RESUMO
O presente artigo tem como foco o dano moral e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Limita-se ao estudo do dano moral e da dignidade da pessoa humana no âmbito do Brasil e a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Para tanto, esse trabalho se desenvolve por meio de pesquisa bibliográfica e documental. Busca analisar o significado de dignidade, sua importância e posicionamento como princípio constitucional e a forma com solucionar possíveis conflitos com outros princípios. Apresenta a evolução histórica da dignidade da pessoa humana no mundo e no Direito Pátrio. Ocorrendo colisão entre os princípios jurídicos deve ser aplicado o princípio da proporcionalidade para que a dignidade da pessoa humana seja preservada. Dispõe quando o desrespeito à dignidade torna-se passível de indenização de dano moral. Trata do significado de dano moral e sua importância na atual conjuntura social confrontando-a com a questão da banalização do conceito da ofensa à dignidade na busca de recursos financeiros fáceis. Dispõe como mensurar de forma justa e quais os limites impostos à compensação moral que tem por escopo a satisfação do sujeito que sofreu o dano. Abarca a conceituação e reparabilidade do dano moral, a possibilidade de sua cumulação com o dano material, e a análise da finalidade da reparação, se tem caráter puramente compensatório ou punitivo. Destaca-se a importância da valoração feita pelo magistrado apreciando o caso concreto e suas circunstâncias, haja vista e é impossível tabelar o valor a ser dado. O trabalho foi ilustrado com jurisprudência dominante com o fito de comprovar que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade têm permeado a maioria das decisões judiciais.
Palavras-chave: dano moral/ dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT
This article focuses on the damage morale and Principle of Human Dignity of the Person. It borders Damage to the study of moral and human dignity in the context of Brazil and from the Constitution of the Federative Republic of Brazil from 1988. For both, this work has been developed through research and bibliographic documentary. Search analyze the meaning of dignity, their importance and positioning as a constitutional principle and the way to solve possible conflicts with other principles. It presents the historical development of human dignity in the world and the in Brazilian law. The collision between legal principles should apply the principle of proportionality to human dignity is preserved. It disrespect for the dignity when it is liable to claims for moral damages. The significance of the damage morale and their importance in the current social climate confronting it with the issue of the trivialization of the concept of the offense to the dignity in the search for easy money. It measure how fairly and what the limits imposed on moral compensation which is the satisfaction scope of the subject who suffered the damage. It embraces the concept and reparation of moral damage, the possibility of their combined with the material damage, and analysis of the purpose of repair, has character purely compensatory or punitive. It is the importance of the valuation made by the magistrate enjoying the case and its circumstances, it is seen that it is impossible to rate the value to be given. The work was illustrated with case law dominant with the aim to demonstrate that the principles of reasonableness and proportionality must permeate the majority of judicial decisions.
Keywords: moral damage / dignity of the human person.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA AFIRMAÇÃO NO DIREITO PÁTRIO. 1.1 ORIGEM DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA . 1.2 ORIGEM DO TERMO DIGNIDADE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E SEU ATUAL SIGNIFICADO. 1.3 O QUE SÃO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 1.4 COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PARA A PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1.5 CARÁTER ABSOLUTO OU RELATIVO? CAPÍTULO 2 – DANOS MORAIS E SUA REPARAÇÃO 2.1 CONCEITUAÇÃO DE DANO MORAL 2.2 A REPARABILIDADE DO DANO MORAL E A SUA CUMULAÇÃO COM O DANO MATERIAL. 2.3 QUANDO A LESÃO À DIGNIDADE HUMANA SE TORNA PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL 2.4 O ARBITRAMENTO DO DANO MORAL – ESTÁGIOS E SISTEMAS DE FIXAÇÃO 2.5 A COMPENSAÇÃO E O DESESTÍMULO.CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Este artigo versará sobre o dano moral e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil.
Tem-se por objetivo discutir o tema dignidade da pessoa humana abordando suas nuances e a sua relação com o dano moral, apresentando os pontos controvertidos sobre o assunto a fim de levar também o leitor a uma reflexão sobre a dignidade da pessoa humana.
Será analisado o significado do termo dignidade, questionando se ela é inerente ao homem ou passível de ser concedida pelo ordenamento jurídico e, ainda, demonstrado o que é necessário para que o ser humano tenha a sua dignidade preservada.
Abordará o significado de dano moral e sua importância jurídica na atual conjuntura social.
Pretende-se debater posicionamentos de autores no sentido de o princípio da dignidade da pessoa humana ser ou não absoluto em relação aos demais princípios e a maneira como se resolvem os conflitos entre esses princípios.
Ressalte-se que a importância da dignidade da pessoa humana vem ganhando força devido a freqüente exposição do ser humano à dor física e ao constrangimento moral. A dignidade da pessoa humana se torna ainda assunto de maior relevância a cada grande surto de violência, seja de âmbito nacional ou não, em que todos se abalam e sentem pesar pelas torturas, explorações, mutilações em massa e massacres coletivos. Desta forma, faz-se necessário a cada época da história da sociedade, a exigência de novas regras para uma vida mais digna a todos.
Outra questão muito controvertida que se buscará esclarecer é quando o desrespeito à dignidade torna-se passível de indenização por dano moral confrontando-a com a questão da banalização do conceito da ofensa à dignidade na busca de recursos financeiros fáceis.
É de grande valia investigar como mensurar de forma justa e quais os limites impostos à compensação moral que tem por escopo a satisfação do sujeito que sofreu o dano.
Desta forma, se almejará entender quando o ressarcimento da dignidade ofendida de alguém realmente será justo, e não inócua ou excessiva.
Os temas dignidade da pessoa humana e dano moral são muito discutidos, não estando o primeiro restrito apenas à área jurídica, sendo objeto de estudo também da Sociologia, Filosofia e da Teologia. Já o segundo tema, dano moral, normalmente é discutido no âmbito do Direito, por tratar-se de matéria civilista e está mais restrito à área jurídica.
Para debater o assunto, será apresentada a evolução histórica da dignidade da pessoa humana no mundo e no Direito Pátrio. De maneira sucinta serão abordados fatos históricos e também documentos que ensejaram a proteção à dignidade da pessoa humana.
Já em relação ao direito brasileiro, serão comentadas as Constituições que trataram do tema e se efetivamente seus dispositivos foram aplicados no que tange à dignidade da pessoa humana. Será necessária uma explanação sobre os princípios constitucionais, tema que também será tratado no presente trabalho.
Este trabalho demonstrará que ocorrendo colisão entre os princípios jurídicos deve ser aplicado o princípio da proporcionalidade para que a dignidade da pessoa humana seja preservada. Tal procedimento será demonstrado passo a passo.
Definidos os princípios constitucionais, será feito o estudo efetivo do que venha a ser o princípio da dignidade da pessoa humana, no intuito de reforçar o referencial conceitual desse trabalho. Serão pesquisados diversos pontos de vista, que tentarão conceituar o termo, além da discussão entre o caráter absoluto ou relativo da dignidade.
Em seguida será discutido o tema principal deste trabalho, ou seja, danos morais à pessoa humana. O dano moral será conceituado por diversos autores, pois se trata de assunto muito controverso. Serão abordadas também idéias da reparabilidade do dano moral e a possibilidade de sua cumulação com o dano material.
Será mostrada a dificuldade de se mensurar os limites do dano moral diante daquilo que se julga a dignidade de alguém quando esta se confunde com meros interesses pecuniários.
E, por fim, será apresentado um item que liga a dignidade da pessoa humana ao direito de indenização por dano moral.
As referidas questões de estudo serão apresentadas com a intenção de responder a indagação central do presente tema: O instituto da reparação por danos morais tem sido eficaz e justo quanto ao seu objetivo de assegurar a dignidade da pessoa humana?
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do estado democrático de direito e por isso um dos alicerces da nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Desta forma, é de grande relevância que se debata o tema com o intuito de buscar sua valorização.
O supracitado princípio está intimamente ligado aos direitos fundamentais preconizados na Carta Magna da Brasil de 1.988, e se destaca pelo fato de conferir unidade de sentido e legitimidade para o nosso ordenamento jurídico.
O princípio da dignidade da pessoa humana serve como ponto de partida para que as normas sejam criadas em consonância com os direitos do homem, interferindo no campo social quando tutela o direito a uma vida digna, no campo econômico e político quando se entende, por exemplo, que para ter uma vida digna o ser humano necessita de um emprego que lhe traga a possibilidade de viver bem e no campo jurídico quando interfere diretamente na criação das normas.
Assim, é possível afirmar-se que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana está presente de forma ativa em todas as esferas da sociedade, já que, se trata de direito da pessoa humana, independente de quem seja essa pessoa.
O tema com características atuais tem sido bastante discutido no mundo jurídico e pela mídia. O conceito de dignidade atrelado a um conjunto de valores que evolui constantemente torna o assunto mais apaixonante e isso faz aumentar as discussões.
O ser humano tem evoluído quanto às penas para a reparação ao dano moral. Não faz muito tempo o assunto em tela era tratado pelos costumes e culturas de cada região e desta forma homens duelavam e famílias se violentavam quando de alguma maneira tinham sua dignidade ferida.
O presente trabalho se limitará ao estudo do Dano moral e da dignidade da pessoa humana no âmbito do Brasil e a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Este trabalho se justifica pela importância do assunto tão controvertido e em moda, e por ser um tema que merece muita atenção de todos os cidadãos. A reparação por danos morais é um importante instrumento da cidadania e não pode ser banalizada na busca de enriquecimento fácil.
Com o presente tema se pretende apresentar mais uma importante contribuição para o mundo jurídico. Espera-se elucidar a eficácia do instituto da reparação por danos morais quanto uma significativa ferramenta para a manutenção da dignidade da pessoa humana.
Para tanto, a pesquisa a ser realizada será do tipo bibliográfica, apresentando o conteúdo indo do geral para o específico, dentro do tema proposto. Serão utilizadas doutrinas, sendo analisados e comparados os posicionamentos dos doutrinadores sobre as questões. Para um conhecimento amplo do tema, utilizar-se-á a legislação pertinente, será feita a análise jurisprudencial, utilização de revistas e revistas em meio eletrônico. Será realizada por meio da leitura e posterior fichamento do material, destacando-se os pontos relevantes para o debate.
