A Era pós-Revolução Industrial, caracterizada pela evolução científica, tecnológica, cibernética etc., aliada à nova fase de globalização, embora produtora de benefícios incalculáveis aos povos, trouxe, outrossim, prejuízos nefastos à sociedade, repercutindo implacavelmente no Direito.
Segundo Francis Rafael Beck,
Na medida em que as relações econômicas foram-se tornando mais complexas, conquistando o âmbito internacional e explorando tecnologia avançada, maior oportunidade surgiu para o recrudescimento das práticas ilícitas nesse campo de atuação. Como demonstra a vasta experiência criminológica obtida ao longo das últimas décadas, sempre que o sistema deixa de ocupar determinado espaço onde de uma atividade se possa obter lucro, tal espaço logo passa a ser ocupado pela delinqüência (2004, p. 41-42).
ConsoanteEugênio Raúl Zaffaroni,
corresponderá al pensamiento penal, criminológico y político criminal progresista de la globalización la tarea de esforzarse por detener el poder punitivo que quiera arrasar las culturas alternativas de excluídos y que seguramento no escatimará esfurzos por harcelo. Debe contarse con que este poder punitivo assumirá formas nuevas, pues el control penal en poco tiempo cambiará totalmente su fisionomía (2000, p.37-38).
Assim é que, ante a utilização de técnicas avançadas por parte de certos grupos, no atual contexto mundial, com o objetivo de aferir lucro através de prática de crimes que representam um atentado a bens jurídicos à coletividade, de maneira difusa, incrementou-se a figura do crime organizado, como sendo aquele perpetrado por uma organização criminosa. É a chamada macro criminalidade.
Existência do fenômeno da criminalidade organizada
A delimitação do que seja o fenômeno da criminalidade organizada não é tão simples como parece à primeira vista. Pelo contrário, a partir da década de 1980, muito se tem discutido acerca do fenômeno da criminalidade organizada, apresentando-se posições diversas e antagônicas sobre, dentre outros aspectos, a efetiva existência de organizações criminosas, a natureza ôntica de tais organizações, o tratamento legislativo e a política criminal dessa esfera da macrocriminalidade.
Assim é que, consoante GamilFöppel El Hireche (2005, p.01),
antes de se perquirir se há ou não um conceito de “crime organizado”, impõe-se analisar a matéria do ponto de vista da (in)existência. Com efeito, antes de se dar um conceito, é imprescindível que se faça uma análise ôntica, em busca da verdadeira essência de qualquer instituto.
Para este doutrinador, a verificação ou não da existência do crime organizado prescinde de previsões legais, sob o fundamento de que as leis não são aptas a criar algo inexistente, podendo apenas declarar o que existe na realidade dos fatos.
Na seqüência, consigna, de logo, o seu reconhecimento quanto à existência das quadrilhas ou bandos, enquanto manifesta com veemência o seu entendimento pela inexistência, na realidade dos fatos, do que se denominou de crime organizado. Vários são os argumentos utilizados: o tratamento legislativo aplicável aos crimes organizados como sendo uma manifestação do Direito Penal do Inimigo ou Terror; as críticas afetas ao Direito Penal pela moderna criminologia crítica; e a função simbólica do sistema penal. Ademais, defende Hireche que a tormentosa dificuldade em se encontrar um conceito unívoco de organização criminosa se deve, justamente, ao fato de que é impossível se conceituar algo inexistente (HIRECHE, 2005).
Analisando as organizações criminosas, sob o prisma da política criminal, assim afirma Hireche (2005, p.03):
ao contrário do que se poderia (puerilmente, registre-se) imaginar, existem, dois aspectos do Direito Penal: um declarado, qual seja, as missões e as funções que o Direito Penal objetiva. De outra parte, há um discurso escamoteado, surdo e silencioso, em que a pena e o Direito Penal são empregados em finalidades absolutamente diversas daquelas que são enunciadas: o Direito Penal, sobretudo no combate às tais organizações criminosas, passa a ser usado como barreira, como obstáculo à transformação, é dizer, como meio de manutenção e de conservação de certos valores que a classe dominante resolveu eleger como mais importantes, sempre, por óbvio, em benefício próprio.
Quanto ao Direito Penal do Inimigo, cabe consignar que, segundo Luiz Flávio Gomes (2004, p.01), Günter Jakobs, o criador desta teoria,
no seu mais recente livro (...) abandonou claramente sua postura descritiva do denominado Direito Penal do inimigo (...) passando a empenhar (desde 1999, mais inequivocamente a partir de 2003) a tese afirmativa, legitimadora e justificadora (p. 47) dessa linha de pensamento (2005, p.01).
Para GamilHireche, o Estado, com vista a proteger os interesses das classes dominantes, busca exterminar as classes menos favorecidas. Mas, para isso, misterse faz que se crie um inimigo, a ser combatido a qualquer custo, mesmo que em detrimento de direito fundamentais tão arduamente conquistados no decorrer da história. Para cada período histórico, o Estado, então constituído, cria os seus inimigos, utilizando-se do clamor público e do direito Penal.
Nos termos de GamilHireche,
O Direito Penal do Inimigo é, em verdade, o Direito de combate aos demônios. Isto é uma forma, como se verá, de manifestação do simbolismo jurídico-penal. Essencialmente, o discurso do Direito Penal do Inimigo é simbólico, apela para o imaginário das pessoas, para os seus medos e frustrações, para a necessidade de se resguardarem dos seus estranhos, dos diferentes. É necessário, pois, buscar, já que vai haver limitações aos direitos e garantias fundamentais, uma justificação, ainda que puramente simbólica (HERECHE, 2005, p.07)
Como características do Direito Penal do inimigo, aponta, Luiz Flávio Gomes (2004, a, p.02):
(a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; (b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); (d) não é um Direito penal retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; (f) o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); (g) o Direito penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito penal do inimigo combate preponderantemente perigos; (h) o Direito penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal; (j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade.
Sendo assim, haveria dois Direito Penais:
Um é o do cidadão, que deve ser respeitado e contar com todas as garantias penais e processuais; para ele vale na integralidade o devido processo legal; o outro é o Direito penal do inimigo. Este deve ser tratado como fonte de perigo e, portanto, como meio para intimidar outras pessoas. O Direito penal do cidadão é um Direito penal de todos; o Direito penal do inimigo é contra aqueles que atentam permanentemente contra o Estado: é coação física, até chegar à guerra. Cidadão é quem, mesmo depois do crime, oferece garantias de que se conduzirá como pessoa que atua com fidelidade ao Direito. Inimigo é quem não oferece essa garantia (GOMES, 2004, a, p.02).
