O presente artigo jurídico trata das hipóteses de tentativa qualificada, consistentes na desistência voluntária e no arrependimento eficaz, de modo a explanar seus elementos e suas consequências jurídicas, traçando um paralelo com a tentativa simples. Nisso reside, justamente, o objetivo do artigo, que é a identificação da tentativa abandonada, afastando a causa de diminuição da tentativa, para permitir que o agente responda pelos atos praticados, se puníveis.
É de suma importância a identificação da correta situação em que se encaixa o agente, por ter uma relação direta com sua responsabilização penal e, por consequência, com a pena imposta.
A tentativa consiste na realização incompleta de um tipo penal incriminador por circunstâncias alheias à vontade do agente, nos termos do disposto no art. 14, inciso II, do Código Penal:
Art.14 - Diz-se o crime:
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Nesse passo, não existe um tipo penal incriminando a tentativa de cada crime e sim a combinação do tipo incriminador com a norma que prevê a hipótese de tentativa, para possibilitar a punição do autor que não tenha conseguido consumar o crime por circunstâncias alheias à sua vontade. Melhor explicando, o dispositivo acima citado permite a ampliação da proibição, de modo a responsabilizar o agente por fatos criminosos realizados de forma incompleta.
Como ensina o doutrinador Cleber Masson (2009, p. 307):
A adequação típica de um crime tentado é de subordinação mediata, ampliada ou por extensão, já que a conduta humana não se enquadra prontamente na lei penal incriminadora, reclamando-se, para complementar a tipicidade, a interposição do dispositivo contido no art. 14, II, do Código Penal.
Definida a natureza jurídica da tentativa, qual seja, norma de extensão temporal, tem-se que seus elementos são: início de execução, não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente e dolo de consumação, de modo que estando presentes todos os seus elementos, a pena correspondente ao crime consumado será diminuída de um a dois terços, conforme previsão do parágrafo único, do art. 14, do Código Penal:
Art. 14 (...)
Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
Convém aqui registrar que o montante da diminuição será fixado de acordo com o caminho percorrido pelo autor no iter criminis, sendo menor a redução se mais próximo da consumação e maior a redução se mais distante.
A tentativa abandonada, também chamada dequalificada, tem tratamento no art. 15, do Código Penal e dela são espécies a desistência voluntária e o arrependimento eficaz:
Art.15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
Aqui, tanto os elementos configuradores, como as consequências são diferentes da tentativa simples. Embora em todos os três casos existao início da execução, na desistência voluntária e no arrependimento eficaz o agente desiste de prosseguir por circunstâncias inerentes à sua vontade, enquanto que na tentativa não prossegue por circunstâncias alheias.
Ademais, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz têm como consequência o autor responder pelos atos praticados, caso sejam típicos e já a tentativa implica em causa de diminuição da pena, a ser aplicada na terceira fase da dosimetria penal.
São, portanto, institutos do direito penal diversos da tentativa, com elementos próprios e consequências diferentes.
No tocante à desistência voluntária, o agente iniciou a execução do crime, mas, por sua vontade, abandona a execução quando ainda podia agir. Não há, assim, término da execução, uma vez que embora pudesse prosseguir na empreitada criminosa, não quis.
Nessa linha, são elementos dessa hipótese de tentativa abandonada:início de execução e não consumação por circunstâncias inerentes à vontade do agente. Além disso, precisa ser eficaz e voluntária, sendo que esta última permite interferência externa subjetiva (de uma pessoa), como, por exemplo, o conselho de terceira pessoa, não abrangendo a objetiva (de uma coisa), a exemplo da sirene da polícia. No caso da sirene que compele o autor a parar, tem-se a tentativa.
Aplicação pelo Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS (...) DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. CONFIGURAÇÃO. AFASTAMENTO DA TENTATIVA. RESPONSABILIDADE PELOS ATOS JÁ PRATICADOS. IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO DO PLEITO.
1. A configuração da desistência voluntária afasta, inevitavelmente, o delito na sua forma tentada, respondendo o agente pelos atos já praticados.
2. "Não há dúvida, entretanto, que na tentativa o resultado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. No caso, há esgotamento de todos os atos executórios ou o agente é impedido de exauri-los. O dolo inicialmente pretendido, entretanto, remanesce. Já na desistência voluntária e no arrependimento eficaz, por opção/escolha do agente, o fim inicialmente pretendido pelo agente não se realiza. Ou seja, ao alterar o dolo inicialmente quisto, enseja a ocorrência da atipicidade, respondendo, entretanto, pelos atos já praticados" (REsp 497.175/SC).
(...)
(STJ. HC 184.366/DF. Relator: Min. Jorge Mussi. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 02/08/2011.DJe 29/08/2011)
No que se refere ao arrependimento eficaz, o agente iniciou e terminou a execução do crime, mas, por sua vontade, desenvolve nova conduta para evitar a produção do resultado naturalístico. Há, assim, o término da execução, mas não há a consumação do crime por conta da nova conduta praticada, decorrente do desejo de retroceder na atividade delituosa.
Tem como elementos: início e término da execução, além da não consumação por circunstâncias inerentes à vontade do agente, de modo que também deve ser eficaz e voluntário o arrependimento, aplicando-se aqui o mesmo a respeito da possibilidade de interferência externa subjetiva.
Importante frisar que a diferença entre as duas espécies de tentativa abandonada se encontra no momento do abandono do propósito criminoso. Enquanto na desistência voluntária, o agente para antes do esgotamento dos atos executórios, no arrependimento eficaz, ele abandona depois da execução, evitando o resultado naturalístico.