O conjunto de informações obtidas será analisado, comparado e questionado, objetivando esclarecer as dificuldades e problemas no presente ensaio monográfico apontados.
Este artigo de forma alguma terá a presunção de esgotar o assunto. Sua abordagem, descrita nesta introdução, representará um ponto de vista, um referencial de observação. Não terá um teor crítico, passional ou parcial, mas sim um conteúdo imparcial que apenas mostrará a situação dos institutos tratados no tema.
Os brasileiros devem ser orgulhar de possuírem uma das constituições mais democráticas e modernas do mundo. Neste trabalho, parte desta modernidade será apresentada e discutida com o principal intuito de rever sua eficácia.
CAPÍTULO 1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA AFIRMAÇÃO NO DIREITO PÁTRIO
1.1 ORIGEM DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Inicialmente é bom enfatizar que dignidade envolve vidas. Muitos já morreram pela dignidade e muitos já mataram pela dignidade. Povos inteiros se destruíram pela dignidade nos anais da história. Isso tudo faz revelar o grandioso valor do significado da dignidade, um valor inerente ao homem garantido na atualidade pelos direitos humanos fundamentais.
Dignidade, segundo Dürig é uma “qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado...” [1]
Esse valor intrínseco da pessoa humana tem sua origem no ideário cristão, como demonstra Ingo Wolfgang Sarlet:
[..] tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a conseqüência – lamentavelmente renegada por muito tempo por parte das instituições cristãs e seus integrantes (basta lembrar as crueldades praticadas pela “Santa Inquisição”) – de que o ser humano é dotado de um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento.[2]
Na antiguidade clássica, o pensamento filosófico e político da época apregoavam que “a dignidade da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas”. [3]
No pensamento estóico, a dignidade distinguia o ser humano das demais criaturas, já que, é inerente ao ser humano. Sendo todos os seres humanos dotados da mesma dignidade, todos são iguais e dessa maneira, desvinculou-se a dignidade do cargo ou posição social[4] a que era atrelada no pensamento clássico.
Assevera Rizzatto Nunes que,[5] foi a experiência nazista que gerou a consciência de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana. Em conseqüência das atrocidades cometidas na Alemanha, percebeu-se a necessidade de proteger bem tão precioso para que não pudesse mais ser atingido, pelo menos não de maneira tão absurda como foi.
Alexandre de Morais[6] apresenta a evolução histórica desses direitos. Portanto, os dados que serão agora apresentados são de pesquisa realizada em sua obra.
Os direitos individuais do homem tiveram sua origem no antigo Egito e Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C., onde já existiam alguns mecanismos para proteger o homem como ser individual em relação ao Estado.
Por volta de 1.690 a.C., o Código de Hamurabi codificou um rol de direitos comuns a todos os homens, consagrando direitos como a vida, a família e a dignidade entre outros.
No ano de 500 a.C. a igualdade de todos os homens foi propagada pelas idéias de Buda que influenciaram dentro do campo filosófico-religioso os direitos do homem.
Mais adiante, o Direito romano estabeleceu um mecanismo mais complexo que visava proteger o homem como indivíduo dos poderes estatais: A Lei das doze tábuas.
Já o Cristianismo, por meio de sua concepção religiosa influenciou diretamente a consagração dos direitos fundamentais, enquanto necessários à dignidade da pessoa humana.
Contudo, o forte desenvolvimento das declarações de direitos humanos fundamentais se deu a partir do terceiro quarto do século XVIII até meados do século XX. Com evolução do mundo e o reconhecimento de que o ser humano tinha a necessidade de ter sua dignidade preservada viu-se a necessidade de constitucionalizar os direitos humanos fundamentais direcionando-se no sentido de proteger a dignidade humana.
Segundo Alexandre de Moraes[7] , os mais importantes antecedentes históricos das declarações de direitos humanos fundamentais encontram-se, primeiramente, na Inglaterra, cabendo citar a Magna Charta Libertatum, a Petition of Right, o Habeas Corpus Act, o Bill of Rights e o Act of Seattlemente.
Posteriormente, encontrou-se na participação da Revolução dos Estados Unidos da América a evolução dos direitos humanos com os importantes documentos: Declaração de Direitos de Virgínia de 1.776, Declaração de Independência dos Estados Unidos da América do mesmo ano e a Constituição dos Estados Unidos da América de 1.787.
A consagração normativa dos direitos humanos fundamentais coube à França com a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 26 de agosto de 1.789. Esse diploma previu inúmeros direitos humanos fundamentais, dos quais se destacam o princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção de inocência, liberdade religiosa, a livre manifestação de pensamento. Todos esses princípios e direitos visavam a proteção à dignidade humana.
Pode-se ainda citar como exemplo a Constituição francesa de 1.793, a Constituição espanhola de 1.812 (Constituição de Cádis), a Constituição portuguesa de 1.822, a Constituição belga de 1.831 e a Declaração francesa de 1.848.
Já no início do século XX, os diplomas constitucionais que marcaram época devido às preocupações sociais que traziam em sua essência foram: a Constituição mexicana de 1.971, a Constituição de Weimar de 1.919, a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1.918, a Constituição Soviética de 1.918 e a Carta do Trabalho, editada pelo Estado Fascista italiano em 1.927.
Esses diplomas demonstraram em seus artigos grande preocupação com questões sociais, trabalhistas entre outras, no sentido de que garantindo os direitos humanos fundamentais estariam proporcionando uma melhor condição de vida ao ser humano, preservando assim sua dignidade.
Flávia Piovesan[8] coloca a II Guerra Mundial como o marco onde houve a ruptura com os direitos humanos e que o pós-guerra deveria significar a sua reconstrução, por isso a emergência em se criar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos e também a nova feição do Direito Constitucional Ocidental.
No Direito Constitucional Ocidental, percebeu-se então a elaboração de textos constitucionais abertos a princípios, com grande destaque para a dignidade da pessoa humana. Foi o que ocorreu nas Constituições Européias do pós-guerra.
No campo internacional a dignidade humana é o valor maior que inspirou a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1.948 que, logo no seu preâmbulo comunica:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,... Considerando que os povos das Nações reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher [..][9]
A Declaração Universal dos Direitos do Homem reforçou a idéia de que a dignidade da pessoa humana deveria ser preservada. Tanto é que, a partir daí, várias constituições trataram do assunto, mesmo que implicitamente.
1.2 ORIGEM DO TERMO DIGNIDADE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E SEU ATUAL SIGNIFICADO
Na Constituição Política do Império do Brasil de 1824 a palavra dignidade está presente em seus artigos 107 e 108, porém o termo é posto somente no que diz respeito ao Imperador e a Imperatriz, não sendo generalizável:
Art. 107. A Assembléa Geral, logo que o Imperador succeder no Imperio, lhe assignará, e á Imperatriz Sua Augusta Esposa uma Dotação correspondente ao decoro de Sua Alta Dignidade.
Art. 108. A Dotação assignada ao presente Imperador, e á Sua Augusta Esposa deverá ser augmentada, visto que as circumstancias actuaes não permittem, que se fixe desde já uma somma adequada ao decoro de Suas Augustas Pessoas, e Dignidade da Nação.
Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 em seu artigo 157, inciso II em que se refere à valorização do trabalho como condição da dignidade humana:
Art. 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:
...
II – valorização do trabalho como condição da dignidade humana;
Bom destacar que a dignidade era apenas citada, uma vez que não era respeitada, a exemplo da total falta de prática por causa da escravidão, da opressão sofrida por aqueles que defendiam a liberdade de expressão, da tortura de presos etc.
Em relação à Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1.988, a dignidade da pessoa humana aparece logo no 1º artigo, inciso III, como sendo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania; II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
Para Flávia Piovesan, “a Constituição de 1988 é o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos e garantias fundamentais. O texto demarca a ruptura com o regime autoritário militar instalado em 1.964, refletindo o consenso democrático pós-ditadura.”[10]
No dizer de Jackman, “A Constituição é mais que um documento legal. É um documento com intenso significado simbólico e ideológico – refletindo tanto o que nós somos enquanto sociedade, como o que nós queremos ser”. [11]
Por isso a importância de o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana estar expresso logo no primeiro artigo de nossa Constituição, pois é um valor essencial que lhe dá toda uma unidade de sentido.
Na visão de Paulo Bonavides “nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o princípio da dignidade da pessoa humana.” [12]
Nelson Nery Júnior enriquece o entendimento acima mencionado:
Esse princípio não é apenas uma arma de argumentação, ou uma tábua de salvação para a complementação de interpretações possíveis de normas postas. Ele é a razão de ser do Direito. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico. Uma ciência que não se presta para prover a sociedade de tudo quanto é necessário para permitir o desenvolvimento integral do homem, que não se presta para colocar o sistema a favor da dignidade humana, que não se presta para servir ao homem, permitindo-lhe atingir seus anseios mais secretos, não se pode dizer Ciência do Direito. Comprometer-se com a dignidade do ser humano é comprometer-se com sua Vida e com sua liberdade. É o princípio fundamental do direito. É o primeiro. O mais importante.[13]
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana está presente expressamente também nos artigos 226, parágrafo 7º, artigo 227 e 230 e, de forma implícita principalmente no artigo 5º, incisos XLII, XLIII, XLVIII, XLIX, L, artigo 34, inciso VII, alínea b, entre outros.
Os artigos supracitados tratam de temas como a prática do racismo, da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo, o local de cumprimento de penas, integridade física e moral dos presos, da intervenção da União em assuntos referentes aos direitos da pessoa humana, a dignidade dos idosos, da criança e do adolescente etc.
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) ao enunciar a dignidade humana não definiu o termo dignidade. Ingo Sarlet[14] aponta a dignidade da pessoa humana como:
[..] uma qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Para melhor entendimento do assunto em tela, convém elucidar a seguir o significado de princípios constitucionais.