Segue Hireche:
E quem escolhe os inimigos? Ora, quem escolhe os inimigos é, em última análise, aquele que tem o poder de segurança. No império romano, os demônios, os inimigos, os criminosos organizados eram os bárbaros; no feudalismo, os despossuídos de terra; nas grandes navegações, as nações que pretendiam competir com a Inglaterra; na fase da bipolaridade econômica mundial, eram os comunistas; mas recentemente, os inimigos maiores são os da máfia japonesa, colombiana e, mais recentemente, a criminalidade dos árabes (HIRECHE, 2005, p.26).
Sendo assim, para Hireche, as organizações criminosas seriam os novos inimigos criados pelo Estado hodierno.
Nesse sentido, para este segmento doutrinário, o “Poder Político”, tendo a mídia das massas a sua grande aliada, incutem nas pessoas a sensação de medo e de terror. O Estado, por sua vez, criou o inimigo intitulado “organizações criminosas” e, mediante a exclusão dos direitos fundamentais, como, v.g., o Regime Disciplinar Diferenciado, a proibição de apelar em liberdade, intenta realizar dois objetivos não-declarados e, puramente simbólicos, quais sejam, a manutenção do status quo e a resposta à sociedade, implicando certo alívio ao medo e à insegurança.
Acerca da seletividade do Direito Penal, assim se pronuncia GamilHireche, utilizando-se, como exemplos ilustrativos o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) e o Refis:
Se por um lado há RDD, por outro, aplica-se o Refis (1,2, ...) como extinção de punibilidade pelo pagamento para os crimes econômicos. Isto é uma evidência de seletividade, de segregação deliberada, em que o Direito Penal passa a ser utilizado como instrumento das classes diminantes para a consecução dos seus interesses. Devia-se, em verdade, a atenção do que seria a realidade dos fatos. Os verdadeiros responsáveis pelas ações dos bandos ou quadrilhas continuariam soltos, com a vantagem de colocar, na linha de frente daqueles que deveriam ser combatidos, meros testas-de-ferro (2005, p.35).
Identificados os argumentos centrais desse autor – todos eles de ordem criminológica, como sugere muito bem o título de sua obra –, é mister que se consigne as considerações que se seguem.
Primeiramente, não é objeto deste trabalho, de forma alguma, infirmar todas essas críticas apontadas por Hireche. A uma, porque a presente pesquisa se destina tão-somente à analise dos atos investigatórios previstos pela Lei 9.034/95, sob o enfoque eminentemente processual penal. Não é, de modo algum, objetivo deste trabalho o estudo das organizações criminosas, sob o enfoque criminológico. É por isso que entendemos que não devemos adentrar nesse tema que, por si só, poderia ser objeto de uma monografia que tão-somente tratasse sobre ele. A propósito, deve-se frisar que tão relevante análise político-criminal do fenômeno da criminalidade organizada cabe aos doutos da ciência da criminologia, que em muito contribui para o desenvolvimento científico do Direito Penal.
A duas, porque, data maximavenia, todos esses argumentos levantados por GamilHireche não serve para infirmar a existência da criminalidade organizada. A nosso sentir, o autor de utilizou, devidamente, dos estudos da criminologia (Direito Penal do Inimigo, Seletividade do Direito Penal, Função Simbólica do Direito Penal etc) para, alfim, interpretá-los em favor de seu entendimento – quase que isolado – pela inexistência das denominadas “organizações criminosas” na realidade dos fatos. Trata-se, pois, de uma conclusão interpretativa – respeitável claro – desse autor.
Não concluímos como Hireche. Comungamos com o entendimento majoritário da doutrina no sentido da existência da criminalidade organizada como um fenômeno social vivenciado em escala mundial. Senão, vejamos, para melhor esclarecer a questio, as posições de diversos autores nacionais e alienígenos.
Comecemos com a nossa grande mestra Ada Pellegrini Grinover. Conforme informa Francis Beck, Grinover
corrobora a gravidade da situação do crime organizado no Brasil – principalmente quanto ao narcotráfico, indústria dos seqüestros, exploração de menores e aos denominados crime de colarinho branco, com evidentes conexões internacionais e envolvimento de lavagem de dinheiro – ainda mais pelo fato de a polícia estar “completamente desarmada em face do poderio das organizações criminosas e de o Ministério público não dispor de meios operacionais suficientes para fazer face ao fenômeno. Problemas de corrupção tornam o quadro ainda mais dramático”.
Consoante HerreroHerrero,
adelinqüência organizada existiu sempre, da mesma forma que sempre existiu a atividade lícita organizada. Ambas em função da tendência do homem em planejar suas tarefas, sobretudo quando trabalha em grupo. O que ocorre é que, nas sociedades contemporânea, a delinqüência organizada em sentido específico, ou qualitativamente organizada (em oposição à deliquência de baixo grau de organização, inerente, de alguma forma, a qualquer classe de delinqüência coletiva ou associação delitiva), alcançou dimensões extremamente vastas (BECK, 2004, P. 56).
Mapelli Caffarena, por sua vez, é enfático e peremptório, concluindo que se tem, ainda,
o estabelecimento da diferenciação entre a criminalidade organizada e o que o autor denomina ‘fenômenos associativos’, na esfera criminal, cujos vestígios se perdem na história. Distinguindo as duas categorias, infere que, sem dúvida todas as investigações criminológicas coincidem em considerar a criminalidade organizada como um fenômeno característico da época atual (BECK, 2004, p.57).
Para Arbex Junior e JulioTognolli,
mais do que nunca, a sombra do crime organizado está presente em todas as atividades do homem comum, mesmo quando ele parece uma realidade longínqua, apenas perceptível no noticiário da televisão. Longe vai o tempo em que o ‘chefão’ assumia ares de Al Capone, cercado de capangas e fumando longos charutos cuja fumaça escrevia no ar as palavras ‘eu sou mau’. Ainda há gente assim, é claro, mas o mais provável é que os capôs das máfias atuais estejam nos escritórios dos grandes bancos e corporações, em cargos importantes dos governos, nas instituições acima de qualquer suspeita (BECK, 2004, p.63).
