Conforme mencionado alhures, o objetivo central do presente trabalho é identificar o termo a quo para a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC. Para melhor compreensão do tema, faz-se necessário colacionar o dispositivo sob enfoque, que tem a seguinte redação:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
O objetivo do legislador ao inserir o mencionado dispositivo no Código de Processo Civil foi estimular o rápido cumprimento das obrigações pecuniárias, de modo a incentivar o devedor a evitar a incidência da multa através do pagamento voluntário. Portanto, dispõe o devedor de quinze dias para satisfazer a obrigação de forma espontânea, sob pena de assistir à incidência de multa que se soma ao valor da condenação. A dúvida que surge, tendo em vista o silêncio do legislador, diz respeito ao termo inicial da contagem do prazo de quinze dias a que se refere o art. 475-J do CPC.
Diante desta omissão legislativa, três correntes doutrinárias tentam solucionar o impasse: para a primeira, é suficiente que ocorra o trânsito em julgado da decisão para que o prazo de quinze dias comece a fluir automaticamente[1]; para a segunda concepção, o devedor deve ser previamente intimado, sendo suficiente que esta intimação se dê na pessoa de seu advogado via publicação na imprensa oficial; para a última corrente doutrinária – e que aqui se defende –, a quinzena começa a fluir com a intimação pessoal do devedor.
Em face da ausência de previsão expressa quanto ao termo inicial para a incidência da multa por falta de pagamento espontâneo, mister se faz analisar de per si cada uma das correntes doutrinárias, bem como o posicionamento da jurisprudência acerca desta matéria.
TERMO INICIAL: COM O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO
Para os adeptos dessa primeira concepção doutrinária, a exigência de intimação do devedor para cumprir a determinação judicial, seja por intermédio de seu advogado ou pessoalmente, violaria a idéia de celeridade que motivou as recentes reformas do CPC. Assim sendo, o trânsito em julgado da decisão, seja em primeiro grau ou segundo grau, seja nos tribunais superiores (STJ e STF) é suficiente para que o prazo de quinze dias comece a fluir automaticamente. Diversos doutrinadores já se manifestaram nesse sentido, razão pela qual a análise de seus fundamentos se impõe. Nesse sentido, vejamos as lições de Araken de Assis (2006):
[...] o art. 475-J, caput, estipulou o prazo de espera de quinze dias, no curso do qual o condenado poderá solver a dívida pelo valor originário, ou seja, sem o acréscimo da multa de 10% (dez por cento). O prazo flui da data em que a condenação se tornar exigível. É o que se extraí da locução “condenado ao pagamento de quantia certa, ou já fixada em liquidação”. [...] O prazo de espera visa à finalidade, sempre louvável, de evitar o processo. Vencido o interregno de quinze dias, automaticamente incidirá a multa de 10% (dez por cento). Por tal motivo, constará da planilha que instruirá o requerimento executivo. (sem grifos no original)
Idêntica opinião é sustentada por Guilherme Rizzo Amaral (2010). Para ele, a finalidade das reformas do CPC é aniquilar etapas desnecessárias do processo, de sorte que a necessidade de intimação do devedor representaria um retrocesso em relação ao sistema anterior. Vejamos os seus ensinamentos:
Transitada em julgado a sentença (ou acórdão), cremos ser desnecessária a intimação do devedor para cumpri-la, bastando a simples ocorrência do trânsito em julgado para que se inicie o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário. [...] Por fim, consideramos premente a necessidade de serem eliminadas as etapas “mortas” do processo, tal qual a que se instauraria entre o trânsito em julgado e a baixa dos autos à origem, e entre esta e a intimação, ex officio, do devedor para cumprimento da sentença transitada em julgado.
Assim, não obstante respeitáveis vozes em sentido contrário, transitando em julgado a sentença ou acórdão, e independentemente de intimação, passa-se a contar o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário da condenação, após o que incidirá, ex vi legis, a multa de 10%, retornando a iniciativa do processo ao credor, para requerer ou não a instauração do procedimento executivo. (sem grifos no orifinal)
O mencionado autor (2010), citando José Maria Rosa Tesheiner, demonstra as dificuldades que a exigência de intimação prévia do devedor para cumprir a obrigação pode acarretar. Assim:
O trânsito em julgado ocorrerá, na maioria dos casos, em outra instância, motivo por que se poderia sustentar que o termo inicial do prazo fixado para pagamento seria o da intimação do despacho de “cumpra-se”, quando do retorno dos autos. Mas isso implicaria a concessão de um prazo, que pode estender-se por vários meses, a um devedor já condenado porque deve e porque em mora. Nota-se que não se trata de depósito, que deva ser autorizado pelo juiz, mas de pagamento, que independe de autos. Nos casos em que a falta deles torne difícil, para o devedor, a elaboração de um cálculo mais exato, resta-lhe a solução de efetuar pagamento parcial, caso em que a multa de dez por cento incidirá sobre o saldo (art. 475-J, §4º). Essa dificuldade, acaso existente, será, na maioria dos casos, imputável à desídia do próprio devedor, que não se muniu de cópias necessárias de atos do processo.
Ainda nesse mesmo sentido é o escólio de Athos Gusmão Carneiro (2005):
Assim, na sentença condenatória por quantia líquida (ou após a decisão de liquidação de sentença), o devedor terá o prazo de quinze dias para cumprir voluntariamente sua obrigação de pagar. Tal prazo passa automaticamente a fluir da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art.512) se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo.
Humberto Theodoro Júnior (2006) adota um posicionamento misto. Para ele, o prazo de quinze dias flui do trânsito em julgado da decisão, caso este ocorra em primeira instância pelo decurso do prazo recursal, ou da intimação das partes sobre a baixa dos autos, no caso de o trânsito em julgado ocorrer em superior instância[2]. Vejamos:
Não tem cabimento a multa se o cumprimento da prestação se der dentro dos quinze dias estipulados pela lei. Vê-se, destarte, que o pagamento não estará na dependência de requerimento do credor. Para evitar a multa, tem o devedor que tomar a iniciativa de cumprir a condenação no prazo legal, que flui a partir do momento em que a sentença se torna exeqüível. [...]
É do trânsito em julgado que se conta dito prazo, pois é daí que a sentença se torna exeqüível. [...] Se o trânsito em julgado ocorre em instância superior (em grau de recurso), enquanto os autos não baixam à instância de origem, o prazo de 15 dias não correrá, por embaraço judicial. Será contado a partir da intimação às partes, da chegado do processo ao juízo da causa.
Nessa ordem de ideias, para os renomados autores acima citados é suficiente que ocorra o trânsito em julgado da decisão para que o prazo de quinze dias passe a fluir automaticamente, ou seja, é desnecessária a intimação do devedor para efetuar o pagamento da obrigação pecuniária. Nos tribunais alguns acórdãos também são nesse sentido:
DIREITO PRIVADO NÃO-ESPECIFICADO. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO CAPUT DO ART. 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA EFETUAR O PAGAMENTO DA CONDENAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE. LEI 11.232/2005. 1. A multa prevista no caput do art. 475-J do CPC, introduzida no capítulo das execuções do Código de Processo Civil pela Lei n.º 11.232/2005, incide na hipótese de o devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação não satisfazer a obrigação no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado da decisão condenatória, independentemente de prévia intimação do devedor para efetuar o pagamento. 2. Desprovimento do recurso. (Agravo de instrumento nº 70018241653, 4ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Paulo Sérgio Scarpano. Julgado em 24/01/2007).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXECUÇÃO DEFINITIVA. DESNECESSIDADE DE NOVA INTIMAÇÃO PARA QUE O DEVEDOR CUMPRA VOLUNTARIAMENTE A OBRIGAÇÃO, BASTANDO O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. INCIDÊNCIA DA MULTA EX VI LEGIS. O prazo de 15 dias para cumprimento voluntário da obrigação começa a correr quando do trânsito em julgado da sentença ou acórdão. Transcorrido o prazo, incide, por força da lei, a multa de 10%. Portaria nº 20/2006 da CGJ, que regulamenta a matéria. AGRAVO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento nº 70019215011, 16ª Câmara Cível do TJ/RS, Rel. Ergio Roque Menine. Julgado em 09/04/2007).
