Com a nova sistemática do artigo 543-C do CPC, o recurso representativo de controvérsia corre o risco de expandir os pré-requisitos dos recursos extremos, fora da previsão constitucional. É que se passou a negar seguimento ao Recurso Especial, nos termos do art. 543-C, § 7º, inc. I, do Código de Processo Civil, numa interpretação fora dos parâmetros da ampla defesa.
A norma do art. 544 do CPC, editada no mesmo momento, deve ser interpretada com base na ampla defesa incidindo nos casos para os quais o agravo de instrumento, hoje agravo, simplesmente, foi criado. Ou seja, nas hipóteses em que o órgão judicante do Tribunal de origem tenha extrapolado os requisitos de admissibilidade do Recurso Especial.
O exame dos mencionados pressupostos recursais, sem dúvida, não alcança a norma do inciso I do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil. É que nesse dispositivo usado como fundamento da negação do seguimento, há verdadeiro julgamento do mérito que serviu de paradigma ou, como dispõe a própria lei, de "recurso representativo de controvérsia" (§ 1º do mesmo dispositivo).
Deste modo, os Tribunais inferiores estão criando um novo requisito para o Recurso Especial. Cria-se um novo requisito, por via pretoriana, à margem da Constituição (art. 105, III). A fonte normativa primária da matéria não pode ser deixada de lado. A Constituição da República não prevê esse tipo de interpretação, antes pelo contrário, quer garantir o acesso amplo aos Tribunais superiores, ainda mais em questão de liberdade, como ocorre no processo penal. Dentro desta interpretação, nem mesmo na lei processual civil (CPC, arts. 541 e seguintes) se pode perquirir tamanho cerceamento do Recurso. Mesmo porque o Recurso Especial pode ter vários fundamentos, não só a contrariedade à decisão do STJ.
Estamos assim, de frente a uma verdadeira criação pretoriana, uma inovação perigosa porque atípica e castradora de Recurso. E piora muito mais a situação quando se percebe que a negativa de seguimento tem base na análise de mérito no Tribunal inferior quando não mais possui competência para a análise do mérito. Está se considerando o art. 543-C do CPC como um mecanismo de reabertura de análise do mérito pelo Tribunal a quo. Isso é verdadeiramente criar um novo sistema de julgamento à margem da Constituição da República.
Na verdade, procura-se simplesmente negar ao Jurisdicionado acesso ao STJ, no caso. Os Tribunais inferiores, neste caminho, estão verdadeiramente sistematizando um tipo de súmula vinculante antecipada, ainda na origem. Em outras palavras, é um mecanismo que visa paralisar o raciocínio jurídico nos Tribunais. Uma vez que se confere aos precedentes, na interpretação fechada do art. 543-C, CPC, um mecanismo de se negar seguimento aos recursos, estaremos fadados a ter decisões imutáveis porque não se terá caminho adequado para provocar eventual mudança de posicionamento. Nem mesmo na Common Law, onde se tem os precedentes num patamar muito mais elevado do que no nosso sistema, cultuam de maneira tão absoluta as decisões anteriores ao ponto de admitir que um Tribunal inferior paralise o seguimento de um recurso “reanalisando previamente o mérito” com base em uma decisão que entende paradigma.
Não se pode deixar de observar também que as decisões judiciais subordinam-se à cláusula rebus sic stantibus, exigindo revisão para adequar-se a um novo modelo de direito ou de fato, como parece ser um sistema mais óbvio de atualização do pensamento jurídico.
Tal posicionamento dos Tribunais inferiores vai mesmo de encontro com todo um sistema democrático recursal. Se pararmos para observar, nem mesmo se limita de maneira absoluta recursos que contrariem súmulas vinculantes editadas pelo STF porque, mesmo nesse extremo exemplo, há mecanismos de revisão (CF, art. 103-A, § 2º e Lei 11.417/06, arts. 3º a 6º). Do mesmo mote com as decisões do STF que negam existência de repercussão geral (CPC, art. 543-A, § 5º). E mesmo no âmbito do STJ, pode-se propor revisão de suas próprias súmulas (Regimento Interno, art. 125).
Desta forma, deve-se protestar com veemência essa criação pretoriana de limitar o acesso aos tribunais superiores com uma verdadeira análise antecipada do mérito fora de propósito e competência.
Prof. Me. Warley Belo
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