Segundo Marta Gomes de Liaño Fonseca-Herrero,
la alarmante dimensión, adquirida por el crimen organizado, se encuentra indisolublemente unida a la transformación experimentada por estos grupos criminales, la cual ha supesto una modificación de las que, hasta el momento, diversas disciplinas señalaron como características intrínsecas y conformadoras de una definición de criminalidad organizada (2004, p.30).
Enfáticas, outrossim, são as palavras de Antonio Carlos Lipinski:
na verdade, o conceito de Crime Organizado transnacional não é legal ou jurídico. Trata-se de um fenômeno social. A cada dia aumenta o número dos que se dedicam a essa atividade, que, para eles, não é incorreta ou ilegal, mas simplesmente uma forma de trabalhar: constitui para eles uma atividade profissional como as outras(2004, p.21).
Sobre o tema, Angiolo Pellegrini e Paulo José da Costa Jr. (1999) trazem, na obra “Criminalidade Organizada”, um estudo minucioso e aprofundado sobre a estrutura e o modus operandi de várias organizações criminosas, que, segundo ele, existem atualmente, como, por exemplo, a Casa Nostra Siciliana, a Ndrangheta, que nasceu na Calábria, a Camorra, a máfia da Campânia, a Sacra Corona Unita, a máfia pugliense, a Tríade (máfia chinesa), a Yakuza (máfia japonesa), as organizações criminais russas (máfia chechene, azerca, georgiana etc), a Casa Nostra Americana, dentre outros. Aponta, ainda, como principais atividades ilícitas da criminalidade organizada de tipo mafioso, o tráfico de estupefacientes, a extorsão, o tráfico de armas, a reciclagem de dinheiro, as fraudes comunitárias, a ilegalidade ambiental (ecomáfia), a usura, dentre outras.
Ademais, é interessante observar que, como mostra Angiolo Pellegrini e Paulo José da Costa Jr. (1999), tais organizações criminosas são, em quantidade, maiores nos paises desenvolvidos.
Segundo o Delegado da Polícia Federal e professor da Academia Nacional da Polícia Federal, Dr. Osvaldo Bastos Jr., algumas organizações criminosas internacionais atuam no Brasil, como, por exemplo, a União Corsa (francesa); Napolitana, Casa Nostra, Sacra Carrona (italianas); máfia russa etc.1.
Quanto à criminalidade organizada no Brasil, assim esclarece Eduardo Araújo da Silva (2003, p.25):
todavia, a prática contravencional do denominado ‘jogo do bicho’ (sorteio de prêmios a apostadores, mediante recolhimentos de apostas), iniciada no limar do século XX, é identificada como a primeira infração penal organizada no Brasil. A origem dessa contravenção penal é atribuída ao Barão de Drumond, que teria criado o inocente jogo de azar para arrecadar dinheiro com a finalidade de salvar os animais do Jardim Zoológico do Estado do Rio de janeiro. A idéia foi posteriormente popularizada e patrocinada por grupos organizados, que passaram a monopolizar o jogo, mediante a corrupção de policiais e políticos. Na década de 80, os praticantes dessa contravenção movimentavam cerca de US$ 500.000 por dia com as apostas, sendo 4% a 10% desse montante destinado aos banqueiros.
Em seguida, disserta sobre as “organizações mais recentes e violentas”, que surgiram nas penitenciárias do Rio de Janeiro, nas décadas de 70 a 80, como a “Falange Vermelha”, o “Comando Vermelho”, o “Terceiro Comando” e o “PCC – Primeiro Comando da Capital”.
No tocante ao PCC, é de verificar-se que os seus membros recebem cópias do estatuto dessa organização criminosa, no qual são determinadas as regras de conduta a serem seguida por cada integrante[1] (MENDES, 2001).
Atenta, ainda, Silva, acerca da existência de outra modalidade de criminalidade organizada no Brasil.
Trata-se do desvio de vultosas quantias de dinheiro dos cofres públicos para as contas particulares abertas em paraísos fiscais localizados no exterior, envolvendo quase todos os escalões dos três Poderes do Estado... (SILVA, p.27).
Sob o prisma da sociologia, afirma Luiz Flávio Gomes:
De acordo com a opinião do sociólogo da USP já citado (Mingardi), entre nós os sinais mais perceptíveis da existência do crime organizado vêm de certas regiões ou áreas bem definidas do país. O rio de Janeiro, ele afirma, pela sua milagrosa topografia (ao lado de ser uma das mais belas cidades do mundo), é constantemente lembrado como local onde já existe crime organizado. A essa conclusão se chega, diz o professor da USP, porque lá se constata mais nitidamente um certo entrosamento entre o jogo do bicho, o tráfico de drogas e de armas e extorsão; o recrutamento dos “soldados” dessas atividades é mais localizado (favelas) e já é bastante evidente o “clientelismo”: os responsáveis pelas atividades ilícitas atuariam com certo apoio do poder público e desse modo o povo seria “cliente” não só do Estado, senão também dos próprios responsáveis pelo jogo, pelo tráfico etc.; existe, ademais, uma clara demarcação territorial na atividade de cada um, uma hierarquia, um planejamento, uma divisão de trabalho, o fim de lucro etc.
No âmbito prático, o chefe do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), do Ministério Público do Estado da Bahia, Dr. Paulo Gomes, expõe sua opinião (que mais parece um desabafo), ressaltando que a afirmação de que “porque o nosso legislador falhou inexistiria o crime organizado seria ‘forçar muito a barra’ no que se refere à defesa daquele pessoal que faz parte de organização criminosa” (GOMES, Paulo; 2007, p.02).
Ultrapassado o breve delineamento das argumentações em favor da existência do fenômeno da criminalidade organizada, passa-se às considerações gerais sobre as normas nacionais a elas aplicadas, com o objetivo precípuo de esclarecer que a análise criminológica das organizações criminosas não constitui o objeto deste trabalho.
