INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa precipuamente demonstrar a relevância da atuação da Advocacia Pública, apontando todas as definições constitucionais que fundamentam e constroem o Estado brasileiro, de forma que, considerando a inexistência de letra morta na Constituição, concluir-se pela necessidade de maiores garantias no desempenho funcional de seus membros.
Ao final apresentar-se-á como solução para o fortalecimento institucional a aprovação da PEC 452/2009, que promove mudanças avançadas na Advocacia Pública, estruturando-a, e concedendo maior segurança na atuação de seus membros.
DEFINIÇÕES CONSTITUICIONAIS DO ESTADO BRASILEIRO E OS SEUS REFLEXOS NA ADVOCACIA PUBLICA
Ao denominar o Estado brasileiro de República Federativa do Brasil, a Constituição de 1988, consoante seu artigo 1º, indica que adotamos a forma federativa de Estado e a forma republicana de governo.
A adoção da República como forma de organização de governo, passa necessariamente pela idéia de eleições periódicas para os membros do Poder Legislativo e do Executivo, neste caso, para o chefe de Estado, bem como pela obrigação da prestação de contas dos ocupantes de cargos públicos por seus atos.
O termo tem origem no latim res publica, traduzido como “coisa pública”, ou seja, os bens públicos pertencem à coletividade (a sociedade), tudo denotando em sua principal característica: a transitoriedade dos ocupantes do Poder (do governante). Os governos são temporários, mas o Estado é perene.
Logo, muitos princípios implícitos derivam tão-somente pela adoção da República como forma de governo, mas existem também outros bastante explícitos na Constituição, como é o caso do princípio da impessoalidade, que rege a Administração Pública, conforme caput do art. 37.
A forma de governo republicana contrapõe-se à forma monárquica (monarquia), “governo de um só”, que é caracterizada pela vitaliciedade, hereditariedade e, em último caso, irresponsabilidade do monarca. Nela há uma explícita pessoalidade da Administração, bastando recordar a cobertura midiática por ocasião da celebração de qualquer casamento real, ou de aniversário de Rei/Rainha. Tais fatos são totalmente incompatíveis com o “espírito republicano” em que vivemos. No passado, apresentava-se em um grau mais absoluto (monarquia absolutista), no qual o monarca representava unicamente as figuras de chefe de Governo e chefe de Estado, detendo o Poder Absoluto sobre o Estado e o Governo.
Com a evolução desta forma, entretanto, surgiu a Monarquia Constitucional, na qual há limitação do poder monárquico, haja vista que outra figura desempenha a função de chefe de Governo, como, por exemplo, no caso do Reino Unido da Grã-Bretanha é o Primeiro-Ministro.
Os monarcas constitucionais possuem pouco poder político real, haja vista que se submetem integralmente aos limites impostos pela Constituição do seu próprio Estado. Entretanto, desempenham, como chefe de Estado, o símbolo de continuidade do próprio Estado e atuam como líderes de opinião, representantes do seu país em viagens oficiais, assim como em funções cerimoniais. Em alguns casos, podem competir-lhes a autorização ou veto de ingresso em guerras contra estados estrangeiros, ou em casos excepcionais, até mesmo, a decisão de dissolver o Parlamento.
Um exemplo pouco citado de Monarquia é o Estado da Cidade do Vaticano, cujo chefe de Estado é o Papa, nome atribuído ao monarca eleito pelo colégio de cardeais (conclave) e detém os poderes legislativo, judiciário e executivo, sendo auxiliado na administração e no governo da igreja pela Cúria Romana (corte Papal), que tem na figura do Cardeal Secretário de Estado seu expoente maior, bastante semelhante ao “Primeiro-Ministro” da Santa Sé. Portanto, o Vaticano é uma monarquia eletiva não hereditária, já que o Papa é celibatário.
O Federalismo consiste em forma de organização político-territorial do Estado, na qual há aliança entre diversos entes políticos (Federados), mas conservando a autonomia política de cada um para a formação de um Estado único Federal, para o qual transferem a soberania. Tal organização possibilita a coexistência pacífica de diferentes coletividades políticas dentro de um único Estado. É cláusula pétrea, conforme artigo 60, § 4º, I.
