de compelir indiretamente o devedor, seja de uma obrigação alimentar, seja no caso do depositário infiel, a prestar os alimentos devidos, ou a devolver a coisa depositada”; conforme já foi dito, a corrente dominante tende para que a prisão civil se dê no regime fechado. Exemplo de tal posicionamento se verifica em decisão do STJ: “o beneficio da prisão domiciliar não se estende, em tese, a prisão civil, pois esta não é pena, mas simples coação admitida para cumprimento de obrigação”.
Encerrando a questão quanto ao regime prisional, Assis (2001, p. 120) assevera que é preciso deixar claro ao devedor relapso de que insatisfeitas as prestações a medida coercitiva será concretizada da pior forma, pois caso contrário ele não se sensibilizará com a medida judicial, sendo que, conforme o mesmo autor (2001, p. 120) “as experiências de colocar o executado em albergue, à margem da lei, revelaram que ele prefere cumprir a pena em lugar de pagar a dívida”.
Concluindo o tema, com relação à revogação e suspensão da medida de prisão, pode-se dizer que uma vez paga a dívida, deve ser de imediato determinado a soltura do devedor, por força da disposição do §3º do art. 733 do CPC. A suspensão e revogação também poderão ser requeridas diretamente pelo credor, mesmo sem o pagamento, por vezes motivado por razões emocionais; sendo que o acolhimento de tal pedido deverá, nos casos de credores incapazes, ser condicionado à prévia manifestação do Representante do Ministério Público, visto que, apesar de a prisão civil somente ser decretada a pedido do credor, tal pedido se dá através de representação ou assistência.
3. A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS PELOS AVÓS
Conforme ensina Gonçalves (2002. p. 135), na ordem obrigacional de prestar alimentos, em primeiro lugar são obrigados os pais, depois os avós, depois os bisavós, e, assim sucessivamente. Na existência de um ascendente de grau mais próximo, os de grau mais remoto ficam excluídos e liberados daquela obrigação.
A obrigação alimentar, diferentemente do dever de sustento, possui caráter de reciprocidade, como atesta o artigo 1.696, quando diz que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.
Exemplificando tal situação, Santos (2001, p. 171), prescreve:
[...] na falta de pais, ou se estes estão impossibilitados de cumprir essa obrigação, pode o filho, sem recursos para a sua subsistência, pedir alimentos aos avós, nas mesmas condições em que pediria aos pais, a dizer: sem distinção de sexo e de regime de bens, na proporção dos seus capitais e na medida das necessidades do alimentário.
O que se faz necessário esclarecer é que se há avós paternos e maternos, são todos chamados, simultaneamente, a cumprir a obrigação, nas devidas proporções.
Os ascendentes do mesmo grau são, sem dúvida, obrigados em conjunto, como se diz no Código Civil alemão, art. 1.066.
Dessa verdade resulta que a ação de alimentos deve ser exercida contra todos e a cota alimentar será fixada de acordo com os recursos dos alimentantes e necessidade do alimentário. Ressalta ainda que pode o ascendente (avó, bisavó, etc.; avô, bisavô, etc.) opor que não
foram chamados a prestar alimentos os outros ascendentes do mesmo
grau [...]
Conforme se verifica a partir do exemplo acima, a obrigação de prestar alimentos pelos avós, objeto do presente estudo, ocorre por exclusão, ou seja, pela ausência ou impossibilidade em pagar, do genitor obrigado. Sendo importante destacar que tal obrigação se dá para todos os ascendentes no mesmo grau, de forma divisível e não solidária, entendimento reforçado por Miranda (2000, p. 278), conforme transcrição que segue:
[...] é por isso que os ascendentes de um mesmo grau são obrigados em conjunto, a ação de alimentos deve ser exercida contra todos, e a quota alimentar é fixada de acordo com os recursos dos alimentantes e as necessidades do alimentário. Assim, intentada a ação, o ascendente (avô, bisavô etc.; avó, bisavó etc.) pode opor que não foram chamados a prestar alimentos os outros ascendentes do mesmo grau.