Entendemos ser melhor a posição de Francis Rafael Beck (2004). Assim é que, malgrado parte da doutrina se incline a reconhecer que vários fatores – como, v.g., a globalização, o avanço extraordinário dos meios tecnológicos e de comunicação – propiciaram a disposição de um meio extremante favorável ao desenvolvimento da associação de sujeitos na formação ou desenvolvimento de grupos criminosos altamente sofisticados (organizações criminosas), que apresentam, dentre outras características (conforme se verá), um planejamento estrutural, hierárquico, a conexão, não rara, com membros da Administração Pública, o caráter transnacional, em alguns grupos, e, em regra, o emprego da lavagem de dinheiro, tal entendimento pela existência do fenômeno da criminalidade organizada, na realidade social, não legitima a criação de Direito Penal Emergencial, que venha a antecipar a tutela penal e a flexibilizar os direitos e as garantias da pessoa humana. Nesses termos, assim conclui Francis Beck:
Por fim, a ignorância e o medo exagerado do crime organizado, associados às já por demais conhecidas dificuldades no seu controle – dificuldades essas que, em última análise, são eminentemente estruturais – não podem servir de subterfúgio para uma reforma mais ampla do sistema penal, sobretudo se contaminada pelos ideais (irracionais) tendentes a uma antecipação da tutela penal e flexibilização das garantias dos cidadãos (2004, p. 168).
Nesse contexto, é de extrema relevância que se atente, claramente, que todas essas discussões de ordem criminológica destinam-se precipuamente, à crítica, muito bem esposada por Fancis Beck – vencedor do 8º Concurso IBCCRIM de Monografias –, quanto à flexibilização de direitos e garantias do réu, isto é, da tendência à fragilização dos direitos e garantias processuais, que buscam algumas leis especiais efetivar.
Assim, com muita razão critica a doutrina os abjetos arts. 5º (que prevê a identificação criminal compulsória); 6º (que prevê a delação premiada); 7º (que veda a liberdade provisória com ou sem fiança); 9º (que proíbe o réu apelar em liberdade) e 10 (que estabelece o regime inicial fechado por crimes decorrentes de organização criminosa), todos da Lei 9.034/95. É notória a veemente inconstitucionalidade de todos esses dispositivos, por ferirem de morte alguns dos princípios constitucionais mais relevantes – os arts 7º e 9º, verbi gratia, infringe o princípio da presunção da inocência (CARVALHO, 1997, p. 123).
Observe-se que não é a nossa intenção criticar a teoria da flexibilização dos direitos e garantias individuais processuais, muito pelo contrário, concordamos com as críticas da doutrina nesse sabor. Contudo, o que se deve ter em mente é que todas essas críticas não se dirigem à fase pré-processual, em que podem realizar, excepcionalmente, os atos investigatórios previstos no art. 2º, III, IV e V, da Lei 9.034/95. Atente-se, a propósito, que, em momento algum, GamilHireche, em sua “Análise Criminológica das Organizações Criminosas”, lançou suas críticas ao art. 2º (que é, justamente, o principal dispositivo legal que será objeto de análise deste trabalho). A única crítica que se relaciona com os atos investigatórios previstos pela Lei 9.034/95 é a dirigida ao art. 3º, da mesma Lei. A propósito, muito acertadamente tratou este autor sobre a quebra da imparcialidade do juiz e, por conseqüência, do sistema acusatório, propiciada por esse dispositivo legal. Nesse mesmo sentido, inclusive, é que faremos as nossas críticas ao art. 3º, em capítulo próprio, destinado à quebra dos sigilos bancário, fiscal, financeiro e eleitoral.
Outrossim, em momento algum, Francis Beck, ao tecer breve comentário sobre o dispositivo da Lei 9.034/95 que trata da fase pré-processual (art. 2º), posiciona-se no sentido da inconstitucionalidade do art. 2º, da mesma Lei. Diversamente, traz o autor, inclusive, as defesas de alguns doutrinadores, como LênioStreck e Geraldo Prado, não no sentido da inconstitucionalidade do art. 2º, mas sim no sentido da correta aplicabilidade deste dispositivo.
E nossa também é a preocupação com a adequada aplicação do art. 2º. Se por um lado, entendemos que a contemporaneidade exige, ou melhor, impõe novos instrumentos investigatórios e aperfeiçoamento de outros, com vistas a tornar mais eficaz a persecutio criminis, considerando ser esta persecução importantíssima para aplicação mais correta do Direito Penal, por outro, destinamo-nos, precipuamente, neste trabalho, justamente, à busca pelas devidas limitações legais e constitucionais, a fim de se restringir os excessos da investigação policial – tendo em vista que tais excessos podem implicar, necessariamente, na violação a direito fundamental tão relevante quanto o da intimidade (nos casos, v.g., de excesso na utilização da interceptação ambiental).
CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO
Indubitavelmente, como assevera Francis Beck (2004, p. 74), a enunciação das características se apresenta muito mais fácil do que a conceituação do crime organizado, não existindo “o rigor da univocidade de um conceito”. É que cada organização criminosas vai apresentar essa ou aquela característica, ou várias, conjugadamente.
Nesse prumo, quanto às características do crime organizado, assim pondera Alberto Silva Franco, citado por Luiz Flávio Gomes e RaúlCervini (1997, p.75):
O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações; detém imenso poder com base em estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social de lato vulto; tem grande força de expansão compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos deliqüenciais e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade, origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inerciar ou flagilizar os Poderes do próprio Estado”.
É dizer-se que as características do crime organizado são diversas, apresentando cada uma deles, em cada Estado em se originam aspectos distintos, a depender da realidade social, econômica, política, tecnológica etc. Nesse sentido, assim assevera Marcelo Mendroni (2002, p.10):
são inúmeras as organizações criminosas que existem atualmente. Cada uma assume características próprias e peculiares, amoldadas às próprias necessidades e facilidades que encontram no âmbito territorial em que atuam. Condições políticas, econômicas, sociais etc., influem decisivamente para o delineamento dessas características, com saliência para uma ou outras, sempre na conformidade das atuações que possam tornar mais viável a operacionalização dos crimes planejados e objetivo de obter maiores fontes de renda.
Como características possíveis de estarem presentes, elenca Luiz Flávio Gomes (1997): hierarquia estrutural; planejamento empresarial; uso de meios tecnológicos avançados; recrutamento de pessoas; divisão funcional das atividades; conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agente do poder público; oferta de prestações sociais; divisão territorial das atividades ilícitas; alto poder de intimação; alta capacidade para a prática de fraudes; e conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.
Por sua vez, a “Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil enumera 10 características do crime organizado: 1) planejamento empresarial; 2) antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4) estabilidade dos seus integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7) compartimentação; 8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fins lucrativos” (OLIVEIRA, 2007, p.01).
Marcelo Mendroni explica a estrutura hierárquico piramidal das organizações criminosas tradicionais, como composta de três níveis, a saber, chefes, gerentes e aviões.
