INTRODUÇÃO
As Leis que tratam da medida suspensiva (basicamente as Leis 12.016/2009, para o mandado de segurança e a 8.437/1992, para os demais casos) conferem legitimidade ativa à “pessoa jurídica de direito público interessada” e ao Ministério Público, para requererem o pedido de suspensão da execução de decisão judicial potencialmente lesiva ao interesse público primário.
Assim, a princípio, o pedido de suspensão pode ser intentado por pessoa jurídica de direito público, ou seja, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal, pelos Municípios, pelas autarquias e fundações públicas. Pode, ainda, ser deduzido pelo Ministério Público.
Ocorre que a questão da legitimidade ad causamno âmbito da suspensão não é tão simples como parece, razão pela qual devemos aprofundar um pouco a nossa análise.
Conforme sabemos, quem detém legitimidade ativa é aquele que se diz titular do direito subjetivo material, cuja tutela pede em face daquele titular da obrigação correspondente, o legitimado passivo (CINTRA; GRINOVER e DINAMARCO, 2008). É o que se extraí do art. 6º do CPC[1].O autor, assim, deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo e o réu precisa ter uma relação de sujeição à pretensão do autor.
Como adotamos a natureza cautelar do instrumento suspensivo, que na maioria das vezes será deduzido de forma incidental à ação ajuizada contra o Poder Público, são pertinentes as lições de Donaldo Armelin, acerca da ação cautelar incidental:
em se tratando de processo cautelar incidente, a legitimidade das partes é de ser inferida através do exame da legitimidade no processo principal. Salvo a hipótese de vir a ser instituída por lei diversidade de legitimidades, o que, de resto, seria ilógico, quem está legitimado para a ação veiculada no processo preexistente estará também legitimado para a ação incidente. (ARMELIN,1979, p. 170)
Nesse sentido, a legitimidade ativa ordinária para deduzir o pedido de suspensão é do próprio ente público que atua na condição de parte do processo principal em que incidirá a medida suspensiva (VENTURI, 2010).
Entretanto, ao contrário do que pode se imaginar, a legitimidade ativa não se restringe ao(s) ente(s) público(s) que figura(m) no processo principal.
É que todas as leis que regem o instrumento excepcional referem-se a “pessoa jurídica de direito público interessada”como legitimada a postular o requerimento de suspensão de execução. Observe-se que a Lei não se refere à pessoa jurídica de direito público impetrada, demandada ou requerida, mas sim, interessada, o que revela que a legitimidade ativa no âmbito do instrumento suspensivo é bastante ampla.
Isso quer dizer que mesmo que não figure como parte no processo já instaurado onde foi proferida a decisão judicial potencialmente lesiva à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, o ente público pode requerer a suspensão da execução da liminar ou sentença, desde que, conforme exige a Lei, demonstre “interesse”na obtenção da suspensão do provimento judicial (VENTURI, 2010).[2]
Entendemos, corroborando as lições de Venturi (2010), que o aludido “interesse” para requerer a suspensão pela pessoa jurídica de direito público, nada mais é do que a demonstração de que a matéria objeto do incidente suspensivo possui correlação com os objetivos institucionais ou orgânicos do ente público, similarmente ao que ocorre no âmbito das ações de controle concentrado de constitucionalidade, no qual o STF exige para alguns dos legitimados a chamada “pertinência temática”. Ressalve-se, todavia, que tal exigência não é feita ao Ministério Público, que, tendo em vista as suas finalidades institucionais previstas na Constituição, podemos afirmar que se trata de um legitimado universal para os pedidos de suspensão.[3]
Assim, deve haver um nexo de causalidade entre o bem afetado pela decisão judicial e as funções institucionais da pessoa jurídica de direito público, de modo que coloque-a na posição de “interessada”, ou seja, de zelar pelo interesse público afetado. Das lições de Rodrigues (2010), podemos extrair que deve haver uma ligação de titularidade entre a pessoa jurídica de direito público e o bem lesado ou na iminência de ser lesado pela decisão que se pretende suspender, que, frise-se, pode ou não coincidir com o bem discutido no processo principal.
