Ao longo da histórica da humanidade muitas teorias voltadas à construção de um conceito de direitos humanos foram criadas, destacando-se, dentre elas, a teoria dos direitos naturais, o positivismo e a teoria realista ou moralista.
A “teoria dos direitos naturais” foi introduzida pela escola filosófica denominada “jusnaturalismo”, que entendia os direitos humanos como decorrentes da existência de um ordenamento universal nomeado como “direito natural”, antecedente ao direto positivo. Adotavam a ideia de que a positivação possui um caráter meramente declaratório. A corrente jusnaturalista parte da premissa que não incumbe ao Estado a outorga dos direitos, mas sim, de reconhecê-los e aprová-los formalmente.
Palavras-chave: Relações privadas; direitos humanos; jusnaturalismo.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Celso Lafer[1] afirmou que para o jusnaturalismo, que inspirou o constitucionalismo e representa a reivindicação da autonomia da razão, a fonte da lei passou a ser o ser humano e não mais Deus ou os costumes, de modo que os direitos humanos eram vistos como direitos inatos e considerados como verdades evidentes. O jusnaturalismo, inicialmente, foi a premissa dos direitos fundamentais, mas, posteriormente, o positivismo trouxe as grandes declarações de direitos, reforçando a segurança jurídica dos direitos e delimitando os direitos de defesa e de prestação perante o Estado.
Destarte, a partir do intervencionismo estatal nas relações privadas, processo que aconteceu a partir das revoluções burguesas do século XVIII, emerge a necessidade de romper com o regime absolutista e construir um ordenamento jurídico novo (positivismo jurídico em detrimento ao jusnaturalismo).
Enquanto no jusnaturalismo o fundamento de validade da norma de direito está na dependência direta com a norma de justiça que lhe orienta o valor, as “teorias positivistas” rejeitam a existência de uma autoridade transcendente e admitem tão-somente a existência de uma ordem terrena, a saber, o direito positivo, posto pelos seres humanos. Daí seu caráter “monista”.
Os integrantes da corrente positivista abraçam a ideia do direito natural não integrar o direito, como afirma André Ramos Tavares[2], mas constituir “uma categoria de regras morais, filosóficas ou ideológicas que, no máximo, influenciam o direito”. Para o citado autor, na visão positivista, apenas “quando a este incorporadas é que se podem considerar regras cogentes. Partindo de tais premissas, concebe-se a positivação não mais com um cunho declaratório, mas como ato de criação e, pois, constitutivo”.
Em síntese, o positivismo compreende o direito como padrões de conduta, impostos pelo poder social, com ameaça de sanções organizadas. Assim, quando o positivista fala em direito, refere-se a um sistema de normas válidas, como se ao pensamento e práticas jurídicas interessasse apenas o que certos órgãos do poder social impõe e rotulam como direito[3].
Para Antonio Enrique Pérez Luño[4], os integrantes da “corrente realista”, também chamada de “moralista”, são aqueles que não outorgam ao processo de positivação um significado declaratório ou constitutivo, pois entendem que um elemento diverso pressupõe o processo de positivação. Não consideram a positivação como ponto final de um processo, mas, pelo contrário, como ponto inicial para o desenvolvimento das técnicas de proteção dos direitos fundamentais.
A “corrente moralista” abraça os direitos fundamentais como direitos morais, defendendo que a natureza jurídica dos direitos do ser humano é ligada à ética, vez que refletem exigências decorrentes da ideia de dignidade humana. Essa corrente reconhece a necessidade da historicidade e da positivação dos valores para terem natureza jurídica, razão pela qual não pode ser confundida com a corrente do jusnaturalismo axiológico, fundado em uma ordem eterna de valores, que despreza os acontecimentos históricos.
Norberto Bobbio[5] defende a teoria moralista ou ético-axiológica, pois afirma que não se pode propor a busca de um fundamento absoluto dos direitos do ser humano, pois a fundamentação desses direitos implicaria o apelo a valores últimos, os quais não se justificam, se assumem. Para essa corrente de pensamento, o problema filosófico dos direitos do ser humano não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos inerentes à sua realização: o problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios.
A questão é antes política, que propriamente filosófica, de modo que não basta justificar os direitos, o importante é protegê-los. Adota-se a lição de Alexandre de Moraes[6]:
A incomparável importância dos direitos humanos fundamentais não consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes, que se mostram insuficientes. Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistir, pois somente a partir da formação de uma consciência social (teoria de Chaïm Perelman), baseada especialmente em valores fundados numa ordem superior, universal e imutável (teoria jusnaturalista), é que o legislador ou os tribunais (principalmente nos países anglo-saxões) encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de determinados direitos humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (teoria positivista). O caminho inverso também é verdadeiro, pois, o legislador ou os tribunais necessitam justificar o reconhecimento ou a própria criação de novos direitos humanos a partir de um processo na consciência social, originada em fatores sociais, econômicos, políticos e religiosos.
Em suma, denomina-se de “direitos fundamentais” o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio dos Poderes do Estado e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana[7].
A principal característica diferenciadora dos direitos fundamentais em relação ao direito particular é sua universalidade e seu alicerce é o princípio da dignidade da pessoa humana. Embora este conceito não seja absolutamente unânime nas diversas culturas, a ideia central alcança certa universalidade no mundo contemporâneo.
É por isso que pouco adianta ao jurista conhecer todas as disciplinas particulares, se desconhecer a disciplina geral que dá o sentido ético ao seu mister, e é a partir da interpretação constitucional que o cientista do direito promove a concretização dos direitos fundamentais, razão pela qual passa-se a fazer a abordagem histórica da aplicabilidade dos direitos de índole fundamental na seara privada.
2. ESTADO DA ARTE: ABORDAGEM HISTÓRICA DA APLICABILIDADE DOS DIREITOS DE ÍNDOLE FUNDAMENTAL NA SEARA PRIVADA
Embora o tema relacionado à vinculação dos particulares aos direitos fundamentais[8] seja genuinamente germânico[9], já se encontra internacionalmente discutido e difundido.
No Brasil, com a exceção de alguns artigos esparsos e que foram organizados por Ingo Wolfgang Sarlet em 2000, o pioneirismo num estudo específico e aprofundado sobre a matéria em questão é atribuída a dois juristas contemporâneos: Wilson Antônio Steinmetz[10] e Daniel Sarmento[11], cujas teses de doutoramento foram defendidas em 2003[12].
No estado atual do tema já se aceita o entendimento de que a aplicação dos direitos fundamentais não se restringe à “relação vertical” (entre o Estado e os particulares), podendo produzir efeitos também nas denominadas “relações horizontais” ou “relações privadas” (sem a participação do Estado). Destarte, inegavelmente os direitos fundamentais produzem efeitos nas relações privadas. O problema central que permanece em aberto é saber “como” são produzidos esses efeitos.
Entre os doutrinadores alemães o debate se divide em duas vertentes interpretativas: aqueles que defendem a aplicação direta dos direitos fundamentais às relações entre particulares do mesmo modo como acontece nas relações entre Estado e indivíduos; e os que aceitam a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, mas com efeitos apenas indiretos produzidos, mormente, através da reinterpretação do direito infraconstitucional.
Essas discussões foram construídas pelos alemães a partir da interpretação do artigo 1º, nº 3, da Lei Fundamental da Alemanha, nos termos do qual “os direitos fundamentais que se seguem vinculam a legislação, o poder executivo e a jurisdição como direito imediatamente vigente”[13].
O jurista alemão Claus-Wilhelm Canaris[14] destaca que de fato, pelo sentido linguístico decorrente da interpretação gramatical, o termo “legislação” expresso no texto do artigo 1º, nº 3, da Lei Fundamental da Alemanha de 1949, absorve também as lei de direito privado.
No entanto, o também jurista alemão Uwe Diederichsen tentou abalar esta abordagem, invocando, para isso, a origem histórica da citada disposição. No seu pensar, a função da afirmação de que “os direitos fundamentais que se seguem vinculam a legislação” reside singelamente no afastamento da tese predominante na Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919, segundo a qual os direitos fundamentais deveriam ser qualificados como meras “asserções programáticas[15]” enquanto que a Lei Fundamental de 1949 pretendeu dizer que os direitos fundamentais devem ser elevados ao nível de direito imediatamente vigente[16].
Nas críticas de Claus-Wilhelm Canaris[17], não se pode contestar que de verdade este é o principal acento do artigo 1º, nº 3, da Lei Fundamental alemã de 1949, porém, “tal medida em nada altera o fato de que se fala neste, simplesmente, da vinculação da legislação, e de que linguisticamente se entende por tal designação também a legislação de direito privado”. Defender o contrário, para este jurista alemão, seria o mesmo que submeter o referido artigo 1º, nº 3, a uma redução teleológica[18], assumindo, consequentemente, o respectivo ônus argumentativo”[19].
Para compreender o problema relacionado à vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, quanto aos efeitos e a forma que poderão ser realizados e numa leitura a partir da realidade brasileira e argentina - já que a simples transposição do debate da doutrina alemã seria um equívoco -, impõe a investigação da abordagem histórica desta aplicabilidade dos direitos de índole fundamental na seara privada, ciente de que qualquer estudo neste sentido deve se demonstrar apto a resolver a situação de tensão decorrente da necessária compatibilização da aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares com a autonomia privada que embasa este tipo de relação jurídica.
A análise histórica do capítulo primeiro desta tese demonstrou que os direitos fundamentais foram concebidos no escopo de proteger os indivíduos dos abusos cometidos pelo Estado contra a liberdade e a dignidade humana. Destarte, o poder público é apontado como destinatário precípuo das obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. Verifica-se que os direitos humanos foram concebidos, inicialmente, para estabelecer um espaço de imunidade dos particulares em relação aos poderes do Estado[20].
No entanto, é preciso ter em linha de conta que a intenção originária de os direitos humanos frearem as atividades do Estado, impedindo abusos em decorrência do exercício do poder estatal em relação aos particulares, não é devida apenas contra o Estado especialmente considerado, mas por se tratar de uma ameaça aos direitos humanos. Com efeito, os direitos humanos não foram criados para tutelar os indivíduos dos desmandos do Estado, mas para impedir que os direitos primordiais do ser humano fossem ameaçados e na época a fonte de perigo desses direito era o Estado. Assim, “fosse a ameaça originada de outra fonte que não o Estado, certamente que os direitos fundamentais teriam como objeto a regulamentação da relação entre o indivíduo e essa outra fonte de perigo”[21].
De fato, a noção inicial dos direitos humanos não continha nenhuma restrição quanto aos seus destinatários, podendo ser aplicados de forma indiscriminada, quer seja contra os particulares ou o Estado.
Foi apenas depois das revoluções burguesas do século XVIII, com a positivação dos direitos naturais e a construção da estrutura jurídica do Estado Liberal de Direito, reascendendo a distinção entre direito público e direito privado (Estado e sociedade civil), que os direitos humanos passaram a ser definidos como direitos fundamentais tiveram o seu raio de ação diminuído, atendo-se ao controle do poder estatal.
Recorde-se que em Roma, Eneo Domitius Ulpianus ou simplesmente Ulpiano (jurista romano que viveu entre 150 d.C. e 200 d.C.) ensaiou a distinção entre as esferas pública e privada, e a partir daí, muitas outras tentativas têm sido feitas. No entanto, importa alertar desde já para o fato de que, hoje em dia, esta dicotomia não é sustentada com o mesmo rigor.
Fazendo-se um breve recorte histórico, constata-se que a doutrina, via de regra, aponta que a primeira tentativa de distinção entre o direito público e o direito privado remonta o século II, quando Ulpiano proferiu a seguinte frase: publicum jus est, quod ad statum rei romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem[22] (“o direito público diz respeito ao estado da coisa romana, o privado à utilidade dos particulares”).
Na interpretação de Oliveira Ascensão[23], a eternizada fórmula de Ulpiano (publicum jus est, quod ad statum rei romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem) traz uma “duplicação de critério”, pois que o direito público é caracterizado “por respeitar à organização do Estado romano e à disciplina da sua atividade”, ao passo que o direito privado o é “por respeitar à utilidade dos particulares”, traduzindo que estes dois pontos de vista estão na origem das principais concepções atuais sobre a questão.
Conforme Amauri Mascaro Nascimento[24], a distinção entre direito público e direito privado “surgiu por motivos meramente ideológicos de fortalecimento do Estado romano e de centralização política após uma fase anterior de direito positivo marcadamente privatístico e tribal”.
O citado autor esclarece que no direito tribal, “a positivação da norma jurídica emanava do próprio chefe do grupo, o ancião ou o pater, que concentrava em suas mãos o poder religioso, econômico, jurídico e político”. Foi o Estado romano que separou a coisa privada (dos grupos sociais) da coisa pública (do Estado romano) e fomentou uma crescente elaboração jurídica no sentido de institucionalizar essa diferenciação na ordem do direito.
Na Idade Média “a descentralização política voltou a predominar e com ela a privatização do direito”[25].
Durante o absolutismo monárquico da Idade Moderna, a centralização dos poderes na pessoa do Monarca ou Rei, e o predomínio do arbítrio da autoridade unificada refletiu-se sobre o direito, publicizando-o[26].
O liberalismo que se levantou contra o absolutismo monárquico, principal bandeira da Revolução Francesa de 1789, trouxe consigo a exaltação do ser humano e da sua impostergável liberdade de ação na ordem social, fazendo retornar o privativismo do direito, agora com mais forças do que a forma delineada anteriormente. Ocorre uma mitigação da soberania Estatal fundada na soberania absoluta do Monarca, impulsionada pelo ideário do liberalismo econômico, fundado nos princípios da liberdade e da valorização do indivíduo. A livre iniciativa transforma-se em princípio jurídico fundamental e a atividade estatal é direcionada ao serviço das individualidades, que se traduz na não-intervenção na livre iniciativa dos indivíduos frente ao Estado.
Pontua-se que o liberalismo traduzia-se na individualidade e na liberdade econômica (livre mercado), sem a intervenção do Estado (governo limitado). Portanto, as relações travadas entre os particulares eram fundamentadas pelo princípio da autonomia da vontade e na liberdade das relações privadas - sem a interferência do poder estatal - e regidas pelo direito privado.
É neste cenário do início do século XIX que o capitalismo se firma como sistema econômico “baseado na propriedade privada dos meios de produção, propiciadora de acúmulo de poupança com finalidade de investimentos de grandes massas monetárias, dentro de uma organização de livre mercado”[27].
Na época, prevalecia o ideário de que a intervenção do Estado na ordem econômica impedia o desenvolvimento do comércio e da indústria. No entanto, no porvir do século XX, percebeu-se que a liberdade do indivíduo no âmbito do mercado acabou por desestabilizar a economia. Era preciso pensar numa concentração do capital para maximizar os lucros e aumentando o poder econômico no mercado nacional e internacional, adquirindo e garantindo, com isso, maior estabilidade. Como conseqüência, o Estado passa a intervir na ordem econômica, regulando-a: “de fato, a ação autofágica dos agentes econômicos exigiu a intervenção do Estado para garantir a própria liberdade do mercando, então ameaçada pelo demasiado poder econômico desses agentes (o poder econômico privado)”[28].
Para Amauri Mascaro Nascimento[29], “do intervencionismo estatal resultou uma inegável publicização das normas jurídicas”. Ainda de acordo com a interpretação de Amauri Mascaro Nascimento, a distinção entre o direito público e o privado sofre variações no tempo e no espaço porque é meramente ideológica. No seu pensar, não se trata de algo essencial, pois que o direito existiria ainda que não existisse essa discriminação de setores, mas entende que seu valor não extrapola os limites do método de estudo acadêmico. Nestes termos, o citado autor admite, com fundamento no pensamento de Hans Kelsen:
[...] o caráter ideológico do dualismo direito público e direito privado significando que, assim como o liberalismo pode representar a dissolução do direito público no direito privado, o socialismo também poderá ter o efeito de diluição do direito privado no direito público, como realmente acontece. Assim, a divisão do direito elaborada pelo Estado está de certo modo condicionada à organização do poder político, de cuja maior ou menor interferência resultam as conseqüentes setorizações.
Marcello Caetano[30], depois de lembrar que os dois principais critérios utilizados para distinguir o público e o privado são principalmente o do interesse e o do sujeito da relação jurídica, afirma que:
[...] para nós, uma norma é de direito público quando diretamente protege um interesse público (considerando interesses públicos os que respeitam à existência, conservação e desenvolvimento da sociedade política) e só indiretamente beneficia (se beneficia) interesses privados.
Conforme a cosntatação de Maria João Estorninho[31], muitos são os critérios apresentados pela doutrina para diferenciar o direito privado do direito público, sendo que os principais são três: o critério ou teoria dos interesses; o critério ou teoria da subordinação ou da sujeição; e o critério ou teoria dos sujeitos.
Pelo critério subjacente à teoria dos interesses, o direito público diria respeito à prossecução de interesses públicos e o direito privado à perseguição de interesses privados. Ou seja, nesta perspectiva, normas de direito público são as que servem interesses públicos, normas de direito privado as que prosseguem interesses individuais.
Mas este critério vem sendo objeto das mais variadas críticas. Há quem o desvalorize, afirmando que se trata de uma mera tendência e não de uma distinção absolutamente nítida, e há quem vá mais longe e afirme mesmo que esta teoria não oferece qualquer ajuda útil para a delimitação, pois que muitas normas jurídicas tomam em consideração tanto interesses públicos como interesses privados. Oliveira Ascensão[32] (apud ESTORNINHO, 1999, p.143) também considera este critério insustentável e afirma ser impossível defender a existência de uma “linha radical de fratura” entre o interesse público e o interesse privado.
Apesar das críticas, essa teoria, seguida especialmente na Áustria e na Alemanha, vem ganhando novo fôlego em razão das insuficiências e incapacidades das demais teorias, só que agora fundamentada no interesse “predominante”. Contudo, mesmo como variante da teoria do interesse predominante, muitas têm sido as críticas, basicamente porque, à luz de Otto Bachof[33]:
[...] não consegue uma delimitação clara em virtude de ser impossível no Estado moderno fazer uma destrinça daquelas situações de interesse, dada a justaposição frequente de interesses individuais e públicos e a instrumentalização do direito privado pelas entidades públicas.
A segunda teoria identificada é a da subordinação ou da sujeição também chamada de “teoria da infra-ordenação e da supra-ordenação”. Os seguidores de tal teoria defendem que quando a entidade pública atua numa posição de supra-ordenação jurídica em relação ao indivíduo, é aplicável o direito público e quando as partes se encontram num nível juridicamente equiparado, é de aplicar o direito privado. Nesta perspectiva, “o direito público é fundamentalmente direito de subordinação, o direito privado direito de coordenação”[34].
O primeiro inconveniente deste critério apontado pela doutrina está no “fato de ser, no mínimo, desagradável ou incômodo continuar a relação do cidadão em face do Estado recorrendo ao vocabulário típico de séculos passados”. Outra crítica está no argumento de que a característica da sujeição só serve para os casos em que o Estado se serve das suas competências de ordenar e coagir e não, por exemplo, para aqueles casos em que emite avisos, faz notificações, faz encomendas ou realiza prestações de outra forma. Por outro lado, o critério da sujeição permite imposições unilaterais no direito civil, por exemplo, o exercício do direito de preferência numa compra[35].