Como nos crimes formais e de mera conduta, com o esgotamento da execução, já ocorreu a consumação, não existe espaço para a aplicação do arrependimento eficaz. Este incide, portanto, somente nos crimes materiais.
Aplicação pelo Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. RESSARCIMENTO DO PREJUÍZO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE ARREPENDIMENTO EFICAZ OU CRIME IMPOSSÍVEL. CONSUMAÇÃO. ARREPENDIMENTO POSTERIOR: CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DESCABIMENTO. REVOLVIMENTO DO CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. O arrependimento posterior do agente, que é causa obrigatória de redução de pena – hipótese dos autos –, não se confunde com a figura do arrependimento eficaz, que impede a consumação do crime.
2. A consumação do delito de estelionato operou-se com a compra de relógio com cartão de crédito pertencente a outrem.
3. A reparação do dano anteriormente ao recebimento da denúncia não extingue a punibilidade, podendo, apenas, minorar a pena aplicada ao agente do delito.
4. Não se trata de crime impossível quando o recorrente obteve, de fato, a vantagem ilícita e a vítima experimentou o prejuízo, não se tratando de caso de trancamento da ação penal.
5. O reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, com vistas a desconstituir o entendimento das instâncias ordinárias, soberanas em matéria de prova, refoge à competência desta Corte.
6. Recurso desprovido.
(STJ. RHC 17.106/BA. Relator: Min. Og Fernandes. Órgão Julgador: Sexta Turma. Julgamento: 30/10/2008. DJe 17/11/2008)
Por fim, importante registrar que a tentativa abandonada, em qualquer de suas espécies, tem natureza jurídica de causa extintiva da punibilidade, isso por razões de política criminal. Para fomentar a desistência e o arrependimento por parte dos autores, a tentativa inicial, que de fato existiu, não será punida com a pena do crime consumado diminuída de um a dois terços.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado abaixo citado, definiu as hipóteses de tentativa abandonada:
I. Crime tentado: arrependimento eficaz (CP, art. 15): conseqüências jurídico-penais. Diversamente do que pode suceder na "desistência voluntária" - quando seja ela mesma o fator impeditivo do delito projetado ou consentido -, o "arrependimento eficaz" é fato posterior ao aperfeiçoamento do crime tentado, ao qual, no entanto, se, em concreto, impediu se produzisse o resultado típico, a lei dá o efeito de elidir a punibilidade da tentativa e limitá-la à conseqüente aos atos já praticados. II. Denúncia: tentativa de homicídio duplamente qualificado: ausência de descrição de circunstância posterior do fato - o arrependimento do agente -, que implica a sua desclassificação jurídica para um dos tipos de lesão corporal: caso de rejeição. 1. Se se tem, na denúncia, simples erro de direito na tipificação da imputação de fato idoneamente formulada é possível ao juiz, sem antecipar formalmente a desclassificação, afastar de logo as conseqüências processuais ou procedimentais decorrentes do equívoco e prejudiciais ao acusado. 2. Na mesma hipótese de erro de direito na classificação do fato descrito na denúncia, é possível, de logo, proceder-se a desclassificação e receber a denúncia com a tipificação adequada à imputação fática veiculada, se, por exemplo, da qualificação jurídica do fato imputado depender a fixação da competência ou a eleição do procedimento a seguir. 3. A mesma alternativa de solução, entretanto, não parece adequar-se aos princípios, quando a imputação de fato não é idônea: seja (1) porque divorciada - no tocante à classificação jurídica que propõe - dos elementos de informação disponíveis; seja (2) porque a descrição que nela se contenha sequer corresponda à acertada qualificação jurídica do episódio real, segundo os mesmos dados empíricos de convicção recolhidos. 4. De um lado, não pode o órgão jurisdicional, liminarmente, substituir-se ao Ministério Público - titular exclusivo da ação penal - e, a fim de retificar-lhe a classificação jurídica proposta, aditar à denúncia circunstância nela não contida, ainda que resultante dos elementos informativos que a instruam. 5. Por outro lado, carece de justa causa a denúncia, tanto quando veicula circunstância essencial desamparada por elementos mínimos de suspeita plausível da sua realidade, quanto se omite circunstância do fato, igualmente essencial à sua qualificação jurídica, cuja realidade os mesmos elementos de informação evidenciem. 6. Verificada essa última hipótese, não podia ser recebida a denúncia, nem sob a capitulação que formula - fruto da omissão de circunstância do fato, que a inviabiliza -, nem mediante desclassificação que a ajustasse aos dados unívocos do inquérito, solução que implicaria inadmissível aditamento, pelo juízo, de fato não constante da imputação formulada pelo Ministério Público. 7. HC deferido para rejeitar a denúncia, sem prejuízo de que outra seja adequadamente oferecida. (destaque nosso)
(STF. HC 84653. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 02/08/2005. DJ 14/10/2005)
Assim, como se pode perceber, são diferentes os institutos da tentativa, da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, embora apresentem pontos em comum, sendo de grande importância para o réu a identificação correta de cada uma dessas situações.
Bibliografia
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. v. 1.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado. Parte geral. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2009.
Bacharela em Direito e Pós-Graduada em Direito Civil Lato Sensu. Técnica Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe e Assessora Jurídica de Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Augusta Monte Alegre Bezerra de Andrade. Tentativa Abandonada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 mar 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34028/tentativa-abandonada. Acesso em: 23 dez 2024.
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