A Lei 4.886/65 regula as atividades do representante comercial autônomo, cujo conceito é trazido pelo seu art. 1º. Vejamos:
“Lei 4.886/65. Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa física ou jurídica, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios” (grifo nosso).
Tal não é o que se verifica, entretanto, com os vendedores que prestam serviços ao representante comercial. É que, a eles, se aplica a disciplina jurídica da relação de emprego.
E isso porque os vendedores que prestam serviços ao representante comercial não são representantes comerciais, mas sim empregados do representante comercial, eis que se enquadram na definição do art. 3º, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que dispõe ser o empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (nesse sentido, ver, dentre outros: acórdão proferido pela 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho em Recurso de Revista nº 23500-73.2008.5.04.0812, julgado em 5/5/2010).
Assim, analisando o conceito de empregado descrito do art. 3º, da CLT, pode-se identificar a presença de quatro requisitos caracterizadores da relação de emprego, que são: (a) trabalho prestado por pessoa física; (b) não eventualidade; (c) subordinação jurídica (dependência); (d) onerosidade (pagamento de salário). Os dois outros requisitos caracterizadores da relação de emprego são a (e) pessoalidade e a (f) alteridade, sendo encontrados no art. 2º, da CLT (conforme lições da doutrina juslaboral). Trataremos de forma individualizada cada um desses requisitos.
(a) Trabalho prestado por pessoa física
Para a caracterização da relação de emprego, o serviço deverá ser prestado sempre por pessoa física ou natural, não podendo o obreiro ser pessoa jurídica.
(b) Não eventualidade;
Várias teorias surgiram para determinar o real sentido de trabalho não eventual, prevalecendo, nos tribunais, a Teoria dos Fins do Empreendimento, considerando como trabalho não-eventual aquele prestado em caráter contínuo, duradouro, permanente, em que o empregado, em regra, se integra aos fins sociais desenvolvidos pela empresa.
(c) Subordinação jurídica (dependência)
O empregado é subordinado ao empregador, sendo essa subordinação jurídica, que advém da relação jurídica estabelecida entre o empregado e empregador. Em função do contrato de emprego celebrado, passa o obreiro a ser subordinado juridicamente ao empregador, devendo o trabalhador acatar as ordens e determinações emanadas, nascendo para o empregador, inclusive, a possibilidade de aplicar penalidades ao empregado (advertência, suspensão disciplinar e dispensa por justa causa), em caso de cometimento de falta ou descumprimento das ordens emitidas.
(d) Onerosidade (pagamento de salário)
A principal obrigação do empregado é a prestação de serviços contratados. Em contrapartida, seu principal direito é o recebimento da contraprestação pelos serviços prestados (remuneração). A relação de emprego impõe a onerosidade, o recebimento da remuneração pelos serviços executados. A prestação de serviços a título gratuito descaracteriza a relação de emprego.
(e) Pessoalidade
O serviço tem que ser executado pessoalmente pelo empregado. O contrato de emprego é intuito personae em relação ao empregado. A relação de emprego, no que atine ao obreiro, reveste-se de caráter de infungibilidade, devendo o empregado executar os serviços pessoalmente.
(f) Alteridade
O princípio da alteridade determina que os riscos da atividade econômica pertencem única e exclusivamente ao empregador. O empregado não assume os riscos da atividade empresarial desenvolvida. Logo, tendo laborado para o empregador, independente de a empresa ter auferido lucros ou prejuízos, as parcelas salariais serão devidas ao obreiro, o qual não assume o risco da atividade econômica.
Quanto à remuneração devida ao empregado, tecemos as considerações seguintes.
Nada impede que o empregado receba seu salário exclusivamente à base de comissões (remuneração variável). Todavia, se, no final do mês, as comissões auferidas não alcançarem um salário mínimo, deverá o empregador complementar o pagamento ao valor do salário mínimo, sendo vedado qualquer desconto no salário do trabalhador no mês seguinte.
A comissão pode ser paga em porcentagem, anuidade ou valor fixo. Estabelece o art. 466, da CLT, que o pagamento das comissões e percentagens só é exigível depois de finalizada a transação a que se referem. Nas transações realizadas por prestações sucessivas, é exigível o pagamento de percentagens e comissões que lhes disserem respeito proporcionalmente à respectiva liquidação. A cessação das relações de trabalho não prejudica a percepção das comissões e percentagens devidas.
Em relação à Lei 3.207/57, que regulamenta as atividades dos empregados vendedores viajantes ou pracistas, cabe destacar os pontos seguintes.
Pagamento das comissões
O pagamento das comissões e percentagens deverá ser feito mensalmente, expedindo a empresa, no final de cada mês, a conta respectiva com as cópias das faturas correspondentes aos negócios concluídos. O pagamento das comissões e percentagens não poderá exceder a um trimestre.
Ultimação do negócio
Estabelece o art. 3º da Lei 3.207/57 que a transação será considerada aceita se o empregador não a recusar por escrito, dentro de dez dias, contados da data da proposta.
Venda a prazo
Nas transações em que a empresa se obrigar por prestações sucessivas, o pagamento das comissões e percentagens será exigível de acordo com a ordem de recebimento das mesmas. A cessação das relações de trabalho ou inexecução voluntária do negócio pelo empregador não prejudicará a percepção das comissões e percentagens devidas.