A primeira decisão do STJ sobre a matéria, nos termos do r. acórdão prolatado no REsp nº 954.859, Terceira Turma, também entendeu pela desnecessidade de intimação do devedor, seja na pessoa do seu advogado ou pessoalmente, para o início da fluência do prazo de quinze dias assinalado no art. 475-J, CPC. Vejamos:
LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%. (REsp nº 954.859- RS, 3ª Turma do STJ, Min. Humberto Gomes de Barros. Julgado em 16/08/07). (sem grifos no original)[3]
A Terceira Turma do STJ entendeu que o prazo de quinze dias deve ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão, independentemente de qualquer intimação. Com efeito, entendeu o Tribunal que a reforma da Lei teve como objetivo acelerar o cumprimento das decisões judiciais, de sorte que a necessidade de intimação do devedor, seja na pessoa de seu advogado ou pessoalmente, não se compatibilizaria com o escopo da reforma.
Alertou a Terceira Turma do STJ que caberá ao advogado a responsabilidade pelo pagamento de indenização se não avisar a tempo seu cliente do trânsito em julgado da decisão. Portanto, deve o advogado comunicar seu constituinte do trânsito, sob pena de arcar com o prejuízo por atraso no adimplemento da obrigação.
Esse acórdão do STJ foi severamente criticado pelo diretor tesoureiro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Júnior (2010), que alertou:
Esse posicionamento deve merecer pronta resposta da OAB na defesa das prerrogativas profissionais, pois o advogado se limita, apenas, a usar os instrumentos legais na defesa do seu constituinte, não podendo ser penalizado por um ato que é da parte e não seu, pessoal. [...] A decisão avança sobre uma discussão que deverá ser travada em cada caso concreto, pois muitas vezes nem o advogado tem conhecimento do trânsito em julgado, seja porque nada é publicado no Diário Oficial nesse sentido; seja porque trabalha em local onde a Internet não chegou; seja porque não manuseia computador; seja porque o seu cliente não foi encontrado; seja ainda porque o cliente, mesmo avisado, tenta atribuir a culpa ao advogado por ter perdido a ação. (sem grifos no original)
O membro da diretoria da OAB criticou a decisão da Corte Especial no que tange à responsabilidade do advogado, acaso a parte não cumpra a sua obrigação pecuniária. Para ele, o advogado não pode ser responsabilizado por um ato pessoal da parte. Com efeito, o advogado possui capacidade para a prática de atos postulatórios, para viabilizar a defesa de seu constituinte, não podendo ser responsabilizado por um ato personalíssimo da parte (in casu, o pagamento da obrigação pecuniária).
Nessa linha de idéias, o diretor da OAB Nacional pontuou um dos entraves que a adoção deste primeiro posicionamento (que entende que o prazo flui do trânsito em julgado) pode ocasionar. Com efeito, esta corrente doutrinária, em última análise, acaba por responsabilizar o advogado por uma obrigação que é nitidamente pessoal da parte. De fato, sendo obrigação personalíssima da parte, faz-se imprescindível que ela (parte) seja alertada pessoalmente acerca das conseqüências do inadimplemento da obrigação no prazo assinalado em lei, não devendo recair sobre o advogado nenhuma responsabilidade por este ato.
Além disso, cumpre destacar que nas funções desempenhadas pelo advogado não consta o dever de intimar o seu constituinte para a prática de atos que a este incumbe. Ocorre que o STJ, com este precedente, acabou por transferir para o advogado o ônus de intimar a parte, tarefa que compete, na verdade, ao Judiciário. Com efeito, o advogado, de forma prudente e zelosa, objetivando resguardar-se de eventuais responsabilidades, deverá intimar o seu constituinte, tomando a termo esta intimação, para que fique imune de possíveis penalidades decorrentes do descumprimento, pelo seu cliente, da obrigação pecuniária no prazo previsto em lei. Verifica-se, assim, que com este entendimento do STJ, o ônus da intimação foi deslocado do serviço judiciário para o advogado, o que, d.v., não se pode concordar.
Diante deste entendimento do STJ, extremamente oneroso para os advogados, o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Carlos Levenzon, do Rio Grande do Sul, encaminhou ao presidente nacional da OAB, Cezar Britto, proposta de alteração no artigo 475-J do CPC, para que passe a ter a seguinte redação:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, e intimado pessoalmente, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. (sem grifos no original)
Como visto, a multa tem a finalidade de coagir o devedor a cumprir espontaneamente a obrigação, e tal finalidade certamente não será alcançada se o devedor não tiver conhecimento do momento exato em que a sua obrigação se tornou exigível. A finalidade coercitiva da multa seria absolutamente inócua, restando tão somente como meio de enriquecimento sem causa do credor.
Os inconvenientes dessa primeira corrente doutrinária e jurisprudencial não param por aí. Com efeito, para que o prazo de quinze dias comece a fluir é necessário que o devedor tenha acesso aos autos para que possa realizar, de maneira precisa, os cálculos do valor da condenação. Neste particular cabe lembrar, com esteira nos ensinamentos de Cássio Scarpinella Bueno (2006, p.146), que nos casos em que o quantum da condenação depender de elaboração de cálculos (art. 475-B), estes deverão ser apresentados pelo próprio devedor e não pelo credor[4]. Assim:
Quando a quantificação depender da elaboração de meros cálculos aritméticos, não há mais – e isto de forma expressa e inescondível desde 1994 – propriamente uma liquidação. Por isso que nestes casos o próprio devedor, independentemente de qualquer outra atividade perante o juízo, tem de acatar a sua “condenação”. Mesmo que, repito, para frisar o que escrevi, ele, o devedor, precise elaborar contas para identificar o quantum devido e viabilizar o pagamento respectivo, único comportamento que, segundo penso, será apto para afastar a incidência da multa do caput do art. 475-J. (com grifo no original).
Assim sendo, tendo em vista que na maioria das vezes a decisão transita em julgado nos Tribunais Superiores (STJ, STF), a ausência dos autos em primeira instância inviabilizaria a elaboração dos cálculos pelo devedor. Com efeito, a ausência dos autos “prejudica a correta elaboração dos cálculos pelo devedor, muitas vezes complexo, sobretudo quando há reforma, ainda que parcial, da decisão em sede recursal”. (SANT’ANNA, 2007)
Paulo Afonso de Souza Sant’Anna (2007), citando Carlos Alberto Carmona, elucida muito bem a problemática acima exposta:
O devedor, para poder cumprir a sentença, no mais das vezes terá necessidade de amplo acesso aos autos do processo, pois caberá a ele, devedor, calcular o valor exato da dívida para efetuar o depósito judicial da quantia total objeto da condenação. E diga que o acesso aos autos pode ser essencial porque, para o cálculo das verbas de condenação, muitas vezes será necessário averiguar o valor do pagamento de custas, conferir as respectivas datas (para contar juros e correção monetária), checar o valor de cada diligência adiantada pelo adversário, cotejar o valor das despesas, enfim, será indispensável a obtenção de uma pletora de dados para que o devedor possa calcular com precisão o valor a depositar. No cumprimento “voluntário” da sentença, desnecessário dizer, cabe ao devedor fazer o cálculo do valor a pagar, e qualquer erro no depósito estimulará o credor a pleitear a atividade satisfativa, incidindo a multa sobre o valor que o devedor tiver deixado de depositar. Por conta disso, não parece razoável obrigar o devedor a deslocar-se ao tribunal onde se processa o recurso (e onde será verificado e certificado o trânsito em julgado da decisão) para lá consultar os autos a fim de efetuar, às pressas, depósito em primeiro grau, tudo no afã de evitar a incidência da multa: esta interpretação da lei retiraria do dispositivo enfocado (art. 475-J) sua grande virtude, qual seja, a de estimular o cumprimento voluntário da sentença”. (sem grifos no original)
Percebe-se, portanto, as dificuldades práticas que o devedor teria que suportar caso não tivesse acesso aos autos no instante em que a decisão transitou em julgado. Ademais, não se pode querer atribuir esta dificuldade decorrente da ausência dos autos ao próprio devedor, por não ter se munido de cópias necessárias de atos do processo, “não apenas porque as partes não são obrigadas a manter cópia absolutamente fidedigna dos autos, mas sobretudo porque tal posição, com o devido respeito, ignora a realidade forense”. (SANT’ANNA, 2007)
Verifica-se, por conseguinte, que esta teoria tem sido rechaçada pela doutrina, tendo em vista os inconvenientes práticos que ela acarreta. Ademais, cumpre ainda salientar, que o artigo 240 do CPC prescreve que “salvo disposição em contrário, os prazos para as partes, para a Fazenda Pública e para o Ministério Público contar-se-ão da intimação”, logo, inexistindo regra em sentido contrário no art. 475-J do CPC, o prazo de quinze dias nele referido tem de fluir da intimação. Assim sendo, não pode ser aceito o entendimento da fluência automática do prazo, por ser uma opinião d.v. contrária à lei.
