1 INTRODUÇÃO
A primeira questão que a análise e solução de caso concreto de acordo com o método sistêmico-constitucional exige é a mudança da forma de abordagem da questão jurídica.
Normalmente, o jurista busca a norma adequada no sistema jurídico para verificar seu conteúdo, observando se é possível o enquadramento do fato à norma e culminando na resolução do caso apresentado. Parte-se da apresentação da doutrina sobre os institutos ministrados para, só depois, explorar, de forma insuficiente, a solução de situações concretas através dos precedentes jurisprudenciais.
Porém, em cada conflito social/jurídico, há uma particularidade humana, constituída a partir das interações e significados existentes no social, no político, no econômico, entre outros campos.
Nessa linha, o método sistêmico-constitucional propõe a avaliação do caso concreto, destacando nele as variáveis que o identificam, conforme a seguinte estrutura: 1º) contextualização fática do caso: identificação das partes e suas particularidades (sociais, culturais, econômicas, sexuais, relig.); 2º contextualização dos fundamentos e razões fáticas das pretensões deduzidas; (3) enquadramento sistêmico-constitucional da lide a partir da seguinte ordem: a) princípios constitucionais; b) regras constitucionais; c) princípios infraconstitucionais; e (d) regras infraconstitucionais.
Nesse sentido, é a proposta do doutrinador e desembargador do Tribunal de Justiça do RS, Rogério Gesta Leal:
(1) Avaliação do problema interpessoal ou coletivo que se apresenta à apreciação jurisdicional, notadamente a partir de seu enfoque e contextualização social, verificando, primeiro, do que se trata, em termos materiais (natureza social do conflito), identificando quem são os sujeitos conflitantes, a história detalhada e matricial do conflito de interesses; num segundo momento desta avaliação, importa demarcar que variáveis estão presentes no conflito, em termos econômicos, políticos, culturais, religiosos, afetivos, sexuais, etc., e em que medida tais variáveis atingem os sujeitos conflitantes ou mesmo podem conformar o conflito em si.(...)
(2) Abordagem dos elementos dogmático-positivos dos temas/problemas propostos, numa perspectiva sistêmica, reflexiva e crítica, compreendendo o funcionamento de todo o sistema jurídico (composto de ordenamentos diversos, cada um estruturado em princípios e regras jurídicas, em absoluta e necessária conexão), identificando as posições hegemônicas vigentes nos quadrantes doutrinários e, após, jurisprudenciais.
(3) Abordagem dos casos específicos e temáticos com avaliação crítica e aprofundada, a partir dos elementos coligidos na fase anterior, delimitando, de forma exploratória e experimental, as insuficiências da abordagem antecedente, levando em conta a integração necessária de todas as fases desta metodologia. A vantagem mais marcante desta estratégia repousa na possibilidade de aprofundamento que oferece, pois os recursos se veem concentrados no caso visado, não estando submetido às restrições ligadas à comparação da espécie com outros casos. (LEAL, 2006, p. 19-20).
É nesse diapasão e considerando esse método, que passaremos a discutir um caso concreto em que se perquire a aplicação, ou não, da aderência de cláusulas benéficas ao contrato de emprego.
2 CASO CONCRETO
Um trabalhador iniciou a prestar seus serviços para uma empresa em setembro de 2001, encontrando-se, atualmente, afastado por motivo de aposentadoria por invalidez.
O trabalhador contratou com a empregadora o fornecimento de plano de saúde que vinha sendo mantido e concedido ao longo do pacto laboral. Entretanto, foram suspensos para todos os empregados que se encontravam afastados do trabalho em decorrência de aposentadoria por invalidez, a partir de março de 2012.
Por outro lado, a empresa/empregadora afirma que o plano de saúde vinha sendo concedido em cumprimento à cláusula de convenção coletiva, e não em razão de ajuste entre as partes. Informa que manteve o plano de saúde após março de 2012.
A Convenção Coletiva, vigente entre 1º/01/2011 e 31/12/2011, a exemplo das firmadas em anos anteriores, não tinha qualquer ressalva quanto à concessão do benefício aos empregados afastados. Contudo, na Convenção com vigência de 1º/01/2012 a 31/12/2012 foi garantido aos empregados afastados por doença o benefício pelo prazo de 90 dias a contar da data do afastamento previdenciário e que, após, deveriam reembolsar a empresa do custo, sob pena de cancelamento do plano no prazo de 30 dias.
3 ENQUADRAMENTO SISTÊMICO-CONSTITUCIONAL DA DEMANDA
Também se deve considerar que, por ter sido aposentado por esse motivo, o trabalhador tem algum problema de saúde.
Enquanto no direito comum há preocupação em assegurar a igualdade jurídica dos contratantes, no direito do trabalho a preocupação é proteger uma das partes na busca de uma igualdade substancial.
O princípio da proteção é o primado fundamental do direito do trabalho, é a própria razão de ser do direito do trabalho. Estabelece o direito de compensação. Traz a idéia fundante do direito do trabalho.