Apesar do exposto, embora a doutrina defenda que é facultativa a formação do litisconsórcio, o Código Civil, por força do art. 1.698, exige, e não apenas faculta, a convocação de todos os co-obrigados para, no processo pendente, ser distribuída a pensão alimentícia, de acordo com a necessidade do alimentando e as possibilidades de todos os co- responsáveis. E isso significa que o litisconsórcio não é mais facultativo, e sim litisconsórcio passivo obrigatório simples: passivo, porque a pensão deve ser paga somente pelo demandado ou pelos demais parentes; obrigatório, porque o legislador optou pelos princípios da celeridade e da economia processual, com a concessão dos alimentos em um único processo; simples, porque a verba alimentar será distribuída entre os parentes de acordo com as suas possibilidades financeiras.
Todavia, a jurisprudência tem se mostrado controversa em se tratando do litisconsórcio necessário entre ascendentes de mesma ordem. Exemplo claro desta postura se verifica nas peculiaridades presentes no julgamento de Agravo de Instrumento, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, onde o relator, Des. Nilson Reis, analisando o tema, afirma que “Quanto à questão do chamamento ao processo dos avós maternos para formar litisconsórcio necessário, o entendimento majoritário é no sentido de que este não é obrigatório, exceto se o demandado não tiver condições de suportar sozinho o encargo, conforme decisão do colendo Superior Tribunal de Justiça”. Tal entendimento, com a devida vênia, parece equivocado, visto que decisão do STJ citada pelo relator, que foi transcrita em seu voto, prescreve:
“CIVIL. ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃOCOMPLEMENTA E SUCESSIVA.LITISCONSÓRCIO. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA.
1 – A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade, no sentido que “sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos.
2 – O demandado, no entanto, terá direito de chamar ao processo os co- responsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuinte de acordo com as suas possibilidades financeiras.
3 – Neste contexto, à luz do Novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentando maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no pólo passivo da demanda”.
Assim, analisando de forma crítica a decisão do STJ, o que se verifica inicialmente, no item n. 1, é a correta afirmação da ausência de solidariedade entre os eventuais credores, ressaltando-se que a obrigação é divisível entre eles, na proporção de seus recursos.
Em seguida, no item n.2, afirma-se que o demandado terá direito a chamar ao processo os co-responsáveis da obrigação, caso não consiga suportar sozinho o encargo, a fim de que se defina quanto caberá a cada um contribuir, dentro de suas possibilidades financeiras. Esta linha de pensamento traz em si um contradição, pois ao mesmo tempo em que reconhece a existência dos co-responsáveis, limita a sua inserção na lide à impossibilidade do demandado em arcar, sozinho, com a obrigação.
Portanto, o que se depreende em relação ao tema proposto, a melhor corrente a ser seguida é a de que na falta ou impossibilidade de pagar os alimentos do genitor obrigado, a obrigação passa aos avós, tanto maternos quanto paternos, estando obrigados na medida de suas possibilidades, de forma divisível e não solidária. A importância de tal delimitação será demonstrada em seguida, quando da análise da execução dos alimentos e a eventual prisão civil dela decorrente.
Necessário esclarecer ainda que os avós assumem obrigação substitutiva dos pais que não reúnem condições financeiras para a garantia da sobrevivência da prole que geraram. A responsabilidade dos avós, além de substitutiva, pode se manifestar de forma complementar. Isto quer dizer que se alguém recebe do seu pai quantia insuficiente para que tenha uma vida digna, poderá pleitear que os avós somem a isso determinada prestação.
Infere-se, pois, que a obrigação alimentar dos avós é complementar e excepcional, somente se legitimando quando comprovada a incapacidade econômica dos genitores
4. A PRISÃO CIVIL DE AVÓS POR DÉBITO ALIMENTAR
Com relação à prisão civil dos avós em caso de obrigação alimentar inadimplida, diante de tudo que foi exposto até o momento, ocorre na realidade uma questão muito mais de âmbito moral do que legal. Pois tanto a lei, quanto a doutrina e a jurisprudência, são muito claras quanto à necessária existência da obrigação alimentar dos avós para com os netos, mesmo que em caráter excepcional.
Todavia, definida tal obrigação, quando dela se origina a conseqüência extrema da decretação da prisão do devedor, o que se verifica é que o paciente de tal decreto, na maioria das vezes idoso, sofre muito mais com os efeitos da medida, isso em decorrência dos naturais problemas de saúde peculiares à idade avançada, bem como aos danos de ordem moral, devidos à natureza vexatória da prisão, principalmente levando-se em conta que o devedor inadimplente não praticou nenhum delito.