Por fim, a teoria dos sujeitos, cuja primeira versão denominada de “critério da qualidade dos sujeitos” foi também inspirada na fórmula de Ulpiano, e entendia que seria público o direito que regulasse situações em que interviesse o Estado, ou em geral qualquer ente público e privado o direito que regulasse as situações dos particulares.
Essa acepção conduz à clássica divisão fundamental do direito: se se trata de relações entre particulares tem-se o direito privado; de outro lado, se existe na relação jurídica a participação de qualquer pessoa jurídica de direito público, tem-se o direito público. Desta forma, da primeira dicotomia do direito em dois grandes ramos: direito público e direito privado, a ciência jurídica convive, hoje, com vários segmentos (ramos). Mas tal critério foi considerado inaceitável, uma vez que os entes públicos também podem atuar segundo as normas de direito privado.
Diante disso, uma segunda versão desta teoria foi fundada por Hans Wolff[36], chamada de “critério da posição dos sujeitos”, segundo o qual “direito público será, em sentido que corresponde à definição ulpianeia, o que constitui e organiza o Estado e outros entes públicos e regula a sua atividade como entidade dotada de jus imperii”. Destarte, seriam de direito público aquelas normas cujo destinatário ou sujeito de ordenação é um titular de poder público.
O critério da posição dos sujeitos distingue-se da antiga teoria da qualidade dos sujeitos na medida em que já não se trata apenas de autonomizar as normas que possam ter o Estado como destinatário. Na interpretação de Maria João Estorninho[37], quando Hans Wolff descreve o direito privado como o “direito de toda a gente” também nele inclui o próprio Estado, desde que as normas jurídicas o não enquadrem como único destinatário possível, como único sujeito de imputação dos direitos e/ou obrigações que delas decorrem. Para esta teoria, “o direito público é o direito especial do Estado, o direito privado, o direito de todos, em que - ao contrário da antiga teoria dos sujeitos - ao direito privado também o Estado pertence”. Em síntese, este critério:
[...] distingue o direito público e o direito privado consoante a diferente natureza dos sujeitos: enquanto que os sujeitos do direito privado são quaisquer pessoas, no caso do direito público são exclusivamente entidades do poder público, nessa sua qualidade. Por outro lado, Hans Wolff defende que, sendo o direito público um direito especial e o direito privado um direito geral, válido para todos os sujeitos, em caso de dúvida há uma presunção do carácter jurídico-privado da relação jurídica[38].
Às três teorias referidas acrescenta-se ainda, por vezes, a “teoria da tradição”, segundo a qual “existe uma relação jurídico-pública quando tal relação até aí tenha na prática sido, em geral, qualificada como jurídico-pública e não existam nem disposição legal expressa em contrário, nem fundamento significativo para uma alteração.”. Contudo, essa teoria da tradição é bastante criticada por dar pouca atenção às alterações sociais e às novas necessidades e novas exigências feitas ao Estado[39]. Seja como for, o certo é que nenhuma das três principais teorias apresentadas pode ser considerada como dominante na doutrina, embora todas tenham seu centro/núcleo correto.
De qualquer modo, o fato é que a idéia de que o direito privado e o direito público seriam verdadeiros conceitos apriorísticos está ultrapassada. Hoje tende a prevalecer a concepção de que a ordem jurídica é uma realidade unitária e que apenas se estabelecem tais distinções para permitir o seu estudo.
Nesse sentido Oliveira Ascensão[40] define os ramos de direito como aqueles setores nos quais a ordem jurídica una se divide, para efeitos de estudo. Marcello Caetano[41], lembrando a unidade essencial da ordem jurídica, também chama a atenção para esse carácter meramente convencional das fronteiras entre os vários ramos do direito, resultantes de um esforço de sistematização científica.
Partindo do princípio de que a divisão do conteúdo total da ordem jurídica em dois grandes grupos tem carácter essencialmente didático, Charles Eisenmann[42] (apud ESTORNINHO, 1999, p.153) afirma que “é preciso compreender que ela foi inicialmente e durante muito tempo, e que para a grande maioria dos espíritos ela continua a ser ainda, simples e desprovida de pretensões”. Tudo se complicou quando os juristas quiseram descobrir nesta distinção um sentido e raízes infinitamente profundas, levando-se a distinção até à oposição, à antítese radical. Deste modo, continua o autor, “de duas séries de regras de direito entendeu-se ser necessário passar a distinguir dois tipos com características primordiais diferentes; de dois hemisférios de um mesmo mundo, dois mundos contrários, se não mesmo antagônicos”. Assim, conclui que esta teoria foi “artificialmente complicada e falseada porque se acreditou poder ou dever-se alargar a importância da distinção. De uma suma divisio num sentido formal, quis-se fazer uma suma divisio em sentido qualitativo”.
Ao tratar do tema, Marcos Roberto Araújo dos Santos[43] ressalta que já faz tempo que “a distinção entre direito público e direito privado não mais se apresenta coerente, visto que existe nítida intervenção das normas de ordem pública em ramos do direito de cunho eminentemente privado” como acontece com o direito civil, por exemplo. Isso se deve, no seu pensar, “à elevação dos institutos de direito civil à categoria de normas constitucionais, ensejando uma mudança na tônica e apreciação deles”, concluindo que “atualmente, todo o direito civil deve ser repensado e reinterpretado frente à Constituição Federal de 1988, que delineia, em seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental” e, com efeito, os aspectos de absoluto individualismo no tocante aos institutos jurídicos privados “devem ser abandonados”, pois que “não se permite a sua realização e efetivação sem a presença clara da proteção à pessoa humana”.
Desdramatizada a importância desta distinção, importa agora apurar qual o verdadeiro significado que ela hoje ainda tem. Tal dicotomia está sendo muito combatida, e mesmo abstraindo das posições mais radicais que lhe negam qualquer valor, domina atualmente em geral a opinião segundo a qual os dois tipos de direito não são campos totalmente opostos. Para compreendê-la, é importante ter presente a origem histórica da bipartição do direito em direito público e direito privado, ou seja, para absorver o sentido último desta distinção, há que ter em conta o seu “significado ideológico e a sua transcendência social e política”[44]. Nas palavras de Maria João Estorninho[45]:
Em última instância, esta teoria assenta numa distinção entre Estado e sociedade e parte da idéia de que para o Estado devem, em princípio, valer regras diferentes das que valem para os particulares. Sendo assim, trata-se de uma manifestação típica das idéias liberais, o que aliás explica que, com a crise do liberalismo, a antiga delimitação se torne cada vez menos nítida e vá perdendo a sua carga ideológica. [...]. Um dos fatores responsáveis pela diluição das fronteiras tradicionais nesta matéria é, precisamente, o movimento de publicização do próprio direito privado, que se verifica à medida que se ultrapassam os princípios liberais na sua pureza inicial.
E de acordo com René Savatier[46], desde o final do século XIX, o direito civil “não parou de se publicizar”. Notadamente no século XX é que são verificadas as maiores mudanças do direito privado napoleônico. Sucedeu-se, à perspectiva liberal das relações jurídico-prívadas, uma postura cada vez mais intervencionista por parte do Estado, afirmando “sua vontade, seu poder e sua superioridade”. Neste período, o direito privado foi perdendo sua originalidade e sua posição de supremacia, e sob a dos princípios inspiradores do Estado Social de Direito, vem socializando-se. Na verdade, ao lado da consideração estritamente jurídico-privada da propriedade e do contrato, desenvolveu-se aos poucos um carácter social. Por exemplo, o contrato já não é apenas um assunto particular entre as partes que o celebram, mas passou a ser encarado como uma instituição social, em relação à qual a sociedade, representada pelo Estado, entende ter uma palavra a dizer[47].
As influências entre direito público e direito privado tendem a acentuar-se e “o direito público está a privatizar-se ao introduzir esquemas conceituais do direito privado e este a publicizar-se, por força do alargamento dos fins do Estado e da sua intervenção na vida econômica, social e cultural”[48].
O que vem ocorrendo é uma compenetração dos dois domínios, sendo que estes movimentos de aproximação e interligação levam a uma situação de miscelânea que acaba por aproximar o direito público e o direito privado como que unificando-os e diluindo as fronteiras tradicionais. Porém, já não faz mais sentido dramatizar esta questão, até porque “divisão” não significa “contradição”. O que se quer enfatizar é que o direito privado não pode ser considerado o direito dos egoísmos individuais ao mesmo passo em que o direito público não se traduz no direito das relações de dominação. Na verdade, “o progresso não está na absorção dum pelo outro, mas na sua coordenação em fórmulas sucessivamente mais perfeitas” (ESTORNINHO, 1999, p.157).
Portanto, mais importante do que digladiar sobre a questão dos critérios diferenciadores dos direitos privado público, de utilidade apenas no campo científico-pedagógico, é promover a efetivação desses direitos, discutindo-se e idealizando-se mecanismos capazes de conduzir à paridade não apenas formal, mas também substancial entre as partes.
Destarte, é inegável a diluição das fronteiras tradicionais entre direito público e direito privado, porém, não se pode radicalizar nem no sentido da publicização do direito privado, nem da privatização do direito público. Certamente o Estado vem intervindo cada vez mais no direito privado, mas também existem situações de ingerência do direito privado no direito público. Por isso da preferência pela expressão “constitucionalização dos direitos”, sem referência à classificação desses direitos: “a constitucionalização é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional”[49].
Não se trata, portanto, apenas da publicização do direito privado, que compreende o processo de crescente intervenção estatal, especialmente no âmbito legislativo, mas da constitucionalização dos direitos que tende pela redução do espaço de autonomia privada, para a garantia da tutela jurídica da pessoa humana[50]. Neste sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo[51] informa que:
Durante muito tempo, cogitou-se de publicização do direito civil, que para muitos teria o mesmo significado de constitucionalização. Todavia, são situações distintas. A denominada publicização compreende o processo de crescente intervenção estatal, especialmente no âmbito legislativo, característica do Estado Social do século XX. Tem-se a redução do espaço de autonomia privada, para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos. A ação intervencionista ou dirigista do legislador terminou por subtrair do Código Civil [brasileiro] matérias inteiras, em alguns casos transformadas em ramos autônomos, como o direito do trabalho, o direito agrário, o direito das águas, o direito da habitação, o direito de locação de imóveis urbanos, o estatuto da criança e do adolescente, os direitos autorais, o direito do consumidor.
O citado autor prefere a expressão “constitucionalização do direito civil”, argumentando que:
Se se entende como publicização a submissão dessas matérias ao âmbito do direito público, então é incorreto tal enquadramento. O fato de haver mais ou menos normas cogentes não elimina a natureza originária da relação jurídica privada, vale dizer, da relação que se dá entre titulares de direitos formalmente iguais; não é este o campo próprio do direito público. É certo que o Estado Social eliminou o critério de distinção tradicional, a saber, o interesse; o interesse público não é necessariamente o interesse social e os interesses públicos e privados podem estar embaralhados, tanto no que se considerava direito público, quanto no direito privado[52].
Apesar de parte da doutrina advogar no sentido da superação da dicotomia entre direito público e direito privado, o fato é que ela persiste, na falta de outra mais convincente e em decorrência de sua utilidade plano didático. Os defensores de seu desaparecimento se baseiam no critério do grau de intervenção do Estado em certas relações para considerá-las publicizadas. No entanto:
No Estado Social (welfare state), todos os temas sociais juridicamente relevantes foram constitucionalizados. O Estado Social caracteriza-se exatamente por controlar e intervir em setores da vida privada, antes interditados à ação pública pelas constituições liberais. No Estado Social, portanto, não é o grau de intervenção legislativa, ou de controle do espaço privado, que gera a natureza de direito público. O mais privado dos direitos, o direito civil, está inserido essencialmente na Constituição Federal de 1988 (atividade negocial, família, sucessões, propriedade). Se fosse esse o critério, então inexistiria direito privado[53].
Destarte, a caracterização do direito como público ou como privado não depende da “quantidade” de intervenção do Estado. Ademais, é a constitucionalização e não a publicização que tem por escopo submeter o direito positivo aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos[54]. Em termos gerais:
As mudanças das relações entre o direito privado e o direito constitucional expressam uma transformação nas tarefas, na qualidade e nas funções de cada um dos setores jurídicos. A relação entre ambos os ramos do direito alterou-se de uma inicial autonomia para uma complementaridade e dependência[55].
Atualmente verifica-se que a dicotomia absoluta entre o público (Estado) e o privado (sociedade) está rompida, “estendendo-se o manto dos direitos fundamentais [...] sobre o conjunto do tecido social” e foi precisamente na Alemanha que ocorreu esta mutação de caráter epistemológico[56][57], embora exista um entendimento que atribui à doutrina norte-americana do state action a primazia sobre a discussão em torno da possibilidade de se invocar os direitos fundamentais nas relações entre particulares.
A state action doctrine foi construída nos Estados Unidos a partir da décima quarta emenda que obrigava os Estados a observarem os princípios da igualdade e do devido processo legal[58]. A partir da década de quarenta e depois de uma série de decisões envolvendo controvérsias privadas, a Suprema Corte Norte-Americana adotou a chamada public function theory, firmando entendimento no sentido de que os particulares, no exercício de atividades próprias do Estado ou alguma outra assemelhada, também estariam vinculados aos direitos fundamentais[59].
Conforme Fábio Rodrigues Gomes[60] prevalece a tese de que foi a doutrina alemã quem primeiro levantou a questão da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. De fato é compreensível que em decorrência das atrocidades cometidas pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial, conflito militar global que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do mundo[61], o Tribunal Constitucional Federal alemão desejasse virar esta página da história, da maneira mais rápida e incisiva possível.
O marco deste recomeço é atribuído a um julgamento do Tribunal Constitucional Federal alemão conhecido como “Caso Lüth”, proferido no dia 15 de janeiro de 1958[62].
Nesta oportunidade, ao apreciar o direito à liberdade de expressão do cidadão alemão Erich Lüth, que intitulou a decisão, a Corte Constitucional alemã em análise, lançou a afirmação de que:
[...] las normas iusfundamentales contienten no solo derechos subjetivos de defensa del individuo frente al Estado, sino que representan, al mismo tiempo, un orden valorativo objetivo que, en tanto decisión básica jurídico-constitucional, vale para todos los âmbitos del derecho y proporciona directrices e impulsos para la legislación, la administración y la jurisprudência.
É importante ressalvar, entretanto, que a opção da Corte Constitucional de utilizar a teoria dos valores ou teoria axiológica[63] para interpretar a Lei Fundamental se dissociou dos conceitos da época, ditados pelas teorias do direito natural, acostumado a fazer remissão a uma moral imutável porque transcendente ao indivíduo.
Esse método axiológico de interpretação constitucional foi bastante criticado porque comporta um nível de subjetivismo e abstração muito elevado que impede a concretização dos direitos fundamentais, ou seja, parte de certos valores, mas não fixa os critérios para determiná-los e não indica quais desses valores devem permanecer num caso de conflito. Os críticos à tese da interpretação axiológica da Constituição argumentam que o subjetivismo que carrega pode “conceber aos direitos fundamentais conteúdos definidos por arbitrariedades, chegando-se ao que alguns autores designam como uma típica tirania dos valores, calcada em movimentos preponderantemente decisionistas”[64]. Ao tratar do tema, Robert Alexy[65] lembra que:
La aceptación de principios objetivos de un nivel supremo de abstracción tiene ventajas e inconvenientes. Las ventajas residen en su flexibilidad. En tanto puntos de partida de fundamentaciones dogmáticas de exigencias iusfundamentales estructural y materialmente muy diferentes, son utilizables en todos los ambitos del sistema juridico. El inconveniente reside en su imprecision. Invitan a una de las formas mas oscuras de la fundamentacion juídica, a la deduction o derivación de un contenido concreto a partir de principios abstractos.
Atualmente a doutrina tem aceitado maior flexibilidade quanto aos métodos de interpretação constitucional, renegando a possibilidade de se criar uma teoria unipontual, individualizada, capaz de, de per si, responder a todas as questões relacionadas à aplicação dos direitos fundamentais em sua generalidade[66]. É que no estágio contemporâneo do conhecimento relacionado aos direitos humanos fundamentais, já se compreende que os textos constitucionais que positivam direitos humanos estão longe de expressarem uma situação de regularidade acerca de uma teoria única que possa ser constitucionalmente adequada. Também é fato empiricamente demonstrado que uma mesma realidade histórica pode ser explicada por diversas teorias, ainda mais na sociedade do risco[67], cada vez mais complexa. Ademais, os direitos fundamentais não podem exprimir apenas uma linha de força, dada à inerente característica de multifuncionalidade. Mesmo que se pudesse chegar a uma eventual teoria adequada de definição dos direitos fundamentais, o processo de interpretação e de aplicação desses direitos “se resumiria a um círculo predeterminado de deslocamento e substituição da controvérsia, aparentemente decidida por aquela que se demonstre compatível com a teoria predominante”[68].
Como alternativa à teoria unipontual, Robert Alexy[69] menciona da denominada “teoria combinada”, que recorrer a um conjunto de todas as teorias dos direitos fundamentais, aplicadas em conformidade com cada caso em particular a ser analisado, entendimento bastante frequentemente na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão contemporâneo.
De qualquer modo, apesar das críticas que recebeu a decisão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha que julgou o Caso Lüth, principalmente pelo seu conteúdo abstrato e vago, cuja prática poderia levar a uma grande dificuldade de controle das decisões judiciais, é preciso reconhecer que foi nessa decisão que pela primeira vez foi aceita a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, pois que, independentemente da controvérsia a respeito da possibilidade de acesso a uma ordem de valores abstrata e desprovida de aplicabilidade concreta, os juristas alemães foram audaciosos em reconhecer a:
[...] dimensão objetiva destes direitos, liberdades e garantias, os quais, vazados em sua estrutura normativa pela textura aberta da linguagem constitucional, permitiriam a atribuição de sentido aos seus enunciados deontológicos, através de imperativos morais construídos a partir de procedimentos discursivos[70].
No geral, os estudiosos do assunto destacam que o maior legado do Caso Lüth foi o efeito prático da “eficácia irradiante (Ausstrahlungswirkung) dos direitos fundamentais”, produzindo o entendimento e a convicção de que os mandamentos constitucionais dos direitos fundamentais também se espraiam no âmbito das relações privadas, ficando ao cargo do Estado tomar as medidas necessárias para a proteção do “epicentro axiológico da ordem jurídica”[71].
Desde então vem crescendo a corrente dos seguidores da tese da eficácia irradiante dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre particulares, denominadas de relações jurídicas horizontais para diferenciá-las das relações jurídicas verticais que acontecem entre Estado e os particulares. A problemática doutrinária construída em torno dessa nova visão dos direitos fundamentais reside no “como” as normas fundamentais influem na relação entre os indivíduos (problema de construção) e em que medida esta intervenção deve ser efetivada (problema de colisão)[72].
E para solucionar este impasse doutrinário sobre a interpretação e a forma de atuação dos preceitos constitucionais na sociedade, foram elaborados diversos entendimentos que podem ser agrupados em cinco teorias: a doutrina norte-americana do State Action; a teoria dualista da eficácia indireta e mediata; a Teoria monista da eficácia direta e imediata; a Teoria dos deveres de proteção do Estado e uma teoria mista[73].
2.2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: PRINCIPAIS CONSTRUÇÕES TEÓRICAS SOBRE A INCIDÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS
Antes de apresentar as principais teorias sobre a eficácia irradiante dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, é preciso tecer alguns comentários quanto à terminologia empregada, pois que se utilizada de forma aleatória poderá levar a decisões equivocadas.
