Resumo: aborda-se a temática dos juros sob o viés econômico e sua aplicação no âmbito das relações jurídicas em que participa a Fazenda Pública, em específico no que tange à taxa fixada.
Palavras-chave: juros; mora; Fazenda Pública; taxa Selic; caderneta de poupança.
Para a ciência contábil os juros podem ser uma receita ou uma despesa de natureza financeira, que irão compor o resultado do exercício social da empresa. Em linguagem econômica, os juros correspondem ao rendimento auferido por quem possui riqueza, como a remuneração do capital monetário. Funciona como uma contraprestação para quem deixa de consumir um bem ou usufruir de um serviço para empregar seu capital acumulado num determinado investimento. De uma forma simples, pode-se dizer que “juros é o preço do dinheiro aplicado ou emprestado” [1], ou ainda, o “aluguel do dinheiro”.[2]
Dentre outras funções, o governo utiliza a taxa de juros para regular a economia. A Selic foi criada pelo Banco Central em 1979 e ainda é utilizada pelo Comitê de Política Monetária – COPOM nos dias atuais. Junto com a quantidade de moeda e de crédito, a taxa de juros compõe o rol de instrumentos a serviço da política monetária nacional. Em síntese, uma taxa de juros baixa acarreta maior volume de investimentos e, por conseguinte, elevação da capacidade produtiva das empresas. Com o dinheiro custando menos, a tendência é que haja uma elevação do consumo e, dessa forma, uma maior circulação de riqueza. O reflexo negativo desse aquecimento da economia é a inflação, que precisa ser vigiada de perto. De outro modo, uma taxa de juros alta tende a incentivar o emprego do capital em aplicações financeiras, o que implica uma redução da capacidade produtiva das empresas.
Na seara jurídica, os juros, quanto à sua natureza, são divididos em duas espécies. O explicitado no parágrafo anterior refere aos juros remuneratórios ou compensatórios, que são “os juros que se pagam como compensação pelo fato de o credor estar privado da disponibilidade de um capital” [3]. Mas os juros, de uma forma geral, também são utilizados na condição de “um ressarcimento imputado ao devedor pelo descumprimento parcial da obrigação” [4]. São os juros moratórios, que geralmente decorrem de lei, não obstante possam ser convencionados pelas partes de uma relação obrigacional.
Nessa senda, a taxa Selic também é utilizada como juros moratórios, uma vez que, de regra, incide sobre os valores devidos à Fazenda Pública, como ocorre no caso de inadimplemento de obrigação tributária. Contudo, é possível verificar a utilização da taxa Selic na situação inversa, em que a Fazenda é devedora de determinada quantia, como ocorre, por exemplo, no âmbito administrativo quando o contribuinte faz jus à restituição do Imposto de Renda.
Quanto às condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, há uma miscelânea de dispositivos legais que ora se sucederam ao longo do tempo, ora foram combinados para definir a taxa de juros a ser utilizada. Assim é que por força do disposto no art. 406 do Código Civil [5] combinado com o §1º do art. 161 do Código Tributário Nacional [6], os juros de mora incidentes sobre o montante da condenação judicial da Fazenda Pública costumavam ser fixados, via de regra, em 1% ao mês, para o período iniciado em janeiro de 2003, quando entrou em vigor o novo códex. Antes vigorava o art. 1.062 do Código Civil de 1916, que previa juros moratórios de 6% a.a., quando não convencionada outra taxa.[7]
Encontram-se também decisões judiciais que fixavam juros de 1% a.m., de acordo com o previsto no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87[8]. Para as ações que tinham por objeto o pagamento de verbas de natureza remuneratória a servidores e empregados públicos, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97[9], inserido pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, em sua redação original previa a incidência de juros de 6% ao ano.
Com o advento da Lei nº 11.960/2009, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, houve significativa alteração do percentual da taxa de juros a ser utilizada para cálculo das dívidas oriundas da condenação judicial da Fazenda, eis que tal espécie legislativa estabeleceu que “[N]as condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança”. Dessa forma, houve uma unificação da taxa de juros a ser aplicada em toda e qualquer espécie de condenação imposta à Fazenda Pública.