Por derradeiro, não se pretende negar que o posicionamento que fixa o termo inicial da incidência da multa a partir do trânsito em julgado da decisão é o mais consentâneo com o objetivo da reforma processual, já que privilegia o princípio da celeridade. Ademais, também cumpre reconhecer que a decisão que transitou em julgado já reúne eficácia suficiente para ser cumpria e, por via de conseqüência, nova intimação para esse fim seria desnecessária. Ocorre, entrementes, que esses argumentos são insuficientes quando estamos diante de um processo civil voltado para os princípios constitucionais.
Com efeito, à luz da Constituição Federal, e em especial aos princípios do contraditório, ampla defesa e da publicidade, é que se afigura necessário que a parte seja cientificada formalmente de que o comando judicial deve ser cumprido. Nesse sentido, lembra Cássio Scarpinella Bueno (2006) de forma irretocável que:
[...] o entendimento que sustento no texto não coloca em dúvida a eficácia das decisões judiciais, mas a necessidade de ciência formal de que sua eficácia está “liberada”, em nome do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. A nossa divergência, destarte, reside no plano da ciência da decisão (sua desnecessidade ou não) e não no plano da eficácia, qualquer que seja dado o nome a seus particulares efeitos. (com grifo no original)
Nessa ordem de idéias, a intimação das partes após o trânsito em julgado “é necessária, verdadeiramente imperiosa, em nome do ‘modelo constitucional do processo civil’, para que o devedor tenha ciência de que deve, ou não, fazer algo, in casu, cumprir o julgado, pagando o valor da dívida.” (BUENO, 2006) (com grifo no original).
Em definitivo, nota-se que muitos são os inconvenientes deste posicionamento que fixa como o termo a quo para a incidência da multa o trânsito em julgado da decisão: 1) possível responsabilidade dos advogados por um ato que é personalíssimo da parte; 2) as dificuldades práticas ocasionadas pela ausência dos autos em primeira instância (uma vez que a ausência dos autos dificulta a elaboração dos cálculos pelo devedor); 3) expressa disposição legal de que os prazos para as partes contam-se da intimação (art. 240, CPC); 4) os mandamentos constitucionais determinam adequada publicidade para o cumprimento do julgado.
Assim sendo, por todos os argumentos acima lançados é que esta primeira concepção deve ser, d.v., preliminarmente rechaçada.
TERMO INICIAL: COM A INTIMAÇÃO DA PARTE POR INTERMÉDIO DE SEU ADVOGADO
Uma parcela da doutrina e da jurisprudência entende que somente depois da intimação do devedor, por intermédio de seu advogado, é que será aberto o prazo de quinze dias para cumprimento voluntário da decisão. Trata-se de uma corrente intermediária, tendo em vista que se afasta da primeira concepção acima tratada (que entende que o prazo flui do trânsito em julgado da decisão) por visualizar os problemas práticos que ela acarreta e, por outro lado, afasta-se do entendimento que afirma ser imprescindível a intimação pessoal do devedor, por entender que a intimação da parte esbarraria no principal objetivo da reforma processual, qual seja, a celeridade.
Cássio Scarpinella Bueno (2006) defende este posicionamento. Para ele, conforme abordado no item anterior, a intimação da parte, por intermédio de seu advogado, é imprescindível em nome do modelo constitucional do processo civil, já que a fluência de prazos não pode depender de impressões subjetivas. Assim, é necessário que o devedor seja comunicado, na pessoa de seu causídico, que a decisão está apta a ser cumprida. Vejamos os seus ensinamentos:
Por estas razões, forte na noção constitucional de que o cumprimento escorreito do julgado pressupõe adequada publicidade e condições materiais suficientes que atestem que há uma decisão judicial eficaz, apta para ser cumprida (e que tais condições limitem-se ao recebimento dos autos em que proferida a decisão exeqüenda ao primeiro grau de jurisdição, importa menos), é que ainda prefiro, com renovadas vênias, manter o entendimento de que o prazo do art. 475-J depende de prévia ciência do devedor, por intermédio de seu advogado, de que o julgado reúne as condições suficientes para cumprimento. E o “cumpra-se o v. acórdão”, para manter os olhos na vida do foro, parece-me, ainda, ser um bom momento para tanto – não exclusivo e não necessário, evidentemente, mas oportuno para manter, para a “fase de cumprimento da sentença”, as garantias exigidas pela Constituição Federal e que devem afetar todo o “ser” do processo civil. (sem grifos no original)
Fredie Didier Júnior (2010) também defende que o prazo de quinze dias a que se refere o art. 475-J do CPC começa a fluir com a intimação do devedor, por intermédio de seu advogado. Assim:
A principal discussão doutrinária sobre esse dispositivo relaciona-se com a necessidade ou não de intimação para cumprimento espontâneo da decisão. [...] Parece que a melhor interpretação é a que exige a intimação do devedor, que pode ser feita pela imprensa oficial, dirigida ao seu advogado, consoante a tendência que vem se firmando em nosso ordenamento (p. ex: arts. 57, 316, 475-A, § 1º, 475-J, § 1º, 659, §5º etc.).
Para justificar o seu posicionamento, o mencionado autor cita diversos dispositivos legais para demonstrar que a tendência adotada no ordenamento jurídico pátrio é a intimação da parte na pessoa de seu procurador. Ocorre, entrementes, que todos os artigos citados determinam expressamente que a intimação seja concretizada na pessoa do advogado da parte. Portanto, nesses dispositivos exemplificados pelo autor, não remanescem dúvidas acerca da possibilidade de realização da intimação na pessoa do advogado.
Não se pretende negar, até porque já foi demonstrado no capítulo 2 deste trabalho, que ordinariamente a comunicação dos atos processuais é dirigida ao advogado, já que assim o processo civil ganha mais celeridade. Ocorre que esta regra não é absoluta. Com efeito, em certos casos, a intimação pessoal da parte se impõe tendo em vista a natureza do ato a ser praticado e as conseqüências que podem advir do descumprimento do comando judicial. No caso do dispositivo estudado (art. 475-J), o ato a ser realizado (pagamento) é da parte, e a conseqüência pela inobservância da ordem judicial (multa de 10% a ser acrescentada ao valor da condenação) será suportada pela parte. Assim sendo, a regra geral de que as intimações são dirigidas ao advogado não pode subsistir para o art. 475-J do CPC.
Carlos Alberto Carmona (2006) também advoga a tese de que o termo a quo para a contagem do prazo é da intimação das partes, na pessoa de seu advogado. Vejamos:
[...] somente depois da cientificação do devedor (por meio da intimação de seu advogado, pela imprensa oficial) é que terá início o prazo de quinze dias para cumprimento espontâneo da decisão (findo o qual – se correr in albis – arcará o vencido com o acréscimo legal).