Seu oposto é o Estado unitário, no qual não há divisões internas de poder, existindo somente um único governo que exerce o poder de forma centralizada.
O artigo 18, ao estabelecer “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil”, indica os componentes da Federação brasileira: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vez que são todos autônomos e possuem suas esferas de atribuições fixadas nos termos da Constituição (possuem atribuições legislativas, orçamentárias, administrativas etc).
Segundo José Afonso da Silva, a União “...se constitui pela congregação das comunidades regionais que vêm a ser os Estados-membros. Então quando se fala em Federação se refere à união dos Estados. No caso brasileiro, seria a união dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Por isso se diz União Federal...”.[1]
Assim, da construção do Estado brasileiro, a União expõe uma natureza dupla, sendo uma no âmbito interno e outra no externo (internacionalmente).
No primeiro, ela é uma pessoa jurídica de direito público interno, componente da Federação brasileira e autônoma, uma vez que possui autonomia financeira, administrativa e política. No segundo caso, ou seja, externamente, a União representa a República Federativa do Brasil, conforme art. 21, incisos I a IV.
O sistema de governo adotado pela Constituição, tendo em vista a extensa tradição durante praticamente todo o período republicano, e mantido pelo plebiscito previsto no art. 2.º do ADCT, é o presidencialismo. Nele, as funções de chefe de Estado e chefe de Governo concentram-se unicamente na pessoa do Presidente da República, que é eleito periodicamente pelo povo, para mandato por prazo determinado e independe, teoricamente, do Legislativo para governar. Ora, mais acima se mencionou que a União representa externamente o Estado brasileiro, logo, por meio do(a) Presidente(a) da República (que é chefe de Estado e de Governo).
Em virtude desta escolha de sistema de governo, expõe-se mais claramente que a Constituição adotou a separação das funções estatais, denominação mais moderna do que já se chamou de “separação de Poderes”: executivo, legislativo e judiciário. É que a antítese ao presidencialismo é o parlamentarismo, no qual há distinção entre as funções de Chefe de Governo e Chefe de Estado, que são exercidos por pessoas diferentes. Nele o chefe de Governo é o Primeiro-Ministro, ou Chanceler.
Em regra, sua escolha é de forma indireta, geralmente passando pelo próprio Parlamento, cujo partido com maior bancada, ou em coalizão (coligação), escolhe um membro parlamentar para Primeiro-Ministro. No Brasil, seria o equivalente à eleição para Presidente do Congresso Nacional. Pode possuir mandato por prazo determinado, ou indeterminado, entretanto, como o Primeiro-Ministro depende intrinsecamente do Legislativo para governar e até para manter-se no cargo, caso perca a maioria parlamentar ou sua aprovação, fatalmente seu mandato será destituído. Já o Chefe de Estado pode ser Rei/Rainha, caso se trate de Monarquia Parlamentarista (ou Constitucional), a exemplo do Reino Unido britânico, ou Presidente, caso se trate de República, a exemplo de Israel, sendo em ambos os casos, muitas vezes uma figura decorativa.
Registre-se a existência de um tipo de sistema de governo híbrido, chamado de semipresidencialista, no qual o Chefe de Estado, o Presidente, é eleito diretamente pelo voto popular e dotado de poderes institucionais expressivos. Entretanto, ele compartilha a condução do poder executivo, pois detém a prerrogativa de escolher o Chefe de Governo, normalmente chamado de Primeiro-Ministro. Expoente maior deste modelo é a França.
Ademais, o supracitado artigo 1º da Carta Magna, além de fixar a forma de governo e de Estado, definiu a Republica Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, no que se traduz na submissão total às leis elaboradas pelos representantes do povo, eleitos democrática e periodicamente, e tendo como fundamento, entre outros, a dignidade da pessoa humana.
No caso do Brasil, em decorrência da adoção do Federalismo (existência pacífica de entes políticos federados), da República (a transitoriedade dos ocupantes do Poder; impessoalidade da Administração) e do Presidencialismo (concentração das figuras de chefe de estado e chefe de Governo em uma só pessoa), tem-se que, no artigo 2º, a Constituição definiu os “Três Poderes” da União: Executivo, Legislativo e Judiciário, estabelecendo-os como independentes e harmônicos entre si, e funcionando como freios e contrapesos um dos outros.