Os chefes são
pessoas que ocupem cargos públicos importantes, que possuam muito dinheiro, posição social privilegiada por qualquer razão, etc. ..., podendo conter chefe na posição suprema da organização e sub-chefes logo abaixo e no mesmo nível (MENDRONI, p. 13-14).
Gerentes são “pessoas de confiança do chefe, com capacidade de comando, a quem aqueles delegam algum poder. Recebem as ordens da cúpula e as repassam aos aviões” (MENDRONI, p. 14).
Aviões são “pessoas com algumas qualificações (por vezes especializadas) para as funções de execução a serem desempenhadas. Evidente que a ‘contratação’ destes ‘trutas’ dependerá dos ramos de atividades a que se dedique a organização” (MENDRONI, p. 15).
Acerca do planejamento empresarial, assim se manifesta GOMES, Flávio (1997, p. 95):
cabe ainda realçar o planejamento empresarial, que é algo mais e distinto que o simples programa deliqüencial, também presente na quadrilha ou bando. Não é preciso que o crime organizado derive de atividades empresariais formais. Ele pode girar em torno de empresas constituídas formalmente ou não. Havendo, no entanto, planejamento de tipo empresarial (custo de atividades necessárias, forma de pagamento do pessoal, programação do fluxo de ’mercadorias’, de caixa e de pessoal, planejamento dos numerários etc.), é evidente que podemos afirmar com maior facilidade a existência de uma organização criminosa.
A utilização de mios avançados se faz presente, na medida em que as organizações criminosas
valem-se de meios informáticos e de telecomunicação que nem o Estado possui. Aparelhos parabólicos de escuta telefônica a distância, circuitos internos e externos de televisão, aparatos de comunicação telefônica e radiofônica intercontinentais, câmaras fotográficas auxiliadas por raio laser, teleobjetivas, gravadores capazes de captar sons a grande distância, atravessando, inclusive, paredes, comunicação por microondas, satélites etc. são exemplos dessa sofisticação tecnológica, que foge do alcance inclusive dos órgãos oficiais encarregados da persecução pena (GOMES, 2007, p. 95-96).
Outra característica marcante que se pode apontar é o poder desses grupos emcorromper os membros e funcionários dos Poderes do Estado, isto é, Legislativo, Executivo e Judiciário. A respeito, assim explica Silva, Eduardo (2003, p.28-29):
o alto poder de corrupção de que dispõem essas organizações é uma das conseqüências diretas da acumulação de riqueza, que é direcionada a várias autoridades de todos os poderes do Estado: àquelas que compõem as instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário); àquelas integrantes das altas esferas do poder Executivo, para a aquisição de informações privilegiadas com os altos escalões do poder, especialmente de natureza econômica e financeira; e àquelas responsáveis pelo processo legislativo, com a finalidade de paralisar qualquer elaboração de medidas limitadoras de suas finalidades (corrupção política), Com a paralisação de parte do aparelho estatal, notadamente aquela voltada à repressão criminal, as organizações criminosas têm atuado com certa liberdade em diversos campos (itálico no original).
É bem notável, outrossim, que a globalização, mormente na atual fase, de abertura ao mercado econômico, aliadas a tecnologia sofisticada, como facilitadora, inclusive, de comunicações a grandes distância, tem muito contribuído para fomentar o caráter transnacional de parte das organizações.
A internacionalização como já salientamos é uma das principais características do crime organizado na atualidade. A facilidade de comunicação, a globalização das economias, o fim das fronteiras etc. favorecem as conexões, especialmente as internacionais. Mas a existência de conexão local, regional ou nacional com outra ou outras associações ilícitas organizadas já é suficiente para revelar mais um indício de associação organizada.
Por outro lado, o poder intimidatório que apresentam as organizações criminosas, mediante aplicação de “sanções” extralegais, aliados ao oferecimento de serviços a setores da classe baixa da população (favelas, v.g.) têm repercutido em uma espécie de Estado paralelo, representado pelas organizações criminosas, que invade os espaços em que o Estado não alcança por ineficiência. Nesse sentido, assim expressa Hireche:
finalmente, o traço mais amedontrador inerente à criminalidade organizada é a formação - como alguns pretendem - de um Estado paralelo, que competiria, verdadeiramente, com o Estado. Para atrair novos colaboradores e ganhar a simpatia popular, os “chefes” oferecem à comunidade serviços básicos, como educação, saúde e segurança. Constata-se que, onde existe um império de uma “organização criminosa”, há leis específicas, sendo aplicável, em alguns casos, a pena capital. Ressalte-se, também, que o conjunto de valores morais é intimamente influenciado nessas regiões. Em verdade, a criminalidade estaria por ocupar um vazio deixado pelo próprio Estado.
CONCEITO DE “ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS”
Antes de adentrar nas discussões referentes à conceituação das “organizações criminosas”, mister que se esclareça o que deve entendido por crime organizado.
Para Luiz Flávio Gomes, o conceito de crime organizado, hoje, isto é, após o advento da Lei 10.217/01, envolve a quadrilha ou bando, as associações criminosas e todos os ilícitos delas decorrentes, não se envolvendo na definição de crime organizado, contudo, a “organização criminosa” e o concurso de pessoas. Este, por ser eventual e momentâneo e aquele, em razão da ausência de uma definição legal.
Na nossa visão, o conceito de crime organizado agora envolve:
(a) a quadrilha ou bando (288), que claramente (com a Lei 10.217/01) recebeu o rótulo de crime organizado, embora seja fenômeno completamente distinto do verdadeiro crime organizado;
(b) as associações criminosas já tipificadas no nosso ordenamento jurídico (art. 14 da Lei de Tóxicos, art. 2º da Lei 2.889/56 v.g.) assim como todas as que porventura vierem a sê-lo e
(c) todos os ilícitos delas decorrentes (“delas” significa: da quadrilha ou bando assim como das associações criminosas definidas em lei).
Referido conceito, em conseqüência, de outro lado e juridicamente falando, não abrange:
(a) a “organização criminosa”, por falta de definição legal;
(b) o concurso de pessoas (os requisitos da estabilidade e permanência levam à conclusão de que associação criminosa ou quadrilha ou bando jamais podem ser confundidos com o mero concurso de pessoas (que é sempre eventual e momentâneo). (GOMES, 2007, p.06-07).