Paulo Afonso de Souza Sant’Anna (2007) também já externou entendimento de que a intimação deve ser feita ao advogado, por meio da imprensa oficial. O autor discorda da intimação pessoal já que esta pode gerar incidentes processuais desnecessários, caso o devedor não seja localizado no endereço constante nos autos. Para ele:
[...] a exigência de intimação pessoal da parte equivale, na prática, à antiga citação, cuja eliminação foi um dos grandes propósitos da Lei 11.232/05. A dificuldade de encontrar o devedor para uma segunda citação após o término do processo de conhecimento era um dos grandes entraves do sistema anterior e por isso foi eliminada, conforme expressamente se colocou na exposição de motivos da Lei 11.232/05.
A jurisprudência também já entendeu ser suficiente a intimação do devedor por intermédio de seu advogado (inclusive a própria Terceira Turma do STJ mudou seu posicionamento, conforme se observa infra):
AGRAVO REGIMENTAL - CUMPRIMENTO DA SENTENÇA - ARTIGO 475-J DO CPC - MULTA DE DEZ POR CENTO - INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA, NA PESSOA DE SEU ADVOGADO - OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - RECURSO IMPROVIDO. (AgRg no Ag 1263408 / RS, Terceira Turma, Min. Massami Uyeda, DJ 19/08/2010, DJe 06/09/2010)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR. Tenho entendido desnecessária a intimação pessoal do devedor para incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC, sendo suficiente a realizada na pessoa de seu advogado. Mas não basta a intimação do resultado do julgamento, sendo exigível também para cumprimento do julgado. Além disso, no caso, que envolve processo em tramitação quando da alteração legislativa, cuja norma não é clara, e sim enseja divergência, não é razoável impor a multa sem nova intimação. Recurso parcialmente provido. (Agravo de instrumento nº 70019681592, rel. Paulo Roberto Félix, 15ª Câmara Cível do TJ/RS. Julgado em 14/09/2007). (Sem grifos no original)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. TÍTULO JUDICIAL FORMADO EM AÇÃO COLETIVA. DESNECESSIDADE DA INTIMAÇÃO DO DEVEDOR, BASTANDO A INTIMAÇÃO DO SEU ADVOGADO PARA O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. LEI NOVA. APLICAÇÃO IMEDIATA. RECURSO NÃO PROVIDO. (Agravo de instrumento nº 18359, rel. Albino Jacomel Guerios, 5ª Câmara Cível do TJ/PR. Julgado em 30/07/2007).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. PAGAMENTO ESPONTÂNEO. PRAZO DE 15 DIAS A CONTAR DA INTIMAÇÃO DO DEVEDOR NA PESSOA DO SEU ADVOGADO. INCIDÊNCIA DA MULTA DE 10% PREVISTA NO ART. 475-J, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, APENAS SE NÃO HOUVER O PAGAMENTO APÓS REGULAR INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DO EXECUTADO. MANDADO DE PENHORA E DE AVALIAÇÃO. EXPEDIÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE NÃO PAGAMENTO DO DÉBITO NO PRAZO FIXADO. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de instrumento nº 6734, rel. Renato Naves Barcellos, 16ª Câmara Cível do TJ/PR. Julgado em 08/08/2007).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J, DO CPC. OMISSÃO DO LEGISLADOR SOBRE O TERMO INICIAL DO PRAZO DE 15 DIAS PARA CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. 2. Com base na nova dinâmica da execução, que busca dar maior celeridade ao processo, os mais radicais entendem que tal prazo começa a correr do trânsito em julgado da sentença, porque a partir daí ela passa a ser exeqüível, sendo desnecessária qualquer intimação. 3. No pólo oposto estão aqueles que exigem a intimação pessoal do devedor, sob pena de violação da garantia constitucional do devido processo legal, pois não se pode ter certeza de quando ele ficou ciente da exeqüibilidade da obrigação nem quando e onde o processo está disponível para cumprimento da sentença. 4. A melhor solução para a controvérsia está no meio termo. Se é verdade que a corrente mais radical levaria à violação do princípio do devido processo legal, não menos verdade é que exigir a intimação pessoal do devedor enfraquece o objetivo principal da novel legislação, que é dar maior celeridade ao processo e efetividade ao julgado. 5. Concluindo: o devedor deve ser intimado sim para cumprir o julgado, pois não se pode exigir o cumprimento de uma obrigação de alguém sem que se lhe dê ciência de sua exeqüibilidade; entretanto, tal intimação não é de ser feita pessoalmente, podendo ser efetivada através do advogado, via publicação na imprensa oficial. 6. Provimento parcial do recurso. (Agravo de instrumento nº 2007.002.15367, rel. Paulo Mauricio Pereira, 9ª Câmara Cível do TJ/RJ. Julgado em 25/09/2007) (sem grifos no original)
Do exposto, nota-se que os adeptos deste posicionamento preceituam que a intimação é necessária para cientificar o devedor de que a eficácia da decisão está liberada, uma vez que a fluência de prazos não pode depender de impressões subjetivas. Para essa corrente doutrinária e jurisprudencial é suficiente que esta intimação seja realizada na pessoa do advogado da parte. Do contrário, a exigência de intimação pessoal do devedor equivaleria à antiga citação realizada no processo autônomo de execução, cuja eliminação foi um dos grandes objetivos da reforma empreendida pela Lei 11.232/05.
TERMO INICIAL: COM A INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR
Para uma terceira parcela da doutrina e da jurisprudência – e que aqui se defende –, o prazo de quinze dias a que se refere o art. 475-J do CPC deve ser contado da intimação pessoal do devedor para que ele possa efetuar o pagamento da condenação. Os argumentos favoráveis a este entendimento demonstram que a necessidade de intimação pessoal da parte é a medida mais eficaz e justa.
Inicialmente, cumpre relembrar que a necessidade de intimação do devedor para cumprir o julgado decorre dos princípios constitucionais que norteiam o processo civil. Conforme analisado no tópico anterior, a intimação é imprescindível para cientificar o devedor de que a obrigação está apta para ser cumprida, vale dizer, não se trata de duvidar da eficácia da decisão que transitou em julgado, mas da necessidade de se garantir a sua adequada publicidade, em nome do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Portanto, não cabe neste tópico analisar a corrente doutrinária que defende que o prazo de quinze dias flui do trânsito em julgado, já que a sua análise foi feita no item 4.1. A imprescindibilidade da intimação já foi demonstrada. O que resta ser feito é verificar se esta intimação deve ser feita diretamente ao devedor ou se é suficiente que a parte seja intimada por intermédio de seu advogado.