1.3 O QUE SÃO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Os princípios são definidos como sendo regra, preceito. Razão ou causa primária. Proposição, verdade geral demonstrada, em que se apóiam outras verdades. [15]
O conceito de princípio em seu sentido lato independe de qual seja o campo do saber. Segundo Ruy Samuel Espíndola[16] “designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia-mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam”.
Quando se diz que o princípio designa a estruturação de um sistema, está se afirmando que o princípio é a base, o alicerce desse sistema e que sem ele não é possível construir o restante, pois não é possível erguer uma casa sem que primeiro se faça a sua estrutura.
Trazendo esse conceito lato para dentro do direito, significa que os princípios serão a estruturação de um sistema: o ordenamento jurídico e, dentro do nosso ordenamento jurídico quem ocupa o ápice da pirâmide pela sua supremacia é a Constituição da República Federativa do Brasil. Logo, os princípios que a integram são os princípios constitucionais.
Esses princípios, ao se elevarem à categoria de constitucionais continuam pertencendo à categoria de princípios, porém se consagram como normas jurídicas e adquirem a superioridade própria do instrumento que os alberga: a Constituição. [17]
A Constituição reúne os valores dominantes que uma sociedade considera imprescindíveis para que se viva em harmonia, para tanto, esses valores são positivados, o que ocorre, em geral, por meio dos princípios constitucionais.
Uma vez que, os princípios constitucionais expressam os valores mais pertinentes de uma sociedade, eles também conferem um sentido harmônico na interpretação de todas as normas, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais.
Nesse sentido, Augusto Zimmermann, que entende que os “princípios constitucionais são aqueles que conferem sistematicidade à Constituição escrita, facilitando a sua compreensão e minimizando aparentes contradições existentes na redação do Texto Constitucional”. [18]
Dessa maneira, se a interpretação do texto constitucional gerar uma pluralidade de sentidos, deve-se interpretar a norma aplicando o princípio que mais lhe for próximo, esclarecendo seu sentido e até uma aparente contradição.
José Afonso da Silva, ao procurar esclarecer a importância destes princípios que integram o Direito Constitucional positivo, traduziu-os em normas-síntese ou normas-matriz que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte acolhidas no documento constitucional. 19
Ainda nessa senda, fica cristalizado o caráter normativo dos princípios constitucionais fundamentais, que devem representar as expectativas gerais da comunidade. [19]
Logo, ao violar um princípio, estar-se-á violando não apenas aquele mandamento obrigatório, mas todo um sistema de comandos, pois “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.” [20]
Percebe-se, dessa maneira, que os princípios devem ser sempre invocados, pois traduzem os autênticos valores fundamentais de uma sociedade, são os valores supremos da República Federativa do Brasil[21] e em caso de colisão ou conflitos de direitos, são aos princípios que se deve recorrer como solução para esses conflitos.
No mundo jurídico, se ao se editar uma norma não for observado o seu alicerce, qual seja, os princípios constitucionais norteadores do direito, a norma será inaplicável. Significa dizer que uma norma somente será considerada constitucional se não colidir com os princípios constitucionais.
1.4 COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PARA A PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Como visto anteriormente, os princípios são a base de todo o nosso ordenamento jurídico. Isso se dá devido a sua natureza, segundo Francisco Fernandes de Araújo denominada “normogenética e sistêmica” [22] .
Essa função permite a sua interação com todo o sistema constitucional e infraconstitucional e significa que o princípio dá a base, o fundamento das demais regras tornando-se, portanto, seu pressuposto. Por isso, em caso de colisão ou conflito, entre a regra e o princípio, este deve prevalecer, “por ser pressuposto daquela, em função de sua natureza normogenética.” [23] Mas o que fazer se a colisão ocorrer entre os próprios princípios?
Em primeiro lugar cabe ressaltar que todos os dispositivos constitucionais, inclusive os princípios devem ser interpretados levando-se em consideração o princípio da unidade da própria Constituição, ou seja, deve esta ser interpretada como se fosse obra de um só autor, pois assim essa interpretação será coerente.
Mas mesmo assim, não se escapa da possibilidade de uma possível colisão entre os princípios. Para resolver esse problema Francisco Fernandes de Araújo defende a aplicação do princípio da proporcionalidade, demonstrando sua importância por meio da frase de Jellinek, no sentido de que “não se devem abater pardais disparando canhões”. [24]
Nesse mesmo sentido Willis Santiago Guerra Filho quando afirma que o princípio da proporcionalidade deve ser usado como “critério para solucionar da melhor forma o conflito, otimizando a medida em que se acata um e desatende ao outro.”[25]
Em busca de melhor conhecimento, convém enfatizar que a palavra proporcionalidade tem sua origem no latim proportionalis, “algo que se mostra numa relação de igualdade ou de semelhança entre várias coisas. É o que está em proporção, apresenta a disposição ou a correspondência devida entre as partes e o seu todo.” [26]
Francisco Fernandes de Araújo em sua obra Princípio da Proporcionalidade[27] nos guia pela evolução desse princípio, portanto, os dados históricos que serão agora apresentados referem-se à pesquisa realizada em seu livro.
Na Grécia antiga, o princípio da proporcionalidade era ligado à idéia de justiça material, portanto, correspondia ao “meio-termo e à justa medida.”[28]
Aristóteles tinha duas definições para meio termo, dependendo do que estava sendo analisado. Se estivesse se referindo, por exemplo, a um objeto, significava aquilo que era eqüidistante em relação a cada um dos extremos, e que era único e o mesmo em relação a todos os homens, ou seja, uma proporção aritmética passível de concreção.
Já se o meio-termo fosse em relação à pessoa significaria aquilo que não era nem demais nem muito pouco, e isso não era único nem o mesmo para todos, nesse caso tratava-se de aplicar o que era moderado, o ponderado, o justo, ou seja, a análise deveria ser mais subjetiva.
Mais adiante o princípio da proporcionalidade vai acompanhando a história dos direitos humanos e vai surgir em decorrência da passagem do Estado de Polícia ao Estado de Direito, portanto, segundo Suzana de Toledo Barros, “o germe do princípio da proporcionalidade foi a idéia de dar garantia à liberdade individual em face dos interesses da Administração.” [29]
Tal princípio se caracterizou também no direito romano devido ao fato da necessidade de coibir o abuso do direito por meio da ponderação consubstanciada nesse princípio. [30]
Dando um salto na história, uma vez que no presente trabalho não há a pretensão de esgotar o assunto, mas de apenas traçar uma linha em relação a evolução histórica desse princípio, encontra-se o primeiro marco histórico sobre a sua origem em nível constitucional: a Carta Magna inglesa, de 1.215. Esse documento tratava de uma espécie de acordo formal entre os senhores feudais e a Coroa, no qual “o homem livre, quando cometia delito, devia ser punido tão-somente na proporção da gravidade desse delito”.[31]
O que deu origem ao supracitado acordo foi a defesa dos jusnaturalistas em relação aos direitos dos cidadãos que entendiam serem inalienáveis, pois eram calcados no chamado Direito Natural. A partir daí e com fundamento nessas idéias (dos jusnaturalistas) vieram a Declaração dos Direitos, de 1.776, nos Estados Unidos da América do Norte, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1.789 na França.
Percebe-se que a evolução do princípio da proporcionalidade e o da dignidade da pessoa humana acompanharam a evolução dos direitos humanos fundamentais. Ocorre, porém, que o conceito de proporcionalidade como termo técnico jurídico foi utilizado pela primeira vez em 1.802, no direito alemão, por Von Berg e, só bem mais tarde, cerca de um século depois é que suas idéias foram colocadas de forma efetiva no Direito de polícia[32].
Em relação aos princípios abraçados pela Constituição de 1.988, Manoel Messias Peixinho afirma que “foi o Direito alemão que influenciou vários outros países europeus, que, com o passar do tempo, acolheram o princípio da proporcionalidade em suas constituições.” [33]
No direito brasileiro esse princípio é aplicado como instrumento eficiente na defesa dos direitos fundamentais e para que se entenda como isso ocorre é necessário que se saiba como funciona a aplicação desse princípio no Brasil.
Como já demonstrado, foi da Alemanha que veio a influência do uso lógico do princípio da proporcionalidade. Esse princípio é processado no ordenamento jurídico brasileiro de forma similar ao direito germânico. Usa-se a concepção dos três aspectos que compõem o princípio da proporcionalidade, quais sejam: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
Esses aspectos são chamados na doutrina de subprincípios ou elementos do princípio da proporcionalidade, nesse sentido afirma Francisco Fernandes de Araújo.[34] Quanto à definição do que venha a ser cada elemento que forma o princípio da proporcionalidade, estão de acordo o referido autor, Rizzatto Nunes[35] e a maioria dos autores que tratam do assunto, já que esses conceitos vieram junto com o princípio.
A função do princípio da proporcionalidade, no qual estão presentes os supracitados elementos, consiste no “controle do grau e da natureza das limitações impostas pelo Estado às liberdades individuais, bem como da medida de concretização das pretensões previstas na Constituição.”[36]
Logo, a análise daqueles elementos vai elucidar a aplicação do referido princípio, pois, tendo como base a Constituição se identificará, no caso concreto, cada elemento do princípio e se verificará se estão ou não a infringir a CRFB.
Portanto, com base nos autores referidos acima se passará à análise de cada elemento que compõe o princípio da proporcionalidade.
Advertência oportuna feita por Luís Virgílio Afonso da Silva é a de que esses elementos devem ser examinados no caso concreto rigorosamente na ordem indicada: “primeiro se o meio é adequado, depois se o meio é mesmo necessário, e, finalmente, se no confronto “custo-benefício”, por meio do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, se ocorre realmente alguma vantagem que valha a pena a aplicação do princípio”. [37]
O primeiro elemento a ser investigado é o da adequação, já que, sendo reprovada nesse quesito a medida adotada será inconstitucional, logo aniquilará as duas próximas fases. A adequação é uma exigência no sentido de que “qualquer medida restritiva a direitos fundamentais deve passar pelo filtro deste importante elemento ou subprincípio do princípio da proporcionalidade, para que tal medida não esteja eivada de inconstitucionalidade.”[38]
Por isso, o meio eleito deverá ser adequado visando alcançar o resultado esperado. Portanto, adequação implica na conformidade e utilidade ao fim pretendido.