Não pensamos assim. A nosso sentir, crime organizado envolve tão-somente as ações ligadas às organizações criminosas. Nesse sentido, assim explica Eduardo Araújo da Silva:
Não bastasse tal omissão, o legislador [de 2001] também não afastou antigas dúvidas que pairavam na disciplina legal do fenômeno, pois, ao manter na lei a expressão “quadrilha ou bando”, continua a induzir os operados do direito à conclusão – em que pese à pacificada orientação doutrinária em contrário – de que as ações decorrentes desse tipo legal serão sempre praticadas por organizações criminosas... (SILVA, 2003, p.39).
Ao conceito de “organizações criminosas”.
Em 1995, com a Lei 9034, o legislador brasileiro inaugurou o tratamento, ainda que tangencial, de aspectos referentes às práticas delituosas de entidades denominadas de “organizações criminosas”. Com efeito, dispõe a Lei 9034 sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.
Entretanto, lamentavelmente, cumpre consignar que não há no ordenamento jurídico nacional vigente qualquer dispositivo que conceitue as “organizações criminosas”. Nem mesmo a ratificação pelo Brasil da Convenção da ONU que trata da matéria – o Decreto-Lei nº 50.015/2004 – serve para colmatar a lacuna da lei. É que o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal, que foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, prevendo a incorporação de tratados pelo ordenamento como emenda constitucional, se aprovada por três quintos do Congresso Nacional, refere-se aos tratados e convenções que versarem sobre Direitos Humanos, o que não é o caso. Diversamente, trata a aludida Convenção da ONU de normas incriminadoras.
Além disso, o conceito trazido pela Convenção da ONU se aplica tão-somente às organizações criminosas transnacionais, como bem ressalta Aléxis Sales de Paula e Souza:
Com efeito, apesar de estar integrada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de lei ordinária, a mencionada Convenção trata, especificamente, das organizações criminosas transnacionais. As quais, na forma do artigo 3, são aquelas que cometem crimes: a) em mais de um Estado; b) em um só Estado, desde que parte substancial da preparação, planejamento, direção e controle tenha ocorrido em outro; c) num só Estado, mas envolvem a participação de grupo criminoso organizado que pratique delitos em mais de um Estado; ou d) num só Estado, mas os crimes produzam efeitos substanciais noutro país. Logo, as hipóteses de uma organização criminosa brasileira ser atingida pela Convenção estão relacionadas nas alíneas “b”, “c” e “d” do Parágrafo 2 do Artigo 3. Ainda assim, deve-se observar que o conceito continua vago, pois a Convenção prevê que a organização esteja formada “há algum tempo”, sem definir com precisão o lapso temporal (SOUZA, 2007, p.11).
Ante a omissão legislativa, coube à doutrina e a alguns órgãos buscar uma definição do crime organizado. Essa conceituação teria uma importância muito além da mera classificação, uma vez que serviria para enquadrar determinadas condutas de agentes que terão certos direitos e garantias flexibilizadas pela lei, caso sejam as condutas perpetradas por organizações criminosas, conforme se verá.
GamilFöppel El Hireche (2005, p.56), partidário da corrente que entende inexistir as “organizações criminosas”, aduz que
a busca por um conceito [das organizações criminosas] servirá, a bem da verdade, para ratificar e confirmar a tese que se defende: a inexistência do ‘crime organizado’. Com efeito, as ‘dificuldades’ conceituais representam e retratam, em verdade, a impossibilidade de conceituar o inexistente. As dúvidas, as incertezas, as indefinições a respeito do que seria a ‘criminalidade organizada’ são decorrência da sua inexistência.
Por outro lado, a doutrina seguidora do entendimento pela existência da criminalidade organizada muito tem se debatido à procura de uma definição do “crime organizado”, não tendo sido encontrado, ainda, um conceito unívoco, que relevaria a essência da criminalidade organizada. Explica GamilHireche (2005, p.60) que
tal conceito relaciona-se com aspectos políticos, sociais e econômicos de cada país, derivando, deste plexo de elementos, a dificuldade – senão impossibilidade – de fazê-lo. Ou seja: tantas e diferentes são as possibilidades de grupos que se pretendem considerar como “organizados criminalmente” que se torna impossível buscar um conceito único, que sirva a tudo aquilo que se pretende reprimir.
Segundo Marcelo Mendroni (2002, p.09), a instituição de um conceito legal teria que abranger as mais diversas hipóteses de manifestação do crime organizado, que se adapte a realidade brasileira. Entretanto, a dificuldade em se estabelecer tal definição é patente, considerando a dimensão continental do Brasil, os avanços tecnológicos das ciências etc. Deve-se notar que nem mesmo os Estados Unidos, que têm realidades sócio-econômica e culturais mais homogêneas e estão mais acostumados a lidar com o tema, ainda não o estabeleceu de forma definitiva. Desta forma,
não se pode definir para atribuir características rígidas, com formas pré-estabelecidas. Aliás, tolice á a definição legal, pois, como dito, em um País como o Brasil existirão diferentes organizações criminosas com distintos modus operandis conforme a deficiência Estatal da região que adotem operar.
Não pensamos assim. Ainda que seja admissível a idéia de que é muito difícil se encontrar um conceito unívoco e rígido sobre o crime organizado, entendemos, como Francis Beck, que é possível, por outro lado, encontrar um conceito preciso e que se aproxime do que seja, na essência, o crime organizado.
As pesquisas empíricas encontram-se ainda em um momento inicial, buscando resultados e respostas mais objetivas e esclarecedoras. Portanto, é falacioso o pressuposto de que pode ser encontrada uma definição única – que não seja por demais vaga e imprecisa – para essa forma de delinqüência. O que se torna possível é a aproximação do seu conteúdo. Assim, não é por outra razão que poucos são os que se arriscam a formular um conceito sério e coerente de crime organizado, limitando-se a elencar algumas de suas características (grifo nosso). (BECK, 2004, 163).
Deve, pois, haver sim, um conceito legal. Aliás, urge essa necessidade imperiosa e imprescindível de que haja um conceito legal de organizações criminosas no Brasil. E a busca por essa definição legal – que seja precisa e bem próxima do fenômeno social da criminalidade organizada – é problema do legislador.
É claro que não se poderá afirmar que, uma vez estabelecido na lei esse conceito, o mesmo será rígido e definitivo. Isso porque todos os conceitos e institutos legais variam com o tempo e o espaço, tendo em vista que o Direito é ciência cultural e, como tal, deve ser entendida a partir da compreensão, e não através da explicação (ciências naturais). E tal se dá porque os institutos e conceitos das ciências humanas variam com o tempo e o espaço[2].