Como se sabe, o art. 475-J do CPC estabeleceu um prazo de quinze dias para que o devedor cumpra a sua obrigação pecuniária, sob pena de o valor da condenação ser acrescido de uma multa no percentual de 10%. O legislador, no entanto, não mencionou a partir de quando começa a fluir a quinzena. O silêncio do legislador desemboca no primeiro argumento favorável à intimação pessoal da parte para adimplir a obrigação. Com efeito, o art. 240 do CPC preceitua que, salvo disposição em contrário, os prazos para as partes fluem da intimação. Assim sendo, tendo em vista a ausência de previsão expressa no art. 475-J do CPC, o prazo nele mencionado deve ser contado da intimação. Nessa ordem de pensamento dispara Alexandre Freitas Câmara (2007, p.115):
Penso que o termo a quo desse prazo quinzenal é a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença. Não pode ser mesmo de outro modo. Em primeiro lugar, é expresso o art. 240 do CPC em afirmar que, salvo disposição em contrário, os prazos para as partes correm da intimação. Ora, se não há expressa disposição em contrário no art. 475-J (ou em qualquer outro lugar), o prazo de quinze dias ali referido tem de correr da intimação. Não pode, pois, ser aceita a idéia da fluência automática do prazo, por ser uma opinião data venia contrária à lei. (sem grifos no original)
E nem se queira argumentar que no silêncio do legislador deve-se aplicar a regra geral da comunicação dos atos processuais, qual seja, a intimação através da imprensa oficial na pessoa do advogado. Conforme visto no item 2.3.2, essa regra deve ser excepcionada sempre que o ato a ser praticado for personalíssimo da parte e/ou quando as conseqüências pelo descumprimento do comando judicial forem suportadas pela parte. Nesses casos, a intimação deve ser aperfeiçoada na pessoa do devedor. Nesse sentido, vejamos as lições de Misael Montenegro Filho (2010):
Em nossa compreensão, em face da conseqüência detalhada na norma (incidência de multa em percentual inegavelmente expressivo), entendemos que a intimação deve ser aperfeiçoada na pessoa do devedor, preferencialmente através do cumprimento do mandado judicial, com a advertência contida na parte final do art. 285 do CPC, aplicável à espécie por analogia. [...] A intimação destinada ao vencido, na fase de execução, não o deixa advertido de que a não-apresentação da defesa acarretaria o quadro da revelia, já que sequer está sendo convocado para apresentar defesa, mas para adimplir a obrigação no prazo previsto em lei, sob pena (e é esta a advertência que deve constar) de assistir à incidência de multa que se soma ao principal, comportando o posterior desencadeamento de atos expropriatórios. (sem grifos no original)
Assim, é necessário que a parte seja intimada pessoalmente para que ela seja devidamente cientificada de que o não-pagamento da obrigação no prazo de quinze dias enseja uma multa de 10% a ser somada ao valor da condenação.
E não é só. É preciso ter em mente que a intimação, in casu, justifica-se que seja feita na pessoa do devedor, porque o ato a ser realizado (pagamento) é um ato personalíssimo da parte. Com efeito, cumpre distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos personalíssimos da parte[5].
Para os atos que exigem capacidade postulatória, a figura do advogado é indispensável, eis que o ato a ser praticado é essencialmente processual, razão pela qual a intimação deve ser dirigida aos procuradores da parte. Assim, por exemplo, o art. 475-J, §1º, preceitua que “do auto de penhora e avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237) ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias”. Andou bem o legislador ao determinar que a intimação seja feita na pessoa do advogado do executado, tendo em vista que o ato a ser praticado (oferecimento de impugnação à execução) exige capacidade postulatória, em virtude de sua natureza estritamente processual.
No tocante aos atos personalíssimos, a intimação não pode ser feita ao representante processual, uma vez que o ato de cumprimento ou descumprimento do comando judicial é algo que somente será exigido da parte. Nesta ordem de idéias, sendo o pagamento um ato personalíssimo da parte (por óbvio, o advogado não vai pagar por seu cliente), parece mais razoável (e justo) que a parte seja intimada pessoalmente para a sua prática.
Assim sendo, nota-se que quando o Código de Ritos dispôs sobre a prática de um ato eminentemente processual, como é o caso do art. 475-J, §1º, CPC, a intimação foi expressamente dirigida ao advogado da parte (e mesmo que não houvesse disposição expressa neste sentido, seguramente não haveria discussão quanto ao destinatário desta intimação, já que incidiria a regra geral da intimação dirigida ao advogado via imprensa oficial, tendo em vista o conteúdo nitidamente processual do ato a ser praticado). Entretanto, a lei silenciou-se quanto à intimação para o cumprimento da obrigação contida na sentença e esta lacuna da lei não pode ser suprida por uma interpretação extensiva de forma a possibilitar a intimação na pessoa do advogado, já que o ato de pagar é personalíssimo do devedor, não havendo justificativa para que a intimação seja direcionada ao seu patrono.
Nesse sentido, vejamos as lições de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina (2010):
Segundo pensamos, é necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação. No sistema jurídico processual, há intimações que devem ser dirigidas às partes, e intimações que devem ser dirigidas aos advogados. Para tanto, são observados os seguintes critérios, em regra: (a) para a prática de atos processuais que dependem de capacidade postulatória (CPC, art. 36), a intimação deve ser dirigida ao advogado; (b) para a prática de atos pessoais da parte, atos subjetivos que dependem de sua participação e que dizem respeito ao cumprimento da obrigação que é objeto do litígio, a parte deve ser intimada pessoalmente. [...] O cumprimento da obrigação não é ato cuja realização dependa de advogado, mas é ato da parte. Ou seja, o ato de cumprimento ou descumprimento do dever jurídico é algo que somente será exigido da parte, e não de seu advogado, salvo se houver exceção expressa, respeito, o que inexiste, no art. 475-J, caput, do CPC. (com grifos no original)
Marcelo Abelha Rodrigues (2006) adota semelhante entendimento. Assim sendo, como o pagamento é um ato da parte, a esta deve ser dirigida a intimação. Vejamos:
O prazo de quinze dias a que alude o dispositivo deve ser contado (termo a quo) da intimação do devedor para que ele possa efetuar o pagamento espontâneo da quantia imposta na condenação. [...] Ora, como o ato processual previsto no dispositivo é destinado exclusivamente à parte, parece-nos que deverá ser intimada pessoalmente para a sua prática. (sem grifos no original)
Observe-se, ainda, que a multa prevista no art. 475-J, CPC, visa estimular o rápido cumprimento da obrigação pecuniária, de modo a incentivar o devedor a evitar a incidência da multa através do pagamento voluntário. Assim, para que o objetivo da multa seja alcançado é preciso que o devedor tenha ciência inequívoca das conseqüências do inadimplemento da obrigação na quinzena. Pode-se concluir, portanto, que a finalidade da multa adapta-se a esta corrente doutrinária que entende ser imprescindível a intimação pessoal do devedor, “pois quem deve ter conhecimento da condenação e do risco de incidência da multa é o devedor, para ser motivado a efetuar o pagamento devido. A promoção de cumprimento irradia motivação à vontade consciente do devedor”. (MAJORANA, 2010).
Nesse sentido, vejamos também as lições de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina (2010):
É certo que a possível incidência da multa é algo que deve desempenhar papel de “estímulo” consistente em medida coercitiva, tendendo a compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, mas a eficácia intimidatória de tal medida pode frustrar-se, caso não dirigida diretamente ao devedor. Afinal, não pode ser desprezada a hipótese de o advogado, motivadamente ou não, deixar de informar ao réu que o descumprimento da sentença acarreta a incidência da multa, circunstância esta que pode esvaziar o objetivo de tal medida. (sem grifos no original)
Os doutrinadores que se opõem a este entendimento aduzem que a necessidade de intimação pessoal seria um entrave ao cumprimento mais célere da sentença. Assim, argumentam que a necessidade de intimação pessoal do devedor equivaleria à antiga citação, cuja eliminação foi um dos grandes objetivos da Lei 11.232/05. Essa crítica, à primeira vista invencível, deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais. De fato, não se pode admitir a supressão de garantias constitucionais do devedor em nome de um processo mais célere.
Com efeito, é fácil notar que a ausência de intimação pessoal do devedor para cumprir a obrigação na quinzena mitiga o mais basilar princípio constitucional do processo civil, qual seja, o princípio do contraditório. Este pode ser definido “como a garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo com a conseqüente possibilidade de manifestação sobre os mesmos” (CÂMARA, 2010). Assim sendo, este princípio assegura o direito à informação bem como a possibilidade de manifestação sobre os atos processuais.
No que concerne ao art. 475-J do CPC, sabe-se que escoado in albis o prazo de quinze dias sem que ocorra o pagamento da obrigação pecuniária, o montante da condenação será acrescido de uma multa no valor de 10%, sendo devida pelo réu. Portanto, como o acréscimo pecuniário vai ser suportado pelo réu, nada mais justo e consentâneo com o principio do contraditório que a ele seja feita a intimação, para que fique devidamente informado quanto às conseqüências do descumprimento do comando judicial. Dessa maneira, a garantia do contraditório estaria plenamente assegurada.
