1 DEFINIÇÃO DE RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO
Relação de Trabalho é toda a relação jurídica na qual alguém se obriga a trabalhar para ter um resultado esperado, ou para a entrega da própria força do trabalho.
Relação de trabalho é o gênero do qual a relação de emprego é espécie.
Carmem Camino conceitua a relação de emprego da seguinte forma:
Relação de emprego é a relação de trabalho de natureza contratual, realizada no âmbito de uma atividade econômica ou a ela equiparada, em que o empregado se obriga a prestar trabalho pessoal, essencial à consecução dos fins da empresa e subordinado, cabendo ao empregador suportar os riscos do empreendimento econômico, comandar a prestação pessoal do trabalho e contraprestá-lo através do salário. (Camino, 2004, p.235).
Os romanos já cogitavam dessa dicotomia, ao classificarem a locação de serviços em “locatio operis”, no caso da entrega de um resultado, e em “locatio operarum”, no caso da entrega da força de trabalho.
Dentro do gênero relação de trabalho estão todas as espécies de trabalho autônomo, a locação de serviços, a empreitada, a parceria e a relação de emprego. Também engloba a prestação de serviços dos funcionários público, do avulso, do eventual e do empresário.
2 ESTRUTURA DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA: ELEMENTOS COMPONENTES
Inicialmente, deve ser feita uma breve referência ao contrato de trabalho, que instrumentaliza a relação de emprego.
O contrato de trabalho era anteriormente denominado de locação de serviços (arts. 1.216 a 1.236 Código Civil 1916). Contudo, antes da edição do Código Civil, a doutrina já usava a referida denominação, conforme se verifica na obra Apontamentos de Direito Operário de Evaristo de Moraes.
Legalmente, a denominação contrato de trabalho surge com a Lei n.º 62/35 que versou sobre a rescisão do pacto laboral.
Entretanto, em nossa legislação se encontra tanto a expressão “contrato de trabalho” como “relação de emprego”. O mais correto seria o uso das expressões “contrato de emprego” e “relação de emprego”, porque se trata de pacto entre o empregador e o empregado, de trabalho subordinado. Se o indivíduo é empregado, então não é autônomo ou eventual, pois tem subordinação e presta serviços com continuidade.
A relação de emprego é um tipo de relação de trabalho peculiar, incompatível com as demais espécies.
A “mais-valia” é peculiaridade da relação de emprego. Tal enseja um estado de disponibilidade inexistente em outras relações de trabalho e dado particular em cima do qual se construiu todo o complexo normativo do direito individual do trabalho.
A relação de emprego tem hoje definição bem precisa. No art. 3º da CLT, é conceituado o empregado como pessoa física, que presta serviço não-eventual, sob dependência deste e mediante salário. De outro lado, há o art. 2º também da CLT que define o empregador, com ênfase para a assunção dos riscos da atividade econômica.
Da compreensão dos dois dispositivos acima elencados, identificamos os seguintes traços típicos:
- existência de alguém que empreenda atividade econômica e, com fim de obter resultados, emprega força humana de trabalho;
- inserção dessa força na atividade empresarial, resultando a pessoalidade, a não-eventualidade, a subordinação e o assalariamento.
A seguir, é feita uma análise de cada elemento da relação de emprego de forma separada.
2.1 Existência de uma atividade econômica
A relação de emprego pressupõe um empregador que insere a força de trabalho humana em sua empresa. É quem põe em sua esfera jurídica algo de outrem (força de trabalho).
Para empreender atividade econômica por sua conta e risco e pôr em sua esfera jurídica a força de trabalho do empregado, é necessária auto-suficiência econômica, capital.
Em regra, o sujeito auto-suficiente é ostensivo. No entanto, há casos em que o apontado empregador é tão hipossuficiente, quanto seu auxiliar. Nesse caso, não há apropriação de trabalho alheio, apenas a conjugação de esforços de dois trabalhadores.
Assim, quando há dúvida quanto ao empregador, deve-se perseguir o traço que o distingue, conforme o art. 2º da CLT: auto-suficiência econômica – capacidade de empreender atividade produtiva, por sua conta e risco.