Com efeito, pode ser que a grave lesão aos bens jurídicos protegidos pela norma derivada da execução da decisão judicial repercuta faticamente no exercício das atividades institucionais de entidade pública diversa daquela em que figura como ré no processo principal, e, por isso, o legislador conferiu a possibilidade deste ente público estranho ao processo pendente, mas que as consequências da decisão judicial afetam matéria relativa à sua área de atuação, deduzir o requerimento de suspensão.[4]
Pode-se dizer, assim, que a legitimação ativa para os pedidos de suspensão é de natureza concorrente e disjuntiva, na medida em que os legitimados estão autorizados a deduzi-los solitariamente ou em litisconsórcio facultativo, fenômeno idêntico ao percebido quanto à legitimação das ações coletivas (VENTURI, 2010).
Superado esse ponto, analisemos se outros sujeitos, além daqueles previstos em Lei, podem deduzir o pedido de suspensão.
Relembre-se que as leis de regência dos pedidos de suspensão abordam as pessoas jurídicas de direito públicoe o Ministério Público como detentores de legitimidade ativa para ingressarem com a medida. Sabemos que dentro do rol das pessoas jurídicas de direito público somente estão abrangidos a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e suas respectivas autarquias e fundações públicas, sendo certo que as agências executivas ou reguladoras, por ostentarem natureza de autarquias especiais, também são consideradas pessoas jurídicas de direito público (CUNHA, 2010).
Observe-se, então, que numa interpretação legalista, apenas os entes acima mencionados estariam legitimados a intentar o pedido de suspensão. Não obstante a previsão legal, a jurisprudência conferiu legitimidade também a outros sujeitos, conforme abordamos a seguir.
1. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO
Sabe-se que há entidades privadas, não integrantes da administração pública formal, que exercem atividades identificadas como próprias da função administrativa, a exemplo das concessionárias de serviço público.
É certo que a lei deve ser interpretada de forma racional e observando os fins a que se destina. Sendo assim, entendemos que se o conteúdo teleológico dos pedidos de suspensão é a proteção do interesse público primário, a melhor exegese é a de que pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, desde que preenchidos os requisitos legais, possam intentar o pedido de suspensão.
Assim, as pessoas jurídicas de direito privado (sociedades de economia mista, empresas públicas, concessionárias e permissionárias de serviço público) que desempenhem função administrativa, sujeitam-se ao regime jurídico administrativo e são comprometidas com a tutela do interesse público primário, tendo, portanto, legitimidade para deduzir o pedido de suspensão (VENTURI, 2010).
Pertinentes são as colocações de Marcelo Abelha Rodrigues sobre o tema, ao fazer um paralelo entre o alargamento dos legitimados a figurarem no conceito de autoridade coatora no mandado de segurança, com a mesma ampliação ocorrida no âmbito dos legitimados ativos para o pedido de suspensão:
Da mesma maneira que se teve alargado o conceito de autoridade coatora para fins de mandado de segurança, já aceito pela doutrina e jurisprudência, admitindo, com base no art. 37, §6, da CF/88, que os agentes públicos delegados de serviços públicos, os prestadores de serviços públicos, os concessionários ou permissionários poderiam enquadrar-se no esticado conceito de autoridade coatora, mutatis mutandis, esta parece ser a tendência jurisprudencial no tocante ao conceito de pessoa jurídica de direito público, já que o próprio STJ [e o STF] tem admitido que ‘a empresa pública se equipara a entidade de direito público, quanto à legitimidade para requerer a suspensão de liminar, quando a medida se relacionar com aspectos públicos ligados a sua área de atuação’. (RODRIGUES, 2010, p. 137)
Observe-se que a presidência do tribunal deve averiguar se o ente privado busca realmente a tutela do interesse público primário ou a defesa de seus interesses particulares, pois neste último lhe carece legitimidade ativa para deduzir a medida. Caso a empresa pública ou sociedade de economia mista esteja no papel de explorador de atividade econômica não há legitimidade para intentar a medida drástica suspensiva, sobretudo porque feriria os ditames insculpidos nosarts. 170 e 173, §3, da CF/88, que assegura a livre competitividade na ordem econômica, e a submissão das estatais exploradoras de atividade econômica ao regime jurídico de direito privado.[5]
Nesse sentido, registre-se que o STF e o STJ admitem a dedução da medida suspensiva por empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviço público, desde que, prestadoras de serviço público em descentralização personificada e atuando na defesa do interesse público, como, por exemplo, diante de uma decisão judicial que comprometa a regular prestação do serviço público, mas nunca na defesa de seus interesses particulares, ou seja, sem nenhuma correlação com o serviço prestado pelo ente privado à sociedade.[6]
2. ÓRGÃOS PÚBLICOS
O STF tende a consolidar que os órgãos públicos tem legitimidade ad causam para intentar o pedido de suspensão, quando a decisão judicial obstar as suas funções institucionais e desde que presentes os pressupostos legais, ou seja, grave lesão aos bens superiormente protegidos pela norma.
