Busca-se, por meio do presente artigo, tecer breves considerações acerca do meio ambiente do trabalho e proteção a ele dispensada pela Constituição Federal de 1988.
Analisar-se-á, ainda, em linhas gerais, o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho acerca do adicional de insalubridade, em especial no que concerne ao agente radiação solar, consubstanciado na nova redação atribuída à Orientação Jurisprudencial 173 da SDI-1 (redação alterada em 09/2012).
Da proteção ao meio ambiente do trabalho
A Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, pode ser considerada o marco jurídico fundamental sobre a proteção do meio ambiente no Brasil[1]. Em que pese a inexistência menção expressa, o diploma em comento traz conceitos e princípios perfeitamente aplicáveis ao meio ambiente do trabalho, a exemplo dos seguintes dispositivos:
Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
(...)
Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
(...)
No entanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, a proteção do meio ambiente, elevada a nível constitucional, passou a abranger, de maneira expressa, o meio ambiente do trabalho. É o que se denota dos artigos 200, inciso VIII e 225 da Constituição Federal, cujo teor se transcreve:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
(...)
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Consagrando a primazia do princípio da prevenção na seara do Direito Ambiental do Trabalho, o artigo 7º, inciso XXII, da Lei Maior, prevê, ainda, como direito fundamental dos trabalhadores “a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”[2].
Portanto, percebe-se que, a partir da entrada em vigor da Carta Magna de 1988, houve uma mudança de enfoque no que concerne ao meio ambiente do trabalho no Brasil, que era principalmente monetário e individualista, consistente, basicamente no pagamento de adicionais indenizações posteriores ao dano – prática conhecida como “monetização do risco do trabalho” – passando a vigorar dois sistemas distintos e complementares[3].
O primeiro, com prioridade, refere-se à prevenção dos riscos no meio ambiente de trabalho, de modo a preservar o direito fundamental à saúde do trabalhador, consoante se denota dos artigos 7º, XXII e 196 da Constituição Federal.
Depois, caso essa prevenção não ocorra ou não atinja os efeitos desejados, aplica-se o segundo sistema – reparatório –, que visa compensar a vítima, além de compelir o empregador a implementar mudanças, já que a monetização pode ser considerada um fim em si mesma.
No ponto, Sebastião Geraldo de Oliveira, analisando o direito comparado, assevera que “o legislador adotou três estratégias básicas diante dos agentes agressivos: a) aumentar a remuneração para compensar o maior desgaste do trabalhador (monetização do risco); b) proibir o trabalho; c) reduzir a duração da jornada. A primeira alternativa é a mais cômoda e a menos inteligente; a segunda é a hipótese ideal, mas nem sempre possível, e a terceira representa o ponto de equilíbrio cada vez mais adotado”[4].
Ainda a respeito da monetização do risco do trabalho, interessante a observação do Juiz do Trabalho Francisco Milton Araújo Júnior[5], segundo o qual:
“a Constituição Federal de 1988, ao tratar da saúde, segurança e higiene no trabalho, consagra, primeiramente, o direito à ‘redução dos riscos inerentes ao trabalho’ (art. 7º, inciso XXII) e, em seguida, estabelece como devido aos trabalhadores o ‘adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas’ (art. 7º, inciso XXIII).
(...)
Assim, com base na análise dos elementos fático-jurídicos, entendo que a Constituição Federal, ao determinar a redução dos riscos ocupacionais e a monetização do trabalho, estabeleceu que os agentes responsáveis pelo meio ambiente de trabalho (Estado, empregado e empregador) devem sempre buscar as condições de labor que possibilitem a saúde, a segurança e a higiene no trabalho, de modo que os adicionais de risco (insalubridade, penosidade e periculosidade) apenas subsistem como remuneração transitória enquanto os ambientes de trabalho não se tornam ecologicamente equilibrados”.
É nesse sistema reparatório, caracterizado pela monetização do risco, que se insere o adicional de insalubridade.
A questão da radiação solar e o entendimento do TST
Consoante lição do Ministro Maurício Godinho Delgado[6], “os adicionais consistem em parcelas contraprestativas suplementares devidas ao empregado em virtude do exercício do trabalho em circunstâncias tipificadas mais gravosas”.
O adicional de insalubridade, nos termos dos artigos 189 e 190 da CLT, é devido ao trabalhador que presta serviços exposto a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados pelo Ministério do Trabalho. Eis o teor dos referidos dispositivos:
Art. 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
Art. 190 - O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.
Assim, mesmo que a prova técnica comprove que o trabalho do empregado se desenvolve em condições insalubres, o trabalhador não fará jus ao adicional se a atividade apontada pelo laudo não estiver incluída no quadro a que se refere o art. 190 da CLT. Nesse sentido, é o teor da Orientação Jurisprudencial 4, I, da SDI-1/TST:
OJ-SDI1-4. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIXO URBANO (nova redação em decorrência da incorporação da Orientação Jurisprudencial nº 170 da SBDI-1) - DJ 20.04.2005
I - Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho.
(...)
Com base nessa orientação, o Tribunal Superior do Trabalho entende que a radiação solar não é agente insalubre, ao fundamento de que tal agente físico não se encontra previsto na Norma Regulamentadora n. 15, que dispõe sobre as atividades e operações insalubres, em especial no Anexo 7, que enumera as radiações não ionizantes que autorizam a concessão do adicional de insalubridade.
NR-15 – Anexo n. 7
Radiações não ionizantes
1. Para os efeitos desta norma, são radiações não ionizantes as micro-ondas, ultravioletas e laser.
2. As operações ou atividades que exponham os trabalhadores às radiações não ionizantes, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres, em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho.