2.2 Não-eventualidade
O art. 3º da CLT traz a expressão “serviços de natureza não-eventual”. Para parte da doutrina, essa expressão deve ser compreendida como serviços vinculados ao objeto da atividade econômica, imprescindíveis à sua consecução.
Os serviços não-eventuais são os rotineiros da empresa, necessários, permanentes, vinculados ao objeto da atividade.
Para Carmen Camino, não se pode vincular a eventualidade com a curta duração da prestação do trabalho. Não é o lapso de tempo, mas a natureza do trabalho o fator determinante. Segundo a autora, alguém pode ser empregado trabalhando durante diminuto espaço de tempo, mas não o ser, mesmo trabalhando durante largo espaço de tempo.
Sérgio Pinto Martins chama a não-eventualidade de continuidade e a identifica como o trabalho prestado com continuidade. Afirma ele que o contrato de trabalho é de trato sucessivo, ou seja, deve perdurar no tempo. A continuidade é da relação jurídica, da prestação de serviços.
Pode-se traduzir, assim, a não-eventualidade referida no art. 3º da CLT como expressão da habitualidade, da rotina natural da empresa. É o trabalho naturalmente inserido na atividade da empresa e é esse trabalho que é objeto da relação de emprego.
2.3 Subordinação
O trabalhador deve exercer sua atividade com dependência ao empregador, por quem é dirigido.
A subordinação e a não-eventualidade entrelaçam-se. Pode-se associar o estado subordinado do empregado à não-eventualidade dos serviços, pois a primeira é conseqüência natural da não-eventualidade.
O trabalho subordinado contrapõe-se ao trabalho autônomo. O primeiro é por conta alheia; o segundo, por conta própria. No primeiro interessa a força de trabalho; na segundo, o resultado do trabalho. No primeiro a execução é continuada; no segundo, cessa a relação jurídica quando obtido o resultado esperado.
A CLT no art. 3º não faz referência à subordinação do empregado, somente que ele se mantém sob “dependência” do empregador.
Mesmo não havendo correspondência semântica, as expressões “subordinação” e “dependência” indicam o mesmo fenômeno de vulnerabilidade e de inferioridade do empregado. Melhor definindo, inferioridade hierárquica é correlata ao poder jurídico de comando do empregador (subordinante).
O critério da dependência técnica para definição da subordinação não mais se aplica, porque é comum atribuir ao empregado o comando da empresa, ficando, na prática, o empregador na dependência técnica do conhecimento especializado do primeiro. Assim, não é um critério universal de distinção, pois carece de cientificidade.
Também o critério da dependência econômica não é universal. Constitui elemento relevante, mas não é indicativo absoluto da relação de emprego. Isto porque, muitos empregados não dependem economicamente do seu emprego, mas, mesmo assim, não deixam de se submeter ao comando do empregador.
Portanto, a natureza da subordinação, numa relação onde é essencial o elemento volitivo, é jurídica. A subordinação jurídica ou hierárquica resulta da obrigação personalíssima de trabalhar, independentemente da qualificação profissional e da condição econômica, sob a direção e fiscalização de outrem, de acordo com o contrato firmado.
Em síntese, o empregador pode dispor da força de trabalho, nos limites quantitativos e qualitativos estabelecidos no contrato e permitido pela lei. Desse estado de disponibilidade, resulta ser o empregado subordinado na relação de emprego e o empregador subordinante.
Outrossim, é possível, objetivamente, independentemente dos aspectos subjetivos de sujeição do empregado ao comando do empregador, verificar-se a subordinação hierárquica.
Tal verificação transparece quando há a participação integrativa do trabalhador na atividade do empregador, compondo todo o processo produtivista ou de fornecimento de bens.
Porém, não se pode dizer que o trabalho humano é simples fator de produção. Frise-se que, na visão do empregador, a força de trabalho é imprescindível, procurada. Assim, a relação de subordinação, sob o enfoque da dependência, é correspectiva. Não é só o empregado que depende da empresa; a empresa também depende da força do trabalho entregue pelo empregado.