Uma vez conceituado o crime organizado na lei, se, com o passar do tempo, verificar-se que tal conceito já se encontrada defasado, o legislador deverá proceder às devidas alterações da lei – aliás, esta é uma de suas funções. E isso, porque o princípio da legalidade e o primado da segurança jurídica deverão ser sempre observados.
A par dessas considerações, é certo que algumas instituições e alguns autores tentaram encontrar uma definição que se aproxime do conceito de organização criminosa, tendo em vista o que há de atributos essenciais entres elas, que as classifiquem, de algum modo, como tal.
Assim, o conceito proposto pela ONU, conforme a Convenção ratificada pelo Brasil sobre o tema, vem estabelecido no art. 2º, alínea “a”: “Grupo criminoso organizado – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.
O Dr. Paulo Gomes, chefe do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e de Investigações Criminais (GAECO), do Ministério Público do Estado da Bahia, talvez por uma visão mais pragmaticista, entende que o conceito de organização criminosa emitido em sede da Convenção de Palermo é satisfatório.
Essa Convenção de Palermo tem uma definição muito boa. Organização criminosa é um grupo formado por, pelo ou menos, três pessoas, que utilizam meios tecnológicos avançados para prática de crimes altamente lesivos aos interesses da sociedade. E, na maioria das vezes, ela utiliza-se de funcionários públicos. Todas as investigações feitas por nós envolvem, geralmente, funcionários públicos, valores monetários altos, crimes de corrupção e meios tecnológicos avançados. (GOMES, Paulo; 2007, p.03).
O Federal Bureau ofInvestigations (FBI), de forma extremamente ampla, definiu o crime organizado como sendo “qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada, cujo objetivo seja a busca de lucros através de atividades ilegais”.
Já para INTERPOL,
é qualquer grupo de criminosos que, tendo estrutura corporativa, estabeleça como objetivo básico a obtenção de recursos financeiros e poder através de atividades ilegais, freqüentemente recorrendo, para tanto, ao medo e intimidação de terceiros.
O doutrinador brasileiro Guaracy Mingardi, citado por Mendroni, assim as definiu:
grupo de pessoas voltadas para as atividades ilícitas e clandestinas que possui uma hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial, que compreende a divisão de trabalhos e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e intimidação, tendo como fontes de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela, a imposição da Lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção de território (MENDRONI, 2002, p. 6-7)
Em meio às críticas lançadas por relevante segmento da doutrina em relação à ausência de definição por parte do legislador sobre as organizações criminosas é que veio o Projeto de Lei (PL) nº 3.731/1997 a tentar corrigir as falhas apontadas na Lei 9.034/95. Dispõe este PL sobre as organizações criminosas, os meios de obtenção de prova e o procedimento criminal. No tocante à definição das organizações criminosas, assim estabelece o art. 1º do PL 3.731/1997:
Art. 1º Considera-se organização criminosa a associação de três ou mais pessoas, por meio de entidade jurídica ou não, estruturada de forma estável, visando a obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, para a prática de:
I – tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou produtos que causam dependência física ou psíquica;
II – terrorismo e seu financiamento;
III – contrabando ou tráfico ilícito de armas, munições, explosivos, ou materiais destinados à sua produção;
IV – extorsão mediante seqüestro;
V – crime contra a Administração Pública;
VI – crime contra o sistema financeiro nacional;
VII – crime contra a ordem econômica e tributária;
VIII – exploração de jogos de azar cumulada com outros delitos;
IX – crime contra instituições financeiras, empresas de transporte de valores ou cargas e a receptação de bens ou produtos que constituam proveito auferido por esta prática criminosa;
X – lenocínio ou tráfico de mulheres;
XI – tráfico internacional de criança ou adolescente;
XII – lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores;
XIII – tráfico ilícito de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano;
XIV – homicídio qualificado;
XV – falsificação, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais;
XVI – crime contra o meio ambiente e o patrimônio cultural;
XVII – outros crimes previstos em tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja parte.
Paulo Gomes - chefe do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e de Investigações Criminais (GAECO) - critica esse PL, apontando o arrolamento de crimes integrante do conceito de organização criminosa como sendo uma falha. Para ele, listar crimes é medida que tornaria, com o passar do tempo, o instituto anacrônico, tendo em vista a versatilidade com que agem as organizações criminosas, com o cometimento, inclusive, de delitos outros, na tentativa, sempre, de burlar a lei, com vistas ao lucro espúrio.
No Brasil a legislação é muito fraca. Nos EUA, eles têm uma lista com quatrocentos crimes. No Brasil, o Projeto indica lá uma “listinha” de poucos crimes. Então, isso é um absurdo. Pode haver uma organização criminosa voltada só para prática de estupro, por exemplo.
A par dessas considerações, o que se verifica é que nenhum desses conceitos acima elencados, ressalvando-se o do PL nº 3.731/1997, revela um conceito mais preciso sobre as “organizações criminosas”. É que todos esses pretensos conceitos apenas indicam características das organizações criminosas, que podem ou não se verificar nesta ou naquela organização criminosa. Desta forma, tais “conceitos” não traduzem em enunciações a essência real das organizações criminosas, por serem demasiadamente amplos, abertos e porosos.
Sendo assim, poderá haver restrição ou ampliação desnecessária, eis que nenhum desses “conceitos” traz uma segurança do que efetivamente sejam tais entidades criminosas. Assim, pode ocorrer que, em determinada hipótese, a situação fática se amolde perfeitamente à hipótese da norma, não se tratando, entretanto, de atividade perpetrada por essas entidades. Ou, pode ser que, com o avanço desmedido da tecnologia, ou mesmo com a sagacidade de desses grupos, a norma peque por não alcançar determinadas organizações criminosas.
Nesse espeque é que Hireche entende não haver na legislação pátria um conceito de “organização criminosa”, por patente impossibilidade, uma vez que, para ele, tais entidades inexistem no mundo fático. Assim, defende que a aplicação das normas da Lei 9.034/95 fere o princípio da legalidade.