A partir do momento (década de cinquenta do século XX[74]) em que se concebeu que os direitos fundamentais não são apenas direitos subjetivos públicos porque representam, ao mesmo tempo, uma ordem de valores objetivos que valem para todos os âmbitos do direito, surgem expressões como “eficácia dos direitos fundamentais frente às relações jurídico-privadas”, “eficácia dos direitos fundamentais entre terceiros”, “horizontalidade dos direitos fundamentais”, “incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas”, “eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas”, “eficácia privada”, “horizontalidade dos direitos fundamentais”, “eficácia horizontal”, “eficácia de direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares”, “vinculação dos particulares a direitos fundamentais”, “eficácia irradiante de direitos fundamentais”, “vis expansiva dos direitos fundamentais”, dentre muitas outras.
Por primeiro tem-se que as expressões que utilizam o termo “terceiros” em suas formulações caíram ao desuso tão logo foram formuladas, haja vista que tratam os particulares como terceiros facilmente associados ao âmbito externo da relação entre o indivíduo e o Estado. Conforme as constatações de Carolina Fontes Vieira[75], esta concepção não tem mais espaço no “fenômeno de objetivação dos direitos fundamentais, uma vez que neste entendimento os particulares configurariam, paradoxalmente, como terceiros e segundos na relação com o Estado”. Porém, a concepção pretendida não diz respeito a uma terceira classe de destinatários ou um terceiro nível de eficácia, mas a um segundo nível, já que trata da ligação entre particulares, em contraposição à clássica vinculação dos entes estatais na seara das relações verticais entre o Estado e o particular.
O modelo da “eficácia privada” também vem sendo afastado por ser muito genérico e não destacar o núcleo do problema, qual seja, da incidência dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas.
Pelo mesmo argumento, a clássica fórmula da “eficácia horizontal” também se tornou alvo de críticas, haja vista que embora se trate de uma relação jurídica entre dois particulares, sem a presença do Estado, em sendo uma das partes detentora de poder social, a relação se caracterizaria pela desigualdade econômico-social dos sujeitos envolvidos, situação que na prática se assemelha à relação entre cidadão e Estado, que é de natureza vertical, e não horizontal. Destaca-se que a existência da horizontalidade pressupõe, inexoravelmente, uma igualdade jurídica, aunque hipotética.
O próprio termo “eficácia”, mesmo que inserido no contexto da expressão “eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas”, pode levar a interpretações equivocadas, já que ainda sobrevivem algumas confusões na doutrina inclusive no tocante aos aspectos de vigência, validade e eficácia dos direitos fundamentais, termos que nem sempre podem ser juridicamente aplicados como sinônimos[76].
Uma norma começa a ter existência jurídica quando um acontecimento fático é tipificado pela lei, passando a fazer parte do mundo do direito[77].
A vigência ou validade formal de uma norma é caracterizada pelo momento em que sua observância se torna obrigatória para as pessoas ou partes envolvidas. Vigência, portanto, é o ato de vigorar, de estar em vigência, em execução, “é a executoriedade compulsória de uma regra de direito, por haver preenchido os requisitos essenciais à sua feitura ou elaboração”. Trata-se da força da norma no cumprimento de sua finalidade[78].
Nas palavras de Miguel Reale[79], validade formal ou vigência é “uma propriedade que diz respeito à competência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimento do direito no plano normativo”. Portanto uma norma é tida por válida quando criada pelo processo legislativo próprio e adequada ao ordenamento jurídico onde está inserida.
A eficácia, condição de eficaz, que surte efeito, é juridicamente definida como a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social. É a “aptidão da norma para produzir os efeitos que lhe são próprios”[80]. Representa, destarte, a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais:
A eficácia [...] tem um caráter experimental, porquanto se refere ao cumprimento efetivo do direito por parte de uma sociedade, ao reconhecimento (anerkennung) do direito pela comunidade, no plano social, ou, mais particularizadamente aos efeitos sociais que uma regra suscita através de seu cumprimento[81].
Já a efetividade ou eficácia social “está relacionada à produção concreta dos efeitos”, ou seja, “uma norma é efetiva quando cumpre sua finalidade”[82].
Especificamente sobre a eficácia dos direitos humanos, segundo Agustín Gordillo[83] houve um tempo em que se defendia que determinada garantia era inaplicável quando não existisse lei que a regulamentasse. Hoje, contudo, prevalece a tese da aplicação direta dos direitos fundamentais. Mesmo assim o tema continua tormentoso.
Por exemplo, no Brasil consta no parágrafo 1º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, porém, o Constituinte não diz claramente quais são as relações jurídicas que sofrerão esses efeitos.
Na interpretação de Virgílio Afonso Silva[84], o parágrafo 1º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, estabelece apenas uma potencialidade e uma eventual possibilidade ou capacidade dos direitos fundamentais vincularem os particulares. Nas suas palavras:
Há aqui, na minha opinião, uma confusão entre a eficácia dos direitos fundamentais, sua forma de produção de efeitos e seu âmbito de aplicação. O texto constitucional, que dispõe que os direitos fundamentais terão aplicação imediata, faz menção a uma potencialidade, à capacidade de produzir efeitos desde já. Mas a simples prescrição constitucional de que as normas definidoras de direitos fundamentais terão “aplicação imediata” não diz absolutamente nada sobre quais relações jurídicas sofrerão seus efeitos, ou seja, não traz indícios sobre o tipo de relação que deverá ser disciplinada pelos direitos fundamentais. Prescrever que os direitos fundamentais têm “aplicação imediata” não significa que esta aplicação deverá ocorrer em todos os tipos de relação ou que todos os tipos de relação jurídica sofrerão algum efeito das normas de
Já para Ingo Wolfgang Sarlet[85] o mesmo parágrafo 1º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988 asseguraria a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares.
Daniel Sarmento[86] também demonstra partilhar desse entendimento ao afirmar que:
[...] é possível concluir que, mesmo sem entrar na discussão das teses jurídicas sobre a forma de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, a jurisprudência brasileira vem aplicando diretamente os direitos individuais consagrados na Constituição Federal de 1988 na resolução de litígios privados.
Dentre as nomenclaturas apresentadas, e na interpretação meramente gramatical ou literal[87], a mais conturbada certamente é aquela que traz como elemento caracterizante a palavra “eficácia”[88]. No entanto, a dificuldade se esvazia quando são traçados os contornos definidores do significado que se quer dar a determinada terminologia. Para este estudo, evitando-se o famigerado rigorismo formal, adotam-se de forma aleatória quaisquer das expressões enumeradas, porém sempre no único sentido de “vinculação dos particulares a direitos fundamentais”.
O importante, então, é dizer o que se entende, nesta pesquisa, por “vinculação dos particulares a direitos fundamentais”.
Robert Alexy[89] lembra que na interpretação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha:
[...] las normas iusfundamentales contienen no solo derechos subjetivos de defensa del individuo frente al Estado, sino que representan, al mismo tiempo, um orden valorativo objetivo que, em tanto decisión básica jurísdico-constitucional, vale para todos los ámbitos del derecho y proporciona diretrices e impulsos para la legislación, la administración y la justicia.
Com efeito, a vinculação dos particulares a direitos fundamentais é o liame, a ligação jurídica que alcança não apenas a relação vertical que se forma entre os particulares e o Estado, mas também a relação horizontal entre indivíduos e/ou grupos coletivos, sem que o Estado figure como parte. Nas palavras de Ney de Barros Bello Filho[90]:
[...] a compreensão da horizontalidade dos direitos fundamentais representa a compreensão de sua não verticalidade obrigatória e a possibilidade de o aplicador do direito poder manuseá-lo em relações entre entes particulares ou privados.
Em suma, importa destacar que independentemente da terminologia adotada, o que está em tese é a irradiação dos direitos fundamentais sobre todo o ordenamento jurídico, Tanto na dimensão objetiva quanto subjetiva.
A perquirição com o intuito de compreender o fenômeno da eficácia dos direitos fundamentais na seara jurídico-privada tem ensejado a construção de várias teorias ou modelos de eficácia que oscilam entre dois extremos: da aceitação da proteção efetiva dos direitos fundamentais; e da sua negação, com fundamento na tutela da autonomia privada dos particulares, perpassando, na busca da conciliação, algumas concepções intermediárias, no direito comparado, nos sentidos: ou da incidência da validade mediata ou da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Em termos gerais e a partir da interpretação do direito constitucional, são apontadas três teorias clássicas que enfrentam a questão da validade e da eficácia na aplicação dos direitos fundamentais no campo das relaciones entre particulares: a doutrina do State Action norte-americana, que nega a incidência de direitos fundamentais nas relações privadas; a teoria da eficácia indireta e mediata desenvolvida pela doutrina alemã; e a teoria da eficácia direta e imediata, que tem como exemplo mais citado a doutrina portuguesa.
Contudo, a par dessas três vertentes teóricas, consideradas clássicas, embora num sentido mais atual, já que até a década de cinquenta do século passado concebia-se que as normas dos direitos fundamentais eram destinadas apenas para proteger o indivíduo contra eventuais violações por abuso de poder do Estado e, portanto, não possuíam relevância nas relações entre particulares, estão sendo construídas novas idéias que hoje já podem ser agrupadas em seis teorias:
a) a teoria da ação estatal: desenvolvida no direito norte-americano, defende que não existe qualquer vinculação dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição com as relações particulares;
b) a teoria da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais na esfera privada: desenvolvida pela doutrina alemã, e que se tornou a teoria dominante no direito germânico das décadas de cinqüenta e sessenta. Os defensores dessa teoria sustentam que os direitos fundamentais devem ser aplicados no âmbito privado, porém negam a aplicação direta do direito constitucional;
c) a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais: segundo essa teoria, a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares se dá do mesmo modo que acontece nas relações do tipo Estado-cidadão, ou seja, sem a necessidade de intermediação do legislador privado;
d) a teoria dos deveres de proteção ou teoria dos imperativos de tutela: seus seguidores defendem que o Estado, além de não violar direitos fundamentais, tem o dever de protegê-los de potenciais lesões e ameaças advindas de particulares;
e) a teoria da convergência estatista ou de imputação ao Estado: nesse pensar, o Estado é sempre responsável pela violação aos direitos fundamentais, mesmo que originadas nas relações interprivadas, sob o argumento de que a violação de um direito fundamental pelo particular só acontece porque o Estado ou permitiu ou não o impediu e, destarte, a responsabilidade pelos efeitos será do Estado; e
f) a teoria unitária, integradora ou modelo de três níveis (deveres do Estado, frente ao Estado e da relação privada): embora similar à teoria da eficácia direta, merece ser analisada em separado porque, mesmo a admitindo, não exclui a teoria da eficácia indireta e a teoria dos deveres de proteção. Ao revés, vai mais além para propor a integração desses modelos de eficácia, pois que cada um deles apresenta aspectos que não só podem como devem ser considerados para aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre sujeitos privados.
Essas teorias demonstram o Estado atual do conhecimento doutrinário sobre a eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais.
2.2.1 Teoria da ação estatal ou doutrina do State Action
Uma teoria contrária à horizontalização dos direitos fundamentais é a adotada nos Estados Unidos da América, denominada state action.
Por essa teoria, enraizada na própria concepção do Estado Liberal Clássico, os direitos fundamentais estabelecem limites apenas à atuação do Estado. São incapazes de regular as relações entre particulares, e suas condutas encontram-se fora do alcance do globo de garantias por aqueles emanado.
Destarte, no direito americano a doutrina da state action estabelece uma não-vinculação dos particulares pelos direitos fundamentais – as primeiras dez emendas à Constituição Americana, conhecidas como Bill of Rights –, salvo a norma constante da 13ª Emenda, oponível erga omnes:
Neither slavery nor involuntary servitude, except as a punishment for crime whereof the party shall have been duly convicted, shall exist within the United States, or any place subject to their jurisdiction.[91]
As discussões sobre as emendas à Constituição Americana sugiram em um contexto estritamente inicial da historicidade dos direitos fundamentais. O temor de um texto constitucional aberto, possibilitando uma tirania estatal, levou a instauração de várias convenções de Estados para elaboração e votação de imunidades para o indivíduo frente ao poder – liberdades negativas.
Assim estabelece o preâmbulo da Bill of Rights:
THE Conventions of a number of the States, having at the time of their adopting the Constitution, expressed a desire, in order to prevent misconstruction or abuse of its powers, that further declaratory and restrictive clauses should be added: And as extending the ground of public confidence in the Government, will best ensure the beneficent ends of its institution.[92]
Totalmente consolidada na doutrina americana, essa teoria defende uma liberdade individual ampla, permitindo a regulação das atividades privadas pelo livre exercício da autonomia dos contratantes. Permitir que a Constituição atuasse nas relações interpessoais seria atingir diretamente essa liberdade e a base do direito privado.
Outro fundamento relevante para a adoção dessa doutrina é o princípio do pacto federativo americano. Diversamente do que ocorre no Brasil, compete aos Estados, e não à União, legislar sobre assuntos de direito privado, salvo questões comerciais interestaduais e internacionais.
Admite-se, todavia, a competência da União para legislar sobre direitos humanos, entendimento oriundo de evoluções jurisprudenciais e principalmente, dos movimentos civis durante a década de 60 – Civil Rights Act de 1964.
Embora não tenha acompanhada a evolução subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, a Suprema Corte Americana desenvolveu uma nova interpretação para a doutrina do State Action. Elaborou a public function theory, segundo a qual, estarão igualmente sujeitos as diretrizes dos direitos fundamentais os particulares que promovam atividades de natureza tipicamente estatal.
Sobre a teoria ora apresentada, Juan Ubillos simplifica:
Los supuestos en los que se ha aplicado esta doctrina jurisprudencial pueden clasificarse, pese a su disparidad tipológica, en dos grande apartados: por un lado, los relacionados con actividades que entrañan materialmente el ejercicio de una “función pública”, y por otro, aquéllos en los que se detecta una “conexión” o “implicación” estatal significativa en la acción impugnada por el demandante.[93]
Segundo maior parte da doutrina, a interpretação de poder público e função pública deve ser realizada de modo extensivo, buscando cobrir com amplitude as atividades com aparência relativamente privadas.
A problemática paira sobre essas atividades exercidas e os limites de vinculação. Deve-se verificar se o poder público está suficientemente envolvido nessa atividade.
A Suprema Corte em 1946 – Marshal v. Alabama – defendeu seu posicionamento, tornando o caso emblemático:
[…] In this case, we are asked to decide whether a State, consistently with the First and Fourteenth Amendments, can impose criminal punishment on a person who undertakes to distribute religious literature on the premises of a company-owned town contrary to the wishes of the town's management. The town, a suburb of Mobile, Alabama, known as Chickasaw, is owned by the Gulf Shipbuilding Corporation. Except for that, it has all the characteristics of any other American town. The property consists of residential buildings, streets, a system of sewers, a sewage disposal plant, and a "business block" on which business places are situated. A deputy of the Mobile County Sheriff, paid by the company, serves as the town's policeman.
A state can not, consistently with the freedom of religion and the press guaranteed by the First and Fourteenth Amendments, impose criminal punishment on a person for distributing religious literature on the sidewalk of a company-owned town contrary to regulations of the town's management, where the town and its shopping district are freely accessible to and freely used by the public in general, even though the punishment is attempted under a state statute making it a crime for anyone to enter or remain on the premises of another after having been warned not to do so.[94]
Em decisões posteriores, a Suprema Corte Americana seguiu o entendimento do mínino de função estatal para vinculação dos particulares pelas normas consagradas na Constituição – Norwood v. Harrison, Gilmore v. City of Montgomery, Edmonson v. Leesville Concrete Co. Inc.
Verifica-se que a public function doctrine, na verdade, traz à tona a dicotomia público – privada.
É possível falar em dicotomia quando analisamos duas esferas excludentes, no caso – Estado v. Sociedade[95] ou Sociedade in public function v. Sociedade.
Analisando os casos violadores das elementares constitucionais a U.S. Supreme Court vislumbrou a aproximação entre o público e o privado, determinou uma ponte, um liame subjetivo entre as duas esferas.
Notoriamente, presencia-se essa ligação e aproximação desde a concepção do contratualismo, onde o cidadão abre mão de seu autogoverno e adiciona a obrigatoriedade de proteção de sua esfera privada ao poder público.
Expandindo a terminologia de ação estatal ou função pública, a Corte Suprema aumentou os laços entre o Estado e a Sociedade, e demonstrou que essa linha de divisão doutrinária – Público/Privado – está cada vez mais tênue, singularizando os atos e legitimando as atuações privadas, dotadas de manifestações programáticas funcionais, através dos diretos fundamentais.
O que ocorre, entretanto, é uma forma supérflua de solucionar a incidência dos direitos humanos nas relações privadas. A exacerbada protection of liberty na cultura americana permite que os juízes e tribunais não alcancem o cerne problemático, encerrando falsamente os distúrbios sociais.
Erwin Chemerinsky[96] critica veementemente as bases cristalizadoras da state action. Afirmadas supra, essas bases seriam: a proteção da liberdade individual e a preservação da autonomia dos Estados.
Quanto à liberdade individual, instituidora de um escudo protetivo contra os efeitos vinculantes da Constituição, Erwin rebate tal tese asseverando que a liberdade protegida não é da vítima, mas sim de seu violador, firmando, dessa forma, os sacrifícios dos direitos daquela:
The state action doctrine protects the freedom of private violators from constitutional sanctions. It completely sacrifices the rights of the victims, even in cases when there is absolutely no justification for doing so. Therefore, eliminating the state action doctrine would enhance liberty by ending the arbitrary favoritism of violators over victims. Without a state action requirement, cases would be decided in a manner that maximizes liberty.[97]
Insta que, Erwin traduz uma forma de resolução com base no judicial balancing[98] e uma discussão articulada pela corte em definir os conflitos de liberdade e a ponderação de interesses:
Liberty would best be protected if the courts openly articulated the competing interests that they were balancing. This would force the courts clearly to identify and define the conflicting liberties, enhancing understanding of each of the rights at stake.[99]
Outra falha na teoria é a argüição da necessidade da state action para criar a esfera de proteção pessoal da autonomia. Essa esfera poderia ser alcançada pela lei e doutrina legal, com a instituição de cláusulas gerais de direitos, norteadoras das decisões judiciais.
No que tange a autonomia dos Estados, Erwin esclarece que embora fossem compelidos a proteger os direitos fundamentais, os mesmos teriam grande flexibilidade para determinar os meios e extensão na aplicação desses direitos.
Sem embargo, no instante em que os Estados estabelecem normas protetivas dos indivíduos em suas relações particulares, tornar-se-á desnecessária uma atuação federal supervisora.
Outrossim, conclui Erwin:
The conclusion is clear: State sovereignty cannot be used as an excuse to justify violations of constitutional rights. States do not have the power to prevent redress of denials of liberty and equality. Thus, the concept of state action is not necessary to protect federalism.[100]
Apesar das falhas e críticas à doutrina da “Ação Estatal”, ou em sua forma menos acentuada a “Função Pública”, o que notamos é uma aplicação direta dos direitos fundamentais constitucionalizados ainda que de forma mitigada, condicionada e insegura.
Um desempenho mais ativo dos Estados Americanos na positivação de institutos de proteção dos direitos fundamentais seria uma alternativa válida para atenuar a aplicação da state action. Não obstante essa medida, a adoção do sistema de ponderação de interesses pelos órgãos julgadores poderia trazer maior segurança ao ordenamento norte-americano.