É nesse contexto que se exercita o poder de comando do empregador.
2.4 Pessoalidade
A prestação do trabalho deve ser pessoal. Não pode o empregado ser substituído por outra pessoa, sob pena de o vínculo se formar com a última. Ou seja, quem substitui ou sucede outro trabalhador vincula-se à empresa por novo contrato de trabalho.
O contrato de trabalho é intuitu personae, realizado com certa e determinada pessoa. Assim, não se pode despersonalizar o empregado, mediante o artifício da pessoa jurídica. Sempre prevalece a vinculação do homem que trabalha pela elementar razão de constituir o objeto do contrato de trabalho – energia humana, ato de trabalhar –, expressão inseparável da pessoa física do prestador. Aqui, atua com toda a sua força o Princípio da Primazia da Realidade.
A pessoalidade decorre da infungibilidade da prestação laboral. É o próprio trabalhador o veículo da energia que se expressa no ato de trabalhar direcionado pelo comando do empregador: ninguém pode entregar a força de trabalho que outro se obrigou.
Como referido acima, o objeto do contrato de trabalho não é o resultado do trabalho, mas o ato de trabalhar. Consubstancia-se por um homem trabalhando. Logo, o empregador admite um determinado “sujeito” para trabalhar, não um determinado “trabalho”. Há a subjetivização do objeto do contrato de trabalho.·.
O art. 3º da CLT conceitua o empregado como pessoa física. É resultado dessa definição. Assim, somente pode ser empregado a pessoa física, pois não existe contrato de trabalho em que o trabalhador seja pessoa jurídica.
Subordinação e pessoalidade andam juntas. A Pessoalidade é fruto do ato de escolha de determinado empregado pelo empregador. Aliás, nesse ato, já se manifesta a inferioridade hierárquica do empregado, pois é escolhido pelo empregador.
Essa escolha é resultado da avaliação das condições, habilitação e história do empregado. Ou seja, escolhe-se determinado trabalhador, porque é ele quem terá condições de entregar a força de trabalho com a qualidade e a eficiência desejada, e não qualquer trabalhador.
2.5 Riscos da atividade econômica
É o empregador quem assume os riscos do empreendimento econômico. Porém, há casos em que duas ou mais pessoas dedicam-se à atividade produtiva sem que os papéis por elas desempenhados estejam bem definidos.
Em outros casos, o sujeito apenas coloca seu capital num empreendimento econômico, sem a força de trabalho. Nem por isso deixa de ser empregador.
O art. 2º da CLT pode levar ao equívoco de visualizar o empregador no sujeito que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal. Contudo, tais atributos podem ser delegados a terceiros.
Desta forma, o que efetivamente tipifica o empregador é a assunção dos riscos da atividade econômica: emprego do capital em atividade naturalmente de risco.
Em regra, o empregador também contribui com seu trabalho para os fins da empresa. Entretanto, há uma diferença intrínseca nas atividades; enquanto o empregado trabalha por conta alheia, o empregador trabalhar por conta própria. O empreendimento é por ele bancado e os resultados são exclusivamente seus; assim como os eventuais prejuízos, apenas por ele suportados. Ao empregado, por outro lado, sempre (e somente) é devida uma contraprestação salarial.
Quando em uma relação de trabalho não se evidência ostensivamente de quem é o poder de comando ou a subordinação hierárquica, tem-se que investigar qual deles suporta o empreendimento econômico.
Se não é possível identificar quem suporta o empreendimento, o certo é que todos trabalham por conta de alguém.
2.6 Assalariamento
O trabalho é de natureza produtiva. Não há lugar para gratuidade. O trabalho cultural, filantrópico, entre outros, não é objeto de relação de emprego.
O trabalho assalariado constitui um traço distintivo da relação de emprego. A expressão “mediante salário” constante no art. 3º da CLT é um reflexo da onerosidade da relação de emprego. O empregado recebe salário pelos serviços prestados ao empregador o qual tem dever de pagá-los.