Na verdade, conforme acima mencionado, modernamente vem se definindo como uma divisão apenas funcional do poder político estatal, que é uno e indivisível do Estado brasileiro, em três funções estatais básicas (legislativa, executiva e judiciária), atribuindo cada função a um determinado órgão independente, especializado, autônomo e estruturado.
De sorte, tem-se no capítulo I do Título IV da Carta Magna, em seu art. 71, a fixação das atribuições do Poder Legislativo, sendo a principal, logicamente, a de legislar, ou seja, elaborar leis. Entretanto, outro importante papel a ser desempenhado pelo Congresso Nacional, expoente máximo deste “Poder”, diz respeito à atividade de controle externo do Poder Executivo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União.
Para o Poder Executivo, contido no capítulo II do referido Título, a partir do art. 76 e ss, tem-se como expoente máximo o(a) Presidente(a) da República, cujas atribuições fundamentais, dentre outras, segundo art. 84, a de exercer a direção superior da administração federal e sancionar, promulgar e fazer publicar as leis. É auxiliado pelos Ministros de Estado e outros órgãos, dentre os quais figuram os de consulta: o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional.
Importante destacar que não há nenhuma menção constitucional, , ao importante órgão de controle interno do Poder Executivo, qual seja, a Controladoria-Geral da União (CGU).
Esta instituição imprescindível somente foi criada por meio da Medida Provisória n.º 2.143-31 em 02/04/2001. Atualmente a Lei n.º 10.683/2003, que organiza a Presidência da República e os Ministérios, é o diploma legal que fundamenta a CGU, sendo o Decreto n.º 5.683 de 24/01/2006 a norma que lhe estrutura.
O capítulo III relaciona-se ao Poder Judiciário, cuja atribuição é interpretar as leis elaboradas pelo Legislativo, aplicando-as ao caso concreto quando instado a manifestar-se mediante processo judicial. É composto pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Conselho Nacional de Justiça, pelos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE, STM), pelos Tribunais Regionais (TRF’s, TRT’s, TRE’s), pelos Tribunais de Justiça, e pelos Juízes (Federal, Estadual, Eleitoral, do Trabalho, Militar).
Por fim, o Ministério Público, a Advocacia Publica, a Advocacia (privada) e a Defensoria Pública foram inseridos no capítulo IV, formando conjuntamente as “funções essências à Justiça”. Merece destaque relembrar que a própria Constituição colocou no rol dos direitos fundamentais o direito de acesso à Justiça, que significa um importante mecanismo de restabelecimento do equilíbrio por ocasião de violação de direitos do cidadão. Ou seja, para se obter Justiça, na exata medida (sem excesso e sem impunidade) tão importante quanto a existência de órgão encarregado do julgamento em si das demandas postas é a existência de órgãos que assegurem o devido processo legal, a defesa e a acusação em igualdade de forças.
O Ministério Público, o Advogado (público ou privado), e o Defensor público foram destacados pela Constituição para atuarem, grosso modo, respectivamente na representação judicial da sociedade, do Estado, do particular e impreterivelmente em favor dos acusados.
Percebe-se pela topografia constitucional que nenhuma destas importantes instituições, em princípio, integram aquelas funções estatais (Poderes), constituindo-se em verdadeiros e autônomos “Quarto Poder”, ou função estatal essencial à administração da Justiça.
Corrobora tal entendimento a concessão de autonomia funcional e administrativa ao Ministério Público, desde a redação original do art. 127, e à Defensoria Pública, por meio da Emenda Constitucional n.º 45, de 2004.
Para a Advocacia privada consta no art. 133, com redação ainda original, que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, o que se constitui em independência técnica. Para Walter Ceneviva[2], é de extrema importância jurídico-social do profissional da atividade advocatícia:
“O advogado é o porta-voz da sociedade, perante a máquina do Estado. Ninguém pode requerer em juízo a não ser através de advogado, salvo umas poucas exceções, como as da Justiça do Trabalho (em que raramente o processo tem desenvolvimento sem a participação advocatícia), do habeas corpus, e dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.”