O segundo elemento é o da necessidade ou exigibilidade. Esse elemento atua no sentido de que a restrição a algum dos direitos fundamentais deve repercutir na menor desvantagem possível ao cidadão.
Logo, o meio empregado deve ser o mais brando dentre aqueles possíveis de serem empregados no caso concreto, na intenção de preservar ao máximo os valores constitucionalmente protegidos que tenham entrado em colisão com o princípio que naquele caso vai prevalecer. O ideal é que esse meio conduza ao menor prejuízo para todos aqueles que estão envolvidos na situação.
Segundo obra citada, “o emprego de determinado meio deve limitar-se ao estritamente necessário para a consecução do fim almejado, e, havendo mais de um meio, dentro do faticamente possível, deve ser escolhido aquele que traga menos desvantagens ou prejuízos”.[39]
E finalmente o terceiro elemento: princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Gomes Canotilho[40] ensina que agora, os meios e os fins antes analisados, são colocados em uma equação mediante um juízo de valor, de ponderação. O objetivo dessa análise é avaliar se o meio utilizado é ou não proporcional em relação ao objetivo pretendido.
Nessa análise, o operador deverá optar pela solução que melhor atenda a todos os envolvidos, evitando atingir o conteúdo essencial daquele princípio que estará sendo reprimido em detrimento do outro, para que não ofenda a dignidade humana.
Percebe-se que a ofensa à dignidade humana é sempre fator de muita preocupação quando da análise dos direitos fundamentais, porque ela é na visão de Rizzatto Nunes “o principal direito fundamental constitucionalmente garantido”. [41]
Portanto, a aplicação do princípio da proporcionalidade na colisão entre princípios deve ser sempre analisado de forma muito cuidadosa, aplicando a interpretação de seus elementos ou subprincípios, sob pena de se estar incorrendo em injustiça, além de ir contra a Constituição.
Para melhor visualização desses elementos, cabe demonstrar um caso concreto retirado da obra de Francisco Fernandes de Araújo sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade,[42] em que é tratada a admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos. Em geral esse tipo de prova é absolutamente rejeitado, contudo, em casos extremamente graves, em que estejam em risco valores essenciais, que também são garantidos constitucionalmente, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado para a verificação de que se a não admissão dessa prova não estará infringindo princípio que nesse caso deveria ser poupado.
No caso explorado, uma pessoa está sendo acusada de um delito muito grave que certamente culminará com a subtração de sua liberdade. Porém, esse indivíduo sustenta que conseguirá, por meio de uma escuta telefônica, a prova de sua inocência, mas o Judiciário lhe nega autorização para a escuta com base na Lei nº 9.269/96 (art. 5º, inciso XII da CRFB).
Apesar dessa negativa, o acusado de forma ilícita consegue a instalação da escuta telefônica e com isso prova que realmente é inocente. Logo, estaremos diante da colisão entre o princípio de direito fundamental que garante a liberdade, e aquele outro que proíbe a prova obtida por meio ilícito.
Para o autor a prova ilícita deve ser aceita, com base no princípio da proporcionalidade, pois o meio eleito para a obtenção da prova que garantirá sua liberdade, apesar de proibido é adequado (primeiro elemento) porque atinge ou contribui para o fim almejado.
É necessário (segundo elemento) porque, o Judiciário, negando a escuta telefônica, impediu a consecução do objetivo por outro meio menos danoso, ou seja, até existia outro meio, mas que foi negado pelo Judiciário. Logo, o meio que lhe restou foi o de fazer a escuta de maneira ilegal.
E, finalmente, em relação ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito (terceiro elemento) analisado mediante ponderação e sopesamento quanto ao princípio que deve prevalecer, “chega-se à justa conclusão de que a liberdade deve ser garantida ao acusado, como sendo um bem manifestamente de maior valia do que aquele direito da proibição da prova obtida por meio ilícito, embora ambos os direitos sejam fundamentais.” [43]
O que não significa que sempre a liberdade terá mais valia do que o princípio que proíba a prova ilícita. É que no caso exposto, o meio para obter a prova não foi tão danoso e em conseqüência disso, o princípio da liberdade se sobrepôs ao da proibição da prova ilícita.
Diferentemente do caso em que para obter uma prova o indivíduo cause um mal que não justifique a necessidade desse ato.
Existe a preocupação em preservar a dignidade da pessoa humana, mesmo que de maneira implícita. Nesse sentido, para Rizzatto Nunes o princípio da proporcionalidade é “derivado do princípio da dignidade humana, fazendo-o ressurgir como princípio ordenador apenas quando se estiver diante do conflito – possível – de dignidades.”[44]
Assim, infere-se que a dignidade da pessoa humana é de suma importância, e que interfere em todos os ramos do direito. Contudo, dúvida que ainda paira é se existe a possibilidade de que sejam estabelecidos limites à dignidade humana, como se vê a seguir.
1.5 CARÁTER ABSOLUTO OU RELATIVO?
Em primeiro lugar, é preciso que fique claro nesse ponto, que quando se fala em caráter absoluto ou relativo da dignidade da pessoa humana está se referindo ao fato de se é possível ou não se estabelecerem restrições, limites à própria dignidade da pessoa.
Parte-se do questionamento de que se o princípio da dignidade da pessoa humana for absoluto, ou seja, não puder sofrer qualquer tipo de restrição, poderá estar infringindo outros princípios, logo, poderá estar interferindo na tutela à dignidade de outra pessoa.
Por outro lado, se a dignidade da pessoa humana puder ser limitada, até que ponto essa limitação não estaria colocando a dignidade do ser humano em segundo plano, deixando com o tempo que outros valores se sobreponham a ela.
Para Alexandre de Moraes, “a dignidade constitui um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.” [45]
Para esse autor é possível restringir-se o exercício dos direitos fundamentais que são a expressão da proteção à dignidade da pessoa humana, já que, em alguns casos ocorrerá colisão entre um direito fundamental e outro.
Como já demonstrado, a colisão entre os princípios e também entre direitos fundamentais deve ser resolvida por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade.
Sendo assim, um ponto é importante que seja relembrado: quando o princípio da proporcionalidade é aplicado o que se está vislumbrando é a preservação da própria dignidade da pessoa humana. O que se conclui dessa afirmativa é que se forem seguidos aqueles passos propostos por Francisco Fernandes Araújo,[46] a dignidade será respeitada o máximo possível, só não o sendo de forma absoluta, porque estará em confronto com outro princípio que também protege a dignidade de outra pessoa.
Para André Ramos Tavares [47] não se admite a possibilidade de um princípio ser absoluto, afastando todos os demais em toda e qualquer hipótese. Essa impossibilidade se daria do fato de que um princípio sempre é limitado por outro. Em conseqüência, mesmo que parcialmente, um deles será afastado em detrimento do outro quando da solução de um caso concreto.
A dignidade humana é considerada por Maria Celina Bodin de Moraes como o maior dos princípios, absoluto, uma vez que a dignidade é o alicerce da ordem jurídica democrática, sendo os demais subprincípios, já que, todos têm na sua essência a dignidade humana, por isso é o “fiel da balança” [48], já determinado a priori.
Esse entendimento decorre do fato de que se todo nosso ordenamento jurídico, inclusive os demais princípios, foram positivados com base no respeito à dignidade da pessoa humana, esse é o princípio maior.
Nesse sentido, para a autora, o direito à igualdade e a liberdade, por exemplo, manifestam em sua essência o princípio da dignidade da pessoa humana.
No direito à igualdade, segundo o qual todos são iguais perante a lei, o fundamento jurídico da dignidade humana está presente quando se afirma que é um direito não receber qualquer tratamento discriminatório e ainda, ter direitos iguais aos de todos os homens. [49]
Logo, percebe-se que realmente, quando está se protegendo o direito à igualdade, na sua essência está se respeitando a dignidade. Portanto, seria uma forma de tutelar a dignidade da pessoa humana dando à ela os mesmos direitos que são dados aos demais seres humanos.
Existe entendimento no sentido de que a dignidade tem perspectiva dúplice de elemento limitador e integrante (protetivo) dos direitos fundamentais. Quem explica esse posicionamento é o autor Ingo Wolfgang Sarlet discorrendo que, para assegurar a dignidade e os direitos fundamentais de uma determinada pessoa (ou grupo de pessoas) se acaba, por vezes, afetando (limitando) a dignidade de outra pessoa, ou seja, se todas as pessoas são iguais em dignidade e, portanto, existe um dever de respeito recíproco da dignidade alheia, com toda certeza pode ocorrer hipótese de um conflito direto entre as dignidades de pessoas diversas.[50]
Entende, Sarlet, que a dignidade é violável e por esse motivo necessita ser respeitada e principalmente protegida. Usa o exemplo da prisão, que apesar de atingir a dignidade da pessoa (preso) por vedar sua liberdade, pode ocorrer porque visa proteger a dignidade das demais pessoas daquela sociedade. É um meio necessário para que a dignidade das outras pessoas seja preservada.
Vê-se novamente a aplicação do princípio da proporcionalidade na colisão entre a dignidade humana e a liberdade. Nesse caso, a dignidade refere-se as demais pessoas da sociedade e ao mesmo tempo à liberdade e à dignidade daquele que será preso por ter violado uma norma.
A aparente violação à dignidade daquele que perde a liberdade é amparada pelo respeito à dignidade do restante da sociedade, a prisão é proporcional ao dano que causou, logo, a dignidade estaria sendo relativizada.
Já a tortura de um preso, por exemplo, para que se obtenha uma confissão é vedada, pois se estaria indo além do necessário, já que significaria a “coisificação e a degradação da pessoa” [51] , ou seja, transformaria a pessoa em mero objeto a mercê de terceiros.