No entanto, a ausência de salário não caracteriza ausência de contrato de trabalho, mas simples inadimplência de prestação principal. Presentes os demais pressupostos, a ausência de salário configura inexecução faltosa do empregador e não ausência de requisito típico.
Trabalho prestado em favor de empresa será sempre produtivo e assalariado. Não se admite gratuidade em tal caso.
2.6.1 Instituições não lucrativas
Há discussão em torno da voluntariedade dos serviços prestados para as instituições não lucrativas.
Elas se equiparam à empresa para fins de relação de emprego, segundo o §1º do art. 2º da CLT, quando contratam empregados. Entretanto, aqui a relação de trabalho deve ser analisada de acordo com o objeto da prestação realizada.
Ao contrário do que ocorre na empresa, não há presunção de trabalho oneroso em instituições sem fins lucrativos, quando contratam para esses fins. Mas deve-se verificar se o trabalho tem caráter profissional ou é decorrência da identificação com a causa de tais entidades.
A lei 9.608/98 possibilita que pessoa física preste atividade não remunerada a entidade pública ou a instituição privada de fins não lucrativos, sem gerar relação de emprego.
A única exigência dessa lei é a formulação de um termo de adesão, com especificação do objeto e das condições da prestação do trabalho. Esse termo de adesão é prova por excelência do serviço voluntário. A ausência do termo implica presunção de relação de emprego, o que acarreta apenas a inversão do ônus da prova.
Enquanto na área privada é a natureza das entidades que baliza o trabalho voluntário, na área pública é a natureza dos serviços.
Porém, na prática, é adotada uma presunção favorável ao voluntariado em entidades privadas e uma presunção favorável ao trabalho assalariado nas entidades públicas.
2.7 Síntese
Por fim, realizando uma síntese dos elementos constitutivos da relação de emprego, pode se extrair as seguintes conclusões.
A natureza da atividade é um indicativo seguro para se aferir a subordinação. Se o trabalhador trabalha em serviços essenciais e se integram o sistema de produção, consubstanciando uma relação vinculada ou expectada, evidencia-se um trabalho subordinado, não-autônomo.
Sendo o objeto da relação uma prestação que o trabalhador, pessoa física, deva entregar, a relação será pessoal.
Quando o objeto perseguido é a retribuição econômica, teremos o salário, independentemente do seu adimplemento pelo tomador.
Assim, importante é verificar se há natureza não-eventual dos serviços em relação à atividade econômica empreendida pelo tomador; se há disponibilidade do prestador; e se há infungibilidade da força de trabalho. Ressalte-se que isso pode ocorrer com trabalhadores que não vão à empresa e tem absoluta autonomia.
3 NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO DE EMPREGO
Analisar natureza jurídica de um instituto é procurar enquadrá-lo na categoria a que pertence no ramo do Direito. É verificar a essência do instituto analisado, inserindo-o no lugar a que pertence no ordenamento jurídico.
Registre-se que, hoje, predomina a idéia da natureza contratual da relação de emprego.
Inicialmente, cabe mencionar que relação jurídica não é sinônimo de contrato. Eles têm em comum a existência de sujeitos, de objeto e de uma norma onde se estabelecem direitos e obrigações. Porém, o contrato é modalidade de negócio jurídico, no qual o ato volitivo tende a produzir efeitos por ela queridos, elemento subjetivo inexistente com a mesma intensidade na simples relação jurídica.
Há três correntes doutrinárias a respeito da natureza jurídica da relação de emprego: anticontratualista, acontratualista ou paracontratualista e contratualista.
Tais doutrinas resultam de concepções jurídicas, de influências filosóficas, políticas e econômicas que se verificaram no curso da história.
A teoria do anticontratualismo não cogitava de qualquer manifestação volitiva. Foi pregada no nacional-socialismo da Alemanha nazista, da Itália facista. Essa corrente defende uma forte intervenção estatal na economia e nas relações entre capital e trabalho, erigindo a empresa a uma espécie de instituição, criada para a consecução de finalidades do Estado.