Além disso, quando a medida coativa é dirigida aos avós, estes se vêem diante de uma obrigação que lhes é imposta de forma incidental, visto que ela ocorre diante da ausência ou impossibilidade dos primeiros obrigados, que são os pais.
Também é importante ressaltar que na situação em tela ocorre uma relação jurídica em que os dois pólos são frágeis, já que o incapaz é hipossuficiente de recursos para se manter; e os avós, normalmente idosos, também são merecedores do devido amparo legal. Disso também se originam problemas de ordem afetiva, visto que é natural aos avós a preocupação com os netos, bem como o zelo pelo seu bem-estar, mas quanto tal incumbência se dá de forma impositiva e com efeitos nocivos, abalam-se as relações.
Assim, quando a medida coativa deve ser direcionada aos avós do credor dos alimentos, o julgador em primeiro grau se depara com uma situação insólita, pois dispõe de um aparato normativo positivo, com regras rígidas que, caso seguidas literalmente, tem como único caminho a decretação da prisão. Além disso, a doutrina não dá à prisão civil de ascendentes a atenção devida, restringindo-se à análise da natureza da obrigação alimentar destes. Via de conseqüência, é na jurisprudência dos tribunais, em sede de recursos contra a decretação da prisão, como o habeas corpus e o agravo, que o tem sido devidamente tratado o tema.
Como exemplo da postura dominante da jurisprudência, vale citar a decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais , que em processo de Hábeas Corpus, de natureza preventiva, reformou parcialmente a decisão em primeira instância, impondo que a prisão deveria ocorrer na forma domiciliar. Neste julgamento, destaca-se o voto do relator, Des. Nepomuceno Silva, que corretamente prescreveu: “[...] Entretanto, a específica situação dos impetrantes (avós do alimentando) - pessoas idosas que enfrentam os naturais problemas de saúde decorrentes da longevidade - recepciona a disciplina da Lei
10.741/2003, conhecida com Estatuto do Idoso, pela qual não há como negar-lhes a pretensão, em parte, amoldando o decreto prisional de forma a amenizar os efeitos nefastos do cerceamento da liberdade, preservando-lhes a dignidade, pelo menos até que se decida o apelo por eles interposto, convolando a prisão contra eles decretada em prisão domiciliar, pois há, para isto, suporte jurídico-social, este no art. 2º da predita lei [...]”.
No julgamento acima citado o que ocorre, na realidade, é o uso de um dispositivo legal amplo, calcado em princípios, ao contrário da maioria da legislação positiva, composta de regras rígidas e de direcionamento objetivo.
Com isso, sem desrespeitar a norma, o julgador encontrou uma solução viável, dando ênfase ao aspecto social do problema. Sendo bastante acertada a decisão quanto ao uso da prisão domiciliar, muito mais leve que o acautelamento convencional, visto que respeita as características do paciente, levando em conta seus aspectos morais e físicos. Aliando-se a isto, o fato de não buscar aspectos peculiares à pena, conforme tentou o Ministro Marco Aurélio Melo, em voto anteriormente citado, buscando a aplicação do regime aberto para os casos de prisão civil. Mas sim, a decisão manteve o aspecto coercitivo da medida, todavia, em uma forma, representada pela prisão domiciliar, muito mais indicada para a situação fática apresentada.
CONCLUSÃO
O presente estudo se propôs a tratar da obrigação alimentar dos avós para com os netos e a eventual prisão civil dela decorrente, devido ao débito alimentar inadimplido.
Inicialmente, foram analisadas a obrigação alimentar e a prisão civil de forma geral e resumida, seguindo-se para a verificação dos dois institutos em relação ao tema proposto.
Diante do que foi visto, com relação à obrigação alimentar dos avós, ela ocorre como uma exceção, ou seja, dá-se na falta dos genitores, ou na sua impossibilidade em atender às necessidades vitais dos filhos. Ressaltando que, somente poderá ser exigida tal assistência, no caso da devida comprovação da impossibilidade do genitor inicialmente obrigado, ou seja, esgotadas todas as possibilidades de impor que ele cumpra tal dever.
Assim, caso se apresentem os requisitos acima, por força do ordenamento jurídico pátrio, poderão ser demandados os avós, a fim de prestem aos netos a devida assistência, o que se dá através de ação de alimentos.