Ainda, seguindo o raciocínio do autor, mesmo que se tenha a dignidade como valor supremo do ordenamento jurídico, isso não significa que ela deva em todo e qualquer caso prevalecer em face dos outros bens fundamentais, mas sim, que ela deve ser reconhecida como tendo uma posição privilegiada no âmbito do estabelecimento de uma harmonização com os demais princípios e direitos fundamentais.[52]
Quanto à afirmação acima, Sarlet faz uma importante referência ao fato de que essa necessidade de harmonizar, no caso concreto, a dignidade na sua condição de norma-princípio com outros princípios e direitos fundamentais não se deve confundir com a necessidade de respeitar, proteger e promover a igual dignidade de todas as pessoas.[53]
Ou seja, não é porque em determinadas hipóteses se pode tolerar alguma relativização da dignidade que ela deixará de ser uma qualidade intrínseca do ser humano e que deve ser respeitada e protegida.
Para encerrar esse capítulo, cabe expressar a visão de um autor que tem a dignidade da pessoa humana como um verdadeiro “supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais” [54] .
Afirma o supracitado autor que, a dignidade cresce, se amplia e se enriquece, logo, surgem problemas, afinal, na medida em que o ser humano age socialmente, poderá ele próprio – tão dignamente protegido – violar a dignidade do outro. Sendo assim, a dignidade só é garantia ilimitada se não ferir outra. [55]
Esse pensamento corrobora os demais, no sentido de que a dignidade da pessoa humana, apesar de ser o princípio no qual se baseia todo o ordenamento jurídico, ou pelo menos deveria, possa ser relativizada em alguns casos.
Desta forma, em alguns momentos, o desrespeito à dignidade da pessoa humana, seja por uma infringência direta ao princípio da proporcionalidade, seja por uma afronta a um dos direitos fundamentais, pode culminar em um dano moral, tema que será tratado no próximo capítulo.
CAPÍTULO 2 – DANOS MORAIS E SUA REPARAÇÃO
2.1 CONCEITUAÇÃO DE DANO MORAL
O tema central do presente trabalho é o dano moral, e para o correto entendimento a definição de dano moral deve ser analisada pela ótica da Constituição de 1988. Entretanto, desde já se faz a ressalva de que o conceito jurídico de dano moral não é uniforme, nem na doutrina, nem na jurisprudência. Logo, serão abordados alguns desses conceitos sem, contudo, ter a pretensão de esgotá-los.
Inicialmente, no dicionário jurídico é descrita a seguinte definição de dano moral: “é a lesão do patrimônio abstrato ou imaterial de alguém, que consiste num bem ético-jurídico- social: a liberdade, a honra, a dignidade da pessoa, a boa fama, a consideração pública, o crédito etc.” [56]
No campo doutrinário, Sérgio Cavalieri Filho afirma que “o dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que violação do direito à dignidade.” [57] Fundamenta a tese, tendo como base o fato de que a CRFB consagrou em seu primeiro artigo, inciso III, a dignidade humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, dando ao homem, o que se pode chamar de direito subjetivo constitucional à dignidade. Sendo assim, o dano moral passaria a ter uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana é a base de todos os valores morais e a essência de todos os direitos personalíssimos, como a honra, a intimidade, entre outros.[58]
Henrique Savonitti Miranda averba:
Dá-se o dano moral sempre que ocorra dor corporal (provocadas, v. g., por lesões ou agressões físicas) ou sentimental (causada por injúrias, exibições de imagens pessoais indevidas, humilhações, chacotas), em face de violação de um bem juridicamente tutelado, sem que isso acarrete, necessariamente também um prejuízo patrimonial. Atinge-se, nesse caso, a esfera ética da pessoa, de modo a causar ofensa à consideração social, ao decoro, ao renome, provocando, por conseguinte, intranqüilidade, tristeza, dor, vergonha, revolta, depressão. [59]
Celso Ribeiro Bastos vê o dano moral como “aquele fruto de ataques à honra, à dignidade, à reputação[60] e mesmo aos sentimentos humanos.” [61] Ou seja, bens juridicamente tutelados, mas que não são passíveis de se materializar.
Sérgio Cavalieri Filho diferencia dano material de dano patrimonial comparando o tipo de bem que cada um atinge. Vejamos:
Enquanto o dano material [...] repercute sobre o patrimônio, o moral, também chamado de dano imaterial, ideal ou extrapatrimonial, atinge os bens da personalidade, tais como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima. [62]
Percebe-se que o dano material é muito mais fácil de ser verificado, bastando apenas que um indivíduo lesione um bem do patrimônio da vítima ou que venha causar a esta algum prejuízo de ordem econômica. Já o dano moral não é tão fácil de ser visualizado. A ofensa não ocorre em função de um objeto concreto, não acarreta, pelo menos de forma direta, prejuízos de ordem econômica como no dano material. A ofensa é diretamente ao ser humano na sua essência, atinge a sua dignidade.
Maria Celina Bodin de Moraes afirma que nos dias atuais, doutrina e jurisprudência dominantes firmaram que:
O dano moral é aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. [63]
Wilson Melo da Silva entende que danos morais devem ser conceituados como “as lesões sofridas pela pessoa humana em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal o conjunto de tudo o que não é suscetível de valoração econômica”. [64] Nessa conceituação, tudo que disser respeito ao ser humano e que não for passível de ser expresso em valor monetário, se lesionado, caracterizará o dano moral.
Nesta mesma senda, R. Limongi França conceitua dano moral como sendo “aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos”.[65]
Orlando Gomes já define o dano moral como sendo “o constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de lesão em direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem”. [66] Nesse entendimento, verifica-se que para se caracterizar o dano moral são necessários três elementos: uma lesão aos direitos personalíssimos, que essa lesão seja proveniente de constrangimento ilícito e que seja causado por outra pessoa, que não a própria.
Helena Elias[67] defende a idéia de que independentemente das várias noções e conceitos doutrinários sobre o que venha a ser dano moral, essa discussão não assumiria relevo, uma vez que, todos apontam para um elemento conceitual comum, suficientemente abrangente, qual seja, o caráter não patrimonial da lesão. Segundo a autora, apesar de existirem vários conceitos sobre dano moral todos eles acabam por eleger um ponto em comum de que a lesão não é patrimonial, portanto, independe se um conceito é mais ou menos abrangente que o outro.
Nesse sentido, Sérgio Severo[68] que, ao usar a denominação dano extrapatrimonial como sendo a lesão de interesse sem expressão econômica, em contraposição ao dano patrimonial para definir dano moral, afirma que não se justifica a busca de uma definição substancial, uma vez que tal concepção constituir-se-ia numa limitação desnecessária ao instituto.
Percebe-se assim, a busca em reconhecer o dano moral como um dano existente e que deve ser indenizado, independentemente de qual seja a sua conceituação, já que, a CRFB ampara esse direito, mas não conceitua o dano moral, sendo esse trabalho realizado pelos doutrinadores como auxiliares dos juízes na aplicação do Direito.
2.2 A REPARABILIDADE DO DANO MORAL E A SUA CUMULAÇÃO COM O DANO MATERIAL
A reparabilidade do dano moral foi assunto muito controvertido e sofreu lenta evolução no decorrer dos tempos e da história do Direito; contudo, hoje está pacificada.
Em um primeiro momento essa resistência em não aceitar a hipótese de indenização se deu devido ao fato de se negar a legitimidade moral da atribuição de um preço à dor, ou seja, por se considerar que o dano moral era inestimável, pois decorria de uma dor que era causada ao ser humano. O entendimento era de que a dor não tinha preço e que uma indenização por essa dor seria imoral, pois, por exemplo, uma pessoa que perdesse um ente querido e tivesse o direito de receber uma indenização por danos morais causados por aquela perda estaria trocando o sentimento de dor devido à morte de seu parente por um valor em dinheiro.
Contudo, com o tempo, foi notado que esses argumentos se baseavam apenas no preço da dor e que, na realidade, a verdadeira intenção do instituto não era esse. O que se deveria buscar era uma compensação, ainda que pequena, pela tristeza injustamente causada à vítima.
Maria Francisca Carneiro ilustra de maneira clara a dificuldade e a complexidade de se emparelhar assuntos tão diversos quanto a dor moral e o dinheiro:
O dano moral, em virtude de seu caráter subjetivo, sofre embustes quando da tentativa de sua conversão em pecúnia, por razões até mesmo epistemológicas; trata- se de assuntos de natureza diversa, que não transitam pela mesma esfera. Dor moral e dinheiro são dimensões diferentes da realidade humana, e, portanto, não há reversibilidade entre esses conceitos, pois o dinheiro jamais aquilatará ou pagará os valores de “psiché”... O que se busca, então, não é a ressarcibilidade do sofrimento em si (pois este jamais será reparado, na medida em que não se pode modificar os fatos passados): mas sim formas sucedâneas de valor, que, na impossibilidade de anular um sofrimento moral, possam oferecer outras alegrias ou estados de bem- estar social e psíquico, de modo a compensar e equilibrar o dano, ainda que não anulá-lo. É que os diferentes bens, inclusive a moeda, exercem funções várias na vida social, proporcionando às pessoas o alcance de inúmeros objetivos, econômicos ou mesmo ideais, na satisfação de interesses os mais diversos, inclusive na própria atenuação de agruras, desgostos, desilusões e outras sensações negativas. [69]
Quando a autora fala em modo de compensar e equilibrar o dano oferecendo à vítima outras alegrias ou estados de bem-estar social e psíquico, está de certa forma expressando o entendimento majoritário entre os doutrinadores e a jurisprudência de que a indenização por danos morais visa uma compensação, uma reparação pelo dano causado, sem a pretensão de devolver à vítima o status quo ante, ou seja, o estado em que ela se encontrava antes da lesão.
Sérgio Cavalieri Filho entende que, “o ressarcimento do dano moral não tende à restituir de forma integral o dano causado, tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida.”[70]
Para esse autor, o termo correto a ser empregado seria o de compensação pelo dano sofrido, na intenção de amenizar, atenuar a dor e não de comprá-la, diferentemente do termo equivalência empregado no caso de dano material, no qual a indenização deve ser equivalente à lesão causada.