Por outro lado, a corrente acontratualista traz a idéia de uma simples relação jurídica, sem destaque para o elemento subjetivo, dando ênfase à realidade concreta, abrindo campo para uma expressiva atuação do Estado, substituindo a vontade dos sujeitos contratantes ao fixar as regras do chamado contrato mínimo. Essa posição eclética não negava a possibilidade do contrato, fazia francas concessões à natureza institucional e marcou a fase da universalização do direito do trabalho, que hoje ainda se projeta fortemente na legislação brasileira.
Atualmente, a corrente contratualista se afirma como uma tendência em favor da autonomia da vontade e do abrandamento da tutela estatal.
Essa tendência tem raízes no avanço do capitalismo, com a afirmação do neoliberalismo e ênfase à economia de mercado.
Para Carmem Camino, seguindo este posicionamento, o Direito do Trabalho está fazendo um caminho de volta aos postulados de dois séculos atrás, ao contrário da atual principiologia do direito civil. A codificação de 2002 consagra uma visão social de contrato, levando em conta as atuais relações jurídicas, cada vez mais desiguais, especialmente nos aspectos econômicos. A concepção civilista contemporânea prevê a intervenção do Estado nas relações contratuais de forma progressiva, sempre evitando a imposição da vontade do mais forte sobre o mais fraco.
Apesar desta moderna tendência no direito laboral, não se pode abrir mão da atuação do Estado em relação aos direitos mínimos, chamados de direitos humanos do trabalho, que asseguram vida digna ao trabalhador hipossuficiente, porque os direitos sociais, ao lado dos civis, são conquistas da Humanidade.
3.1 Corrente anticontratualista
A teoria anticontratualista defende que não existe relação contratual entre empregado e empregador.
Para essa corrente, é reduzida praticamente a nada a vontade das partes, dando relevância ao fato-trabalho, como elemento bastante em si para caracterizar a relação jurídica, da qual resultam, automaticamente, a fidelidade e a obediência do empregado e o comando do empregador.
Distingue o institucionalismo, segundo o qual a empresa é uma instituição com atividade normativa interna. Forma-se uma relação institucional, não contratual, em que o estatuto prevê as condições do trabalho, mediante o poder de direção e disciplinar do empregador. Não há lugar para interesses contrapostos de patrões e empregados. O interesse comum da instituição prepondera, onde ambos devem ceder. A relação entre capital e trabalho é de pura colaboração, inexistindo discussão acerca das cláusulas do contrato de trabalho.
A organização coletiva dos trabalhadores passa a ser eminentemente corporativa, sem o seu característico aspecto reivindicatório. Os sindicatos são entes de colaboração do Estado; a liberdade sindical é impensável e a greve é delito.
Na Europa, entre a I e II Guerras, e na América do Sul – inclusive no Brasil –, esta corrente doutrinária vingou. A Constituição de 1937, sob regime autoritário definido como Estado Novo, trazia seus postulados.
Hoje, os postulados do anticontratualismo estão superados. São simples referência histórica.
3.2 Corrente acontratualista ou paracontratualista
Não tem posição frontal contra a idéia de contrato. Aceita a voluntariedade e admite o ato jurídico bilateral, mas apregoa a desnecessidade do elemento subjetivo específico, do “querer a vinculação”. Considera suficiente os atos objetivos do empregado de se integrar na empresa e, do empregador, de integrá-lo na empresa, para que se estabeleça a relação jurídica de emprego, da qual emergirão os direitos de lei.
Essa inserção consubstancia o ato-condição, conforme classificação de Leon Diguit, espécie que forma o gênero juntamente com o ato-regra e o ato subjetivo. Assim, a relação de emprego está entre o ato-regra e o ato subjetivo. É um meio termo de ato de natureza objetiva, mas com algo de subjetivo: a manifestação volitiva, indispensável para a incidência do estatuto legal preexistente.