Nesse mesmo viés, vejamos os ensinamentos de Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (2010):
[...] e mera intimação do advogado, pelo Diário da Justiça, não pode ser considerada como instrumento hábil e adequado à imprescindível comunicação da parte, sob pena de se perpetrar nova ruptura do sistema constitucional de garantias processuais.
Isto porque a “intimação” se dá para que seja cumprido ato pela própria parte, independentemente da participação do advogado, sob pena de sanção pecuniária que será suportada pela parte.
Nada justifica, à luz dos mais rudimentares e básicos princípios constitucionais do processo, que se corra o risco de a própria parte não ser cientificada.
Na hipótese, devem ser respeitados, tanto o princípio do contraditório (em resumo, direito de informação a respeito dos atos processuais), quanto o princípio do devido processo legal (que abarca todas as demais regras processuais, inclusive aquelas relativas às figuras do Juiz, do Ministério Público e do Advogado). (com grifos no original)
Assim sendo, verifica-se que a necessidade de fixação do termo a quo da contagem do prazo de quinze dias da intimação pessoal do devedor decorre dos mandamentos constitucionais, notadamente do direito à participação do processo em contraditório.
Por fim, resta ainda lembrar que a Lei 11.382/06 acrescentou o parágrafo único ao art. 238 do CPC, assim redigido:
Art. 238.[...]
Parágrafo único. Presumem-se válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional declinado na inicial, contestação ou embargos, cumprindo às partes atualizar o respectivo endereço sempre que houver modificação temporária ou definitiva.
Na senda deste novel dispositivo legal, é dever das partes manter sempre atualizado o endereço constante nos autos, sob pena de presumirem-se válidas as intimações realizadas no antigo endereço. Assim, este novo dispositivo equilibra o principio do contraditório com o princípio da celeridade processual, razão pela qual deve ser entendido como mais um argumento favorável à intimação pessoal da parte para adimplir a obrigação.
Explique-se: conforme visto no item 4.2, os doutrinadores que defendem que o prazo deve ser contado da intimação da parte, na pessoa de seu advogado, criticam a necessidade de intimação pessoal por violar a celeridade processual, já que o devedor pode não ser encontrado no endereço apresentado nos autos, dando margem a incidentes que alongariam demasiadamente o processo. Esse argumento, com a introdução do parágrafo único ao art. 238 do CPC, não pode mais prosperar. Com efeito, cabe à parte manter atualizado seu endereço nos autos, e, caso não o faça, arcará com as conseqüências processuais por tal negligência: presunção de validade das intimações dirigidas ao endereço constante nos autos[6].
Nesse sentido, vejamos as lições de Sidney Palharini Júnior (2007) ao comentar o parágrafo único do art. 238 do CPC:
[...] essa disposição põe fora de dúvida a validade das comunicações processuais realizadas nos endereços fornecidos pelas partes nos autos do processo. Com isso, afasta-se o não incomum expediente utilizado pelos maus devedores de não atualizar seus endereços nos processos, o que acarretava atrasos na prestação jurisdicional e, principalmente, prejuízos ao credor.
A necessidade de intimação pessoal do devedor não representa, portanto, uma quebra ao direito à celeridade processual, uma vez que a lei instituiu a presunção de validade das intimações realizadas no endereço constante nos autos. Dessa forma, o entendimento aqui defendido – que prega a necessidade de intimação pessoal do devedor – privilegia o direito ao contraditório (já que a parte será devidamente informada acerca das conseqüências do inadimplemento da obrigação) sem se afastar do princípio da celeridade processual (já que a intimação realizada no antigo endereço da parte será tida como válida).
Nos Tribunais de Justiça, a tese da necessidade de intimação pessoal do devedor também é muito aceita:
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Inadimplemento. Multa (CPC, 475-J). Necessidade de intimação do devedor. Homenagem às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Ainda que a mens legis seja a de agilizar a forma de satisfação do credor, essa diretriz deve se harmonizar com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Essa a exigência do postulado maior do acesso à ordem jurídica justa[7]. Desprovimento do recurso. (Agravo de Instrumento nº 2006.002. 26236, rel. Sergio Cavalieri Filho, 13ª Câmara Cível do TJ/RJ. Julgado em 22/02/2007). (sem grifos no original)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INCIDÊNCIA. TERMO A QUO. INTIMAÇÃO PESSOAL. A multa cominada pelo art. 475-J do Código de Processo Civil somente incide a partir da intimação pessoal do devedor para cumprimento da sentença, já que ele é quem arcará, em última instância, com os pesados ônus decorrentes de eventual inadimplemento. Doutrina e Jurisprudência. Recurso provido de plano por decisão monocrática do relator. (Agravo de Instrumento nº 70021499728, rel. Maria Cristina Rebuelta Neves, 18ª Câmara Cível do TJ/RS. Julgado em 24/09/2007).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. BRASIL TELECOM. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA. INTIMAÇÃO PESSOAL. Para a imposição da multa de que trata o art. 475-J do CPC, a intimação pessoal da parte torna-se indispensável, não bastando a intimação de seu procurador através de nota de expediente. Precedentes do STJ. Agravo de Instrumento provido. (Agravo de Instrumento nº 70021393517, rel. Luis Carlos Goulart Fidencio, 18ª Câmara Cível do TJ/RS. Julgado em 17/09/2007).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO PATRONO DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO QUANTIA CERTA. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR, UMA VEZ QUE A FINALIDADE DA COMUNICAÇÃO É O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO QUE INCUMBE Á PARTE. PROVIMENTO DO AGRAVO COM FULCRO NO ART. 557, § 1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AGRAVO INOMINADO. DESPROVIMENTO. (Agravo de Instrumento nº 2007. 002. 17403, rel. Luiz Felipe Francisco, 8ª Câmara Cível do TJ/RJ. Julgado em 18/09/2007).
Para finalizar, cabe ainda lembrar que, no que tange às obrigações de fazer e não fazer (art. 461, CPC), em que pese a omissão do legislador acerca da necessidade de intimação pessoal do devedor para o cumprimento de tais obrigações, a doutrina e a jurisprudência vêm se manifestando pela sua necessidade. O argumento utilizado é que tais obrigações dependem do agir exclusivo da parte, e, diante disso, a intimação por nota de expediente dirigida ao advogado é insuficiente. Com efeito, a intimação pessoal “se impõe em todo caso em que a finalidade da intimação seja a prática de um ato que cabe à própria parte, pessoalmente, praticar”. (CÂMARA, 2009). Vejamos alguns julgados nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MULTA DIÁRIA FIXADA. “DECISUM” TRANSITADO EM JULGADO. FALTA DE INTIMAÇÃO DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA PARA A PROVIDÊNCIA EXIBITÓRIA. INTIMAÇÃO PESSOAL. EXIGIBILIDADE. DECISÃO QUE RECONHECEU A IMPOSSIBILIDADE DA FASE EXECUTÓRIA. SUBSISTÊNCIA. A sentença que, proferida em medida exibitória de documentos, estabelece prazo para essa exibição, condicionando o atendimento da determinação à incidência de multa diária, tem natureza de execução de fazer. A intimação da parte obrigada, em hipótese tal, há que ser pessoal e específica, para que surja o direito da autora à exigibilidade das “astreintes”, pois só a partir de então é que se poderá cogitar da ocorrência de mora. Essa intimação pessoal não é suprida por aquela feita editaliciamente, que é endereçada, não às partes em si, mas a seus procuradores. (Agravo de Instrumento nº 2004.020459-0, rel. Trindade dos Santos, 2ª Câmara Cível do TJ/SC. Julgado em 07/04/2005)
PROCESSO CIVIL. ASTREINTES. OBRIGAÇÃO IMPOSTA NA SENTENÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL. PREJUÍZOS. I – As astreintes servem de reforço ao cumprimento das obrigações de fazer, constituindo-se num dos meios sancionatórios de que dispõe o Estado para fazer cumprir a ordem jurídica, realizando função intimidativa. II – Se é pessoal a obrigação imposta na sentença necessário se fazia a intimação pessoal do apelado, para que, a partir da data da juntada do mandado efetivamente cumprido, fosse contado o prazo de sessenta dias fixado para o cumprimento do julgado. III – A simples publicação no Diário da Justiça, bem como a retirada dos autos, não tem o condão de substituir a intimação pessoal, máxime porque, adotando tal entendimento, prejuízos adviriam ao apelado, o que não é permitido ante o sistema de nulidades que envolve a lei processual civil em vigor. (Apelação Cível nº 5175199, rel. Nancy Andrighi, 2ª Turma Cível do TJ/DFT. Julgado em 18/10/1999)
Dessa forma, tendo em vista que para as demais espécies de obrigações (fazer e não fazer) a doutrina e a jurisprudência já se inclinaram pela necessidade de intimação pessoal do devedor, devido ao caráter intuitu persone de tais obrigações e à circunstância de que o não cumprimento da ordem judicial implica em multa (astreintes) a ser suportada pelo réu, o mesmo raciocínio deve ser exportado para as obrigações de pagar quantia certa. Com efeito, o ato de cumprimento da obrigação pecuniária é do devedor e caso ele não efetue o pagamento dentro do prazo de quinze dias, deverá arcar com os pesados ônus decorrentes do inadimplemento (multa de 10%). Percebe-se, portanto, que inexiste razão para o tratamento diferenciado da obrigação pecuniária das demais espécies de obrigações. Todas elas dependem de ato da parte e ensejam aplicação de multa ante o descumprimento da ordem judicial, razão pela qual a obrigatoriedade de intimação pessoal do devedor a todas se impõe.