Corrobora desse entendimento Maria Helena Diniz, quando afirma que “na reparação do dano moral, o dinheiro não desempenha a função de equivalência, como no dano material, porém, concomitantemente, a função satisfatória e a de pena.”[71]
Definido que o dano moral deve ser ressarcido, outro ponto passou a gerar controvérsias: o de se seria possível ou não cumular as indenizações de dano moral com o dano material.
Existia o entendimento de que se a vítima fosse ressarcida pelo dano material não poderia o ser também pelo dano moral, já que, este seria absorvido por aquele, afastando a sua reparação.
Sérgio Cavalieri assevera que “em inúmeros casos, o ofendido, além do prejuízo patrimonial, sofre também dano moral, que constitui um plus não abrangido pela reparação material. E assim é porque o dano material atinge bens do patrimônio da vítima, enquanto o dano moral ofende bens da personalidade.” [72]
Hoje esse assunto já foi pacificado, tendo sido inclusive sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça no enunciado nº 37: “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.” [73]
Transpostas essas divergências, o dano moral passou a ser indenizado obrigatoriamente e, ainda, cumulado com o dano material nos casos em que a lesão ofenda os dois bens.
A obrigatoriedade em repará-lo está prevista na CRFB no artigo 5º, incisos V e X:
Art. 5º (...)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.[74]
Após a CRFB ter elevado à condição de garantia dos direitos individuais a reparabilidade do dano moral, inúmeras legislações vêm sendo editadas no país, ampliando opções para a propositura de ações nessa área.
Exemplo dessas legislações é a Lei 8.069[75] de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente - que em seus artigos 17 e 201, incisos V, VIII e IX asseguram à criança e ao adolescente o direito à integridade física, psíquica e moral, e também a Lei
8.078[76] de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor – que, em seu artigo 6º, incisos VI e VII, admitem a reparação de danos patrimoniais e morais causados aos consumidores.
Demonstrada a evolução do dano moral, passa-se a analisar efetivamente em que momento a ofensa à dignidade da pessoa humana se torna passível de indenização por dano moral.
2.3 QUANDO A LESÃO À DIGNIDADE HUMANA SE TORNA PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
Como já exposto, os princípios e as regras constitucionais devem sempre ser respeitados e levados em consideração na hora de se interpretar qualquer artigo de lei. Tendo- se como ponto de partida tal entendimento, percebe-se que a “unidade do ordenamento jurídico é dada pela tutela à pessoa humana e a sua dignidade.”[77]
Apesar das controvérsias já debatidas no item anterior, ponto que se tornou pacífico entre os autores é que o dano moral nada mais é do que uma violação aos direitos da personalidade.
A dignidade da pessoa humana sendo a base de todo o ordenamento jurídico, é demonstrada por meio dos direitos e garantias fundamentais que incluem os direitos da personalidade. Sendo assim, qualquer ofensa a um direito da personalidade, como a honra e a intimidade, entre outros, é uma ofensa direta à dignidade da pessoa humana.
Desta feita, sempre que a dignidade da pessoa humana estiver sendo lesada ou em vias de o sê-lo, o Estado deve protegê-la. Falhando o Estado nessa proteção e permitindo que com isso a lesão ocorra, não pode o indivíduo ser abandonado, fazendo com que a pessoa humana seja subvalorizada; logo, existe uma opção ao indivíduo: pleitear perante a justiça a compensação desse dano moral.
Nesse sentido têm decidido nossos tribunais. A Desembargadora Letícia Sardas em decisão monocrática considerou a ofensa à dignidade da pessoa humana como fator gerador da indenização por dano moral:
Dano moral. Negativação do nome no serviço de proteção ao crédito. Violação ao patrimônio ideal. 1. A sensação de ser humilhado, sendo visto como mal pagador, quando não se é, constitui violação ao patrimônio ideal, que é a imagem idônea, a dignidade do nome, a virtude de ser honesto. 2. É abusiva a indevida negativação do nome do consumidor no cadastro de inadimplentes e em qualquer outro registro negativo. 3. Procedência do pedido de ressarcimento do dano moral. 4. Desprovimento dos recursos. Des. Letícia Sardas – Oitava Câmara Cível – Apelação Cível referente ao processo nº 2005.001.29712.[78]
É possível perceber que a decisão supra foi tomada em função de lesão à imagem idônea e à virtude de ser honesto do indivíduo que estava sendo avaliado, elementos que compõem a personalidade do ser humano, em conseqüência a sua dignidade.
Para Yussef Said Cahali “a violação dos direitos da personalidade resulta no dano moral reparável.” [79] Sendo assim, a violação a qualquer direito da personalidade como a honra, a intimidade, o nome etc. será passível de reparação por dano moral.
Contudo, não é qualquer situação que enseja o dano moral. Maria Celina Bodin de Moraes de maneira muito didática expõe:
Não será toda e qualquer situação de sofrimento, tristeza, transtorno ou aborrecimento que ensejará a reparação, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a dignidade humana em seus diversos substratos materiais, já identificados, quais sejam, a igualdade, a integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou social, no plano extrapatrimonial em sentido estrito.[80]
Nesse mesmo sentido demonstra Sérgio Cavalieri[81] que, se o dano moral nada mais é que uma agressão à dignidade humana, a primeira conseqüência que se pode extrair é a de que não basta para configurá-lo qualquer contrariedade. É necessário que a dor, o vexame, o sofrimento, a humilhação fujam à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.
A afirmação supracitada demonstra que não bastam meros dissabores, aborrecimentos, irritações do cotidiano, pois esses elementos fazem parte da normalidade, do dia-a-dia do ser humano, no trabalho, no trânsito, com os familiares. Afirma o autor que, por não serem intensas e duradouras, esses dissabores não rompem o equilíbrio psicológico do indivíduo, sendo assim, não merecem atenção a ponto de serem indenizadas.
Esses sentimentos humanos como a dor, o vexame, a vergonha, a aflição entre tantos outros, na opinião de Maria Celina Bodin de Moraes[82] são conseqüências do dano que foi causado ao indivíduo e não a causa do dano.
Pode-se concluir esse pensamento com a afirmação de Sérgio Cavalieri[83] no sentido de que, assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém.
Emerson Souza Gomes assim dispõe:
Como anotado, o ilícito por si só constrange a dignidade, no entanto, antes de qualquer inferência, cabe denotar que, se o Estado tem o dever de prezar e fomentar a dignidade na sociedade, não se exclui da mesma forma o cidadão do dever de construir uma reputação pautada em virtudes, em bem-fazeres que lhe atraiam a presunção do dano no âmbito ideal.[84]
Repise-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana quando agredida em sua essência, ou seja, quando chegar ao ponto de causar ao indivíduo sentimentos que fujam do comum, do cotidiano, devem ser compensadas, como uma maneira de diminuir seu sofrimento.
2.4 O ARBITRAMENTO DO DANO MORAL – ESTÁGIOS E SISTEMAS DE FIXAÇÃO
Atualmente no Brasil é entendimento dominante que ocorrendo uma violação, para que seja efetuada a devida reparação, deverá existir o caráter punitivo em conjunto com o caráter compensatório, ambos norteados pelo princípio da razoabilidade.
Acerca da forma de aferição do quantum reparatório, apesar de existir entendimento sedimentado de que deve prevalecer o arbitramento por parte do magistrado, a doutrina também apresenta o sistema tarifário. Nesse sistema, o valor da indenização é predeterminado por lei, como por exemplo, a Lei de Imprensa, artigos 51 e 52, e o Código Brasileiro de Comunicações, artigo 84, § 1º. Nesse sistema caberá ao magistrado somente aplicar o que determinar a lei ao caso concreto, atentando-se para os limites fixados para cada situação. Dentre os que defendem a imposição de limites legais, Araken de Assis sugere a respeito:
Quando a lei, expressamente não traçar diretrizes para a fixação do valor da indenização, a exemplo do que deriva do art. 1.547, par. único, do Código Civil, caberá o arbitramento (art. 1.553) no qual se atenderá, de regra, a dupla finalidade: compensar a vítima, ou o lesado, e punir o ofensor.
Neste arbitramento, imposto por determinação legal, deverá o órgão judiciário mostrar prudência e severidade, tolhendo a reiteração de ilícitos análogos.[85]
É possível notar que a preocupação dos defensores destes limites é que a falta de critérios objetivos acabe por permitir valores de indenizações que extrapolem o princípio da razoabilidade, sendo certo que mesmo para os defensores do sistema aberto de aferição este é um ponto em que praticamente todos concordam que merece especial atenção.
Na hipótese do sistema aberto de aferição do quantum reparatório é atribuída ao juiz a competência para estabelecer o valor, de forma subjetiva, de acordo com as circunstâncias do caso e correspondente à possível satisfação da lesão sofrida pela parte. A regra está contida no artigo 953 do Código Civil:
Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias
do caso.
Importante salientar que a valoração de um juiz tem infinitas vantagens sobre a previsão de uma lei genérica. Somente o magistrado com prudência e bom senso pode avaliar o caso concreto, levando em consideração as condições do autor e réu, bem como a potencialidade da ofensa, sua permanência e seus reflexos.
Corrobora Yussef Said Cahali:
[...] o juiz, por dever de ofício, está investido da atividade judicante e se presume esteja dotado de bom senso, experiência e moderação que o habilitam a desvencilhar-se daquelas dificuldades (a de identificar na dor a existência do dano moral para a procedência da ação e a fixação do quantum da condenação} [...][86]
Há ainda quem defenda um sistema de rigidez condicionada, em que o livre arbítrio do juiz seja contido por uma faixa mínima e máxima de determinado índice financeiro, a exemplo o salário mínimo, como destaca Antônio Montenegro afirmando que “na verdade, entregar-se ao puro arbítrio do julgador a estimativa do dano moral significa deixar ao sabor das magnitudes ou mesquinharias, de que nem todos estão imunes, matéria das mais delicadas no direito” [87] . Dessa forma seriam evitados abusos, especulações e enriquecimentos injustificados.