Nessa mesma visão acontratualista, está a doutrina do contratualismo realista, idealizada pelo mexicano Mário de La Cueva. Para ela, os efeitos do contrato de trabalho só se produzem a partir do momento em que o empregado começa a trabalhar. Por isso, a relação de emprego não se perfectibiliza sem a vontade do empregado, mas pode existir contra a vontade do empregador, bastando o elemento objetivo da inserção do empregado. Essa visão repercute até os nossos dias.
São fatos que para existência é essencial o ato humano, ainda que irrelevante a concorrência ou não da vontade de praticá-lo. Há mais realce para o resultado do ato do que para o próprio ato. Está no campo dos atos-fatos jurídicos. Porém, há elemento volitivo que mantém a relação de trabalho, nem que seja a simples oferta e aceitação da relação.
Portanto, presente a atividade econômica, aliado com o trabalho não-eventual e subordinação, concretizado está o suporte fático do contrato individual de trabalho.
3.3 Corrente contratualista
A intensa intervenção do Estado na fase de universalização do direito do trabalho, nas primeiras décadas do século passado, calcada no princípio tutelar, não impediu que prevalecesse a natureza contratual da relação de emprego, sem prejuízo do direito estatal como fator de inibição da autonomia da vontade individual.
Essa corrente apregoa a essencialidade do elemento volitivo para a formação da relação de emprego. Sem as vontades convergentes, esta não se constitui.
A relação de emprego é contratual na forma, embora institucional na substância, com relação ao elenco de direitos básicos, deixando para as partes espaço para cláusulas que não contrariarem a lei.
A presente doutrina assimila a mesma visão eclética do acontratualismo, permitindo a convivência harmoniosa entre o contrato e a lei. Ao contrário do acontratualismo, em que é destacado o fato objetivo da inserção da força de trabalho, essa teoria dá ênfase ao elemento subjetivo. Exige um mínimo de acerto, ainda que tácito, sobre a natureza do trabalho e a forma, bem como a quantidade da sua contraprestação.
O direito do trabalho assimilou, portanto, o dirigismo contratual. A vontade do empregado é praticamente restrita ao ato volitivo de querer se vincular a um contrato de trabalho. No mais, é substituída pela vontade do Estado, que disciplina o contrato mínimo que visa equilibrar a relação.
As vontades convergentes conjugam-se com a vontade do Estado, conduzindo a uma visão eclética da natureza da relação de trabalho, sem desprezo à vontade dos sujeitos, nem prestígio incondicional à autonomia individual. Por conseguinte, a autonomia da vontade é permitida além do contrato mínimo legal.
Apesar de normalmente os empregados não disporem sobre as cláusulas contratuais, isso não descaracteriza a conjunção de vontades. Nem sempre se faz presente o consentimento, que é substituído pelo assentimento do empregado às condições estabelecidas pelo outro, sendo uma espécie de unilateralidade na origem das cláusulas contratuais.
Contudo, no nível das necessidades básicas do homem, os contratos não podem ter uma visão ampla de flexibilidade, pois estão no campo da ordem social, onde as desigualdades precisam ser superadas com a tutela estatal. A lei só poderá ser flexível para cima, sempre em favor do sujeito vulnerável, visando atingir a paz social.
3.4 Posição da legislação brasileira
Embora prevaleça a corrente contratualista, houve concessão ao acontratualismo. A CLT emergiu em momento histórico em que se sustentava a corrente acontratualista eclética, porém o institucionalismo convivia com a natureza contratual da relação de emprego.
A redação do art. 442 da CLT mostra uma concepção mista, pois equipara o contrato de trabalho à relação de emprego. Isto porque, a Comissão de criação da CLT era integrada parte por institucionalistas e parte por contratualistas. Quando faz referência a acordo tácito ou expresso (acordo de vontades) é contratualista e quando usa a expressão relação de emprego, institucionalista.
REFERÊNCIAS
1 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Nelson Mannrich. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
3 CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004.
4 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
5 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 37. ed. São Paulo: LTr, 2012.
6 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000. 736 p.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. Estrutura da relação de emprego: elementos componentes e natureza jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 mar 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34341/estrutura-da-relacao-de-emprego-elementos-componentes-e-natureza-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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