Entende-se que esses órgãos, embora desprovidos de personalidade jurídica autônoma, possuem capacidade processual. Sob esse argumento, o Supremo já admitiu requerimentos suspensivos deduzidos por Tribunal de Contas, Câmara Municipal, Mesa da Assembléia Legislativa estadual e etc. [7]
3. LEGITIMAÇÃO INDIVIDUAL DOS AGENTES PÚBLICOS
Não obstante as Leis que regem os pedidos de suspensãoconferirem legitimidade apenas as pessoas jurídicas de direito público e ao Ministério Público, encontramos alguns julgados nos tribunais pátrios admitindo a legitimidade ativa pessoal do agente político afastado do exercício do mandato no âmbito de ações de improbidade administrativa, ações populares e ações civis públicas.Nesse sentido, aliás, parecem sinalizar os julgados mais recentes do STJ. [8]
Com o devido respeito, trata-se de interpretação que contraria não só as leis que regem os pedidos de suspensão, como também o conteúdo teleológico do instituto. É que conferir tal legitimação para o agente afastado significa propiciar o uso da medida drástica e excepcional em causa própria de particular, ou seja, estimula o uso desvirtuado do pedido de suspensão como sucedâneo recursal visando benefício pessoal do agente público (VENTURI, 2010).
Uma vez afastado do cargo, o agente público perde a representatividade que ostentava em relação à entidade pública que pertencia, não podendo, em nome próprio, deduzir o pedido de suspensão invocando uma suposta proteção do interesse público primário (VENTURI, 2010).
Enfim, entendemos que a dedução do pedido de suspensão por agente público afastado do exercício do cargo por decisão judicial é uma tentativa de uso da medida suspensiva por parte de particular, pessoa física, recaindo, assim, na ilegitimidade ativa.[9]
4. MINISTÉRIO PÚBLICO
Como vimos, quanto ao Parquet, as Leis de regência o legitimaram expressamente, ao lado das pessoas jurídicas de direito público “interessadas”, para requerer a medida suspensiva, razão pela qual não encontramos maiores controvérsias, cabendo apenas fazermos alguns apontamentos[10].
A previsão legislativa está em total consonância com a CF/88, que colocou o Ministério Público como defensor dos “direitos sociais e individuais indisponíveis” (interesse público) no seu art. 127[11], de modo que não seria lógico que não se lhe fosse conferida a legitimidade ativa para o requerimento da suspensão, pois os bens tutelados pela medida suspensiva (ordem, saúde, segurança e economia públicas) inserem-se no conceito de interesse público do qual o Parquet é guardião, nos termos da Lei Maior.
Perceba que, pelas funções constitucionais do MP, o legislador não mencionou que este deveria ser “interessado”, de modo que, sempre que entender pertinente para a tutela do interesse público, poderá o MP deduzir o requerimento de suspensão, sendo, como já tivemos a oportunidade de mencionar, um “legitimado universal” para a medida drástica (VENTURI, 2010).
Obviamente, caso a presidência verifique que o MP esteja usando o instrumento para obstar a sustação de eficácia de decisão judicial visando o interesse secundário, deve, neste caso, julgar pelo mérito, improcedente o pedido, não se afigurando tal situação no campo da legitimidade.