2.2.2 Teoria dualista da eficácia indireta e mediata
A partir da década de 50, na Alemanha, iniciaram-se rumores sobre a Drittwirkung – Aplicação Horizontal dos Direitos Fundamentais – com modalidades e intensidade diferentes de aplicação.
A evolução da teoria tem como base a eficácia da lei em “função dos direitos fundamentais”[101], substituindo a eficácia formal clássica dos direitos civis pela real eficácia daqueles.
Nipperdey, presidente do Tribunal Federal do Trabalho, foi o primeiro a formular essa doutrina em um julgamento no ano de 1954, reconhecendo que os direitos fundamentais são princípios ordenadores da vida social, com relevância direta nas relações interprivados.[102]
Tal entendimento, de início, foi rechaçado por boa parte da doutrina alemã, sendo desenvolvido por autores como Dürig e Leisner.
Precisamente em 1956, com a obra “Grundrechte und Zivilrechtsprechung” de Günter Dürig, e em 1960 com Leisner[103], houve grande adequação e desenvolvimento das teorias de vinculação dos direitos fundamentais em todas as esferas, sendo, desde a época, adotada por grande parte da doutrina e tribunais alemães.
Juan Ubillos, explicando o entendimento de Leisner, afirma:
Para este autor, no se puede seguir sosteniendo que los derechos fundamentales “significan todo en el Derecho público”, con una “omnipresencia intensiva” incluso, y “nada en el Derecho privado”. En las dos esferas “significan algo”: la última protección del contenido nuclear de la libertad.[104]
A teoria da eficácia mediata dos direitos fundamentais, conhecida como “Mittelbare Drittwirkung”, tem como fundamento uma aplicação indireta destes nas relações privadas, ou seja, não ingressariam como direitos subjetivos.
Haveria possibilidade de que os particulares renunciassem a certos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas, o que não seria possível na relação desses com o Estado.
Segundo adeptos desta teoria[105] a grande ameaça da aplicação direta dos direitos constitucionalizados seria a desfiguração da base do direito privado pelo extermínio da autonomia privada.
Konrad Hesse argumenta essa possível violação:
[...] correría peligro el principio fundamental de nuestro Derecho Privado, la autonomía privada, si las personas en sus relaciones no pudieron renunciar a las normas de derechos fundamentales que son indisponibles para la acción estatal.[106]
A aplicação direta dos direitos positivados na Constituição geraria um hipertrofia normativa constitucional e, conseqüentemente, um poder incomensurável aos magistrados, em vista do grau de indeterminação das normas definidoras dos direitos constitucionais.
Canotilho afirma que a idéia de aplicabilidade direta representa um reforço para a normatividade. Todavia, deixa claro que não se pode recorrer a uma proteção de um conteúdo jurídico-constitucional quando a indeterminação da norma é evidente:
O raciocínio é portanto este: as normas garantidoras de direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis desde que possuam suficiente determinabilidade. Temos aqui duas questões dogmáticas: (1) aplicabilidade de normas; (2) determinabilidade de normas.[107]
Para o doutrinador, as normas devem possuir um grau máximo ou mínimo de juridicidade, dependendo do que se dispõe a abranger. Contudo, o grau de determinabilidade é imprescindível, no instante que rege normas de comportamento para os particulares sob pena de invalidade.
A segurança jurídica é alcançada pela determinabilidade nos ditames de uma norma precisa e previsível, capaz de traduzir orientação e eficácia, assim como a feitura de lei infraconstitucional se coloca como necessidade para exprimir maior precisão e clareza. Nesse passo, a determinabilidade figura como “princípio heterovinculante”[108] da entidade legiferante.
Vislumbra-se que essa teoria nega uma força normativa vinculante da Constituição, não investindo os particulares em direitos subjetivos privados, tendo o condão, simplesmente, de irradiar suas limitações e ditames à legislação civil, a qual regularia diretamente as relações interprivadas.
Prega, nesse diapasão, a aplicação dos direitos fundamentais por intermédio de um órgão do Estado. Assim explica Ubillos:
La teoría de la eficacia mediata o directa, por la que se decanta buena parte de la doctrina, es una solución intermedia que trata de sortear los escollos de orden dogmático que han venido dificultando el reconocimiento general de la Drittwirkung en su versión pura. Esto se consigue condicionando la operatividad de los derechos fundamentales en el campo de las relaciones privadas a la mediación de un órgano del Estado, que además de estar vinculado directamente a estos derechos ha de ser consecuente con el deber de protección que se deriva de la dimensión objetiva de los derechos fundamentales. Se requiere concretamente la intervención del legislador o la recepción a través del juez, en el momento de interpretar la norma aplicable al caso.[109]
Evidencia-se que essa teoria mediata coloca-se como intermédio entre os defensores da aplicação imediata e dos que negam qualquer vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Conforme Daniel Sarmento:
A diferença essencial consiste no reconhecimento, pelos primeiros, de que os direitos fundamentais exprimem uma ordem de valores que se irradia por todos os campos do ordenamento, inclusive sobre o direito privado, cujas normas têm de ser interpretadas ao seu lume.[110]
Essa ordem de valores irradiante é o que vincula o legislador e o juiz à aplicação da legislação privada. Os particulares são protegidos em suas relações por instrumentos típicos do direito privado. Primeiramente pelo legislador infraconstitucional, e nas soluções das lides, pelo juiz.
Como soldado principal dessa intervenção estatal está o legislador ordinário, com o dever funcional de concretizar o alcance das normas constitucionais nas relações privadas.
Essa concretização se dá através da delimitação do conteúdo das normas, trazendo maior determinabilidade e condição de exercício das mesmas. O principal instrumento para essa atuação é a lei, oferecendo garantia e segurança jurídica.
Entretanto, uma interpretação radical da teoria mediata, levaria o exegeta a concluir que a atuação legislativa seria condição sine qua non para o exercício dos direitos fundamentais frente a particulares. Wolfang Böckenförd explica que a sua realização “no puede depender de una configuración infraconstitucional suficiente del ordenamiento jurídico-privado”[111].
Insta que, quando houver possibilidade de aplicação constitucional através da legislação cível e de suas clásulas gerais, fica fundada a teoria da aplicação mediata dos direitos fundamentais. A inexistência de norma regulamentadora, por sua vez, não pode gerar a inaplicabilidade de tais direitos, sob pena de violar o espírito e a eficácia normativa da Constituição.
Para solucionar essa omissão legal, o juiz atuaria como soldado de reserva, resolvendo as infinidades de conflitos que o legislador é incapaz de imaginar, tampouco positivar.
Essa atuação judicante restritiva, marcante característica dos adeptos dessa teoria, manifestar-se-ía pela interpretação conforme da legislação civil pelo magistrado, permitindo que os valores dos direitos fundamentais impregnem as cláusulas gerais e as situações-tipo nas decisões dos juízes e tribunais.
A aplicação mediata dos direitos fundamentais por intervenção do juiz foi acolhida, primeiramente pelo Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht) na conhecida sentença Lüth, transformando-se em um marco para a Mittelbare Drittwirkung.
Nesse passo, o artigo “Lüth’s 50th Anniversary: Some Comparative Observations on the German Foundations of Judicial Balancing” publicado no German Law Journal:
The Lüth decision can be seen as a foundational moment for at least two transformative Post-War developments in constitutional thinking that continue to influence legal systems around the world.
The judgment, first of all, stands at the origin of the phenomenal spread in the acceptance of doctrines on the ‘horizontal effect’ of constitutional norms. With its principled and affirmative answer to “the fundamental question of whether Constitutional norms affect private law”, the FCC set in motion an expansion of the sphere of influence of rights that has rippled through countries as diverse as South Africa and Canada, and that has arguably culminated in last year’s decision of the Court of Justice of the European Communities on the ‘horizontal effect’ of Community rules on freedom of movement.
Secondly, and, if possible, even more importantly, the Lüth decision can be regarded as the foundation of what has come to be called the ‘Postwar Paradigm’ of constitutional rights adjudication. With Lüth – and with the Apotheken decision of a few months later - a movement began on the part of increasing numbers of courts around the world to adopt the language of judicial balancing to justify their decisions on constitutional rights.[112]
O FCC (Bundesverfassungsgericht)[113] em diversas decisões posteriores consolida seu entendimento na defesa dos direitos fundamentais pela intervenção estatal. Teoria adotada também por países como a Áustria e França, ainda que neste, de modo tímido.
Esses dois modos de intervenção estatal seriam necessários devido à incapacidade das disposições constitucionais de solucionarem os problemas concretos das relações entre particulares.
Em crítica exemplar à teoria de eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais, Ubillos afirma:
Un derecho cuyo reconocimiento, cuya existencia, depende Del legislador, no es un derecho fundamental. Es un derecho de rango legal, simplemente. El derecho fundamental se define justamente por la indisponibilidad de su contenido por el legislador. No parece compatible con esa caracterización la afirmación de que los derechos fundamentales sólo operan (frente a particulares) cuando el legislador así lo decide. De ahí que el término “eficacia mediata” nos parezca equívoco. Quienes defienden la necesidad de una mediación legal como paso obligado para el reconocimiento del derecho están negando, en realidad, la eficacia “horizontal” de los derechos fundamentales, en cuanto tales.[114]
Torna-se evidente que a teoria, ora demonstrada, é insuficiente para atender a Nova Hermenêutica Constitucional. Se for necessária a atuação legislativa para que as disposições constitucionais tenham aplicabilidade, não haverá fundamento para a existência da Constituição. Negar-se-ía toda eficácia normativa e todo estudo anteriormente proposto.
A vontade do direito deve ser interpretada em sua efetiva aplicação constitucional e, por sua vez, a constituição não deve carecer de uma “porta de entrada” legislativa ou de uma mediação judicial para sua incidência no Direto Privado, daí surge a debilidade da teoria da eficácia mediata dos direitos fundamentais.
Como explicado por Ubillos, quem defende a atuação do legislador ordinário para efetivar a integral tutela dos direitos fundamentais, ou a simples aplicação interpretativa do juiz, na verdade, nega a horizontalização dos direitos fundamentais, e sedimenta apenas a teoria da interpretação conforme à Constituição.
2.2.3 Teoria monista da eficácia direta e imediata
A drittwirkung nasce na Alemanha na década de 50, explicado anteriormente, pela tese de Hans Carl Nipperdey.
Desse desenvolvimento, verifica-se que a adoção do Estado Constitucional Social e Democrático de Direitos leva, inexoravelmente, ao reconhecimento da eficácia imediata frente a terceiros dos direitos fundamentais e sua respectiva potencialidade direta decorrente de seu caráter subjetivo garantido constitucionalmente.
Dentro da atual conjuntura político-jurídica, muito mais do que dar efetividade às normas constitucionais, adotar a teoria da aplicação imediata é transparecer a dissolúvel dicotomia público-privada.
Não se pode conceber o direito privado como um sistema independente, desconjuntado das premissas majoritárias do Estado Social e da constitucionalização dos direitos sociais e da personalidade.
Essa concepção teórica tem por objetivo a aplicação direita e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, ressalvando os métodos de incidência.
Necessário aclarar que é impossível transplantar o particular para a posição de sujeito passivo na relação eficacial dos direitos fundamentais nos mesmo moldes que se faz com os poderes públicos.
Com efeito, os particulares são titulares de direitos fundamentais, e contra eles não seria possível atribuir toda a esfera restritiva que essas normas possuem em face do Estado, ao passo que, são imbuídos da proteção constitucional de autodeterminação de seus atos, preservando sua autonomia e autogoverno.
Ao analisarmos os dois planos eficaciais dos direitos fundamentais, vislumbramos várias formas de violações desses direitos por dois agentes distintos. O primeiro deles é o Estado, que tanto por ação como omissão pode violá-los; como segundo agente, o particular.
Nesse diapasão, ao trabalhar o Estado como agente, pode-se introduzir a Teoria dos Deveres de Proteção (Schutzpflicht) desenvolvida por Claus Canaris e Klaus Stern[115]. Para esses doutrinadores os direitos fundamentais vinculam diretamente os poderes públicos, e nessa esfera instituem a “proibição de intervenção” (Eingriffsverbote) e o “imperativo de tutela” (Schutzgebote).
Nestes termos, determina a Bundesverfassung em seu artigo 1°, n°3: “Die nachfolgenden Grundrechte binden Gesetzgebung, vollziehende Gewalt und Rechtsprechung als unmittelbar geltendes Recht”.
Pela vinculação direta do executivo, legislativo e judiciário depreende-se essa teoria defensiva e protetiva dos direitos fundamentais pelo Estado.
Em um primeiro plano, o legislador infraconstitucional deve não apenas respeitar os direitos fundamentais (defensivo), mas também desenvolver proteção adequada desses na esfera privada (protetivo).
Nesse ínterim, vislumbra-se estreita ligação do defendido por Canaris com a teoria indireta por mediação do legislador, por assim dizer, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais.
Com efeito, a proteção judicial vincular-se-ía, igualmente, negativa e positivamente aos direitos fundamentais. O magistrado, em suas decisões estaria obrigado a efetivar o núcleo determinativo dos direitos fundamentais e evitar sua restrição baldada.
Sem embargo, a teoria dos deveres de proteção estaria vinculada à mediação pelo legislador ordinário e pelo juiz que devem assumir postura temerária na efetivação dos direitos fundamentais nas condutas particulares.
A explanação sobre a Teoria de Claus Canaris é primordial para desfazer o equívoco daqueles que criticam a teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais. Os adeptos desta não negam especificidades de aplicação, tampouco os poderes de irradiação – vocación expansiva – desses direitos através da lei. Segundo Ubillos:
Dada la confusión que reina en torno a este tema, conviene aclarar algunas ideas para ayudar a deshacer un malentendido perturbador, que es el que resulta de la habitual contraposición entre eficacia mediata e inmediata, como si fueran conceptos excluyentes. Es una falsa disyuntiva: admitir la posibilidad de una vigencia inmediata de los derechos fundamentales en las relaciones inter privatos en determinados supuestos, no significa negar o subestimar el efecto de irradiación de esos derechos a través de la ley. Ambas modalidades son perfectamente compatibles: lo normal (y lo más conveniente también) es que sea el legislador el que concrete el alcance de los diferentes derechos en las relaciones de Derecho privado, pero cuando esa mediación no existe, en ausencia de ley, las normas constitucionales pueden aplicarse directamente.[116]
Insta que, a atuação legislativa ordinária é fundamental para determinar os métodos e a graduação eficacial das normas constitucionais nas relações privadas. Entretanto, a ausência legislativa não deve ser obstáculo para o exercício desses direitos.
A atuação direta dos direitos constitucionais nas decisões judiciais não seria simples regra hermenêutica ou de interpretação, mas o reconhecimento delas como normas comportamentais, razão primária e justificadora da atuação jurisdicional.
Entretanto, a Constituição pode demonstrar sua eficácia de forma dúplice ou binária. Esse método concretiza-se quando o judiciário, em sua atuação típica, resolve o caso concreto utilizando-se da legislação ordinária, mas como esta não é a única razão da fundamentação da decisão, pois, compõe-se também de princípios constitucionais, a aquela atua de forma binária. Primeiramente, pode ser aplicada direta ao caso, em razão de sua normatividade, de uma inconstitucionalidade chapada ou do princípio da dignidade da pessoa humana; de modo secundário, uma eficácia através da legislação privada – em um sistema de cláusulas gerais – pela sua dimensão objetiva.[117]
A Constituição Federal em seu artigo 5°, §1° determina que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”[118]. Isto significa que, o constituinte, abarcando todos esses direitos, topograficamente espalhados no diploma referido, decidiu dar eficácia plena e aplicação imediata para o exercício desses, e que a omissão legislativa não interferirá no seu exercício, atribuindo garantias constitucionais – Ação Direita de Inconstitucionalidade por omissão e Mandado de Injunção.
Ingo Wolfgang Sarlet explica:
Se, portanto, todas as normas constitucionais sempre são dotadas de um mínimo de eficácia, no caso dos direitos fundamentais, à luz do significado outorgado ao art.5°, §1°, de nossa Lei Fundamental, pode afirmar-se que aos poderes públicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficácia possível, outorgando-lhes, neste sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a presunção da aplicabilidade imediata e plena eficácia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui, em verdade, um dos esteios de sua fundamentalidade formal no âmbito da Constituição.[119]
O constituinte brasileiro diferentemente do que ocorreu em Portugal, foi omisso quanto à vinculação dos particulares pelos direitos fundamentais, o que consagra, segundo alguns, dúvida quanto a aplicabilidade dos direitos fundamentais.
A Constituição da República Portuguesa assevera em seu artigo 18 o alcance dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, assim como a possibilidade de restrição pelo legislador infraconstitucional:
Artigo 18.º (Força jurídica)
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.[120]
O mesmo entendimento segue-se na Constituição da República do Uruguai:
Artículo 332.- Los preceptos de la presente Constitución que reconocen derechos a los individuos, así como los que atribuyen facultades e imponen deberes a las autoridades públicas, no dejarán de aplicarse por falta de la reglamentación respectiva, sino que ésta será suplida, recurriendo a los fundamentos de leyes análogas, a los principios generales de derecho y a las doctrinas generalmente admitidas.[121]
A Constituição Espanhola não vincula expressamente os particulares em seu Título I – De los derechos y deberes fundamentales. Entretanto, em análise sistemática, o artigo 9° afirma que “Los ciudadanos y los poderes públicos están sujetos a la Constitución y al resto del ordenamiento jurídico”[122], por conseguinte demonstra a eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Ainda que a Diploma Fundamental brasileira não tenha expressado a vinculação direta dos particulares, essa intenção é clara no texto constitucional, pois elenca diversos direitos oponíveis nas relações privadas independentemente de legislação ordinária, por exemplo: artigo 5°, incisos I, II, IV, V, VI, IX, X, XI primeira parte, XIII, XVII, XX, artigo 7°, incisos I, VI, VII, VIII, VIII, IX, X, XI e outros tantos de primeira, segunda e terceira dimensão dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, esclarece Daniel Sarmento:
Com efeito, qualquer posição que se adota em relação à controvérsia em questão não pode se descurar da moldura axiológica delineada pela Constituição de 1988, e do sistema de direitos fundamentais por ela hospedado. Não há dúvida, neste ponto, que a Carta de 88 é intervencionista e social, como o seu generoso elenco de direitos sociais e econômicos (arts. 6° e 7°, CF) revela com eloqüência. Trata-se de uma Constituição que indica, como primeiro objetivo fundamental da República, “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3°, I, CF) e que não se ilude com a miragem liberal de que é o Estado o único adversário dos direitos humanos.[123]
A adoção da teoria da aplicação imediata e direta dos direitos fundamentais não é posição isolada da doutrina brasileira, mas também foi abraçada pela nossa jurisprudência
O Supremo Tribunal Federal, em diversas decisões[124] demonstrou límpida aceitação pela incidência dos direitos fundamentais de forma direta nas relações privadas, por exemplo: o Recurso Extraordinário n° 201819/RJ – Rio de Janeiro, onde a União Brasileira de Compositores desrespeitou o direito constitucional de ampla defesa no momento de exclusão de sócio. Tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes, ficou assim decidido:
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.[125]
No Recurso Extraordinário n° 352940/SP o Ministro Carlos Veloso reconheceu a aplicabilidade direta do direito à moradia e do princípio da isonomia no caso de impenhorabilidade do bem de família do fiador, assim decidido:
A Lei 8.009, de 1990, art. 1º, estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar e determina que não responde o referido imóvel por qualquer tipo de dívida, salvo nas hipóteses previstas na mesma lei, art. 3º, inciso I a VI.