Acerca dessa prestação jurisdicional, Emerson Souza Gomes afirma que é colocado “em xeque o juízo que, se muito arbitra – premia, não condizendo com os auspícios da justiça distributiva, e se pouco – constrange a ponto de tornar inócua a prestação para a sociedade”.[88]
Quanto aos julgamentos já efetuados, Henrique Savonitti Miranda averba que “há de se louvar o trabalho que vem sendo realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de equalizar as decisões judiciais absolutamente díspares que vêm sendo prolatadas por juízes e tribunais” [89].
Wladimir Valler acrescenta:
Nessa ordem de idéias, a jurisprudência vem dando um entendimento mais elástico ao texto constitucional. Decisões há que invocam o novo texto constitucional para dar, como diz JOÃO CASILLO, “maior alento e garantia àqueles que, sofrendo um dano ou a violação de um direito, esperam a devida reparação, quer seja o dano patrimonial, quer seja extrapatrimonial, quer sejam ambos concomitantemente”. [90]
Neste sentido entendem nossos tribunais:
REPARAÇÃO DE DANOS. OFENSAS DE CARÁTER PRECONCEITUOSO. DANO MORAL CONFIGURADO.. VALOR DA INDENIZAÇÃO EXAGERADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. As discriminações de raça e de eventual orientação sexual são ética e legalmente criticáveis, devendo, portanto, serem rechaçadas com veemência. No caso em tela, não restou dúvidas de que autor fora ofendido em sua dignidade pela ré. Todavia, o dano moral deve ser arbitrado com prudência, sensatez e levando-se em conta o princípio da razoabilidade, de modo que não se transforme em fonte de enriquecimento sem causa. A doutrina, em geral, aponta alguns critérios para a fixação da justa reparação, tais sejam: a reprovabilidade da conduta ilícita; a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima; a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido e outras circunstâncias fáticas relevantes. Nessa ordem de idéias, atentando-se para as peculiaridades do caso concreto, a indenização estipulada no decisum apelado mostra-se exagerada, devendo, portanto, ser reduzida à metade. [91]
APELAÇÃO CÍVEL. Ação indenizatória. Dano moral. Morte de detento. Demanda proposta pela mãe do preso, a qual teve o seu filho brutalmente assassinado por um companheiro de cela. Sentença a quo que julgou procedente em parte o pedido, condenando o Estado ao pagamento de uma indenização de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Apelo da autora objetivando a majoração do quantun indenizatório. Recurso voluntário do réu, pela improcedência do pleito autoral e, eventualmente, pela redução da verba moral. Ato omissivo do Poder Público. Notória periculosidade do assassino. Culpa provada dos agentes administrativos, por omissão concorrente para a consumação do evento danoso. As circunstâncias revelam que houve falha no estabelecimento prisional, fato esse culminou na morte do único filho da autora. Vítima presa e condenada por furtar dois filtros solares, a qual foi mantida com preso de altíssima periculosidade, suspeito, inclusive, de haver ateado fogo em outra pessoa no mesmo nosocômio. Demonstração de conduta culposa do agente, do dano e nexo causal, gerando, assim, o dever de indenizar. Violação do disposto no art. 5º, XLIX, da CF/88. Constitui dever do Estado garantir a vida e a integridade física de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente. Verba indenizatória que deve ser fixada com prudência e razoabilidade. Acolhimento do parecer do Ministério Público para majorar a indenização em valor equivalente a 200 salários mínimos. Reforma parcial da sentença monocrática em sede de reexame necessário. Juros legais a contar do evento danoso. Correção Monetária a partir da data da sentença condenatória. Isenção do Estado ao pagamento das custas processuais. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. [92]
Cabe ressaltar que nos dias atuais doutrina e jurisprudência entendem que deve ficar ao livre arbítrio do magistrado, que por meio do convencimento e tirocínio deve aferir a extensão da lesão e o valor cabível com muita cautela, visando satisfazer a dor da vítima e ao mesmo tempo evitar a industrialização do dano moral.
2.5 A COMPENSAÇÃO E O DESESTÍMULO
Quanto aos objetivos imediatos e reflexos, a moderna noção de indenização por danos morais funda-se no binômio “valor do desestimulo” e “valor compensatório”.
Por meio da diminuição das finanças do causador do dano, o “valor desestímulo” busca dissuadir outros cidadãos de praticar ato semelhantemente lesivo, evitando assim o surgimento de outras vítimas. Já o “valor compensatório” visa atribuir à vítima um lenitivo para o dano sofrido.
Analisando os permissivos legais constata-se que existe previsão legal tanto para as reparações com caráter compensatório quanto punitivo.
Interessante se faz registrar a leitura que se extrai da Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X:
Art 5º
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (grifo nosso)
Bom frisar que a palavra “indenizar” significa “reparar, recompensar, retribuir”[93] , o que se conclui que a indenização a título de danos morais tem caráter puramente compensatório.
No mesmo diapasão registra Clayton Reis:
Com a prestação pecuniária o que se visa não é diretamente extinguir a dor com a aplicação de um preço ou antídoto, não é extrai-la pondo-lhe no lugar a moeda, como ficou esclarecido. O que se faz é outra coisa, é procurar para o lesado um conjunto de sensações agradáveis, motivo de satisfação e de emoções, segundo a sua inclinação e seu temperamento, de sorte a criar condições que, se não chegam a suprimir o sentimento de pesar, de certo podem atenuá-lo, tornando-o mais suportável e menos prolongado.[94]
Corrobora ainda Wladimir Valler, afirmando que “como a dor não pode ser medida, não haverá como fixar um critério objetivo para compensá-la em dinheiro, diante da impossibilidade de ser estabelecida uma equivalência entre o dano e o ressarcimento.[95]
Como é possível notar, a dor, os sentimentos e sofrimentos não são pagos ou se amenizam. No entanto, o ofendido necessita de meios adequados para se recuperar.
Não se pode esquecer que ao fixar a indenização pelo dano sofrido, o magistrado estabelece um valor capaz de impedir, de dissuadir prática semelhante. Isto porque o artigo
186 do Código Civil estabelece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (grifo nosso) Consequentemente, a todos que praticarem ato ilícito há que ser aplicada a punição cabível.
Nesta senda, Maria Helena Diniz assim se manifesta:
[...] uma sanção imposta ao ofensor, visando à diminuição do seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa, integridade física, moral e intelectual não poderá ser violado impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às conseqüências de seu ato por não serem reparáveis [...].[96]
Indubitável é que prevalece o entendimento de que o mecanismo protetor da norma geral que impõe o ressarcimento ou reparação possui natureza mista, pois de um lado compõe danos e de outro impõe determinada sanção.
Dispõe ainda Maria Helena Diniz:
[...] quando a vítima reclama a reparação pecuniária me virtude de dano moral que recai sobre a honra, no profissional e família, não pede um preço para sua dor, mas apenas que se lhe outorgue um meio de atenuar, em parte, as conseqüências do prejuízo. Na reparação do dano moral, o dinheiro não desempenha a função de equivalência, como no dano material, porém, concomitantemente, a função satisfatória e a pena[...].[97]
Consoante os doutrinadores supramencionados, a função punitiva está ínsita no preceito geral da obrigação de indenizar no campo da responsabilidade civil e somente quando o valor da indenização abrange o fator compensatório e o desestimulador, a coercitividade terá vida prática.
Outrossim, não se pode deixar de mencionar o aspecto pedagógico da reparação do dano moral, que enfatiza que a punição do ato ilícito volta-se não só para ofensor como também para a sociedade, uma vez que passa a ser de conhecimento de todos o dever de não praticar conduta que provoque a dor moral e que para a prática de tal violação haverá punição.
Desta maneira é possível vislumbrar que a teoria da reparação do dano moral está calcada em funções de defesa de interesses individuais, a exemplo da dignidade da pessoa, mas sem desconectar do escopo maior de servir como instrumento de proteção aos interesses da coletividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após efetuar a pesquisa e sua análise teórica, foi observado que o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, sendo um dos alicerces da Constituição Federal do Brasil.
Com a Constituição Cidadã houve a determinação de que a conduta do Estado deve se pautar na ordem jurídica com o fito de proteger o cidadão e conceder-lhe os devidos direitos. Com isso, todos os princípios, normas, regras e leis infraconstitucionais devem conter em sua essência a proteção à dignidade da pessoa humana, não podendo lesioná-la, sob pena de serem consideradas inconstitucionais.
O conceito de dignidade reflete sobre o que é essencial para que o ser humano. A preservação da dignidade humana gera um efeito salutar na sociedade, transformando-a em uma instituição mais justa, na qual todos os cidadãos possam conviver em melhor harmonia com seus direitos permanentemente respeitados.
A dignidade nasce com o indivíduo e a função do Estado é proteger, reconhecer e garantir a mesma dignidade por meio das leis.
É tido como essencial ao indivíduo uma vida saudável, sendo preservado o bem estar físico, mental e social. Esse bem estar se consumará se o ser humano tiver ao seu alcance a educação, saúde pública, moradia, emprego, o respeito à honra e nome, sendo-lhe então garantido seus direitos fundamentais.
Entretanto, o dever de respeitar os direitos supramencionados não é somente do Estado, cabendo também a todos os indivíduos. Cada integrante da sociedade deve ter consciência do valor da dignidade de seu semelhante.
Nenhum princípio é absoluto, uma vez que encontra sua relativização no princípio que ampara o direito do outro indivíduo. Sendo assim, podem ocorrer conflitos entre os princípios e sua solução se dá por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, princípio esse que tem como fundamento a proteção da dignidade humana.
Sempre que a dignidade da pessoa humana é lesionada há que se amenizar o mal que foi causado, sendo esse indivíduo compensado pelo dano moral sofrido.
O dano moral ocorre na esfera da subjetividade, ou no plano dos valores da pessoa enquanto ser social, e deriva de práticas atentatórias à personalidade, traduzindo-se em sentimento de pesar íntimo do ofendido, capaz de gerar alterações psíquicas ou prejuízo ao aspecto afetivo ou social do seu patrimônio moral.