Entendemos, ainda, que sempre que o MP não tenha requerido o pedido de suspensão, ele deve participar como fiscal da lei (custus legis) no procedimento incidental (RODRIGUES, 2010).
5. DEFENSORIA PÚBLICA
Embora não exista previsão legal no que tange a legitimidade para a Defensoria Pública requerer a suspensão de decisões judiciais lesivas ao interesse público, entendemos que, se a jurisprudência, a despeito da Lei, conferiu legitimidade, como vimos, às pessoas jurídicas de direito privado, órgãos despersonalizados e atéagentes políticos individualmente, para requerer a medida, este último que já tivemos oportunidade de manifestar o nosso repúdio, entendemos que seria injusto (e porque não dizer anti-isonômico) que fosse negada a legitimidade para a Defensoria Pública.
Observe-se que recentemente a instituição em tela foi inserida no rol dos legitimados ativos para a promoção da ação civil pública em defesa de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (inciso II do art. 5º da Lei 7.437/85, inserido pela Lei 11.448/2007) (VENTURI, 2010), e, assim, mutatis mutandis, não haveria problema em incluí-la também como legitimada ativa para o instrumento suspensivo.
Nesta senda, entendemos que, desde que a decisão judicial possa causar grave lesão aos bens jurídicos superiormente protegidos pela norma,no âmbito de atuação da Defensoria Pública prevista na CF/88, ou seja, a defesa dos necessitados (art. 134 da CF/88), seria correto conferir legitimidade ad causam para instituição requerer a suspensão.
CONCLUSÃO
Quanto à legitimidade ativa para a medida suspensiva, observou-se que é da pessoa jurídica de direito público interessada e do Ministério Público, não sendo necessário, portanto, que o ente público figure como parte no processo principal onde foi proferida a decisão judicial lesiva aos bens tutelados pela norma, bastando que se demonstre que a matéria objetoda medida possui pertinência com as suas finalidades institucionais, sendo que esta última exigência não é aplicável ao Ministério Público, legitimado universal para o pedido.
Ademais, observou-se, que, a despeito de uma interpretação literal, o STF e o STJ tendem a ampliar a legitimidade para outros sujeitos, como as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos e órgãos não personificados (Tribunal de Contas, Mesa da Assembléia Legislativa estadual, Câmara Municipal e etc.) na defesa de suas atribuições institucionais.
Rechaçamos alguns precedentes do STJ que admitiram a legitimidade ativa pessoal do agente público, pois entendemos que a medida não pode ser utilizada em causa própria de particular, pessoa natural.
Apesar da inexistência de julgados sobre o assunto, defendeu-se a possibilidade do manejo da medida pela Defensoria Pública no âmbito de suas funções institucionais.
ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 1979.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da.A Fazenda Pública em juízo. 8 ed. São Paulo: Dialética, 2010.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010.
VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao Poder Público.2.ed. São Paulo: Ed. RT, 2010.
[1] “Art. 6º. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.”
[2]Conforme leciona Marcelo Abelha Rodrigues: “Vale dizer, ainda, que pouco importa se a pessoa jurídica já tenha sido parte no processo. Nada impede que tal incidente seja o primeiro momento de intervenção deste terceiro que até então não participara do feito. Claro que, a partir do momento em que é admitido o seu ingresso, deixa a condição de terceiro prejudicado e passa a ser mais um sujeito no processo.”
[3]Nesse sentido decidiu o STJ no EDcl no AgRg na SS 693/DF, rel Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 17.12.1999, DJ 14.08.200, p. 129: “A ‘T’, empresa pública, órgão da administração indireta do DF, legalmente incumbida de típico serviço público, tem legitimidade ativa para propor suspensão de segurança, dês que, presentes os pressupostos da medida drástica, tenham pertinência com sua área de atuação”.(Grifamos).
[4]Certeira é conclusão que chega Marcelo Abelha Rodrigues: “(...) nada impede que a execução da decisão legitime mais de uma pessoa jurídica de direito público, desde que elas possuam uma posição de legitimidade diante do interesse público atingido pela decisão. Assim, poderíamos dizer que a legitimidade da pessoa jurídica de direito público, para postular o incidente de suspensão de execução, decorre do nexo de interdependência existente entre a sua esfera jurídica e a decisão proferida que se pretende executar, de modo a colocá-lo numa posição de legitimidade para proteger o dito interesse” (RODRIGUES, 2010, p. 143).