Acontece que a Lei 8.245, de 18.10.91, acrescentou o inciso VII, a ressalvar a penhora "por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."
É dizer, o bem de família de um fiador em contrato de locação teria sido excluído da impenhorabilidade.
Acontece que o art. 6º da C.F., com a redação da EC nº 26, de 2000, ficou assim redigido:
"Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."
Em trabalho doutrinário que escrevi - "Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil", texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.3.2003 - registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito fundamental de 2ª geração - direito social - que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000.
O bem de família - a moradia do homem e sua família - justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.
Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, - inciso VII do art. 3º - feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito.
Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo - inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000.
Essa não recepção mais se acentua diante do fato de a EC 26, de 2000, ter estampado, expressamente, no art. 6º, C.F., o direito à moradia como direito fundamental de 2ª geração, direito social. Ora, o bem de família - Lei 8.009/90, art. 1º - encontra justificativa, foi dito linha atrás, no constituir o direito à moradia um direito fundamental que deve ser protegido e por isso mesmo encontra garantia na Constituição.[126]
Insta que, o Superior Tribunal de Justiça adotou igualmente a teoria da eficácia imediata, no julgamento do Habeas Corpus n° 12547 – DF, como Relator o Ministro Ruy Rosado Aguiar. Tratava-se do caso de prisão civil por dívida, decorrente de alienação fiduciária:
HABEAS CORPUS. Prisão Civil. Alienação fiduciária em garantia. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais de igualdade e liberdade. Cláusula geral dos bons costumes e regra de interpretação da lei segundo seus fins sociais. Decreto de prisão civil da devedora que deixou de pagar dívida bancária assumida com a compra de um automóvel-táxi, que se elevou, em menos de 24 meses, de R$ 18.700,00 para R$ 86.858,24, a exigir que o total da remuneração da devedora, pelo resto do tempo provável de vida, seja consumido com o pagamento dos juros. Ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, aos direitos de liberdade de locomoção e de igualdade contratual e aos dispositivos da LICC sobre o fim social da lei e obediência aos bons costumes.[127]
A jurisprudência brasileira não está isolada do contexto mundial. Citando nações que adotam a teoria ora estudada temos: Argentina, Espanha, Itália e Portugal.
A Corte Suprema de Justicia Argentina, no ano de 1958, em um recurso de amparo contra atos particulares, no caso Samuel Kot, adotou brilhantemente a teoria imediata, declarando:
Nada hay, ni en la letra ni en el espíritu de la Constitución, que permita afirmar que la protección de los llamados "derechos humanos" -porque son los derechos esenciales del hombre- esté circunscripta a los ataques que provengan sólo de la autoridad. Nada hay, tampoco, que autorice la afirmación de que el ataque ilegítimo, grave y manifiesto contra cualquiera de los derechos que integran la libertad, lato sensu, carezca de la protección constitucional adecuada -que es, desde luego, la del habeas corpus y la del recurso de amparo, no la de los juicios ordinarios o la de los interdictos, con traslados, vistas, ofrecimientos de prueba, etc.
Además de los individuos humanos y del Estado, hay ahora una tercera categoría de sujetos, con o sin personalidad jurídica, que sólo raramente conocieron los siglos anteriores: los consorcios, los sindicatos, las asociaciones profesionales, las grandes empresas, que acumulan casi siempre un enorme poderío material o económico. A menudo sus fuerzas se oponen a las del Estado y no es discutible que estos entes colectivos representan, junto con el progreso material de la sociedad, una nueva fuente de amenazas para el individuo y sus derechos esenciales.
Si, en presencia de estas condiciones de la sociedad contemporánea los jueces tuvieran que declarar que no hay protección constitucional de los derechos humanos frente a tales organizaciones colectivas, nadie puede engañarse de que tal declaración comportaría la de la quiebra de los grandes objetivos de la Constitución y, con ella, la del orden jurídico fundamental del país. Evidentemente, eso no es así. La Constitución no desampara a los ciudadanos ante tales peligros ni les impone necesariamente recurrir a la defensa lenta y costosa de los procedimientos ordinarios. Las leyes no pueden ser interpretadas sólo históricamente, sin consideración a las nuevas condiciones y necesidades de la comunidad, porque toda ley, por naturaleza, tiene una visión de futuro […][128]
Juan Ubillos, adepto da teoria da eficácia vinculante dos direitos fundamentais pelos particulares, transcreve o entendimento do Tribunal Constitucional Espanhol, na STC 18/1984:
[...] no debe interpretarse en el sentido de que sólo se sea titular de los derechos fundamentales y libertades públicas en relación con los poderes públicos, dado que en un Estado social de Derecho como el que consagra el artículo 1° de la Constitución no puede sostenerse con carácter general que el titular de tales derechos no lo sea en la vida social, tal y como evidencia la Ley 62/1978[…][129]
Prosseguindo o entendimento, o referido Tribunal no STC 20/2002 proferiu aplicação direta à liberdade de expressão prevista no artigo 20 da Constituição Espanhola:
Siendo esto así, es decir, producido el despido con vulneración del expresado derecho fundamental, es claro que la respuesta dada por la Sentencia ahora recurrida del Juzgado de lo Social no respetó el necesario equilibrio entre las obligaciones dimanantes del contrato de trabajo y el ámbito del derecho fundamental del trabajador en juego, ni la restricción del ejercicio de dicho derecho efectuada por el contrato de trabajo fue la estrictamente imprescindible, proporcional y adecuada a la satisfacción de legítimos intereses empresariales, puesto que la existencia misma de la relación laboral causó en el recurrente la vulneración de su derecho a expresar libremente sus pensamientos, ideas y opiniones por cuanto el ejercicio de dicho derecho fundamental fue la única causa de su despido.
Tampoco la Sentencia de suplicación reparó la vulneración del derecho fundamental del recurrente a su libertad de expresión producida por el acto extintivo empresarial al declarar el despido improcedente con opción empresarial entre indemnización o readmisión.
Lo antes razonado nos lleva derechamente al otorgamiento del amparo con la ineludible consecuencia de declarar la nulidad del despido disciplinario al incurrir éste en violación del invocado derecho fundamental, con los efectos legalmente previstos (art. 56.5 LET) de readmisión forzosa del trabajador despedido y abono de los salarios dejados de percibir.[130]
Na Itália, apesar de alguns doutrinadores entenderem que o texto constitucional não é claro quanto à vinculação, é valido posicionar-se em discordância, pois a Constituição Republicana estabelece o reconhecimento e a garantia dos direitos do homem como indivíduo ou no seio da sociedade, notadamente, nas relações particulares:
Art. 2. La Repubblica riconosce e garantisce i diritti inviolabili dell’uomo, sia come singolo, sia nelle formazioni sociali ove si svolge la sua personalità, e richiede l’adempimento dei doveri inderogabili di solidarietà politica, economica e sociale.[131]
Sem embargo, a jurisprudência italiana caminha no sentido de oponibilidade dos direitos fundamentais frente aos particulares. Assim na sentença n° 122/1970 e n° 202/1991, respectivamente:
Ed invero nel titolo primo della prima parte della Costituzione vengono affermati, garantiti e tutelati alcuni fondamentali diritti di libertà - in gran parte compresi nella categoria dei diritti inviolabili dell'uomo genericamente contemplati nell'art. 2 -, che al singolo sono riconosciuti e che il singolo deve poter far valere erga omnes. Così, ad es., per quanto riguarda la materia che specificamente interessa la presente controversia, non è lecito dubitare che la libertà di manifestare il proprio pensiero debba imporsi al rispetto di tutti, delle pubbliche autorità come dei consociati, e che nessuno possa recarvi attentato senza violare un bene assistito da rigorosa tutela costituzionale. Né può trarre in inganno la circostanza che il più delle volte, in tema di rapporti civili, le disposizioni costituzionali appaiono rivolte a delimitare le competenze, i casi ed i modi di intervento dei pubblici poteri.[132]
Il riconoscimento del diritto alla salute come diritto fondamentale della persona e bene primario, costituzionalmente garantito, è pienamente operante anche nei rapporti di diritto privato. Dovendosi riconoscere che la lesione del diritto soggettivo garantito dall'art. 32 della Costituzione integra la fattispecie dell'art. 2043 del codice civile, non può dubitarsi dell'obbligo del risarcimento per la violazione del diritto stesso. In altri termini, dal detto collegamento dell'art. 32 della Costituzione con l'art. 2043 del codice civile discendono l'ingiustizia del danno e la conseguente sua risarcibilità.[133]
Quanto ao direito português, não se institui uma posição formada pela corte constitucional, porém, a vinculação dos direitos fundamentais pelos particulares é expressa no Texto Magno português. Canotilho faz algumas observações sobre o tema:
Se o direito privado deve recolher os princípios básicos dos direitos e garantias fundamentais, também os direitos fundamentais devem reconhecer um espaço de auto-regulação civil, evitando transformar-se em “direito de não-liberdade” do direito privado.[134]
Apesar de indubitável a vinculação dos particulares no ordenamento lusitano, a divergência paira sobre a omissão quanto ao modo e abrangência dessa atuabilidade.
Claramente, a inação legislativa imprime uma atuação mais positiva do judiciário, através de uma aplicação mais dinâmica e elástica do direito – hoje mais principiológica do que positiva –, o que se paga um preço à segurança jurídica.
No Brasil, a adoção de um sistema privado baseado em cláusulas gerais, norteado por questões principiológicas e um arquétipo difuso e concentrado de constitucionalidade, faz com que judiciário depara-se com ponderações normativas diuturnamente, instituindo um ambiente propício para eficácia horizontal dos direitos fundamentais, adotando primordialmente, a determinação constitucional dos fundamentos constitutivos da República Federativa.
2.2.4 Teoria dos deveres de proteção do Estado
2.2.5 Teoria integradora
Posição de permeio onde a validade dos direitos fundamentais nas relações inter-privadas deve dar-se com a análise do caso concreto.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Dogmática dos direitos fundamentais e relações privadas. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2006.
O temor principal do reconhecimento da horizontalização dos direitos fundamentais é a mitigação da autonomia privada, por ser esta a base fundamental do direito privado.
Demonstrou-se, porém, que a autonomia privada, assim como qualquer direito fundamental, é passível de limitações, por isto, a aplicação imediata das determinações constitucionais não excluirá tal instituto da base do ordenamento particular, mas o adequará à nova hermenêutica constitucional.
Três são as principais teorias que determinam o modo e o alcance da aplicação das normas constitucionais consagradoras dos direitos fundamentais nas relações privadas.
A Teoria da Negação, ou State Action, tem por objetivo afastar a obrigatoriedade de respeito dos direitos fundamentais pelos particulares em suas relações, possibilitando a maior prevalência da autonomia privada. Todavia, ainda que o nome instituía a negação, os adeptos dessa teoria aceitam a vinculação direta dos particulares quando exercentes de atividades manifestamente públicas, por entender que nestes casos, o poder dos atores particulares está intimamente ligado e assemelhado ao público.
Já a Teoria da Aplicação Mediata ou Indireta dos direitos fundamentais prima pela necessidade de uma intervenção, da atuação legislativa ou judiciária para efetivar as normas de direitos fundamentais consagradas na Constituição. O principal método de vincular os particulares é através da legislação privada e pela atuação do órgão judicante, interpretando a lei conforme os direitos fundamentais de modo a dar maior amplitude a seus efeitos.
Entendeu-se que, apesar da primeira teoria, a da Negação, não aceitar a vinculação direta, ela demonstra maior respeito constitucional, por definir casos em que a Constituição possui força imperativa e os direitos nela consagrados adentram o ordenamento de forma subjetiva. A Teoria da Aplicação Mediata, por sua vez, desacredita a força dos direitos fundamentais e se minimiza à interpretação conforme.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Conforme supracitadas as teorias neste artigo, apesar das inúmeras referentes sobre os direitos fundamentais tentando desvendar sua forma de aplicação e efetivação, torna-se difícil consagrar um Estado Democrático de Direito que possua como base um ordenamento restringível. Não podemos, entretanto, visualizar os direitos fundamentais como a panacéia do direito moderno, tampouco ter a visão liliputiana de conteúdo jurídico. Desta forma, somente com a perfeita utilização dos institutos gerais de direito em harmonia com a base principiológica dos direitos fundamentais deixaremos o mundo teórico de uma igualdade utópica e passaremos a consagrar um direito libertador e justo.
A que traz maior efetividade, demonstra toda a força da natureza constitucional e desenvolve todo o ordenamento em face dos princípios inerentes aos direitos fundamentais é a Teoria da Aplicação Imediata ou Direta. Seus adeptos defendem que os direitos fundamentais incidem diretamente nas relações privadas através da ponderação de interesses, analisando um gradualismo eficacial das normas constitucionais. Há coexistência pacífica entre a Teoria da Eficácia Direita e a da Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais de modo a ampliar a esfera de influência desses direitos no mundo jurídico.
Também foram discorridas as seguintes teorias, nas quais podem ser inferidas as seguintes considerações:
a) a teoria da ação estatal: desenvolvida no direito norte-americano, defende que não existe qualquer vinculação dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição com as relações particulares;
b) a teoria da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais na esfera privada: desenvolvida pela doutrina alemã, e que se tornou a teoria dominante no direito germânico das décadas de cinqüenta e sessenta. Os defensores dessa teoria sustentam que os direitos fundamentais devem ser aplicados no âmbito privado, porém negam a aplicação direta do direito constitucional, ou seja, entendem que compete ao legislador privado a tarefa de mediar à aplicação dos direitos fundamentais sobre os particulares, fixando limites para determinados direitos individuais e observando rigorosamente os limites estabelecidos pela Constituição para a imposição de restrições ou de limitações. Destarte, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas se daria por meio de mecanismos do direito civil e não através dos instrumentos do direito constitucional;
c) a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais: segundo essa teoria, a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares se dá do mesmo modo que acontece nas relações do tipo Estado-cidadão, ou seja, sem a necessidade de intermediação do legislador privado;
d) a teoria dos deveres de proteção ou teoria dos imperativos de tutela: essa teoria surge como fruto do pensamento de parte da doutrina alemã moderna, apresentada como modelo de eficácia mais adequado que o da clássica teoria da aplicação mediata para solucionar a questão dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Os seguidores dessa tese defendem que o Estado, além de não violar direitos fundamentais, tem o dever de protegê-los de potenciais lesões e ameaças advindas de particulares. Defendem que as normas essenciais vinculam apenas o Estado, sendo que o dever de proteção dos direitos fundamentais nas relações privadas permanece vinculado ao direito privado, isto é, cabe ao legislador civil disciplinar o comportamento dos particulares visando à proteção dos direitos fundamentais. Destarte, quanto aos efeitos, essa teoria se assemelha com a teoria da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais, pois que mantém a exigência da mediação do legislador privado;
e) a teoria da convergência estatista ou de imputação ao Estado: nesse pensar, o Estado é sempre responsável pela violação aos direitos fundamentais, mesmo que originadas ns relações interprivadas, sob o argumento de que a violação de um direito fundamental pelo particular só acontece porque o Estado ou permitiu ou não o impediu e, destarte, a responsabilidade pelos efeitos será do Estado; e
f) a teoria unitária, integradora ou modelo de três níveis (deveres do Estado, frente ao Estado e da relação privada): embora similar à teoria da eficácia direta, merece ser analisada em separado porque, mesmo a admitindo, não exclui a teoria da eficácia indireta e a teoria dos deveres de proteção. Ao revés, vai mais além para propor a integração desses modelos de eficácia, pois que cada um deles apresenta aspectos que não só podem como devem ser considerados para aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre sujeitos privados.
Essas teorias demonstram o Estado atual do conhecimento doutrinário sobre a eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS
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______. Direitos fundamentais: eficácia das garantias constitucionais nas relações privadas - análise da jurisprudência da Corte Constitucional alemã. O presente artigo teve como texto básico conferências proferidas no curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, em 20 de outubro de 1994; e no V Encontro Nacional de Direito Constitucional do Instituto Pimenta Bueno da Universidade de São Paulo, com o tema “direitos humanos fundamentais”, em 20 de setembro de 1996. Disponível em: <http://www.profpito.com/doutrinabrasileira.html>. Acesso em: 01 nov. 2008.
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[1] LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 123.
[2] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 348.
[3] LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000. p. 30.
[4] LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Apud TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 349.
[5] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24.
[6] MORAES, Alexandre de. 2000. Op. cit., p. 17.
[7] Idem, ibidem, p. 44 e ss.
[8] Para esta pesquisa, são considerados “direitos fundamentais” aqueles direitos humanos positivados nas Leis Fundamentais internas de cada país.
[9] O debate sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas surgiu na Alemanha, depois da promulgação da Constituição de 23 de maio de 1949 (ALEMANHA, Constituição (1949). Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949, com as emendas inseridas até 26 de julho de 2002. Disponível em: <http://www.brasilia.diplo.de/Vertretung/brasilia/pt/03/Constituicao/introducao_20constituicao.html>. Acesso em: 23 out. 2010).
[10] STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
[11] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2004.
[12] Daniel Sarmento defendeu seu doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob orientação de Ricardo Lobo Torres, em junho de 2003. Wilson Steinmetz, orientado por Clèmerson Merlin Clève, defendeu sua tese também de doutoramento na Universidade Federal do Paraná, alguns meses antes, em fevereiro do mesmo ano (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais e relações entre particulares. In: Revista Direito GV, v. 1, nº 1, p. 173 - 180. São Paulo, maio de 2005. p. 174).
[13] “Artículo 1 (Protección de la dignidad humana, vinculación de los poderes públicos a los derechos fundamentales): 1) La dignidad humana es intangible. Respetarla y protegerla es obligación de todo poder público. 2) El pueblo alemán, por ello, reconoce los derechos humanos inviolables e inalienables como fundamento de toda comunidad humana, de la
paz y de la justicia en el mundo. 3) Los siguientes derechos fundamentales vinculan a los poderes legislativo, ejecutivo y judicial como derecho directamente aplicable” (Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949, com as emendas inseridas até 26 de julho de 2002).
[14] CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003. p. 22.
[15] “[…] Constituição de Weimar, onde às normas constitucionais de direitos fundamentais se atribuía um caráter meramente programático, não se reconhecendo à garantia por eles proporcionada mais que aquilo que já decorria do princípio da legalidade da Administração, com os corolários da reserva e preferência de lei” (NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela constituição. Coimbra: Coimbra, 2003. p. 779).
[16] CANARIS, Claus-Wilhelm. Op. cit., p. 22.
[17] CANARIS, Claus-Wilhelm.Op. cit., p. 22-23.
[18] Teleologia é o estudo filosófico dos fins (propósito, objetivo ou finalidade). Denomina-se de “teleológico” o método interpretativo que procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito. Significa que as normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao seu espírito e à sua finalidade (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 138).