Ex positis, nota-se que vários são os argumentos que levam a concluir que o prazo de quinze dias previsto no caput do art. 475-J do CPC deve ser contado da intimação pessoal do devedor: 1) o art. 240 do CPC estabelece que, salvo disposição em contrário, os prazos para as partes fluem da intimação. Assim, tendo em vista a ausência de previsão expressa no art. 475-J, CPC, o prazo nele mencionado deve ser contado da intimação pessoal; 2) o devedor deve ter ciência inequívoca de que o não cumprimento da obrigação no prazo de quinze dias enseja uma multa de percentual inegavelmente expressivo, já que ele, em última análise, arcará com esse acréscimo pecuniário; 3) o ato a ser realizado (pagamento) é da parte, razão pela qual é insuficiente a intimação através da imprensa oficial, já que esta é dirigida aos advogados para a prática de atos que exigem capacidade postulatória; 4) este posicionamento adapta-se à finalidade coercitiva da multa, uma vez que, para que o devedor se sinta desestimulado a procrastinar o feito, é preciso que ele tenha ciência inequívoca das conseqüências do descumprimento da obrigação no prazo legal; 5) garante a aplicação dos princípios constitucionais, em particular o princípio do contraditório e da ampla defesa, já que o devedor tem o direito de ser informado dos atos processuais, notadamente aqueles que acarretam significativas conseqüências, caso descumpridos; 6) não se afasta da celeridade processual, tendo em vista a presunção de validade das intimações realizadas no endereço constante nos autos (art. 238, parágrafo único, CPC); 7) deve ser emprestado o mesmo tratamento dado às demais espécies de obrigações (fazer e não fazer), uma vez que todas elas dependem de ato da parte e ensejam aplicação de multa em caso de descumprimento da ordem judicial.
Intimação pessoal: por mandado ou por via postal?
Após o exame das três correntes doutrinárias e jurisprudenciais que procuram delimitar o termo a quo da incidência da multa por ausência de pagamento voluntário, restou demonstrado que a necessidade de intimação pessoal do devedor compatibiliza o binômio contraditório-celeridade, razão pela qual se destaca como a medida mais eficaz e justa.
Fixada a necessidade de intimação pessoal do devedor, a dúvida que pode ainda ser lançada diz respeito ao modo de realização deste ato, vale dizer, se por intermédio do oficial de justiça (por mandado) ou por via postal.
Com efeito, tanto a intimação por oficial de justiça como a intimação realizada pelo correio são espécies de intimação pessoal. Ocorre, entrementes, que no caso ora analisado, revela-se preferível a intimação da parte por via postal, por ser uma medida mais compatível com a efetividade do processo. Ademais, como se sabe, a supressão do processo autônomo de execução acabou por eliminar também a necessidade de ato citatório, razão pela qual após a prolação da sentença o juiz determina a intimação do devedor para cumprir o julgado. Em assim sendo, conforme analisado no item 2.3.2 deste trabalho, as partes, regra geral, devem ser intimadas por via postal.
Nessa ordem de ideias, a intimação do devedor deve ser pessoal, preferencialmente pelo correio. Cumpre destacar, ainda, que revela-se prudente que esta regra de intimação por via postal seja sopesada com as regras do art. 222 do CPC. Com efeito, parece razoável que em algumas hipóteses enumeradas no art. 222[8] a intimação seja realizada por intermédio do oficial de justiça.
A primeira hipótese trazida pelo art. 222, CPC, parece não ter aplicação para este trabalho, já que trata da necessidade de citação pessoal da ré nas ações de estado. Aqui, o enfoque cinge-se às ações de prestações, notadamente àquelas de pagar quantia certa.
Quando for ré pessoa incapaz (art. 222, II), afigura-se razoável que a intimação seja realizada por intermédio do oficial de justiça, notadamente se a ré foi revel na fase de conhecimento[9]. De fato, a necessidade de intimação por intermédio do oficial de justiça representa um meio mais seguro para resguardar os interesses das pessoas carecedoras de discernimento.
Quando for ré pessoa jurídica de direito público (art. 222, III), a intimação também deve ser feita por mandado. Com efeito, tendo em vista o interesse revelado no processo, impõe-se essa modalidade de intimação por questões de segurança jurídica.
O inciso IV do art. 222 parece não mais excepcionar a regra geral da citação por via postal. De fato, este inciso estabelece que nos processos de execução a citação deve ser realizada por intermédio do oficial de justiça. A razão de ser deste dispositivo é que antes do movimento de reformas do CPC, o devedor era citado para pagar em 24 horas ou nomear bens à penhora. Assim, caso não efetuasse o pagamento do débito, cabia ao devedor indicar bens à penhora no prazo de 24 horas. Ocorre que essa prerrogativa foi transferida ao credor, de modo que incumbe a este ao requerer o cumprimento da sentença indicar os bens do devedor a serem penhorados. Assim, nos casos de processo de execução (art. 222, IV), a intimação pode ser feita pela via postal.
Obviamente que se o devedor residir em local não atendido pela entrega postal, a intimação deve ser realizada através do oficial de justiça (art. 222, V, CPC). Da mesma forma, se o autor preferir que a intimação do devedor seja realizada por intermédio do oficial de justiça, esta assim deve ser realizada (art. 222, VI, CPC).
Nota-se, assim, que só em casos excepcionais a intimação deve ser feita através do oficial de justiça; preferencialmente deve ser realizada pelo correio. É bom que se diga que a carta enviada deve mencionar, sob pena de nulidade do ato, o prazo de que dispõe o devedor para cumprir a ordem judicial (15 dias)[10], além da conseqüência jurídica se houver recusa no cumprimento da obrigação, qual seja, a aplicação da multa de 10% sobre o valor da dívida.
Cumpre ainda salientar que o aviso de recebimento deve ser assinado pelo próprio devedor, tendo em vista a necessidade de sua ciência inequívoca acerca da ordem judicial[11]. Nesse sentido, vejamos as lições de Dorival Renato Pavan (2007):
Em se tratando de pessoa jurídica, prevalece a teoria da aparência, valendo a intimação se o AR for assinado por pessoa que tenha poderes de representação da empresa, como o gerente, o diretor, etc.