[5]Lembre-se que as empresas públicas e sociedades de economia mista (chamada por alguns autores genericamente de “estatais”) embora sejam pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração pública indireta, dividem-se, conforme o seu objeto, em: exploradoras de atividades econômicas e prestadoras de serviços públicos. Assim, as estatais exploradoras de atividades econômicas, enquadram-se no art. 173 da CF/88, sendo sua atividade regida predominantemente pelo direito privado, ao passo que as estatais prestadoras de serviços públicos, enquadram-se no art. 175 da CF/88, sendo sua atividade regida predominantemente pelo direito privado. Logo, não deve haver um tratamento distinto entre a Administração direta e indireta, salvo quando esta última esteja no papel de explorador de atividade econômica (Rodrigues, 2010). Nesse sentido, é válida a colocação de Cassio Scarpinella Bueno (1998): “Nos termos do art. 37, caput, da CF, não podem existir maiores distinções quanto à Administração direta ou indireta, seja no que se refere às autarquias, seja com relação às empresas públicas ou às sociedades de economia mista. A única exceção que é admitida pelo sistema constitucional brasileiro é aquela retratada no art. 173, §1º, da CF, que diz respeito à submissão das estatais exploradoras de atividade econômica às sujeições típicas de direito privado enquanto exploradoras de atividade econômica, precisamente para evitar que a sua posição de ente estatal pudesse causar desequilíbrio nas relações econômicas que participasse, enquanto agente atuante no domínio econômico (...). Com efeito, desde que as empresas públicas e as sociedades de economia mista possam ser alvo de contraste de seus atos pelo mandado de segurança – naqueles casos em que exercem, por imposição constitucional, função administrativa, como nos exemplos que acabamos de dar, promover concurso público (CF, art. 37, II) ou promover licitação (CF, art. 37, XXI) -, não seria jurídico, à luz do precitado dispositivo legal (Lei 4.348/64) [atual art. 15 da Lei 12.016/2009, negar-lhe, em contrapartida, esta prerrogativa outorgada ao Estado de requerer a suspensão de liminar ou sentença concessiva da ordem, desde que presentes os pressupostos constantes daquela norma (....)”.
[6]“AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. BRASIL TELECOM S/A. LICITAÇÃO. FORNECIMENTO DE ACESSO À INTERNET. CONCORRÊNCIA COM EMBRATEL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE ATIVA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO DO AGRAVO. SÚMULA Nº 182/STJ.1. São partes legítimas para pleitear suspensão de execução de decisão, nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, o Ministério Público ou a pessoa jurídica de direito público, nos termos da Lei nº 4.348/64, art. 4º. 2. A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem admitido também o ajuizamento da excepcional medida por entidades de direito privado no exercício de atividade delegada da Administração Pública, como as sociedades de economia mista e as concessionárias prestadoras de serviço público, quando na defesa de interesse público, naturalmente. 3. Tal construção jurisprudencial tem a finalidade de assegurar a preservação do interesse público, evitando-se a sobreposição do interesse privado. 4. Evidencia-se a ilegitimidade da Brasil Telecom S/A para propor pedido de suspensão de segurança, tendo em vista que manifesta o intuito de defender interesse próprio, eminentemente particular, pretendendo a adjudicação de contrato com órgão público, em igualdade de concorrência com outra concessionária pública, a Embratel. (...)” (AgRSS 1277/DF, rel. Min. Edson Vidigal, j. 25.10.2004, DJ 06.12.2004, p.174).
