O presente artigo jurídico trata da dosimetria penal, em especial sua segunda fase, em que são analisadas as circunstâncias agravantes e atenuantes, para fazer uma análise a respeito dos institutos da preponderância e da compensação quando presentes a agravante da reincidência e a atenuante da confissão, abordando o posicionamento dos Tribunais Superiores a respeito do tema.
A definição de qual instituto deve ser aplicado no caso de concorrência das citadas circunstâncias é de suma importância para o réu, na medida em que reflete diretamente na pena que terá que ser cumprida.
Para o cálculo da pena, adota-se o sistema trifásico, previsto no art. 68, do Código Penal:
Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
Tomando por base a disposição legal mencionada, na primeira fase,é fixada a pena-base levando em conta as circunstâncias judiciais preconizadas no art.59, do Código Penal. Já na segunda fase, é estabelecida a pena intermediária ao serem consideradas as agravantes e as atenuantes e, por fim, na terceira, é fixada a reprimenda definitiva ao serem aplicadas as causas de aumento e de diminuição.
Tratando da segunda fase da dosimetria penal, especificamente da hipótese de concorrência da agravante da reincidência e da atenuante da confissão, para se estabelecer a pena intermediária, faz-se necessária a análise precedente dessas duas circunstâncias legais.
No tocante à reincidência, sua previsão como agravantese encontra no art. 61, inciso I, do Código Penal:
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I - a reincidência;
No art. 63, do Código Penal, bem como no art. 7º, da Lei de Contravenções Penais, constam seus requisitos:
Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
Art. 7º- Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção.
Nesse passo, são necessários para sua configuração: o trânsito em julgado de sentença penal condenatória por crime no Brasil ou no estrangeiro ou por contravenção penal no Brasil e o cometimento de nova infração penal, sendo que dentro dessas hipóteses, não restou abrangido o caso de condenação por contravenção penal no Brasil e prática de novo crime.
Convém registrar que não importa o tipo de infração penal, o tipo de pena ou a quantidade desta, bastando a existência de condenação definitiva anterior para caracterizar a reincidência, isso por um certo período de tempo, já que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema da temporariedade da reincidência. Expõe o art. 64:
Art. 64 - Para efeito de reincidência:
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;
Com efeito, se o agente comete nova infração penal antes do trânsito em julgado da condenação por outra anterior, não há reincidência. Se comete depois de cumprir a pena pela condenação pretérita e antes de 05 anos, há reincidência real e depois de 05 anos, há maus antecedentes.
Quando o agente pratica nova infração durante o cumprimento da pena, ocorre a reincidência ficta, uma vez que já há condenação definitiva, porém ainda não cumpriu a pena, ou seja, não começou a contagem do prazo de 05 anos.
Quanto à confissão, sua previsão como atenuante está no art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal:
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
(...)
III - ter o agente:
(...)
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
Nesse passo, possui como requisito aespontaneidade da confissão, não admitindo interferência externa. Ademais, para a doutrina, não pode ser qualificada, que consiste na admissão da autoria do fato criminoso associada a uma tese de defesa, como uma excludente de ilicitude, ou incompleta. Contudo, o Supremo Tribunal Federal aceita a confissão qualificada e a parcial como atenuantes.
Além disso, não incidirá a atenuante no caso do agente confessar na polícia e se retratar em juízo, a não ser que a confissão extrajudicial tenha sido utilizada para embasar a condenação, somada a outros elementos probatórios.
O caso de concurso de agravante com atenuante é tratado no art. 67, do Código Penal:
Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
Tomando por base tal disposição legal, a doutrina estabeleceu a seguinte ordem de preponderância: atenuante da menoridade ou senilidade, agravante da reincidência, atenuantes eagravantes subjetivas(ligadas ao motivo e ao estado anímico do agente) e, por fim, atenuantes e agravantes objetivas (ligadas ao meio e modo de execução), de modo a admitir a compensação quando se encontrarem no mesmo patamar.
Coloca, portanto, a reincidência em segundo lugar e a confissão em terceiro, prevalecendo a agravante sobre a atenuante. Contudo, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, entendendo de forma diversa, já realizava a compensação entre ambas, o que também passou a ser feito pela Quinta Turma, a partir do julgamento pela Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, do EREsp n.º 1.154.752/RS, em que foi pacificado o entendimento no sentido da inexistência de preponderância entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, para permitir a compensação dessas circunstâncias.