[19] Essa firmação de Claus-Wilhelm Canaris é negada por Uwe Diederichsen, valendo-se do argumento de que “de acordo com a originária concepção do Constituinte alemão de 1949, os direitos fundamentais tinham uma função apenas defensiva e que o sistema dos direitos fundamentais foi posteriormente ampliado no sentido de uma ordem de valores fundamentais (de tal sorte que), justamente por isso, e, inversamente, a extensão da função do artigo 1º, nº 3, da Lei Fundamental de 1949 que deveria, pela sua parte, ser fundamentada”. Na visão declarada de Claus-Wilhelm Canaris, este ponto de vista de Uwe Diederichsen não está em consonância com as regras da metodologia jurídica, já que, segundo estas, “o sentido literal possível constitui o limite da interpretação e que para além do mesmo se inicia, consabidamente, o campo da analogia e da redução teleológica; [...] seguindo uma interpretação segundo a letra do preceito não pode deixar de considerar-se, pelo menos, que a legislação no domínio do direito privado também é legislação e que este ponto de partida só pode, pois, ser corrigido mediante uma redução teleológica” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Op. cit., p. 22-23.).
[20] MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 265.
[21] LIMA, Henrique. Efeitos horizontais dos direitos fundamentais. In: Jus Navigandi, ano 13, nº 1812. Teresina, 17 jun. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/11392>. Acesso em: 23 out. 2010. p. 1.
[22] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contribuindo para o estudo da actividade de direito da Administração Pública. Coleção Teses. Coimbra: Almedina, 1999. p. 142.
[23] Oliveira Ascensão apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 142.
[24] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 176.
[25] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 176.
[26] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 177.
[27] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 253.
[28] BARROS, Mauro Pinheiro Alves Felipe. A intervenção estatal no domínio econômico: o atual papel do Estado na constitucionalidade democrática brasileira. In: Jus Navigandi, ano 11, nº 1306. Teresina, 28 jan. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9427>. Acesso em: 23 out. 2010. p. 1.
[29] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 177.
[30] Marcelo Caetano apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 142-143.
[31] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 143
[32] Oliveira Ascensão apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 144.
[33] Otto Bachof apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 144.
[34] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 144
[35] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 144-145.
[36] Hans Wolff apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 146-147.
[37] Hans Wolff apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 147.
[38] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 147.
[39] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 151.
[40] Oliveira Ascensão apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 152.
[41] Marcello Caetano apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 152-153.
[42] Charles Eisenmann apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 153.
[43] SANTOS, Marcos Roberto Araújo dos. Jornada de direito civil. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2007. p. 1.
[44] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 154.
[45] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 154.
[46] René Savatier apud ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 154.
[47] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 155.
[48] ESTORNINHO, Maria João. Op. cit., p. 157.
[49] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. In Revista de Informação Legislativa, ano 36, nº 141, p.99-109. Brasília, jan./mar. 1999. p. 100.
[50] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 100.
[51] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 100.
[52] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 100.
[53] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 101.
[54] “Em suma, para fazer sentido, a publicização deve ser entendida como o processo de intervenção legislativa infraconstitucional, ao passo que a constitucionalização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos. Enquanto o primeiro fenômeno é de discutível pertinência, o segundo é imprescindível para a compreensão do moderno direito civil” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 101).
[55] SAMPAIO, Marília Ávila e Silva. A aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas e a boa fé objetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 89-90.
[56] A epistemologia ou teoria do conhecimento estuda a origem, os métodos, a estrutura e a validade do conhecimento em geral.
[57] GOMES, Fábio Rodrigues. Eficácia dos direitos fundamentais na relação de emprego: algumas propostas metodológicas para a incidência das normas constitucionais na esfera juslaboral. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 71, nº 3, p. 47-77. Brasília: TST, set./dez. de 2005. p. 51.
[58] “Emenda XIV: Seção 1: todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis. [...]” (EUA, Constituição, (1798). Constituição dos Estados Unidos da América, de 17 de setembro de 1787. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php?action=materia&id=643&submenu=106&itemmenu=110>. Acesso em: 28 out. 2010).
[59] GOMES, Fábio Rodrigues. Op. cit., p. 52, nota 16.
[60] GOMES, Fábio Rodrigues. Op. cit., p. 52.
[61] A partir da Segunda Guerra Mundial, acontece um aumento da importância da pessoa humana enquanto aceita como sujeito do Direito Internacional ao lado dos Estados e Organizações Internacionais. Antes de 1945, o direito internacional passou em silêncio pelas questões de direitos humanos, tratando apenas de questões restritas à escravidão e ao trabalho forçado. As questões humanitárias entravam na agenda internacional quando ocorria uma guerra, mas logo se mencionava o problema da ingerência contra um Estado soberano e a discussão morria lentamente. Temas como o respeito às minorias dentro de territórios nacionais e direitos de expressão política não eram abordados para não ferirem o então incontestável e absoluto princípio de soberania. Depois da Segunda Guerra Mundial, o tema "direitos humanos" passou a ser tratado como verdadeira revolução, na medida em que teria colocado o ser humano individualmente considerado no primeiro plano do Direito Internacional Público em um domínio outrora reservado aos Estados nacionais (ARAÚJO, Washington. Nova ordem mundial: novos paradigmas. Brasília: Editora Planeta Paz, 1994. passim).
[62] Para escarecimentos, vale citar o inteiro teor da decisão: “BVERFGE 7, 198 (LÜTH-URTEIL) - Reclamação Constitucional contra Decisão Judicial - 15 de janeiro de 1958. Matéria: O cidadão alemão Erich Lüth, conclamou, no início da década de cinqüenta (à época crítico de cinema e diretor do Clube da Imprensa da Cidade Livre e Hanseática de Hamburgo), todos os distribuidores de filmes cinematográficos, bem como o público em geral, ao boicote do filme lançado à época por Veit Harlan, uma antiga celebridade do filme nazista e coresponsável pelo incitamento à violência praticada contra o povo judeu (principalmente por meio de seu filme ‘Jud Süß’, de 1941). Veit Harlan e os parceiros comerciais do seu novo filme (produtora e distribuidora) ajuizaram uma ação cominatória contra Erich Lüth, com base no parágrafo 826 do Código Civil alemão - BGB. O referido dispositivo da lei civil alemã obriga todo aquele que, por ação imoral, causar dano a outrem, a uma prestação negativa (deixar de fazer algo, no caso, a conclamação ao boicote), sob cominação de uma pena pecuniária. Esta ação foi julgada procedente pelo Tribunal Estadual de Hamburgo. Contra ela, ele interpôs um recurso de apelação junto ao Tribunal Superior de Hamburgo e, ao mesmo tempo, sua Reclamação Constitucional, alegando violação do seu direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento, garantida pelo artigo 5º, nº 1, da Constituição Fundamental alemã (‘artículo 5º - (libertad de opinión, de medios de comunicación, artística y científica): 1) toda persona tiene el derecho a expresar y difundir libremente su opinión oralmente, por escrito y a través de la imagen, y de informarse sin trabas en fuentes accesibles a todos. La libertad de prensa y la libertad de información por radio, televisión y cinematografía serán garantizadas. La censura está prohibida. [...]’ (Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949,). O Tribunal Constitucional Federal alemão - TCF julgou a Reclamação procedente e revogou a decisão do Tribunal Estadual. Trata-se, talvez, da decisão mais conhecida e citada da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão - TCF. Nela, foram lançadas as bases, não somente da dogmática do direito fundamental da liberdade de expressão e seus limites, como também de uma dogmática geral (Parte Geral) dos direitos fundamentais. Nela, por exemplo, os direitos fundamentais foram, pela primeira vez, claramente apresentados, ao mesmo tempo, como direitos públicos subjetivos de resistência, direcionados contra o Estado e como ordem ou ordenamento axiológico objetivo. Também foram lançadas as bases dogmáticas das figuras da Drittwirkung e Ausstrahlungswirkung (eficácia horizontal) dos direitos fundamentais, do efeito limitador dos direitos fundamentais em face de seus limites (Wechselwirkung), da exigência de ponderação no caso concreto e da questão processual do alcance da competência do Tribunal Constitucional Federal alemão - TCF no julgamento de uma Reclamação Constitucional contra uma decisão judicial civil. 1. Os direitos fundamentais são, em primeira linha, direitos de resistência do cidadão contra o Estado. Não obstante, às normas de direito fundamental incorpora-se também um ordenamento axiológico objetivo, que vale para todas as áreas do direito como uma fundamental decisão constitucional. 2. No direito civil, o conteúdo jurídico dos direitos fundamentais desenvolve-se de modo mediato, por intermédio das normas de direito privado. Ele interfere, sobretudo, nas prescrições de caráter cogente e é realizável pelo juiz, sobretudo pela via das cláusulas gerais. 3. O juiz de varas cíveis pode, por meio de sua decisão, violar direitos fundamentais, quando ignorar a influência dos direitos fundamentais sobre o direito civil. O Tribunal Constitucional Federal revisa decisões cíveis somente no que tange a tais violações de direitos fundamentais, mas não no que tange a erros jurídicos em geral. 4. As normas do direito civil também podem ser ‘leis gerais’ na acepção do artigo 5, nº 2, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949 (‘2) estos derechos tienen sus límites en las disposiciones de las leyes generales, en las disposiciones legales adoptadas para la protección de la juventud y en el derecho al honor personal [...]’) e, destarte, limitar o direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento. 5. As ‘leis gerais’ têm que ser interpretadas à luz do significado especial do direito fundamental à livre expressão do pensamento para o Estado livre e democrático. 6. O direito fundamental do artigo 5º, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949 (‘libertad de opinión, de medios de comunicación, artística y científica’) não protege somente a expressão de uma opinião enquanto tal, mas também o efeito intelectual a ser alcançado por sua expressão. 7. Uma expressão do pensamento que contenha uma convocação ao boicote não viola necessariamente os bons costumes na acepção do parágrafo 826 do Código Civil alemão, ela pode ser justificada constitucionalmente, em sede da ponderação de todos os fatores envolvidos no caso, por meio da liberdade de expressão do pensamento. Decisão (Urteil) do Primeiro Senado de 15 de janeiro de 1958 - 1 BvR 400/51 - Dispositivo da decisão: A decisão (Urteil) do Tribunal Estadual de Hamburgo, datada de 22 de novembro de 1951 [...] viola o direito fundamental do reclamante decorrente do artigo 5º, nº 1, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949, sendo, por isso, revogada. A matéria será devolvida ao Tribunal Estadual de Hamburgo [para nova decisão]. Razões: A - o reclamante, à época diretor do conselho e gerente do órgão da imprensa estatal da Cidade Livre e Portuária de Hamburgo, declarou, a 20 de setembro de 1950, por ocasião da abertura da ‘Semana do Filme Alemão’, como presidente do Clube da Imprensa de Hamburgo, perante produtores e distribuidores de filmes, o seguinte: ‘Depois que a cinematografia alemã no terceiro Reich perdeu sua reputação moral, um certo homem é com certeza o menos apto de todos a recuperar esta reputação: Trata-se do roteirista e diretor do filme ‘Jud Süß’. Poupemo-nos de mais prejuízos incomensuráveis em face de todo o mundo, o que pode ocorrer, na medida em que se procura apresentar justamente ele como sendo o representante da cinematografia alemã. Sua absolvição em Hamburgo foi tão somente uma absolvição formal. A fundamentação daquela decisão (já) foi uma condenação moral. Neste momento, exigimos dos distribuidores e proprietários de salas de cinema uma conduta que não é tão barata assim, mas cujos custos deveriam ser assumidos: Caráter. E é um tal caráter que desejo para a cinematografia alemã. Se a cinematografia alemã o demonstrar, provando-o por meio de fantasia, arrojo óptico e por meio da competência na produção, então ela merece todo apoio e poderá alcançar aquilo que precisa para viver: Sucesso junto ao público alemão e internacional’. A firma Domnick-Film-Produktion GmbH, que naquele tempo estava produzindo o filme ‘Unsterbliche Geliebte’ (a amante imortal) segundo o roteiro e sob a direção do diretor de cinema Veit Harlan, exigiu do reclamante que ele desse uma explicação sobre que legitimidade (legal) teria ele ao realizar as declarações supra reproduzidas contra Harlan. O reclamante respondeu, com a Carta de 27 outubro de 1950, entregue à imprensa como ‘carta aberta’, entre outras coisas, o seguinte: ‘O Tribunal do júri não negou o fato de que Veit Harlan foi, por um grande período, o ‘diretor nº 1 da cinematografia nazista’ e que seu filme ‘Jüd Süß’ foi um dos expoentes mais importantes da agitação assassina dos nazistas contra os judeus. Pode ser que dentro da Alemanha e no exterior existam empresários que não fiquem repudiados com um retorno de Harlan. A reputação moral da Alemanha não pode, entretanto, ser novamente arruinada por pessoas inescrupulosas, ávidas por dinheiro. Com efeito, a volta de Harlan irá abrir feridas que ainda não puderam sequer cicatrizar e provocar de novo uma terrível desconfiança que se reverterá em prejuízo da reconstrução da Alemanha. Por causa de todos esses motivos, não corresponde somente ao direito do alemão honesto, mas até mesmo à sua obrigação, na luta contra este representante indigno do filme alemão, além do protesto, mostrar-se disposto também ao boicote’. A Domnick-Film-Produktion GmbH e a Herzog-Film GmbH (esta como distribuidora nacional do filme ‘unsterbliche Geliebte’) ajuizaram, junto ao Tribunal Estadual de Hamburgo, uma ação cautelar com pedido de medida liminar contra o reclamante, liminar esta que lhe proibia: 1. pedir aos proprietários de salas de cinema e empresas de distribuição de filmes que não incluíssem em seus programas o filme ‘Unsterbliche Geliebte’, 2. Conclamar o público alemão a não assistir a este filme. O Superior Tribunal Estadual de Hamburgo indeferiu a apelação do reclamante contra a decisão (Urteil) do Tribunal Estadual. Consoante o pedido do reclamante foi fixado às sociedades cinematográficas um prazo para o ajuizamento da ação (principal). Ajuizada a ação, o Tribunal Estadual de Hamburgo prolatou, no dia 22 de novembro de 1951 a seguinte decisão (Urteil): ‘Condena-se o acusado, sob pena pecuniária a ser fixada judicialmente ou pena de prisão, a deixar 1. de pedir aos proprietários de anfiteatros e empresas de distribuição de filmes que não incluam o filme ‘Unsterbliche Geliebte’, que fora produzido pela autora ‘1’, cuja distribuição nacional fora confiada contratualmente à autora ‘2’ em seus programas, 2. de conclamar o público alemão a não assistir a este filme. (…)’’. O Tribunal Estadual enxerga nas expressões do reclamante uma convocação imoral ao boicote. Seu objetivo teria sido impedir a apresentação de Harlan como ‘criador de filmes representativos’. A convocação do reclamante acarretaria até mesmo ‘que na prática Harlan seria desligado da produção de filmes normais de ficção, pois qualquer filme deste tipo poderia, através do seu trabalho de direção, transformar-se num filme representativo’. Uma vez, entretanto, que Harlan por causa de sua participação no filme ‘Jud Süß’ fora absolvido, tendo essa absolvição transitada em julgado, e em função da decisão no processo de desnazificação (Entnazifizierung), segundo a qual ele não precisaria mais se submeter a nenhuma limitação no exercício de sua profissão, essa atitude do reclamante se chocaria com a ‘democrática concepção moral e jurídica do povo alemão’. Não se teria acusado o reclamante porque ele teria expressado uma opinião negativa sobre a reapresentação de Harlan, mas porque ele convocou o público a, por meio de um certo comportamento, tornar impossível o retorno de Harlan [ao mercado] como diretor de cinema. Tal convocação ao boicote se teria voltado contra as autoras, sociedades civis do setor cinematográfico, pois se a produção do filme em pauta não tivesse retorno financeiro, elas estariam ameaçadas por um sensível prejuízo patrimonial. Os elementos objetivos do tipo de uma ação não permitida [delito civil] do parágrafo 826 do Código Ciil alemão estariam, portanto, presentes no caso, existindo o direito [do autor] à fixação da obrigação do réu de abstenção [das expressões]. O reclamante apelou desta sentença junto ao Superior Tribunal Estadual de Hamburgo. Ao mesmo tempo, impetrou sua Reclamação Constitucional, na qual argúi violação de seu direito fundamental à livre expressão do pensamento (artigo 5º, nº 1, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949. [Segundo sua petição], ele teria feito crítica moral e política em face do comportamento de Harlan e das sociedades cinematográficas. Para tanto ele teria o direito, pois o artigo 5º, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949 não garantiria somente a liberdade do discurso sem a intenção de provocar um efeito, mas justamente a liberdade para a provocação do efeito através da palavra. Suas expressões teriam representado juízos de valor. O tribunal teria erroneamente julgado se a expressão seria correta no que tange ao seu conteúdo e se poderiam ser aceitas, ao passo que relevante seria tão somente julgar se ela seria juridicamente permitida. Isso elas seriam, pois o direito fundamental da liberdade de expressão do pensamento teria um caráter social e garantiria um direito público subjetivo à tomada de influência na formação da opinião pública por ação intelectual e à participação na ‘conformação do povo para com o Estado’. Este direito encontraria seus limites tão somente nas ‘leis gerais’ (artigo 5º, nº 2, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949). Quando por meio da expressão do pensamento se quisesse influenciar a vida pública e política, só poderiam ser consideradas como ‘leis gerais’ aquelas que contivessem normas de direito público, não podendo destas participarem as normas do Código Civil sobre delitos (unerlaubte Handlungen). Ao contrário, aquilo que na esfera do direito civil não seria permitido, poderia ser justificado na esfera do direito público por meio do direito constitucional; os direitos fundamentais, enquanto direitos subjetivos com dignidade constitucional, seriam para o direito civil ‘causas [normativas] superiores de justificação’. […]. B - I. A Reclamação Constitucional é admitida […]. II. O reclamante afirma que o Tribunal Estadual feriu seu direito fundamental à livre expressão do pensamento fundado no artigo 5º, nº 1, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949 por meio de sua decisão [condenatória]. 1. A decisão do Tribunal Estadual, um ato do poder público na forma especial de ato do Poder Judiciário, só pode violar por seu conteúdo um direito fundamental do reclamante se este direito fundamental tivesse que ser observado no momento da formação da convicção judicial. A decisão proibiu ao reclamante expressões por meio das quais ele pudesse induzir outros a se juntarem à sua concepção sobre a volta ao mercado de Harlan, condicionando suas condutas diante de filmes por ele feitos de acordo com essa concepção [ou seja: fazendo com que o público não fosse assistir ao novo filme de Harlan]. Isso significa objetivamente uma limitação na livre expressão de pensamento do reclamante. O Tribunal Estadual fundamenta a sua decisão com o fato de ter considerado as expressões do reclamante como uma ação não permitida [delito civil] segundo o § 826 BGB em face das autoras e reconhecendo a estas, por isso, e com fulcro nas normas do direito civil, o direito à proibição das expressões. Destarte, o direito decorrente da lei civil reconhecido pelo Tribunal Estadual levou, por meio de sua decisão, a uma determinação do poder público que limitou a liberdade de expressão do reclamante. A decisão só pode violar o direito fundamental do reclamante do artigo 5º, nº 1, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949, se as normas aplicadas do direito civil fossem, pela norma de direito fundamental, de tal sorte influenciadas e modificadas em seu conteúdo, que elas não pudessem mais justificar aquela decisão do Tribunal. A questão fundamental, de se saber se normas de direito fundamental exercem um efeito sobre o direito civil e como esse efeito precisaria ser visto em cada caso, é controvertida [...]. As posições mais extremas nesta discussão apresentam-se, de um lado, pela tese de que os direitos fundamentais seriam exclusivamente direcionados contra o Estado; por outro lado, apresenta-se a concepção de que os direitos fundamentais, ou pelo menos alguns, no mínimo os mais importantes entre eles, também valeriam nas relações jurídico-privadas, vinculando a todos. [...]