Sobre o tema, observe-se a pedagógica jurisprudência do STF na SL 34, informativo 340, publicado no DJU 24.03.2004: “(...) Inicialmente, cumpre averiguar se a TELEMAR, CTBC e BRASIL TELECOM, que são concessionárias de serviço público e a SERCOMTEL, sociedade de economia mista, possuem legitimidade ativa para propor suspensão de segurança. Examinando-se o tema, no ponto, é de reconhecer-se-lhes legitimidade para o ajuizamento da medida, visto que a expressão "pessoa jurídica de direito público interessada", prevista no artigo 4º da Lei 4348/64 e no artigo 297 do Regimento Interno tem ensejado, da parte do Supremo Tribunal Federal, em certos casos, interpretação compreensiva de entidades integrantes da Administração Indireta, como empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações e até de concessionárias (Cf. SS 632, Octavio Gallotti, DJ de 26/04/94).9. A esse respeito, cumpre consignar que não é sempre que se pode admitir no pólo ativo dos pedidos de contracautela entidades da administração indireta ou concessionárias de serviço público, mas somente nos casos em que essas pessoas jurídicas estejam investidas na defesa do interesse público, em face da natureza dos serviços públicos sob concessão, o que parece ser o caso em exame”.
[7]Nesse sentido assentou a Min. Ellen Grace, a época na presidência da Suprema Corte:“verifico que o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão possui legitimidade ativa para postular a presente suspensão de segurança na forma do art. 4º da Lei nº 4.348/64, visto que evidenciado seu objetivo de preservar a prerrogativa institucional que lhe é constitucionalmente assegurada, no caso, pela alínea e do inc. I do art. 96 c/c o art. 75, ambos da Constituição Federal. A jurisprudência desta Corte, nesse aspecto, reconhece legitimidade ativa dos órgãos não personificados, permitindo, desse modo, ao Tribunal de Contas, a defesa judicial de suas atribuições. Destaco, por oportuno, excerto do julgamento proferido na SS 936-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, unânime, 23.02.1996, nos seguintes termos:"(...) A exemplo de que se consolidou com relação ao mandado de segurança, é de reconhecer-se a legitimação, para requerer-lhe a suspensão, ao órgão público não personificado quando a decisão questionada constitua óbice ao exercício de seus poderes ou prerrogativas.(...)" (SS 2911/MA, j. 02.05.2006, DJ 10.05.2006, p. 26).
No mesmo sentido, o Min. Marco Aurélio na SS 2230/AM, DJ 03.06.2003: em tema de suspensão de segurança, assiste plena legitimidade ativa ad causam à Câmara Municipal para requerer a medida de contracautela a que se refere o art. 4º da Lei nº 4.348/64, sempre que esse órgão estatal alegar que o ato decisório questionado - deferimento da liminar mandamental ou concessão do próprio mandado de segurança - reveste-se de eficácia inibitória de qualquer das funções institucionais atribuídas ao Poder Legislativo local: função legislativa, função fiscalizadora e função representativa.É certo que a Câmara Municipal de Tefé/AM não dispõe de personalidade jurídica de direito público, embora esteja investida de capacidade processual plena ("personalidade judiciária"), que legitima a sua atuação em juízo, consoante enfatiza o magistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES,"Direito Municipal Brasileiro", p. 444, 6ª ed./3ª tir., 1993, Malheiros;VITOR NUNES LEAL,"Problemas de Direito Público", p. 324, 1960;DIOMAR ACKEL FILHO,"Município e Prática Municipal à Luz da Constituição Federal de 1988", p. 313, 1992, RT, v.g.) e ressalta a própria jurisprudência dos Tribunais (RT 558/55 - SS 1.264/AM, Rel.Min. CELSO DE MELLO, v.g.).Para os fins a que se refere o art. 4º da Lei nº 4.348/64, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido assistir legitimidade ativa a órgãos não-personificados, como as Câmaras Municipais, admitindo, em consequência, a possibilidade de formularem, elas próprias, o pedido de suspensão de segurança, sempre que esse pleito sustentar, como no caso, que a decisão proferida em sede mandamental importa em obstrução ao exercício de qualquer das funções constitucionais inerentes ao Poder Legislativo (RTJ 141/369, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - SS 954/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO,v.g.).