Esse princípio favorece aquele que se pretende proteger. Tutela o hipossuficiente. A partir da percepção do valor Igualdade, o direito do trabalho adota um princípio compensador de desigualdade (de proteção), mediante favorecimento do trabalhador, sujeito mais fraco da relação.
Deve-se buscar, pelo favorecimento do vulnerável, a igualdade substancial. Se não consigo favorecer do ponto de vista material, favoreço juridicamente, através de um favor jurídico para o sujeito vulnerável.
Nas normas que regem a relação de emprego, há sintonia entre o intuito protetivo do direito do trabalho e a ratio legis. A lei trata desigualmente os desiguais no plano formal. Assim, busca a compensação da desigualdade substancial.
No caso apresentado, segundo esse princípio, o plano de saúde deve ser mantido porque, ao mantê-lo, após a data que a convenção indicava, a empresa acabou incorporando no contrato individual do trabalhador, de forma tácita, o benefício. Assim, não pode retirar direito obtido dentro do âmbito do contrato individual de trabalho. Isto porque, numa relação de trato sucessivo, a alteração contratual superveniente, não pode alterar situação mais benéfica já estabelecida. É a preservação da condição mais benéfica e aplicação direta do princípio da proteção.
A preservação da condição mais benéfica é aplicada aos contratos de trabalho, porque, com relação às leis, já existe a preservação constitucional do direito adquirido em caso de superveniência de lei que suprima ou restrinja direito.
É em relação à sucessão de normas de caráter contratuais e vale para os contratos individuais. Ou seja, as vantagens já conquistadas, que são mais benéficas, não podem ser modificadas ou suprimidas em prejuízo do direito do trabalhador.
Contudo, não se aplicaria a regra da preservação da condição mais benéfica se não tivesse ocorrido a prorrogação do plano de saúde, conforme informado pela empresa. Se houvesse a manutenção do disposto na convenção coletiva de trabalho, suprimindo o benefício na data fixada, poderia haver, segundo esse princípio, a reversão de condições mais benéficas anteriormente estabelecidas, mesmo que afetassem os indivíduos, pois o direito não teria aderido ao contrato individual do trabalhador.
O direito do trabalhador à manutenção do plano de saúde também está amparado pela Consolidação das Leis do Trabalho. De acordo com o art. 9º, a prática de atos que fraudem a aplicação da lei trabalhista, estão sujeitos à declaração de nulidade; ou seja, a supressão do plano de saúde fere a legislação trabalhista e o ato que o pratique deve ser declarado nulo e o plano reestabelecido.
Deve ser aplicado, ainda, o art. 468 da CLT, que proíbe as alterações lesivas ao contrato de trabalho. Na situação apresentada, como o benefício não foi suspenso, mesmo com essa previsão na convenção coletiva, o direito deixou o campo dos direito adquiridos por meio da negociação coletiva e passou a integrar o rol dos do contrato individual de trabalho, não sendo, portanto, possível a sua supressão.
4 CONCLUSÃO
Assim, após uma filtragem constitucional do caso concreto, identificando quais os princípios e as regras aplicadas à espécie e, em seguida, o enquadramento principiológico e regratório infraconstitucional, entende-se que a melhor decisão é a manutenção do plano de saúde, em especial pelo prestígio ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que seria duramente atingido em caso de suspensão/cancelamento do benefício.
Outrossim, destaca-se que o ato em tese benevolente da empresa, de manter o plano de saúde por tempo além do determinado na convenção coletiva, acarretou o adesão de mais um direito no contrato de trabalho. Assim, concedido um direito dentro do âmbito do contrato individual do trabalho, calcado nas regras infraconstitucionais da CLT (art. 9º e 468) e no princípio da proteção, do qual as previsões legais tiveram origem, é nula qualquer alteração/supressão desse direito.
Aparentemente, pode se considerar injusta a situação que se estabeleceu. Entretanto, deve-se levar em conta todo o cunho protetivo do direito do trabalho, que, atento a uma realidade onde o poder econômico é amplamente superior ao trabalho, estabelece uma série de concessões jurídicas, visando o equilíbrio efetivo da relação entre empregado e empregador. Através das presunções jurídicas a favor do empregado, o direito do trabalho procura equilibrar uma relação faticamente é desigual.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Nelson Mannrich. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004.
LEAL, Rogério Gesta. Metodologia Sistêmico-Constitucional de Solução de Casos. Direito Constitucional – Módulo V, Currículo Permanente da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - EMAGIS. Disponível http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/arquivos/emagis_prog_cursos/ccp5_rogerio_gesta_leal.pdf. Acesso em 09/03/2013.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. Análise e solução de caso concreto de acordo com o método sistêmico-constitucional - aderência de cláusulas benéficas aos contratos de emprego Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 abr 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34540/analise-e-solucao-de-caso-concreto-de-acordo-com-o-metodo-sistemico-constitucional-aderencia-de-clausulas-beneficas-aos-contratos-de-emprego. Acesso em: 23 dez 2024.
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