. Também agora não existe motivo para discutir exaustivamente a questão controvertida sobre a ‘eficácia horizontal’. Para se chegar aqui a uma conclusão adequada ao presente problema, basta o seguinte: Sem dúvida, os direitos fundamentais existem, em primeira linha, para assegurar a esfera de liberdade privada de cada um contra intervenções do poder público; eles são direitos de resistência do cidadão contra o Estado. Isto é o que se deduz da evolução histórica da idéia do direito fundamental, assim como de acontecimentos históricos que levaram os direitos fundamentais às constituições dos vários Estados. Os direitos fundamentais da Grundgesetz também têm esse sentido, pois ela quis sublinhar, com a colocação do capítulo dos direitos fundamentais à frente [dos demais capítulos que tratam da organização do Estado e constituição de seus órgãos propriamente ditos], a prevalência do homem e sua dignidade em face do poder estatal. A isso corresponde o fato de o legislador ter garantido o remédio jurídico especial para a proteção destes direitos, a Reclamação Constitucional, somente contra atos do poder público. Da mesma forma é correto, entretanto, que a Grundgesetz, que não pretende ser um ordenamento neutro do ponto de vista axiológico [...] estabeleceu também, em seu capítulo dos direitos fundamentais, um ordenamento axiológico objetivo, e que, justamente em função deste, ocorre um aumento da força jurídica dos direitos fundamentais [...]. Esse sistema de valores, que tem como ponto central a personalidade humana e sua dignidade, que se desenvolve livremente dentro da comunidade social, precisa valer enquanto decisão constitucional fundamental para todas as áreas do direito; Legislativo, Administração Pública e Judiciário recebem dele diretrizes e impulsos. Desta forma, ele influencia obviamente o direito civil. Nenhuma norma do direito civil pode contradizer esse sistema de valores, cada norma precisa ser interpretada segundo o seu espírito. O conteúdo normativo dos direitos fundamentais enquanto normas objetivas desenvolve-se no direito privado por intermédio do veículo (Medium) das normas que dominem imediatamente aquela área jurídica. Assim como o novo direito precisa estar em conformidade com o sistema axiológico dos direitos fundamentais, será, no que tange ao seu conteúdo, o direito pré-existente direcionado a esse sistema de valores; dele flui para esse direito pré-existente um conteúdo constitucional específico, que a partir de então fixará a sua interpretação. Uma lide entre particulares sobre direitos e obrigações decorrentes destas normas comportamentais do direito civil influenciadas pelo direito fundamental permanece, no direito material e processual uma lide cível. Interpretado e aplicado deve ser o direito civil, ainda que sua interpretação tenha que seguir o direito público, a Constituição. A influência dos critérios axiológicos do direito fundamental se faz notar sobretudo em face daquelas normas do direito privado que encerrem direito cogente e que constituam assim uma parte da ordre public lato sensu, i.e., junto aos princípios, os quais, em razão do bem comum, devam ser vigentes também na formação das relações jurídicas entre os particulares e por isso sejam retirados do domínio da vontade privada. Estas normas têm, em razão de seu propósito, um grau de parentesco próximo ao direito público, ao qual elas se ligam de maneira complementar. Elas precisam estar submetidas de modo intenso à influência do direito constitucional. A jurisprudência serve-se sobretudo de ‘cláusulas gerais’ para a realização desta influência, que, como parágrsfo 826 do Código Civil alemão remetem para o julgamento do comportamento humano a critérios extra-cíveis ou até a critérios extra-jurídicos, como os ‘bons costumes’. Pois para a decisão a respeito da questão sobre o que tais mandamentos sociais exigem no caso concreto, tem-se que, em primeiro lugar, partir do conjunto de concepções axiológicas, as quais um povo alcançou numa certa época de seu desenvolvimento cultural e que foram fixadas em sua Constituição. Por isso, foram as cláusulas gerais com propriedade alcunhadas de ‘pontos de entrada’ (Einbruchstellen) dos direitos fundamentais no direito civil [...]. O juiz tem que, por força de mandamento constitucional, julgar se aquelas normas materiais de direito civil a serem por ele aplicadas não são influenciadas pelo direito fundamental da forma descrita; se isso ocorrer, então ele precisa observar a modificação do direito privado que resulta desta influência junto à interpretação e aplicação daquelas normas. Este é o sentido da vinculação do juiz cível aos direitos fundamentais (artigo 1º, nº 3, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949). Se ele falhar na aplicação destes critérios e se sua sentença se basear na inobservância desta influência constitucional sobre as normas de direito civil, ele irá não somente infringir o direito constitucional objetivo, na medida em que ignorará o conteúdo da norma de direito fundamental (enquanto norma objetiva), mas também violará, por meio de sua decisão e uma vez investido do poder público, o direito fundamental a cuja observância pelo Judiciário o cidadão também tem o direito subjetivo constitucional. Contra uma tal decisão, o Tribunal Constitucional Federal pode ser acionado pela via da Reclamação Constitucional sem afetar o afastamento do erro de direito [que é da competência exclusiva das instâncias ordinárias] pelas instâncias cíveis. O tribunal constitucional tem que julgar se o tribunal ordinário avaliou de maneira procedente o alcance e a eficácia dos direitos fundamentais na área do direito civil. Disso resulta ao mesmo tempo a limitação de seu exame revisional: Não é da competência do tribunal constitucional julgar as decisões dos juízes cíveis em sua plenitude no que tange a erros de direito; o Tribunal Constitucional precisa avaliar tão somente o chamado ‘efeito de radiação’ (Ausstrahlungswirkung) dos direitos fundamentais no direito civil e fazer valer também para aquele ramo jurídico o conteúdo axiológico da prescrição constitucional. O sentido do instituto da Reclamação Constitucional é fazer com que todos os atos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário possam ser avaliados no que tange à sua consonância com os direitos fundamentais (parágrafo 90 BVerfGG). Tampouco o Tribunal Constitucional Federal é competente para agir contra os tribunais cíveis enquanto instância revisional ou mesmo super-revisional; tampouco pode ele isentar-se em geral do exame superveniente destas decisões e passar ao largo de uma em si já praticada inobservância de normas e critérios de direito fundamental. 2. A problemática da relação dos direitos fundamentais com o direito privado parece colocada de maneira diferente no caso do direito fundamental da livre expressão do pensamento (artigo artigo 5º, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949). Esse direito fundamental é garantido pela Constituição - assim como o fora na Constituição de Weimar (lá, pelo seu artigo 118) somente dentro dos limites das ‘leis gerais’ (artigo 5º, nº 2, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949). Mesmo antes de perscrutar quais leis são ‘leis gerais’ neste sentido, poder-se-ia defender a posição de que em tal caso a Constituição mesma, por meio da remição ao limite das leis gerais limitou, desde o início, a vigência dos direitos fundamentais àquela área à qual os tribunais, por sua interpretação destas leis, ainda os deixa. A conclusão desta interpretação precisaria ser aceita, ainda que ela representasse uma limitação do direito fundamental, não podendo, por isso, jamais ser considerada como uma ‘violação’ do direito fundamental. Este não pode ser, no entanto, o sentido da referência às ‘leis gerais’. O direito fundamental à livre expressão do pensamento é, enquanto expressão imediata da personalidade humana, na sociedade, um dos direitos humanos mais importantes (un des droits les plus précieux de l’homme, segundo o artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789). Ele é elemento constitutivo, por excelência, para um ordenamento estatal livre e democrático, pois é o primeiro a possibilitar a discussão intelectual permanente, a disputa entre as opiniões, que é o elemento vital daquele ordenamento. (BVerfGE 5, 85 [205]). Ele é, num certo sentido, a base de toda e qualquer liberdade por excelência, ‘the matrix, the indispensable condition of nearly every other form of freedom’ (Cardozo). Deste significado primordial da liberdade de expressão do pensamento resulta para o Estado livre e democrático que, partindo da visão deste sistema constitucional, não seria procedente deixar o alcance material, principalmente deste direito fundamental, passível de qualquer relativização por parte da lei ordinária (e com isso necessariamente por meio da jurisprudência dos tribunais que interpretam as leis). Pelo contrário, aqui também vale o princípio que foi acima desenvolvido genericamente para a relação dos direitos fundamentais com o ordenamento de direito privado: As leis gerais precisam ser interpretadas, no que tange ao seu efeito limitador dos direitos fundamentais, de tal forma a garantir que o conteúdo axiológico deste direito, que, na democracia liberal fundamenta uma presunção a favor da liberdade do discurso em todas as áreas, vale dizer, sobretudo na vida pública, seja sempre protegido. A relação recíproca entre o direito fundamental e a ‘lei geral’ não deve ser entendida, portanto, como uma limitação unilateral da vigência do direito fundamental por meio das ‘leis gerais’; ocorre, pelo contrário, um efeito de troca recíproca ou sinalagmático (Wechselwirkung) no sentido de que se as ‘leis gerais’ colocam, de um lado, limites ao direito fundamental segundo o teor do dispositivo constitucional, por outro, elas mesmas precisam ser por sua vez interpretadas e, devido ao reconhecimento do significado axiológico deste direito fundamental no Estado livre e democrático, limitadas naqueles pontos onde manifestarem seus efeitos limitadores do direito fundamental. [...]. 3. O conceito da ‘lei geral’ sempre foi controverso. Não se faz necessário saber se o termo chegou ao artigo 118, da Constituição de 1919 (Weimarer Reichsverfassung) por causa de um lapso de redação[...]. Em todo caso, ele foi interpretado, durante o período de vigência daquela Constituição, de tal sorte que sob o termo deveriam ser entendidas todas as leis que “não proibissem uma opinião em si, que não se voltassem contra a expressão da opinião em si”, mas que, ao contrário, “servissem à proteção de um bem jurídico por excelência, sem ocupar-se de uma opinião específica”, que servissem à proteção de um valor coletivo que tivesse prevalência sobre a liberdade de expressão [...]. Em sendo o conceito de “leis gerais” assim entendido, então conclui-se como sendo o sentido da proteção do direito fundamental, resumidamente, o seguinte: A concepção segundo a qual somente a expressão de uma opinião é protegida pelo direito fundamental, mas não o efeito pretendido sobre as outras pessoas por meio dela, tem que ser recusada. O sentido da expressão da opinião é justamente deixar o “efeito intelectual atuar sobre o meio”, “mostrar-se convincente e formador de opinião frente à coletividade” (Häntzchel, HdbDStR II, p. 655). Por isso é que os juízos de valor, que sempre têm um efeito intelectual, isto é, objetivam o convencimento dos interlocutores, são protegidos pelo artigo 5º, nº 1, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949; a proteção do direito fundamental se baseia, em primeira linha, no posicionamento do falante que expressa um juízo de valor, por meio do qual ele procura influenciar outras pessoas. Uma separação entre expressão protegida e efeito não protegido da expressão não faria sentido. A assim ‘entendida expressão da opinião como tal, ou seja, no seu efeito puramente intelectual, é livre. Se por ela, entretanto, um bem jurídico de outra pessoa, protegido por lei, cuja proteção merece a prevalência em face da liberdade de expressão, for violado, então a intervenção não deixará de ser permitida, porque ela se efetivou por meio de uma expressão de opinião. Faz-se necessário proceder a uma ‘ponderação de bens jurídicos’: O direito da liberdade de expressão não pode [no caso concreto, n. do org.] se impor, se interesses dignos de proteção de outrem e de grau hierárquico superior forem violados por intermédio do exercício da liberdade de expressão. Para se verificar a presença de tais interesses mais importantes, tem-se que analisar todas as circunstâncias do caso. 4. Partindo deste entendimento, não existe problema em reconhecer também, em relação a normas de direito civil, a qualidade de ‘leis gerais’ na acepção do artigo 5º, nº 2, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949. Se isso ainda não aconteceu na literatura [...] quer dizer que os autores só viam os direitos fundamentais em seu efeito havido entre o cidadão e o Estado, pois coerentemente com essa postura só eram consideradas leis gerais limitadoras aquelas que regravam a ação do Estado em face do indivíduo, ou seja, leis de direito público. Se, no entanto, o direito fundamental da livre expressão do pensamento também tem um efeito nas relações jurídicas de direito privado, e sua importância se revela aqui em prol da admissibilidade de uma expressão do pensamento também em face de cada co-cidadão, então precisa ser também observado de outro lado o eventual efeito contrário, qual seja: o efeito limitador do direito fundamental, próprio de uma norma de direito privado, desde que ela exista para a proteção de bens jurídico superiores. Não se poderia aceitar o fato de prescrições do direito civil que protejam a honra ou outros bens jurídicos substanciais da personalidade humana não poderem ser consideradas suficientes para colocar limites ao exercício do direito fundamental da livre expressão do pensamento sem que, para o mesmo propósito, prescrições penais tivessem que ser fixadas. O reclamante teme que, através da limitação da liberdade da expressão em face de um indivíduo, se pudesse trazer o risco de o cidadão ver a sua possibilidade de influenciar a opinião pública pela expressão de sua opinião reduzida a um grau ínfimo e por isso a liberdade indispensável da discussão pública de questões importantes para a coletividade não restaria mais garantida. Este perigo existe de fato [...]. Para enfrentá-lo, não é necessário, entretanto, que o direito civil seja no geral tirado deste grupo das leis gerais. Necessário é aqui também tão somente que o conteúdo de liberdade do direito fundamental seja defendido com conseqüência. O direito fundamental terá que pesar na balança, sobretudo naqueles casos onde seu uso não se realizar em função de desentendimentos privados, mas naqueles casos onde aquele que se expressa quer, em primeira linha, contribuir para a formação da opinião pública de modo que o eventual efeito de sua expressão nas relações jurídicas privadas de um outro seja somente uma conseqüência inevitável, mas não represente o escopo por excelência de sua expressão. Justamente neste contexto é relevante a relação entre o propósito e o meio. A proteção de bem jurídico privado pode e deve ser afastada quanto mais a expressão não for diretamente voltada contra este bem jurídico privado, nas relações privadas, principalmente nas relações econômicas e na busca de objetivos egoísticos, mas, pelo contrário, se trate de uma contribuição para a luta intelectual das opiniões no contexto de uma questão essencial para a opinião pública, feita por uma pessoa legitimada para tanto; neste ponto existe a presunção pela admissibilidade da livre expressão. Conclui-se, portanto: Mesmo decisões de um juízo cível, que com fundamento em ‘leis gerais’ do direito civil chegue, em conclusão, a uma limitação da liberdade de expressão, podem violar o direito fundamental do artigo 5º, nº 1, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949. Também o juiz cível tem que sempre ponderar o significado do direito fundamental em face do valor do bem jurídico protegido pela lei geral para aquele que por meio da expressão fora supostamente ferido. A decisão só pode brotar desta visão completa do caso concreto, observando-se todos os fatores substanciais. Uma ponderação incorreta pode violar o direito fundamental e assim fundamentar a Reclamação Constitucional junto ao Tribunal Constitucional Federal. III - O julgamento do presente caso a partir das exposições gerais supra desenvolvidas traz como conclusão que a argüição do reclamante é fundamentada [...]. 1. [...]. 2. [...]. Para a solução da questão de se saber se a convocação ao boicote segundo esses critérios é imoral [‘sittenwidrig’ - por violar os ‘bons costumes’], faz-se necessário verificar os motivos, o objetivo e a finalidade das expressões. Além disto, deve-se examinar se o reclamante, na busca de seus objetivos, não ultrapassou a medida necessária e adequada do comprometimento dos interesses de Harlan e das sociedades cinematográficas. a) com certeza não têm, os motivos que levaram o reclamante às suas expressões, nada de imoral. O reclamante não perseguiu nenhum interesse de natureza econômica; ele não se encontrava em uma relação de concorrência nem com as sociedades cinematográficas, nem com Harlan. Até mesmo o tribunal estadual verificou, em sua decisão nos autos do processo da ação cautelar, que a audiência não revelou nada no sentido de se concluir que o reclamante teria agido em função de ‘motivos indignos ou egoísticos’. Isto não foi contestado por nenhuma das partes. b) o objetivo das expressões do reclamante foi, como ele mesmo afirma, impedir que Harlan se firmasse como representante significativo da cinematografia alemã; ele queria impedir que Harlan fosse de novo apresentado como criador de filmes alemães e com isso surgisse a impressão de que um novo crescimento da cinematografia alemã tivesse que ser necessariamente ligado à pessoa de Harlan. Os tribunais não podem julgar se a fixação deste objetivo é aceitável do ponto de vista material, mas tão somente se a sua manifestação na forma escolhida pelo reclamante fora juridicamente admissível. As expressões do reclamante precisam ser observadas no contexto de suas intenções políticas gerais e de política cultural. Ele agiu em função da preocupação de que o retorno de Harlan pudesse ser interpretado - sobretudo no exterior - como se na vida cultural alemã nada tivesse mudado desde o tempo nacional-socialista: Como naquele tempo, Harlan seria também novamente o diretor representativo da cinematografia alemã. Estas preocupações correspondiam a uma questão muito substancial para o povo alemão; em suma: a questão de sua postura moral e sua imagem no mundo naquela época. Nada comprometeu mais a imagem alemã do que a perseguição maldosa dos judeus pelo nacional-socialismo. Existe, portanto, um interesse decisivo de que o mundo saiba que o povo alemão abandonou essa postura e a condena, não por motivos de oportunismo político, mas por causa do reconhecimento de sua hediondez, reconhecimento este firmado sobre uma guinada axiológica intrínseca. c) - d) [...]. IV - O Tribunal Constitucional Federal chegou, pelo exposto, à convicção de que o Tribunal Estadual desconheceu, no julgamento do comportamento do reclamante, o significado especial do direito fundamental à livre expressão do pensamento, que também alcança o caso em que ele entra em conflito com interesses privados. A decisão do Tribunal Estadual fundamenta-se nesta falha de aferição e uso dos critérios próprios do direito fundamental e, destarte, viola o direito fundamental do reclamante do artigo 5º, nº 1, da Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha, 23 de maio de 1949. Portanto, deve ser revogada (LIMA, George Marmelstein. 50 Anos do Caso Lüth: o caso mais importante da história do constitucionalismo alemão pós-guerra. Artigo publicado em 2008. Disponível em: <http://direitosfundamentais.net/2008/05/13/50-anos-do-caso-luth-o-caso-mais-importante-da-historia-do-constitucionalismo-alemao-pos-guerra/>. Acesso em: 28 out. 2010).
[63] “A teoria axiológica situa os direitos fundamentais como uma ordem objetiva de valores, dotados de unidade material, cujo conteúdo decorre do fundamento axiológico de um processo contínuo de integração da sociedade. O alemão Rudolf Smend (1851-1913) é apontado na atualidade como seu grande idealizador por sua teoria da integração (Integrationslehre), de onde se extraem os pressupostos teóricos para uma interpretação axiológica dos direitos fundamentais. Nesse contexto, o Estado é encarado a partir de uma visão dinâmica, submetendo-se a um processo contínuo de integração pessoal, funcional e material. A Constituição, na condição de norma essencialmente política, segue a mesma linha e eleva os direitos fundamentais a uma condição peculiar para o desenvolvimento desta última integração (material). Segundo esse paradigma, os direitos fundamentais nada mais são que normas objetivas que exprimem valores sociais constitucionalizados a partir de decisões axiológicas integradoras e inspiradoras de toda ordem constitucional. Na Alemanha, a sistematização da teoria axiológica tem como referência o famoso caso Lüth, onde se consignou que a Lei Fundamental, que não pretende ser uma ordem neutra de valores, tem estabelecido uma ordem objetiva de valores e que precisamente com isso se situa manifestamente um fortalecimento da pretensão de validez dos direitos fundamentais. Este sistema de valores, que encontra seu núcleo na personalidade humana que se desenvolve livremente no interior da comunidade social e em sua dignidade, deve reger em todos os âmbitos do direito como decisão constitucional fundamental; a legislação, a administração e a jurisdição recebem direção e impulso” (VICTORINO, Fábio Rodrigo. Evolução da teoria dos direitos fundamentais. In: Revista CEJ, ano XI, nº 39, p. 10-21. Brasília: CEJ, out./dez. 2007. p. 15).