3. As atividades ou operações que exponham os trabalhadores às radiações da luz negra (ultravioleta na faixa – 400-320 nanômetros), não serão consideradas insalubres.
Por outro lado, o mesmo Tribunal Superior do Trabalho reconhece a insalubridade do desconforto térmico decorrente da exposição solar. Nesse sentido, é o enunciado da Orientação Jurisprudencial n. 173 da SDI-1/TST, em recentíssima redação:
OJ-SDI1-173 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar (art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE).
II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria nº 3214/78 do MTE.
No entanto, há posição contrária que defende que a radiação solar é um agente insalubre, pois, a par de efetivamente ser nociva à saúde, implica radiação ultravioleta, que a seu turno é uma radiação não-ionizante, prevista no Anexo 7 da NR 15.
Nesse sentido, colaciona-se ementa de julgado proferido Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que, não obstante espelhar posição minoritária na jurisprudência, consubstancia entendimento mais consentâneo com a defesa do trabalhador, bem como do respectivo meio ambiente de trabalho:
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. RADIAÇÃO NÃO IONIZANTE. EXPOSIÇÃO HABITUAL E EXCESSIVA A RAIOS SOLARES SEM A DEVIDA PROTEÇÃO. PAGAMENTO DEVIDO NOS TERMOS DO ART. 192 DA CLT. INTERPRETAÇÃO HARMONICA DOS ARTIGOS 1º, IV, 6º, 7º, XXII E 196 DA CF/88, ARTS. 155, 157 E 200 DA CLT, NR 01, 06 E 15 DO TEM, EM PROL DA PROTEÇÃO À SAÚDE E MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.
A exposição excessiva a raios solares e sem a devida proteção caracteriza labor em condições inequivocamente insalubres, pois é considerada pelo anexo 7 da NR 15 DO MTE como radiação não ionizante. Assim, é devido o pagamento do adicional de insalubridade nos termos do art. 192 da CLT, a fim de mitigar os prejuízos à saúde do trabalhador. Conclusão amplamente respaldada pela interpretação harmonia dos dispositivos constitucionais constantes dos artigos 1º, IV, 6º, 7º, XXII e 196, CF/88 e infraconstitucionais estabelecidos nos arts. 155, 157 e 200 da CLT, bem como nas NRs 01, 06 e 15 do MTE, além de amparada por estudos realizados pela organização pan-americana da saúde (OPAS/OMS).
(TRT 15ª Região, RO 0109100-80.2009.5.15.0049, Relatora Des. Tereza
Aparecida Asta Gemignani, decisão 20.03.2013, DJE 29.03.2012).
Com efeito, os prejuízos à saúde dos trabalhadores em atividades a céu aberto são evidentes, como ocorre com cortadores de cana, pescadores e trabalhadores na construção civil, que sofrem com envelhecimento precoce e neoplasias malignas da pele.
Por fim, cumpre destacar que a Lista B do Decreto 3.048/99, que estabelece o Regulamento da Previdência Social, associa “neoplasias malignas da pele” com a exposição às radiações ultravioletas, argumento que parecer corroborar que a radiação solar deve, sim, ser considerada agente insalubre.
Conclusão
Evidencia-se, portanto, que o Tribunal Superior do Trabalho, consoante recente modificação na redação da Orientação Jurisprudencial n. 173 da SDI-1, não reconhece a radiação solar como agente insalubre, por entender não estar contemplada no Anexo 7 da NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego.
No entanto, o mesmo Tribunal reconhece como agente insalubre o desconforto térmico decorrente da exposição solar, por previsão no Anexo 3 da NR-15.
Data venia, entendo que razão assiste ao posicionamento contrário ao da Corte Superior do Trabalho, a exemplo da decisão acima mencionada oriunda do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que defende que a radiação solar é, sim, agente insalubre, pois, além de efetivamente nociva à saúde – o câncer cutâneo ocupacional está associado à exposição solar na Lista B do Regulamento da Previdência Social, Decreto n. 3.048/99 – implica radiação ultravioleta, que, a seu turno, não deixa de ser radiação não ionizante, prevista no Anexo 7 da NR-15.
[1] MELO, Raimundo Simão de. Responsabilidade civil do empregador pelos danos do meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador. Estudos aprofundados MPT. Salvador: Juspodivm, 2012. P. 138.
[2] ALCURE, Fábio Aurélio da Silva; SATO, Juliana Patrícia. Meio ambiente do trabalho: apontamentos sobre responsabilidade preventiva e sua extensão. Revista do Ministério Público do Trabalho. Brasília: LTr, Março/2011. P. 176.
[3] MELO, Raimundo Simão de. Responsabilidade civil do empregador pelos danos do meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador. Estudos aprofundados MPT. Salvador: Juspodivm, 2012. P. 139.
[4] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 3ª edição. São Paulo: LTr, 2001, p. 136/137.
[5] ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton. A monetização do trabalho, antinomia constitucional e a base de cálculos do adicional insalubre. Disponível em:
<http://www.hocupacional.com.br/novo/images/upload/artigos/monetiza%E7%E3o%20do%20trabalho%20insalubre.pdf> Acesso em: 04.04.2013.
[6] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTr, 2012. P. 759.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Oldack Alves da Silva. A exposição à radiação solar como agente insalubre Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 abr 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34492/a-exposicao-a-radiacao-solar-como-agente-insalubre. Acesso em: 23 dez 2024.
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