Em analogia com a função desempenhada pelo Advogado particular, uma das facetas do Advogado público é representar seu único “cliente” em juízo, o Estado brasileiro, que é Federativo, Democrático e de Direito, com governo Republicano e Presidencialista. Parafraseando o consagrado jurista acima mencionado, poder-se-ia dizer que o advogado público é o porta-voz do Estado perante o Judiciário. Ocorre que, embora a Advocacia Pública defenda a execução das políticas públicas dentro dos ditames republicanos e do Estado Democrático de Direito, constituindo-se como essencial à obtenção da Justiça, princípio fundamental da República Federativa do Brasil, no art. 3º, inciso I, da CF/88, não dispõe das mesmas garantias concedidas ao demais órgãos essências à Justiça, uma vez que o constituinte originário timidamente, por meio do art. 131, conferiu à Lei Complementar a disposição sobre sua organização e seu funcionamento, não lhe atribuindo prerrogativas constitucionais no tocante ao desempenho do seu importante mister.
Por tal razão e visando corrigir as distorções criadas pelo constituinte originário entre instituições irmãs, além de implementar um equilíbrio Constitucional no tocante a tais instituições, da mesma forma como foi sanada para a Defensoria Pública, o Deputado Federal Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) apresentou a importantíssima Proposta de Emenda Constitucional n.º 452/2009, que contempla modernos avanços institucionais à Advocacia Publica e aos seus membros por meio da inclusão dos arts. 132-A, 132-B e 132-C, cujas redações estariam dispostas da seguinte maneira:
“Art. 132-A São princípios da Advocacia Pública a autonomia institucional, a fiel observância aos princípios gerais da administração aos quais incumbe zelar, defender e
promover, a lealdade ao ente público que representa e a independência funcional de seus membros, sendo este último regulado pelo poder normativo de cada Conselho Superior e que será exercido de forma a manter harmonia, coerência, eficiência e agilidade em sua atuação.
Art. 132-B Aos membros da Advocacia Pública são asseguradas as seguintes garantias:
I – vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;
II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do Conselho Superior, por voto de dois terços de seus membros, assegurada ampla defesa;
III – irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37 X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I e sua equiparação aos percebidos pelos demais membros das Funções Essenciais à Justiça;
IV – percepção como verba profissional autônoma, não oriunda dos cofres públicos, dos honorários advocatícios havidos nos processos em que atua, com o seu depósito em fundo próprio e rateio mensal e igualitário entre todos os membros de cada instituição;
V – aplicação subsidiária do Estatuto da Advocacia.
Art. 132-C Aos membros da Advocacia Pública são impostas as seguintes vedações:
I – contrariar súmula, parecer, ato normativo ou orientação técnica adotada pelo chefe da instituição, ao qual competirá, dentre outras funções, o exercício do poder normativo e disciplinar;
II – exercer a administração de sociedade comercial, conforme dispuser a lei.”
CONCLUSÃO
De sorte, a fim de constituir-se plena e seguramente em uma Advocacia Pública moderna e alheia a pressões externas que não busquem o bem público em si, e para conceder maior segurança e controle na atuação republicana da Administração Pública, podendo, inclusive, reduzir a litigância judicial, e buscando viabilização das políticas públicas da União, Estados e Municípios, por meio da recuperação de créditos públicos, logo pertencentes à sociedade como um todo, a Advocacia Pública, da qual faz parte a AGU e seus membros, necessita de garantias constitucionais para o bom e correto exercício das funções, concretamente alcançáveis com a aprovação da PEC 452/2009.
REFERÊNCIAS
1. SILVA, José Afonso da; Curso de direito constitucional positivo, p. 430-431.
2. CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro, p. 227 – 228.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Vinicius Maia de. Advocacia Pública: definições constitucionais que apontam a relevância da atuação e a necessidade de maiores garantias funcionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35016/advocacia-publica-definicoes-constitucionais-que-apontam-a-relevancia-da-atuacao-e-a-necessidade-de-maiores-garantias-funcionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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