Argumenta-se que a confissão representa um aspecto positivo da personalidade do autor do crime, que colaborou com a justiça e deu maior segurança ao julgador para prolatar um decreto condenatório. Na verdade, tal questão vai além disso, na medida em que revela a consciência pelo agente de que descumpriu uma norma, quando conta em seu favor o direito a não se auto-incriminar.
Como dito, o Superior Tribunal de Justiça, por suas duas Turmas (Quinta e Sexta), que compõem a Terceira Seção, uniformizou o entendimento de que a atenuante da confissão se compensa com a agravante da reincidência:
HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO SIMPLES. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PROPORCIONALIDADE ENTRE OS FUNDAMENTOS JUDICIAIS E A EXASPERAÇÃO DA REPRIMENDA. MOTIVAÇÃO VÁLIDA. CONFISSÃO PARCIAL DO CRIME. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. RECONHECIMENTO OBRIGATÓRIO. CONCURSO ENTRE REINCIDÊNCIA E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO.POSSIBILIDADE. MATÉRIA PACIFICADA NESTA CORTE POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO ERESP N.º 1.154.752/RS. RÉU RECONHECIDAMENTE REINCIDENTE, COM PENA SUPERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO.OBRIGATORIEDADE DO REGIME FECHADO. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO.
1. Não há constrangimento ilegal a ser sanado na via do habeas corpus, estranha ao reexame da individualização da sanção penal, quando a fixação da pena-base acima do mínimo legal, de forma fundamentada e proporcional, justifica-se em circunstâncias judiciais desfavoráveis.
2. A exasperação da reprimenda restou devidamente justificada nos maus antecedentes do réu, devidamente comprovados por sentenças condenatórias transitadas em julgado, que não foram utilizadas para configurar a reincidência.
3. A atenuante do art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal, tem caráter objetivo, configurando-se, tão-somente, pelo reconhecimento espontâneo do acusado, perante a autoridade, da autoria do delito, não se sujeitando a critérios subjetivos ou fáticos. In casu, o Paciente confessou a subtração, logo, ainda que tenha negado o emprego de violência contra a vítima, impõem-se a aplicação da atenuante.
4. A Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, após o julgamento do EREsp n.º 1.154.752/RS, pacificou o entendimento no sentido da inexistência de preponderância entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, a teor do art. 67 do Código Penal, pelo que é cabível a compensação dessas circunstâncias.
5. O regime prisional inicial fechado é obrigatório ao réu reincidente e que teve as circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis, quando condenado à pena superior a quatro anos.Inteligência dos arts. 59 e 33, § 2º, do Código Penal e da Súmula n.º 269 desta Corte Superior de Justiça.
6. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para fixar a pena do Paciente em 04 anos, 05 meses e 10 dias de reclusão. (destaque nosso)
(HC 200.113/SP. Relatora: Mina. Laurita Vaz. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 18/12/2012. DJe 01/02/2013)
O Supremo Tribunal Federal já apresentou entendimento no sentido da compensação:
HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. CONCURSOS DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES. PREPONDERÂNCIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Constituição Federal assegura aos presos o direito ao silêncio (inciso LXIII do art. 5º). Nessa mesma linha de orientação, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de São José da Costa Rica) institucionaliza o princípio da “não-auto-incriminação” (nemotenetur se detegere). Esse direito subjetivo de não se auto-incriminar constitui uma das mais eminentes formas de densificação da garantia do devido processo penal e do direito à presunção de não-culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal). A revelar, primeiro, que o processo penal é o espaço de atuação apropriada para o órgão de acusação demonstrar por modo robusto a autoria e a materialidade do delito. Órgão que não pode se esquivar da incumbência de fazer da instrução criminal a sua estratégia oportunidade de produzir material probatório substancialmente sólido em termos de comprovação da existência de fato típico e ilícito, além da culpabilidade do acusado. 2. A presunção de não-culpabilidade trata, mais do que de uma garantia, de um direito substantivo. Direito material que tem por conteúdo a presunção de não-culpabilidade. Esse o bem jurídico substantivamente tutelado pela Constituição; ou seja, a presunção de não-culpabilidade como o próprio conteúdo de um direito substantivo de matriz constitucional. Logo, o direito à presunção de não-culpabilidade é situação jurídica ativa ainda mais densa ou de mais forte carga protetiva do que a simples presunção de inocência. 