Mas a uniformização da taxa de juros pela Lei nº 11.960/2009, que num primeiro momento aparentou tratar-se de uma simplificação do tema, acabou por se traduzir em estorvo para os setores de cálculos judiciais. É que a Lei nº 8.177/91 estabeleceu a remuneração básica e a taxa de juros aplicados à caderneta de poupança. Na redação original do seu art. 12, inc. II, havia previsão de “juros de meio por cento ao mês”, o que correspondia a juros simples de 6% ao ano ou aproximados 6,17%, se capitalizados. Esse percentual de juros mensais deveria ser somado à taxa também mensal do índice de correção utilizado – a Taxa Referencial/TR, compondo o encargo total da dívida (juros + correção monetária).
Ocorre que a Media Provisória nº 567, de 3 de maio de 2012, posteriormente convertida na Lei nº 12.703/2012, alterou o inc. II do art. 12 da Lei nº 8.177/91, que passou a vigorar com a seguinte redação:
II - como remuneração adicional, por juros de:
a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou
b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos.
Assim, em razão do disposto na alínea “b” do inciso II do art. 12 da Lei nº 8.177/91, passou a ser possível que a taxa de juros mensais aplicada como remuneração dos depósitos em caderneta de poupança ficasse em patamar inferior aos 0,5% mensais, o que, de seu turno, depende do percentual da meta da taxa Selic ser inferior a 8,5% ao ano. Por exemplo, para uma taxa Selic de 8,0% a. a., ter-se-ia 5,6% de taxa anual para os juros da caderneta de poupança. Para uma taxa Selic de 7,25%, que era a meta anterior à última reunião do COPOM, os juros da poupança seriam de 5,075% a.a., nominais, para fins de cálculo da taxa mensal, que estaria em aproximados 0,42%.
Destarte, por força da alteração promovida no inc. II do art. 12 da Lei nº 8.177/91, pela Medida Provisória nº 567, de 3 de maio de 2012, tornou-se possível, a partir da vigência da novel redação do dispositivo, ocorrerem taxas de juros de mora menores que 0,5% ao mês, desde que a meta da taxa Selic seja inferior a 8,5% ao ano.
O curioso aqui é que a Medida Provisória nº 567, de 3 de maio de 2012 foi editada com a finalidade de não comprometer a emissão de títulos públicos pelo Tesouro Nacional, visando-se à redução da taxa de juros básicos da economia – a multicitada Selic – a níveis verificados em países desenvolvidos. Contudo, em razão da vinculação estabelecida pela Lei nº 11.960/2009, a medida repercutiu nos encargos moratórios das dívidas decorrentes de condenações judiciais impostas à Fazenda Pública.
Mas não bastassem todas essas alterações impostas pela legislação, é provável que ocorra mais uma modificação na taxa dos juros moratórios da Fazenda. É que o STF, no julgamento da ADI 4357, declarou a inconstitucionalidade de alguns dispositivos do artigo 100 da Constituição Federal. Na assentada, o Ministro Luiz Fux declarou, também, a inconstitucionalidade em parte, por arrastamento, do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja redação dada pela Lei nº 11.960/2009 prevê a incidência da taxa de juros aplicada à caderneta de poupança nas condenações impostas à Fazenda Pública [10].
Como ainda não foi publicado o Acórdão do julgamento da ADI 4357, bem como em razão dos vários pedidos de modulação dos efeitos da Decisão, não é possível afiançar qual será o reflexo do conteúdo do voto Ministro, no que refere à Lei nº 11.960/2009, na fixação da taxa de juros no período da dívida anterior à sua inscrição em precatórios.
É preciso ter em consideração que o período da dívida da Fazenda é dividido em dois momentos: o primeiro está compreendido entre a data de início da dívida e a data da apresentação da conta em execução, na forma do artigo 730 do CPC; o segundo refere-se ao interregno necessário ao trâmite do precatório em que a dívida foi inscrita, lembrando que, nos termos do §5º do art. 100 da CF, os precatórios apresentados até 1º de julho devem ser pagos até o final do exercício financeiro seguinte. Nesse segundo momento, qual seja, o de tramitação do precatório, o entendimento firmado no âmbito do STF e do STJ é no sentido de que não incidem juros de mora no período de tramitação do precatório, ou seja, entre a data de apresentação da conta e o respectivo pagamento, ressalvados os casos em que haja atraso no cronograma previsto no art. 100 da CF [11]. As Cortes reconhecem que o lapso previsto no art. 100 da Constituição Federal é de observância obrigatória, inclusive pelo Poder Judiciário, a quem compete realizar o pagamento por meio dos créditos orçamentários que são disponibilizados aos tribunais, não se caracterizando, portanto, um atraso voluntário no cumprimento da obrigação pela Fazenda. Assim, no período de trâmite do precatório, incide somente a correção monetária, não havendo que se falar em juros de mora. É por isso que o §5º do art. 100 da CF fala tão somente em atualização monetária dos valores.