[8]“Suspensão de liminar. Competência do STJ. Legitimidade ativa (prefeito). Sucessivas ações de improbidade administrativa. Afastamento indefinido. Princípio da proporcionalidade. 1. Em se tratando de suspensão de liminar, inaugura-se a competência do Superior Tribunal quando há decisão, no Tribunal local, em agravo de instrumento interposto em razão da concessão da medida urgente. Precedentes. 2. Tem legitimidade ativa para ajuizar pedido de suspensão prefeito municipal que busca sustar os efeitos de decisão que o afastou do cargo. Precedentes. 3. A norma legal, ao permitir o afastamento do agente político de suas funções, objetiva garantir o bom andamento da instrução processual na apuração das irregularidades apontadas, contudo não pode servir de instrumento para invalidar o mandato legitimamente outorgado pelo povo nem deve ocorrer fora das normas e ritos legais. 4. Na espécie, evidencia-se que o afastamento do Prefeito do comando da municipalidade implica risco para o interesse público, porquanto, na investigação de supostos fatos envolvendo o governante, não se observaram aqueles princípios 5. Agravo regimental improvido”.(CE, AgRg na SL 9/PR, rel. Min. Edson Vidigal, j. 20.10.2004, DJ 26.09.2005, p. 158).
“AFASTAMENTO CAUTELAR DE AGENTE POLÍTICO. PEDIDO DE SUSPENSÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. - O agente político tem legitimidade ativa para ajuizar pedido de suspensão visando subtrair eficácia da decisão judicial que o afastou do cargo.”(STJ, CE, AgRg na SLS 876/RN, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 30.06.2008, Dje 10.11.2008).
[9]“Suspensão de liminar (efeito ativo). Pedido de particular (incabível). Pessoa jurídica de direito público e Ministério Público (legitimidade). Salvaguarda do interesse público (Lei nº 8.437/92).8.4371 - O particular, tanto mais quando na defesa de interesses próprios, não possui legitimidade para ajuizar pedido de suspensão, mesmo quando objetiva o restabelecimento de medida anteriormente concedida (efeito ativo) 2 - O art. 4º da Lei nº 8.437/92 dispõe que o Ministério Público ou a pessoa jurídica de direito público são partes legítimas para pleitear suspensão de execução de liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, entretanto a jurisprudência tem admitido também o ajuizamento da excepcional medida por sociedades de economia mista e concessionárias prestadoras de serviço público, quando na defesa do interesse público. 3 - Agravo improvido.” (STJ, AgRg na PET , Relator: Ministro NILSON NAVES, Data de Julgamento: 16/06/2003, DJ 22/09/2003 p. 248).
Nesse sentido o STF já manifestou seu entendimento em pedido de suspensão deduzido por Prefeito: "(...) Na espécie, o requerente não conta com legitimação para pleitear a suspensão de execução de decisão proferida em ação civil pública. A Lei nº 8.437/92 - a merecer, ante a excepcionalidade do que nela previsto, interpretação estrita - alude a requerimento do Ministério Público ou de pessoa jurídica de direito público interessada - artigo 4º. No caso dos autos, o requerente, pessoa natural, não goza da legitimação exigida. Pelas razões acima, assento a ilegitimidade do requerente. Arquive-se."(STF, PET2744 SP , Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 02/10/2003, Data de Publicação: DJ 10/10/2003).
[10]Lembre-se que até pouco tempo não era assim no âmbito do mandado de segurança, pois o art. 4º da Lei 4.348/64 e o anterior art. 13 da Lei 1.533/1951 eram omissos em relação à legitimidade do MP. Mesmo assim a jurisprudência o admitia como legitimado para o pedido de suspensão, fazendo uma interpretação conjunta com a Lei 8.437/92. Como se pode imaginar, a doutrina se dividia quanto à tal possibilidade, discussão esta que atualmente está superada com a previsão legal expressa corrigindo o equívoco anterior.
[11] Incumbe ao Ministério Público, segundo o art. 127 da CF/88, “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Ainda, dentre as funções institucionais está a de “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia” (art. 129, II).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CUNHA, Victor Rizzo Carneiro da. A legitimidade ativa nos pedidos de suspensão: tendência ampliativa sob a ótica dos tribunais superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2013, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33763/a-legitimidade-ativa-nos-pedidos-de-suspensao-tendencia-ampliativa-sob-a-otica-dos-tribunais-superiores. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
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