3. O Supremo Tribunal Federal tem entendido que não se pode relacionar a personalidade do agente (ou toda uma crônica de vida) com a descrição, por esse mesmo agente, dos fatos delitivos que lhe são debitados (HC 102.486, da relatoria da ministra Cármen Lúcia; HC 99.446, da relatoria da ministra Ellen Gracie). Por outra volta, não se pode perder de vista o caráter individual dos direitos subjetivo-constitucionais em matéria penal. E como o indivíduo é sempre uma realidade única ou insimilar, irrepetível mesmo na sua condição de microcosmo ou de um universo à parte, todo instituto de direito penal que se lhe aplique – pena, prisão, progressão de regime penitenciário, liberdade provisória, conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos – há de exibir o timbre da personalização. Quero dizer: tudo tem que ser personalizado na concreta aplicação do direito constitucional-penal, porque a própria Constituição é que se deseja assim orteguianamente aplicada (na linha do “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, como sentenciou Ortega Y Gasset). E como estamos a cuidar de dosimetria da pena, mais fortemente se deve falar em personalização. 4. Nessa ampla moldura, a assunção da responsabilidade pelo fato-crime, por aquele que tem a seu favor o direito a não se auto-incriminar, revela a consciência do descumprimento de uma norma social (e de suas consequências), não podendo, portanto, ser dissociada da noção de personalidade. 5. No caso concreto, a leitura da sentença penal condenatória revela que a confissão do paciente, em conjunto com as provas apuradas sob o contraditório, embasou o juízo condenatório. Mais do que isso: as palavras dos acusados (entre eles o ora paciente) foram usadas pelo magistrado sentenciante para rechaçar a tese defensiva de delito meramente tentado. É dizer: a confissão do paciente contribuiu efetivamente para sua condenação e afastou as chances de reconhecimento da tese alinhavada pela própria defesa técnica (tese de não consumação do crime). O que reforça a necessidade de desembaraçar o usufruto máximo à sanção premial da atenuante. Assumindo para com ele, paciente, uma postura de lealdade (esse vívido conteúdo do princípio que, na cabeça do art. 37 da Constituição, toma o explícito nome de moralidade). 6. Ordem concedida para reconhecer o caráter preponderante da confissão espontânea e determinar ao Juízo Processante que redimensione a pena imposta ao paciente. (destaque nosso)
(HC 101909. Relator: Min. Ayres Britto. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 28/02/2012)
Contudo, suas Turmas, Primeira e Segunda, recentemente apresentaram entendimento no sentido de que ainda prepondera a reincidência sobre a confissão:
Habeas corpus. Fixação da pena. Concurso da agravante da reincidência e da atenuante da confissão espontânea. Pretensão à compensação da qualificadora com a atenuante, ou à mitigação da pena-base estabelecida. Inviabilidade. Ordem denegada. 1. Nos termos do art. 67 do Código Penal, no concurso de atenuantes e agravantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes. No caso em exame, a agravante da reincidência prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea, razão pela qual é inviável a compensação pleiteada ou qualquer outra mitigação. Precedentes. 2. Ordem denegada.
(HC 112830. Relator: Min. Dias Toffoli. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 22/05/2012)
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. 1. PREPONDERÂNCIA DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA EM CONCURSO COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PRECEDENTES. 2. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO EM HARMONIA COM O ART. 33, § 2º, ALÍNEA B, E § 3º, DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. A reincidência é circunstância agravante que prepondera sobre as atenuantes, com exceção daquelas que resultam dos motivos determinantes do crime ou da personalidade do agente, o que não é o caso da confissão espontânea. Precedentes. 2. A confissão espontânea é ato posterior ao cometimento do crime e não tem nenhuma relação com ele, mas, tão somente, com o interesse pessoal e a conveniência do réu durante o desenvolvimento do processo penal, motivo pelo qual não se inclui no caráter subjetivo dos motivos determinantes do crime ou na personalidade do agente. 3. Regime inicial fechado fixado de forma adequada, nos termos do art. 33, § 2º, alínea b, e § 3º, do Código Penal, em razão da quantidade da pena aplicada, das condições pessoais do Paciente e da reincidência. 4. Ordem denegada.
(HC 111849. Relatora: Mina. Cármen Lúcia. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 02/10/2012)
Assim, constata-se que em sede da Corte Superior de Justiça, encontra-se uniformizado o entendimento de que a reincidência e a confissão se compensam, o que demonstra a valoração e o incentivo atribuídos à confissão, justamente por dar uma maior segurança ao julgador.
Bibliografia
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. v. 1.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado. Parte geral. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2009.
Bacharela em Direito e Pós-Graduada em Direito Civil Lato Sensu. Técnica Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe e Assessora Jurídica de Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Augusta Monte Alegre Bezerra de Andrade. Preponderância ou compensação entre reincidência e confissão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33968/preponderancia-ou-compensacao-entre-reincidencia-e-confissao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.