Diversamente, entendia Luiz Flávio Gomes (1997) - até o advento da Lei 10.217/01 - que a Lei 9.034/95 tratava-se de tipo penal aberto em sentido estrito, cabendo ao juiz complementar o sentido da norma. Isso porque, para ele, o legislador de 1995 deferira um mínimo de definição à organização criminosa, sendo esta a que apresentaria os requisitos do art. 288, do Código Penal (tipo de bando ou quadrilha), além de outros, que seriam a presença de algumas das características explicadas no tópico 2.1 deste trabalho, quais sejam, a hierarquia estrutural, o planejamento empresarial, o uso de meios tecnológicos avançados, a divisão funcional de atividades, a conexão com funcionários públicos etc. Tais características, assim, seriam um plus que caracterizaria um grupo de mais de três pessoas como sendo uma organização criminosa. E caberia ao juiz dizer se há ou não em determinado grupo criminoso esse plus, ou seja, deveria o juiz verificar se, numa determinada hipótese, mediante critérios valorativos, que variam em razão de tempo de espaço (elemento normativo do tipo), faz-se presentes ou não os outros elementos que configuram tais organizações, que seriam, pois, apresentar ou não o grupo criminoso algumas das características apontadas pela doutrina relativas à criminalidade organizada.
Flávio Gomes, inclusive, propôs um esboço de projeto de lei nestes moldes:
O Presidente da República
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a Lei:
Art. 1o O art. 288 e seu parágrafo único do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passam a ter a seguinte redação:
ASSOCIAÇÃO ILÍCITA:
Art. 288. Associarem-se duas ou mais pessoas, de modo estável e permanente, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão , de um (1) a três (3) anos.
ASSSOCIAÇÃO ARMADA
§1o. A pena aplica-se em dobro, se a associação ilítica é armada.
ASSOCIAÇÃO ORGANIZADA
§2o Se a associação ilícita é organizada:
Pena - reclusão , de três (3) a seis (6) anos.
§3o. Considera-se organizada a associação ilícita quando presentes no mínimo três das seguintes características:
I - hierarquia estrutural;
II - planejamento empresarial;
III - uso de meios tecnológicos avançados;
IV - recrutamento de pessoas;
V - divisão funcional das atividades;
VI - conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agente do poder público;
VII - oferta de prestações sociais;
VIII - divisão territorial das atividades ilícitas;
IX - alto poder de intimação;
X - alta capacidade para a prática de fraudes;
XI - conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.
Com a promulgação da Lei 10.217/2001, que alterou a Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95), Luiz Flávio Gomes passou a afirmar que a sua sustentação jurídica anterior acerca da aplicabilidade da Lei 9.034/95 tornou-se insubsistente, uma vez que o legislador de 2001 distinguira claramente a quadrilha ou bando das associações criminosas, bem como das organizações criminosas.
Com a edição da Lei 10.217, de 11.04.01 (DOU de 12.04.01), o cenário é completamente diverso. A interpretação que acaba de ser referida perdeu toda sua sustentação normativa, porque agora a lei nova distingue com clareza insuspeitável a quadrilha ou bando das associações criminosas assim como das organizações criminosas (são três coisas distintas). (GOMES; 2007, p. 04)
Superada a breve análise sobre a existência, características e conceituação das organizações criminosas, que não cabe, neste trabalho, um aprofundamento maior, passa-se ao objeto precípuo deste trabalho: a análise da aplicabilidade da Lei 9.034/95 e dos atos investigatórios, em espécie, previstos pela mesma Lei.
[1] 1 Anotações da palestra proferida pelo professor Osvaldo Bastos Jr., no Seminário “Crime Organizado e Delitos Conexos”.
2 “Estatuto do PCC:
1. Lealdade, respeito, e solidariedade acima de tudo ao Partido
2. A Luta pela liberdade, justiça e paz
3. A união da Luta contra as injustiças e a opressão dentro das prisões
4. A contribuição daqueles que estão em Liberdade com os irmãos dentro da prisão através de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate
5. O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido, para que não haja conflitos internos, porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a irmandade será excluído e repudiado do Partido.
6. Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais, contra pessoas de fora. Porque o ideal do Partido está acima de conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre Leal e solidário à todos os seus integrantes para que não venham a sofrerem nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos.
7. Aquele que estiver em Liberdade "bem estruturado" mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, serão condenados à morte sem perdão
8. Os integrantes do Partido tem que dar bom exemplo à serem seguidos e por isso o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.
9. O partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas sim: a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse como ao Bem de todos, porque somos um por todos e todos por um.
10, Todo integrante tem que respeitar a ordem e a disciplina do Partido. Cada um vai receber de acôrdo com aquilo que fez por merecer. A opinião de Todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido.
11. O Primeiro Comando da Capital PCC fundado no ano de 1993, numa luta descomunal e incansável contra a opressão e as injustiças do Campo de concentração "anexo" à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, tem como tema absoluto a "Liberdade, a Justiça e Paz".
12. O partido não admite rivalidades internas, disputa do poder na Liderança do Comando, pois cada integrante do Comando sabe a função que lhe compete de acordo com sua capacidade para exercê-la.
13. Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 02 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos mudar a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas, massacres nas prisões.
14. A prioridade do Comando no montante é pressionar o Governador do Estado à desativar aquele Campo de Concentração " anexo" à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, de onde surgiu a semente e as raízes do comando, no meio de tantas lutas inglórias e a tantos sofrimentos atrozes.
16. Partindo do Comando Central da Capital do QG do Estado, as diretrizes de ações organizadas simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado, numa guerra sem trégua, sem fronteira, até a vitória final.
16. O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando se espalhou por todos os Sistemas penitenciários do estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora, com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos consolidamos à nível estadual e à médio e longo prazo nos consolidaremos à nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho - CV e PCC iremos revolucionar o país dentro das prisões e nosso braço armado será o Terror "dos Poderosos" opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangú I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros.
Conhecemos nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos e um povo unido jamais será vencido.
LIBERDADE! JUSTIÇA! E PAZ!
O Quartel General do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com Comando Vermelho CV
UNIDOS VENCEREMOS” (com erros gramaticais no original).
[2] Cossio retomou e sintetizou a hussuerliana teoria dos objetos, que reconheceu quatro regiões ônticas delimitadoras das características e propriedades do ser”. Como caracteres dos objetos culturais, aponta Cossio:
“a) reais: têm existência no espaço e no tempo
b) estão na experiência
c) são valiosos positiva ou negativamente” (DINIZ, 2004, p.137).
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Ex-Procurador do Estado do Paraná. Ex-Advogado da Petrobras Distribuidora S/A. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Extensão em Direito Constitucional Avançado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Extensão em Licitações Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Luig Almeida. Crime Organizado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 abr 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34629/crime-organizado. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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