Todavia, se for pessoa física, não bastará, a meu ver, a intimação dirigida ao endereço do devedor, sendo ali simplesmente entregue. Será necessário que o devedor, do próprio punho, subscreva o aviso de recebimento. Se houver recusa o ato será válido e terá atingido ao seu fim, porque o devedor não pode ser prestigiado em decorrência de sua própria torpeza. (com grifos no original).
Por fim, cabe relembrar que o art. 238, parágrafo único do CPC, dispõe que são válidas as intimações realizadas no último endereço informado pela parte nos autos. Desse modo, o mencionado dispositivo traz um ônus processual às partes, determinando-lhes que mantenham sempre atualizado o seu endereço, sob pena de se considerar válida a intimação pelo simples fato de a correspondência ter sido destinada segundo o dado constante do processo.
[1] Cumpre mencionar que para alguns processualistas o prazo deve ser contado a partir do instante em que a condenação se torna exigível, vale dizer, desde que possível a execução da decisão, seja porque transitada em julgado, seja porque impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo. Assim, para alguns é possível a incidência da multa em sede de execução provisória. Ocorre, entrementes, que este assunto não será aqui aprofundado, por não ser o objeto da presente obra. O tema deste trabalho cinge-se em determinar a necessidade ou não de o devedor ser previamente intimado para adimplir a sua obrigação pecuniária, independentemente do regime da execução.
[2] Note-se que Humberto Theodoro Júnior, ao defender a necessidade de intimação das partes acerca do retorno dos autos ao juízo de primeira instância, já consegue visualizar os obstáculos que este primeiro posicionamento (que defende que o prazo flui sempre do trânsito em julgado) pode acarretar na prática.
[3]Tendo em vista a relevância da decisão, mister se faz transcrevê-la integralmente: “Ministro Humberto Gomes de Barros: A questão é nova e interessantíssima. Merece exame célere do Superior Tribunal de Justiça porque tem suscitado dúvidas e interpretações as mais controversas.
Há algo que não pode ser ignorado: a reforma da Lei teve como escopo imediato tirar o devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória. Foi-lhe imposto o ônus de tomar a iniciativa de cumprir a sentença de forma voluntária e rapidamente. O objetivo estratégico da inovação é emprestar eficácia às decisões judiciais, tornando a prestação judicial menos onerosa para o vitorioso.
Certamente, a necessidade de dar resposta rápida e efetiva aos interesses do credor não se sobrepõe ao imperativo de garantir ao devedor o devido processo legal.
Mas o devido processo legal visa, exatamente, o cumprimento exato do quanto disposto nas normas procedimentais. Vale dizer: o vencido deve ser executado de acordo com o que prevê o Código. Não é lícito subtrair-lhe garantias. Tampouco é permitido ampliar regalias, além do que concedeu o legislador.
O Art. 475-J do CPC, tem a seguinte redação: Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
A Lei não explicitou o termo inicial da contagem do prazo de quinze dias. Nem precisava fazê-lo. Tal prazo, evidentemente, inicia-se com a intimação. O Art. 475-J não previu, também, a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença.
A intimação - dirigida ao advogado - foi prevista no § 1º do Art. 475-J do CPC, relativamente ao auto de penhora e avaliação. Nesse momento, não pode haver dúvidas, a multa de 10% já incidiu (se foi necessário penhorar, não houve o cumprimento espontâneo da obrigação em quinze dias).
Alguns doutrinadores enxergam a exigência de intimação pessoal. Louvam-se no argumento de que não se pode presumir que a sentença publicada no Diário tenha chegado ao conhecimento da parte que deverá cumpri-la, pois quem acompanha as publicações é o advogado.
O argumento não convence. Primeiro, porque não há previsão legal para tal intimação, o que já deveria bastar. Os Arts. 236 e 237 do CPC são suficientemente claros neste sentido. Depois, porque o advogado não é, obviamente, um estranho a quem o constituiu. Cabe a ele comunicar seu cliente de que houve a condenação. Em verdade, o bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação.
Se o causídico, por desleixo omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele deve responder por tal prejuízo.
O excesso de formalidades estranhas à Lei não se compatibiliza com o escopo da reforma do processo de execução. Quem está em juízo sabe que, depois de condenado a pagar, tem quinze dias para cumprir a obrigação e que, se não o fizer tempestivamente, pagará com acréscimo de 10%.
Para espancar dúvidas: não se pode exigir da parte que cumpra a sentença condenatória antes do trânsito em julgado (ou, pelo menos, enquanto houver a possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo).
O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação.
Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa.
Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual.
Nego provimento ao recurso especial ou, na terminologia da Turma, dele não conheço.”
[4] Esse entendimento não é pacífico na doutrina. Para alguns autores, cabe ao próprio credor a atualização dos cálculos. Nesse sentido, Fredie Didier Júnior (2007, p.452), citando Daniel Amorim Assumpção Neves, preleciona que: “A crença do legislador de que mesmo uma sentença líquida ou com liquidez fixada no procedimento de liquidação de sentença não necessita de atualização não é confirmada na praxe forense, na qual sempre haverá – mínima que seja – uma atualização. (...) Dessa maneira, não só a intimação do demandado deverá ser realizada – insista-se, na pessoa do advogado –, como isso somente ocorrerá após o demandante apresentar um memorial de cálculo que indique o valor atualizado a ser pago pelo demandado”. Nota-se, por conseguinte, que mesmo nesse caso é indispensável que os autos estejam em primeira instância para que o credor possa realizar os cálculos demonstrando o montante da dívida a ser paga pelo devedor.
[5] Sobre a distinção entre atos que exigem capacidade postulatória e atos personalíssimos da parte, v. item 2.3.2.
[6] Cumpre mencionar, na esteira de Humberto Theodoro Júnior (2007, p.10) “que a presunção depende de a parte mesma ter comunicado seu endereço, na inicial, contestação ou nos embargos. Não se pode aplicar tal presunção em face de endereço fornecido pelo adversário daquele contra quem se promove a intimação”.
[7] Na fundamentação do voto, Sérgio Cavalieri Filho lembrou que a necessidade de intimação pessoal do devedor é importante para assegurar “alguns valores e princípios indispensáveis para a efetiva prestação jurisdicional, na fase executiva, tais como a segurança jurídica, a ampla defesa e contraditório, a menor onerosidade possível, etc..Tais cânones devem ser compatibilizados com o da celeridade e economia processual”.
[8] Note-se que o art. 222 enumera hipóteses em que a citação deve ser feita por intermédio do oficial de justiça. Não obstante, em uma interpretação extensiva, parece razoável que nesses casos a intimação também seja realizada por mandado.
[9] Com efeito, caso o réu esteja representado nos autos por seu representante legal, parece ser possível a intimação por via postal, desde que a comunicação seja endereçada ao seu representante legal.
[10] Conforme estabelece o art. 241, I, CPC, o prazo de quinze dias deve ser contado da juntada aos autos do aviso de recebimento. Nesse sentido, ver o seguinte julgado: TJ/RS, Agravo de Instrumento nº 70018936369, Rel. Paulo Sérgio Scarparo, j. 16.05.07.
[11] Humberto Theodoro Júnior (2007, p.09) entende que não é necessário que o aviso de recebimento seja assinado pelo destinatário. Com efeito, para ele “basta o comprovante de que ocorreu a entrega da carta no endereço fornecido pela parte nos autos”.
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Ex-Procurador do Estado do Paraná. Ex-Advogado da Petrobras Distribuidora S/A. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Extensão em Direito Constitucional Avançado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Extensão em Licitações Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Luig Almeida. Há necessidade de intimação pessoal do devedor para a aplicação da multa prevista no art. 475-J, CPC? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34724/ha-necessidade-de-intimacao-pessoal-do-devedor-para-a-aplicacao-da-multa-prevista-no-art-475-j-cpc. Acesso em: 23 dez 2024.
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