No Direito brasileiro, o princípio geral da reparabilidade da lesão moral foi prestigiado pela Constituição de 1988 e permitiu aos nossos Tribunais promovê-la de maneira mais ampla, positivando o silogismo criado pela doutrina e jurisprudência. Ainda, foi sabiamente pacificado pela Súmula 37 do STJ a cumulação das indenizações do dano material e moral oriundos do mesmo fato.
O mecanismo protetor da norma geral que impõe a reparação caracteriza-se por sua natureza mista, pois se um lado compõe danos, de outro lado impõe a sanção do ilícito. E assim, ao comandar a punição do infrator também orienta condutas.
No campo constitucional, quando se elencam os direitos que o ser humano tem, é a dignidade humana que se está tutelando, pois na sua essência os direitos a protegem. No campo civil quando se garante ao indivíduo uma compensação pela lesão sofrida à dignidade, se tem a intenção de amenizar o sofrimento do ser humano.
Somente merece compensação pelo dano moral sofrido aqueles casos em que a dignidade foi atingida de maneira a causar uma grande desconforto de ordem moral e psíquica, não bastando para tanto que meros aborrecimentos ocorram. Isto tudo, visando evitar a banalização de tal instituto.
Acerca dos critérios para a fixação do valor devido a título de dano moral pelo judiciário, esses devem ficar ao livre e prudente arbítrio do magistrado, único legitimado a aferir a extensão da lesão e a indenização correspondente, utilizando-se de seu livre convencimento e tirocínio.
Há quem tema tal liberdade dada ao julgador e defenda a implantação de um tarifamento ou dosimetria de valores determinados pela lei, a fim de coibir excessos. Contudo, não é admissível igualar realidades desiguais. A lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. A prudência e o razoável devem orientar o processo de apuração do dano moral e a devida indenização.
É preponderante a ideia de sancionamento do ofensor que impõe que o quantum reparatório seja razoavelmente expressivo, como forma de obstar a reiteração de casos futuros, devendo ainda o julgador atentar para a possibilidade do enriquecimento do ofendido, caso que somente é admitido em situações excepcionais, desde que não se identifiquem especulações desonestas.
Os brasileiros devem se orgulhar de possuírem uma das constituições mais democráticas e modernas do mundo e uma instituição judiciária muito ativa. Atualmente existe grande preocupação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de equalizar as decisões judiciais absolutamente díspares que vêm sendo prolatadas por juízes e tribunais.
Conclui-se que somente considerados todos os aspectos antes mencionados, estaria o magistrado assegurando a quantificação da indenização devida por dano moral, de forma a punir de fato o ofensor na proporção da gravidade da lesão por ele cometida e a compensar o ofendido, embora em pecúnia. Desta forma está sendo garantida a efetividade aos Princípios Fundamentais, com realce ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, ao mesmo tempo em que se impede seja o quantum expressão de puro arbítrio, alcançando-se, assim, o ideal de justiça.
REFERÊNCIAS
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[1] DÜRIG apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Advogado, 2004, p. 41.
[2] SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 30.
[3] Ibidem, p. 30.
[4] Ibidem, p. 30.
[5] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 48.
[6] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2000, p.24; 32.
[7] Ibidem, p.25.
[8] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o princípio da dignidade humana. In: LEITE, George Salomão et al.
Dos princípios constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 189.
[9] PINHEIRO, Ralph Lopes. História resumida do direito. Rio de Janeiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Thex, 2000, p.171.
[10] PIOVESAN, op. cit., p. 190.
[11] JACKMAN apud PIOVESAN, op. cit, p. 190.
[12] BONAVIDES, Paulo apud PIOVESAN, op. cit., p. 193s
[13] NERY JÚNIOR, Nelson. Constituição federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 118.
[14] SARLET, op cit., p. 59s.
[15] NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. 12. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1994, p. 680.
[16] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel apud TAVARES, André Ramos. Elementos para uma teoria geral dos princípios na perspectiva constitucional. In: LEITE, op. cit., p. 24.
[17] Ibidem, p. 25.
[18] ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 222.
[19] ROTHEMBURG, Claudius apud ZIMMERMANN, op cit, p. 255.
[20] SILVA, José Afonso da apud ZIMMERMANN, op cit., p. 244.
[21] ZIMMERMANN, Augusto, op cit, p. 245.
[22] ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Princípio da proporcionalidade: significado e aplicação prática. Campinas: Copola, 2002, p. 18.
[23]Ibidem,p.14.
[24] Ibidem, p. 10.
[25] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Sobre o princípio da proporcionalidade. In: LEITE, op. cit., p. 241.
[26]ARAÚJO, op. cit., p. 32.
[27] Ibidem, p. 33; 43.
[28] Ibidem, p. 33
[29] BARROS, Suzana de Toledo apud ARAÚJO, op cit., p. 35.
[30] ARAÚJO, op cit, p. 35.
[31] Ibidem, p. 38.
[32] Ibidem, p. 39.
[33] PEIXINHO, Manoel Messias apud ARAÚJO, op cit, p. 40.
[34] ARAÚJO, op cit, p. 57; 67.
[35] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto, op. cit., p. 43.
[36] ARAÚJO, op cit, p. 57.
[37] SILVA, Luís Virgílio Afonso da apud ARAÚJO, op cit, p. 58.
[38] ARAÚJO, op cit, p. 60.
[39] GUERRA, Marcelo Lima apud ARAÚJO, op cit, p. 63.
[40] CANOTILHO, J. J. Gomes apud ARAÚJO, op cit, p. 64.
[41] NUNES, Luís Antonio Rizzatto, op cit, p. 45.
[42] ARAÚJO, op cit, p. 74s.
[43] Ibidem, p. 75
[44] NUNES, Luís Antonio Rizzatto, op cit, p. 42.
[45] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 50.
[46] ARAÚJO, op. cit., p. 58s.
[47] TAVARES, André Ramos In: LEITE, op. cit., p. 38.
[48] MORAES, Maria Celina Bodin de, op. cit., p. 85.
[49] Ibidem, p. 86.
[50] SARLET, op. cit., p. 124.
[51] Ibidem, p. 128.
[52] KLOEPFER apud SARLET, op. cit., p. 130.
[53] SARLET, op. cit., p. 138s.
[54] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto..op.cit., p. 50
[55] Ibidem, p. 50.
[56] NUNES, Pedro, op. cit., p. 289s.
[57] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. Malheiros, 2004, p. 94.
[58] Ibidem, p. 94.
[59] MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito constitucional. 5. ed. Brasília: Senado Federal, 2007, p.
216.
[61] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 196.
[62] CAVALIERI FILHO, Sérgio apud ELIAS, Helena. O dano moral na jurisprudência do STJ. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004., p. 28.
[63] MORAES, Maria Celina Bodin de, op. cit., p. 157.
[64] SILVA, Wilson Melo da apud MORAES, Maria Celina Bodin de, op. cit., p. 155.
[65] FRANÇA, R. Limongi apud VALLER, Wladimir. A reparação do dano moral. 4. ed. Campinas: E. V., 1996, p. 33.
[66] GOMES, Orlando. Obrigações. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 271.
[67] ELIAS, Helena, op. cit., p. 32.
[68] SEVERO, Sérgio apud ELIAS, Helena, op. cit., p. 30.
[69] CARNEIRO, Maria Francisca apud ELIAS, Helena op. cit., p. 40s.
[70] CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 95.
[71] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 1. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 356.
[72] CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 96.
[73] ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum acadêmico de direito. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007, p. 1689
[74] BRASIL, op. cit., p. 21s.
[75] BRASIL. Lei 8.069 de 13 de junho de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990.
[76] BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990.
[77] MORAES, Maria Celina Bodin de, op. cit., p. 182.
[78] SARDAS, Letícia. Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2013.
[79] CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 56.
[80] MORAES, Maria Celina Bodin de, op. cit., p. 188s.
[81] CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 98.
[82] MORAES, Maria Celina Bodin de, op. cit., p. 131.
[83] CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 98.
[84] GOMES, Emerson Souza. Colações ao princípio da dignidade da pessoa humana: dano moral e
relacionamento com a boa-fé objetiva. Jus Vigilantibus, Vitória, 16 jan. 2005. Disponível em:
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[85] ASSIS, Araken de. Indenização do dano moral. Revista Jurídica nº 236. Porto Alegre: Síntese, jun. 1997, p. 5.
[86] CAHALI, op. cit., p. 173.
[87] MONTENEGRO, Antônio Lindbergh. Ressarcimento de danos pessoais e materiais. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1998, p. 138/139.
[88] GOMES, op. cit.
[89] MIRANDA, op. cit., p. 217.
[90] VALLER, Wladimir. A reparação do dano moral no direito brasileiro. 4. ed. Campinas: E.V., 1996, p. 45.
[91] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação cível nº 2005.001.00701, Rio de Janeiro, Relator Marlan Marinho, Décima quarta câmara cível, 10 de janeiro de 2006. Lex: disponível em: <http:/
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[92] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação cível nº 2005.001.15969, Rio de Janeiro, Relator Ferdinaldo do Nascimento, Décima quarta câmara cível, 17 de janeiro de 2006. Lex: disponível em:
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[93] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 729.
[94] REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 134.
[95] VALLER, op. cit.,p. 42.
[96] DINIZ, op. cit., p. 75
[97] Ibidem, p. 292.
Advogado, Administrador de Empresas e Teólogo. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio do Recife, em Administração pela Universidade de Pernambuco e em Teologia Eclesiástica pela Faculdade Internacional de Teologia Gospel/Faculdade Gospel. Pós-graduado em Direito Administrativo e em Direito Civil, ambas as especializações pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Mestrando em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável pela Universidade de Pernambuco. Mestrando em Teologia com ênfase em Bibliologia pela Faculdade Internacional de Teologia Gospel/Faculdade Gospel. Servidor da Prefeitura do Recife e Conciliador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI). Sócio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Associado à Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Articulista de sites jurídicos. Curriculum lattes: http://lattes.cnpq.br/0065877568376352
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, José Mário Delaiti de. O dano moral e o princípio da dignidade da pessoa humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 mar 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34232/o-dano-moral-e-o-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 23 dez 2024.
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