Risco concernente às vendas
Verificada a insolvência do comprador (e não mero inadimplemento), dispõe o art. 7º, da Lei 3.207/57 que caberia ao empregador o direito de estornar a comissão que houver pago (conforme estabelece o art. 7º, da Lei 3.207/57). No entanto, vale ressaltar que o direito brasileiro não aceita a denominada cláusula “star del credere”, a qual possibilita que o trabalhador seja solidariamente responsável pela solvabilidade e pontualidade daqueles com quem pactuar por conta do empregador. Essa cláusula é repelida pela Direito vigente, pois não se admite a transferência do risco do negócio ao empregado. Falar da lei de representação comercial.
Além das comissões, também como forma de remuneração do empregado vendedor viajante, poderá haver o sobre-salário, que consiste em prestação que, por sua natureza, integra o complexo salarial como complementos do salário básico, nos termos do art. 457, § 1º e 2º, da CLT.
São exemplos de parcelas sobre-salários as gratificações ajustadas.
A ajuda de custo não integra o salário, tendo natureza de mero reembolso de despesas.
O abono é uma parcela sobre-salário, e consiste em um adiantamento em dinheiro ou em uma antecipação salarial concedida ao empregado.
As diárias para viagens, recebidas para suprir despesas de viagem do empregado com deslocamento, hospedagem, alimentação etc., somente têm natureza salarial se excederem de 50% (cinquenta por cento) do salário percebido pelo empregado mensalmente (Súmula 101, do TST), e desde que não estejam sujeitas à prestação de contas (IN MTPS/SNT 8/1991).
As gratificações consistem em parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em decorrência de um evento ou circunstância tida como relevante pelo empregador (gratificações convencionais) ou por norma jurídica (gratificações normativas). O fato ensejador da gratificação não depende estritamente da conduta do trabalhador ou grupo de trabalhadores (ao contrário do verificado com os prêmios). Tende a ser fato objetivo, normalmente externo à pessoa do trabalhador beneficiado. São seus expressivos exemplos as gratificações de festas, de aniversário da empresa, de fim de ano, gratificações semestrais, anuais ou congêneres etc.
O prêmio é uma recompensa ao empregado que se destaca, por sua produtividade, no desempenho de determinada função na empresa, constituindo-se numa parcela sem natureza salarial. Uma vez pago com habitualidade, o prêmio produz o efeito expansionista circular próprio dos salários (repercussão em outras verbas contratuais).
Observa-se, essa forma, que as citadas verbas, mesmo com denominações diferentes, têm a mesma finalidade, pois constituem uma forma de incentivo; a gratificação tem aspecto mais abrangente e o prêmio, mais restrito; por exemplo, a gratificação é o gênero e o prêmio, a espécie. Alguns doutrinadores afirmam que a gratificação está mais ligada a aspectos externos à vontade do empregado, como, por exemplo: gratificação de função, paga em decorrência do cargo ocupado, enquanto o prêmio se vincula a fatores pessoais do trabalhador, por exemplo: seu esforço, sua produtividade, havendo no prêmio um elemento de competição. Contudo, a nome das verbas tem pouca importância, o aspecto relevante é a natureza jurídica do valor pago.
Apenas a gratificação paga de forma esporádica e eventual, fruto da livre manifestação do empregador, quitada em razão de eventos ligados ao empregado ou à empresa, é que não integra o salário. No caso de gratificações pagas com habitualidade, todo mês, sem esse caráter esporádico ou extraordinário, a integração salarial é plena, eis que se inserem no conceito de gratificações ajustadas, conforme determina o artigo 457, parágrafo 1º, da CLT. De corolário, não se aplica o entendimento constante da Súmula nº 253, do TST, que considera a gratificação semestral quitada sem habitualidade.
A ajuda combustível ou ajuda por quilometragem ou, ainda, a ajuda por aluguel de veículo têm caráter indenizatório, e, portanto, não salarial, desde que o trabalhador utilize seu próprio veículo, como instrumento para a efetiva prestação de serviços, colocando-o à disposição do cotidiano contratual. Além disso, o montante pago pelo empregador a esse título deve ser efetivamente razoável para a estrita cobertura das despesas com o veículo e seu desgaste (gasolina, óleo, desgaste de pneus, pequenos consertos etc.). É o que costuma acontecer com trabalhadores que laboram em viagens, tendo de se utilizar de seu próprio carro (a exemplo dos vendedores); ou com trabalhadores que laboram em entregas urbanas (nesse sentido: DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. LTr, 3ª Edição).
O salário-família e o salário-maternidade não têm natureza salarial, mas sim previdenciária.
Por essas razões, recomendamos que a comissão e demais parcelas de natureza salarial sejam discriminadas no contracheque do empregado vendedor viajante e que as parcelas de natureza indenizatória (diárias de viagens, que incluem pagamento de despesas de combustível, hospedagem e alimentação; ajudas de custo; gratificações; prêmios; indenização por aluguel de veículo próprio do empregado utilizado para o trabalho cotidiano etc.) sejam pagas de modo apartado, através de recibos ou outros instrumentos particulares, para os efeitos legais.
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Ex-Procurador do Estado do Paraná. Ex-Advogado da Petrobras Distribuidora S/A. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Extensão em Direito Constitucional Avançado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Extensão em Licitações Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Luig Almeida. O Regime Jurídico do Vendedor Viajante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34770/o-regime-juridico-do-vendedor-viajante. Acesso em: 23 dez 2024.
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