Entretanto, é justamente dessa ação que podem surgir dois problemas essenciais ao tema. O primeiro é relativo à formação do pólo passivo, visto que, se por um lado a doutrina é dominante quanto à obrigatoriedade do litisconsórcio entre os ascendentes de mesma ordem; por outro, a jurisprudência, muito embora em julgamentos controversos, limita tal relação à impossibilidade do demandado em arcar sozinho com a obrigação.
Com relação a tal discordância, cumpre defender o posicionamento favorável à formação do litisconsórcio, não de forma solidária, mas dividindo-se a obrigação na proporção das possibilidades dos ascendentes, sejam avós paternos ou maternos. O motivo de tal postura, deve-se ao fato de que o dever de sustento dos filhos é inerente aos pais. Assim, independente da razão que transmite a obrigação alimentar aos avós, esta não deve ficar restrita apenas a um dos lados da relação, normalmente os avós paternos, já que sua inserção no processo se dá de forma incidental e, com isso, a solução mais justa é que a obrigação seja diluída a um maior número de coobrigados.
O segundo problema, ocorre quanto à definição do quantum da obrigação, pois muito embora a ajuda mútua seja um elemento caracterizador da família, deve ser mantida a devida proporcionalidade entre o binômio necessidade e possibilidade. Assim, os alimentos devidos pelos avós, seja de forma direta ou complementar, devem ser aqueles estritamente necessários, sob pena de se afetar a própria subsistência do alimentante.
Quanto à prisão civil dos avós por débito alimentar, normalmente ela é decorrente dos dois problemas acima citados, ou seja, não se formando o necessário litisconsórcio passivo, a parte se vê excessivamente majorada pelo encargo, sendo-lhe difícil o adimplemento da obrigação, o que acaba por originar o débito, que dá origem à prisão. Além disso, não se observando a devida proporcionalidade na formação do quantum a ser pago como alimentos, as conseqüências serão idênticas às acima citadas.
Portanto o problema prisão civil está muito mais presente na ação de alimentos, que dá origem à execução da qual a prisão é um instrumento.
Desta forma, a prisão civil de avós por débito alimentar não representa o problema em si, mas uma conseqüência dele. Não se podendo esquecer que se trata de um instituto que, embora possa parecer injusto se analisado sob um prisma meramente moral, é previsto na legislação pátria e, via de conseqüência, deve ser obedecido e aplicado.
Entretanto, devido àqueles a que se destina, a medida merece ser tratada com a devida cautela, visto que não se pode esquecer o amparo ao idoso previsto na Lei
10.741/2003, Estatuto do Idoso, que em seu artigo 2º impõe, in verbis:
Artigo 2º. O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Portanto, conforme foi visto no tópico anterior, quando da análise de julgamento de habeas corpus pelo TJMG, necessário se faz para os casos em tela, como medida mais condizente, a aplicação da prisão domiciliar, modalidade menos drástica e mais aceitável de acautelamento.
Concluindo, a legislação pátria relativa aos alimentos se mostra bem estruturada e dotada dos instrumentos para que se efetivem os seus pressupostos relativos à proteção dos que deles necessitam. Contudo, quanto à prisão civil dos avós, levando-se em conta o Estatuto do Idoso, mais acertado seria a criação de dispositivo, o que poderia ser feito tanto por lei como por súmula, que trate especificamente do tema, seja na imposição de sanção alternativa, ou na definição de uma forma mais branda de medida coercitiva, como a determinação da decretação apenas da prisão domiciliar para esses casos.
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Advogado, Administrador de Empresas e Teólogo. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio do Recife, em Administração pela Universidade de Pernambuco e em Teologia Eclesiástica pela Faculdade Internacional de Teologia Gospel/Faculdade Gospel. Pós-graduado em Direito Administrativo e em Direito Civil, ambas as especializações pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Mestrando em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável pela Universidade de Pernambuco. Mestrando em Teologia com ênfase em Bibliologia pela Faculdade Internacional de Teologia Gospel/Faculdade Gospel. Servidor da Prefeitura do Recife e Conciliador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI). Sócio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Associado à Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Articulista de sites jurídicos. Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/0065877568376352
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, José Mário Delaiti de. A obrigação de prestar alimentos pelos avós Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 fev 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33752/a-obrigacao-de-prestar-alimentos-pelos-avos. Acesso em: 23 dez 2024.
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