[64] “Essa é a condenação filosófica de Jürgen Habermas (1929-) ao se opor à adaptação dos princípios jurídicos a valores e à conseqüente substituição dos juízos normativos deônticos (de dever ser) por juízos axiológicos, guiados simplesmente por aquilo que é bom” (VICTORINO, Fábio Rodrigo. Op. cit., p. 16).
[65] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 510.
[66] Por exemplo, Robert Alexy não renega a teoria axiológica dos direitos fundamentais, apenas não a considera como adequada enquanto pontualmente considerada: “sin embargo, una tal utilización no racional es solo una posibilidad pero no una necesidad vinculada con principios objetivos del nivel supremo de abstracción. Es igualmente posible que los principios abstractos, en tanto puntos de partida de una fundamentación racional. encuentren una aplicacion en la que se indiquen y justifiquen las premisas precisantes. En ese caso, su aceptacion promueve la racionalidad y no la reduce. For ello, la aceptacion de un orden valorativo objetivo bajo la forma de principios objetivos supremos no es en si nada no-racional sino algo sumamente incomplete que puede ser utilizado tanto en una forma racional como no-racional. Por eso, la tesis según la cual a las disposiciones iusfundamentales hay que adscribir principios supremos que irradian en todos los ambitos del sistema juridico no es ni falsa ni inadecuada sino que solo dice muy poco. Quedan pendientes las cuestiones de saber de qué forma se lleva a cabo esta influencia y qué contenido tiene” (ALEXY, Robet. Op. cit., p. 510).
[67] A “sociedade do risco” (Risikogesellschaft) expressão do sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-), é definida a partir de um conceito de modernidade industrial essencialmente simples, irracional e irreflexivo, que evolui para um segundo estágio, agora complexo, reflexivo e racional, cenário onde emerge a necessidade de se idealizar mecanismos capazes de promover a compatibilização dos riscos às garantias individuais e coletivas (MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e Direito Penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 29). Desde a enorme difusão da obra de Ulrich Beck, é lugar comum caracterizar o modelo social pós-industrial em que vivemos como “sociedade do risco” ou “sociedade de risco” (Risikogesellschaft). Em efeito, a sociedade atual aparece caracterizada, basicamente, por um marco econômico rapidamente cambiante e pelo aparecimento de avanços tecnológicos sem comparação em toda a história da humanidade. O extraordinário desenvolvimento da técnica teve e segue tendo, obviamente, repercussões diretas num incremento do bem-estar individual. Como também as tem a dinamização dos fenômenos econômicos. Sem embargo, convém não ignorar suas consequências negativas. Dentre elas, a que aqui interessa ressaltar é a configuração do “risco de procedência humana como fenômeno social estrutural”. Isso, pelo fato de que boa parte das ameaças a que nós cidadãos estamos expostos provém, precisamente, de decisões que outros concidadãos adotam no manejo dos avanços técnicos: riscos mais ou menos diretos para os cidadãos (como consumidores, usuários, beneficiários de prestações públicas, etc.) que derivam das aplicações técnicas dos desenvolvimentos da indústria, da biologia, da genética, da energia nuclear, da informática, das comunicações, etc. Mas também, porque a sociedade tecnológica, crescentemente competitiva, despreza à marginalidade a não poucos indivíduos que imediatamente são percebidos pelos demais como fonte de riscos pessoais e patrimoniais (SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del Derecho Penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. 2. ed., rev. e ampl. España: Civitas, 2001.p. 26-28).
[68] VICTORINO, Fábio Rodrigo. Op. cit., p. 17.
[69] ALEXY, Robet. Op. cit., p. 37-38.
[70] GOMES, Fábio Rodrigues. Op., cit., p. 53.
[71] GOMES, Fábio Rodrigues. Op., cit., p. 53.
[72] “Actuatmente se acepta, en general, que las normas iusfundamentales influyen en la relación ciudadano/ciudadano y, en este sentido, tienen un efecto en terceros o un efecto horizontal. Lo que se discute es como y en qué medida ejercen esta influencia. En la cuestion acerca de cómo las normas iusfundamentales influyen en la relacion ciudadano/ciudadano, se trata de un problema de constructión. La cuestión acerca de en que medida lo hacen formula un problema material, es decir, un problema de colisión. Tanto el problema de construcción como el de colisión resultan de una diferencia fundamental entre la relacion Estado/ciudadano y la relacion ciudadano/ciudadano. La relación Estado/ciudadano es una relacion entre un titular de derecho fundamental y un no titular de derecho fundamental. En cambio, la relación ciudadano/ciudadano es una relacion entre titulares de derechos Fundamentales” (ALEXY, Robet. Op. cit., p. 510-511).
[73] Robert Alexy distingue apenas três teorias que segundo ele tentam resolver o problema de construção do “como” as normas de direito fundamental influem na relação entre cidadão e cidadão. São elas: a) de efeito mediato em terceiros, cujos principais representantes são Günther Düring e o Tribunal Constitucional alemão: teoria da aplicação indireta ou mediata (mittelbare Drittwirkung); b) de efeito imediato: teoria da aplicação direta ou imediata (unmittelbare Drittwirkung), que tem como principais defensores Hans Carl Nipperdeym (1895-1968) e a Câmara Primeira do Tribunal Federal do Trabalho alemão; e c) de efeito produzido através de direitos frente ao Estado, proposta por Jürgen Schwabe: teoria dos deveres de proteção (Schutzpflicht) (ALEXY, Robet. Op. cit., p. 511-512).
[74] A disciplina da teoria que vincula os particulares aos direitos fundamentais veio a ser tratada com certa autonomia jurídica a partir da dogmática e da jurisprudência construídas na década de 50 do século XX, cujo impulso decisivo se deu na República Federal da Alemanha, sob a denominação de Drittwirkung der Grundrechte (eficácia externa dos direitos fundamentais), a partir de diversas decisões do Tribunal Federal do Trabalho, influenciado principalmente pela antológica decisão do Tribunal Constitucional Alemão no Caso Lüth, em 1958. È preciso destacar que na doutrina alemã são vislumbradas duas realidades distintas: a Drittwirkung der Grundrechte (eficácia externa dos direitos fundamentais) e a Horizontalwirkung der Grundrechte (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). A eficácia horizontal dos direitos fundamentais significa algo mais que a eficácia externa dos direitos fundamentais, ou seja, não trata apenas de atribuir efeito externo aos direitos fundamentais, mas também de determinar que os direitos fundamentais valham nas relações verticais estabelecidas entre os particulares e o Estado e também nas relações interprivadas, ao nível das relações bilaterais e horizontais estabelecidas entre os particulares. Com efeito, sua atuação é mais marcante limitadora da autonomia privada e da correspondente liberdade negocial (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 31).
[75] VIEIRA, Carolina Fontes. Vinculação dos particulares a direitos fundamentais. Coimbra: Universidade de Coimbra, junho de 2006. p. 4.
[76] “É oportuno aqui, [...] um aprofundamento conceitual da efetividade. Os fatos jurídicos resultantes de uma manifestação de vontade denominam-se atos jurídicos. Quando emanados do Poder Público, tais atos serão legislativos, administrativos ou judiciais. Classicamente, os atos jurídicos comportam análise científica em três planos distintos e inconfundíveis: o da existência, o da validade e o da eficácia. Não é possível, nesta instância, aprofundar esses conceitos. Faz-se apenas o registro de que a existência do ato jurídico está ligada à presença de seus elementos constitutivos (normalmente, agente, objeto e forma) e a validade decorre do preenchimento de determinados requisitos, de atributos ditados pela lei. A ausência de algum dos requisitos conduz à invalidade do ato, à qual o ordenamento, considerando a maior ou menor gravidade, comina as sanções de nulidade ou anulabilidade. De maior interesse para os fins aqui visados é a eficácia dos atos jurídicos, o terceiro plano de análise, que se traduz na sua aptidão para a produção de efeitos, para a irradiação das conseqüências que lhe são próprias. Eficaz é o ato idôneo para atingir a finalidade para a qual foi gerado. Tratando-se de uma norma, a eficácia jurídica designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, os seus efeitos típicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; neste sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma. Atente-se bem: a eficácia refere-se à aptidão, à idoneidade do ato para a produção de seus efeitos. Não se insere no seu âmbito constatar se tais efeitos realmente se produzem. [...]. A efetividade significa, portanto, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 235 e ss.).
[77] AZEVEDO, Antônio Junqueira. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 23.
[78] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 108.
[79] REALE, Miguel. Op. cit., p. 108.
[80] NOVELINO, Marcelo. Hermenêutica constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 130.
[81] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 114.
[82] NOVELINO, Marcelo. Op. cit., p. 130.
[83] GORDILLO, Agustín. Derechos humanos. 4. ed. Buenos Aires: Fundación de derecho administrativo, 1999. p. III-4 - III-7.
[84] SILVA, Virgílio Afonso. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Mandamentos, 2008. p. 57-58.
[85] SARLET, Ingo Wolfgang. A influência dos direitos fundamentais no direito privado: o caso brasileiro. In: MONTEIRO, Antônio Pinto (org.). Direitos fundamentais e direito privado: uma perspectiva de direito comparado. Portugal: Almedina, 2007. p. 111-144.
[86] SARMENTO, Daniel Antonio de Moraes. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p. 297.
[87] Também chamada de “interpretação literal, semântica ou filológica”, a interpretação gramatical se preocupa com a letra, se baseia na letra da lei. O método gramatical funda-se na linguística, a partir de uma idéia sintática da norma jurídica, e visa examinar a pontuação, a etimologia e a colocação das palavras. Figura como premissa da corrente hermenêutica formalista, com assento na ideia básica de que a lei possui um sentido unívoco nela objetivado, cabendo ao intérprete apenas desvelar o seu real significado. Silvio Rodrigues afirma que “a interpretação gramatical consiste em proceder a meticuloso exame do texto, para dele extrair a precisa vontade do legislador, procura-se o sentido exato de cada vocábulo, examina-se a pontuação, tentando estabelecer o que efetivamente a regra determina” (RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: parte geral. 32 ed., v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 25).
[88] Segundo Perces Barba Martínez (apud BELLO FILHO, Ney de Barros. A eficácia horizontal do direito fundamental ao ambiente. Publicado pelo Ambiente Pleno em 21 de agosto de 2008. Disponível em: http://ambientepleno.com.br/main_online_frame.php?home=artigos&secao=1&page=/main_artigos_index.php?PID=198776>. Acesso em: 04 nov. 2010. p. 1), “não é correto utilizar a expressão eficácia pela só razão de que não se trata de eficácia no sentido processual, e não está em discussão os meios de tutela para a afirmação dos direitos fundamentais. O correto talvez fosse falar em validez ou validade das normas de direitos fundamentais sobre as relações privadas”. Mas como observa Ingo Wolfgang Sarlet (apud BELLO FILHO, Ney de Barros. Op. cit., p. 1), mencionar eficácia ou validez não é de todo defensável por que ambos os termos não expressam exatamente o que se pretende afirmar. Eficácia, no direito brasileiro, diz respeito à aptidão da norma para produzir efeitos e não possibilidade processual de efetivação. Desta feita, ambas as hipóteses terminológicas incorrem em críticas procedentes. De qualquer sorte não há consenso terminológico, até por que privatização dos direitos humanos ou vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais terminam por não abordar integralmente todos os ângulos da questão.
[89] BELLO FILHO, Ney de Barros. Op. cit., p. 1.
[90] BELLO FILHO, Ney de Barros. A eficácia horizontal do direito fundamental ao ambiente. Publicado pelo Ambiente Pleno em 21 de agosto de 2008. Disponível em: http://ambientepleno.com.br/main_online_frame.php?home=artigos&secao=1&page=/main_artigos_index.php?PID=198776>. Acesso em: 04 nov. 2010. p. 1.
[91] Constitution of the United States – Amendment XIII, section 1. “Note: A portion of Article IV, section 2, of the Constitution was superseded by the 13th amendment”. Disponível em: <http://www.archives.gov/exhibits/charters/constitution_amendments_11-27.html>. Acesso em: 2010.
[92] Bill of Rights. “During the debates on the adoption of the Constitution, its opponents repeatedly charged that the constitution as drafted would open the way to tyranny by the central government. Fresh in their minds was the memory of the British violation of civil rights before and during the Revolution. They demanded a "bill of rights" that would spell out the immunities of individual citizens”. Disponível em: < ttp://www.archives.gov/exhibits/charters/bill_of_rights_transcript.html>. Acesso em: 2010.
[93] UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos privados? – Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª Edição. Rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2006, p.320.
[94] U.S. Supreme Court. Marshal v. Alabama. 326. U.S. 501 (1946). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/326/501/case.html>. Acesso em: 2010.
[95] Cf. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra S/A. 1997.
[96] Professor: Duke University School of law. C.V.: <http://www.law.duke.edu/fac/chemerinsky/cv>.
[97] CHEMERINSKY, Erwin. Rethinking State Action. Northwestern University Law Review - Volume 80. 1985, p.540. Cf. Modern Cosntitutional Theory: A Reader. Disponível em: <http://eprints.law.duke.edu/archive/00000802/01/80_Nw._U._L._Rev._503_(1985-1986).pdf>. Acesso em: 2010.
[98] “…judicial balancing conceives of law as an instrument to achieve human purposes, not as an end into itself… however, remains primitive in its analysis of facts. Too many instances of constitutional interpretation--especially ones under a balancing approach--fail to adequately explore and develop the facts. Judicial balancing often is not a detailed exploration into a problem, but an attempt by overworked judges to guess, hypothesize, and make policy from untested assumptions about the facts.” SOLOVE, J. Daniel. The Darkest Domain: Deference, Judicial Review, and the Bill of Rights. 84 IOWA L. REV. 941 (1999). Disponível em: < http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=693281>. Acesso em: 2010.
[99] CHEMERINSKY, loc. cit.
[100] Ibidem, p. 546-547.
[101] Vislumbra-se uma nova legitimação eficacial da lege, ou seja, as normas estruturadoras do ordenamento jurídico retiram seu grau de eficácia e limitações implícitas dos direitos fundamentais, constitucionalmente positivados.
[102] UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos privados? – Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª Edição. Rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2006, p.309.
[103] Cf. LEISNER, Walter. Grundrechte und Privatrecht. München: C.H. Beck. 1960.
[104] UBILLOS, loc. cit.
[105] Günter Dürig, Claus-Wilhelm Canaris, José Joaquim Gomes Canotilho.
[106] HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado, 1995 apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2006, p.199.
[107] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos Sobre Direitos Fundamentais – Coimbra Editora. 2004, p.147.
[108] Ibidem, p. 149.
[109] UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos privados? – Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª Edição. Rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2006, p.311.
[110] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2006, p.199.
[111] BÖCKENFÖRD, Ernst-Wolfang, 1993 apud UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos privados? – Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª Edição. Rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2006, p.312.
[112] BOMHOFF. Jacco. Lüth’s 50th Anniversary: Some Comparative Observations on the German Foundations of Judicial Balancing. Disponível em: < http://www.germanlawjournal.com/article.php?id=900>. Acesso em: 2010.
[113] Cf. FCC <http://www.bundesverfassungsgericht.de>.
[114] UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos privados? – Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª Edição. Rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2006, p.315.
[115] Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2006, p.216.
[116] UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos privados? – Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª Edição. Rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2006, p.319.
[117] Cf. TARTUCE, Flávio. Tendências do Novo Direito Civil: Uma Codificação para o 3° Milênio. Compreendendo a Nova Codificação. Neste artigo o professor abrange a codificação do direito privado e o sistema de cláusulas abertas do Novo Código Civil. Disponível em: < http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/tendencias_site.doc>. Acesso em: 20 nov. 2007.
[118] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 5°, §1°. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 2010.
[119] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 7ª Edição. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.285.
[120] Constituição da República Portuguesa. Sétima revisão constitucional – 2005. Disponível em: <http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Portugal/Sistema_Politico/Constituicao/>. Acesso em: 2010.
[121] Constitución de la República. Constitución 1967 con las modificaciones plebiscitadas el 26 de noviembre de 1989, el 26 de noviembre de 1994, el 8 de diciembre de 1996 y el 31 de octubre de 2004 Disponível em: < http://www.parlamento.gub.uy/constituciones/const004.htm>. Acesso em: 2010.
[122] Constitución Española. Disponível em: <http://www.senado.es/constitu/index.html>. Acesso em: 17 dez. 2007.
[123] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2006, p.237.
[124] Cf. RE 161.243-6/DF, RE 158215-4/RS.
[125] RE 201819 / RJ – Rio de Janeiro. STF. Relator para acórdão - Ministro Gilmar Mendes Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=RE.SCLA.%20E%20201819.NUME.&base=baseAcordaos>. Acesso em: 15 mar. 2007.
[126] RE 352940/SP. Relator Ministro Carlos Veloso. Informativo 385 do STF. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/arquivo/informativo/documento/informativo385.htm#transcricao1>. Acesso em: 2010.
[127] Apud. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2006, p.254.
[128] Recurso de Amparo contra atos de particulares, Samuel Kot. 05 de setembro de 1958. Disponível em: <http://falloscsn.blogspot.com/2005/08/samuel-kot-1958.html>. Acesso em: 2010.
[129] UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿En qué medida vinculan a los particulares los derechos privados? – Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: Ingo Wolfgang Sarlet. 2ª Edição. Rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed. 2006, p.331.
[130] STC 20/2002. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/jurisprudencia/Stc2002/STC2002-020.html>. Acesso em: 2010.
[131] Constituzione della Repubblica Italiana. Principi Fondamentali, art. 2. Disponível em: <http://www.senato.it/documenti/repository/costituzione.pdf>. Acesso em: 2010.
[132] Sentenza 122/1970. Disponível em: <http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/scheda Dec.asp?Comando=RIC&bVar=true&TrmD=&TrmDF=&TrmDD=&TrmM=&iPagEl=57&iPag=1708>. Acesso em: 2010.
[133] Sentenza 202/1991. Disponível em: < http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce scheda_indice.asp?sez=indice&Comando=LET&NoDec=202&AnnoDec=1991&TrmD=&TrmM=>. Acesso em 2010.
[134] Apud. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2006, p.210.
Professora de Direitos Humanos. Professora de Antropologia Juríca. Professora de Economia Política. Dra Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA _Buenos Aires.<br>CV: http://lattes.cnpq.br/9213011450572493<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Luzia Gomes da. Estudo comparativo das teorias da eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34455/estudo-comparativo-das-teorias-da-eficacia-dos-direitos-fundamentais-no-ambito-das-relacoes-privadas. Acesso em: 26 dez 2024.
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