Tendo em vista o contexto apresentado no parágrafo anterior, é de se perquirir se a expressão “inconstitucionalidade em parte” citada no voto não se refere aos juros, mas sim ao índice de correção monetária, e aí a questão seria encontrar o novo índice a ser utilizado para atualização da dívida. Bem, aguardemos o desfecho do julgamento.
Conforme se constata, juros é um instituto que possui aplicação em diversos campos da vida social, sendo por isso objeto de estudo de várias ciências humanas. Não raras vezes, a sua utilização no campo econômico produz efeitos na seara jurídica, como ocorreu no caso da vinculação da remuneração da caderneta de poupança à taxa Selic. Da mesma forma, uma interpretação judicial acerca da constitucionalidade da utilização da taxa de remuneração de caderneta de poupança possui implicações econômicas. Tem-se uma singela comprovação de que Direito e Economia estão interligados.
REFERÊNCIAS:
[1] BRASIL: http://www.brasil.gov.br/sobre/eonomia/mercado-financeiro/juros. Acessado em 30/04/2013.
[2] BRASIL: Supremo Tribunal Federal.
[3] BRASIL: Superior Tribunal de Justiça.
[4] CAMARGO SOBRINHO, Mário de. In: Código Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Org. COSTA MACHADO, Antônio Cláudio da. Coord. CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Barueri: Manole, 2008.
[5] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011.
[6] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, vol. II. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
NOTAS:
[1] BRASIL: http://www.brasil.gov.br/sobre/eonomia/mercado-financeiro/juros. Acessado em 30/04/2013.
[2] CAMARGO SOBRINHO, Mário de. In: Código Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Org. COSTA MACHADO, Antônio Cláudio da. Coord. CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Barueri: Manole, 2008, p. 302.
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, vol. II. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 158.
[4] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011, p. 380.
[5] Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
[6] Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
[7] Art. 1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao ano.
[8] Art. 3° Sobre a correção monetária dos créditos trabalhistas, de que trata o Decreto-lei n° 75, de 21 de novembro de 1966 e legislação posterior, incidirão juros, à taxa de 1% (um por cento) ao mês, capitalizados mensalmente.
[9]Art. 1o-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano.
[10] Decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Luiz Fux rejeitando a alegação de inconstitucionalidade do § 2º do artigo 100 da Constituição Federal; declarando inconstitucionais os §§ 9º e 10 do artigo 100; declarando inconstitucional a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança,” constante do § 12 do artigo 100, bem como dando interpretação conforme ao referido dispositivo para que os mesmos critérios de fixação de juros moratórios prevaleçam para devedores públicos e privados nos limites da natureza de cada relação jurídica analisada; declarando a inconstitucionalidade, em parte, por arrastamento, do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009; e acolhendo as impugnações para declarar a inconstitucionalidade do § 15 do artigo 100 e do artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias introduzidos pela EC 62/2009, o julgamento foi suspenso. (...). Presidência do Ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 07.03.2013. Em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3813700, acessado em 07/05/2013.
[11] “(...) 1. "Não incidem juros moratórios no período compreendido entre a homologação da conta de liquidação e o registro do precatório, porquanto correspondem a uma sanção pecuniária pelo inadimplemento da obrigação no prazo assinado. Assim, a demora do Poder Judiciário em inscrever o débito no regime precatorial, ou em expedir a requisição de pequeno valor, não pode ser imputada à Fazenda Pública" (AgRg no REsp 1003000/SP, 1ª T., Min. Francisco Falcão, DJe de 10/11/2008).(...) 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 771624/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 25/06/2009).
EMENTA: CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PRECATÓRIO. MORA. INOCORRÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
I - O entendimento firmado no julgamento do RE 298.616/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, no sentido de que, não havendo atraso na satisfação do débito, não incidem juros moratórios entre a data da expedição e a data do efetivo pagamento do precatório, também se aplica ao período entre a elaboração da conta e a expedição do precatório.
II - Embargos de declaração convertidos em agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 496703 ED, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma,julgado em 02/09/2008, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-06 PP-01108).
Procurador Federal. Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis<br>Especialista em Direito Público e em Direito Processuaà l Civil. MBA em Gestão Pública.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RORIZ, Rodrigo Matos. Os juros e a Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35066/os-juros-e-a-fazenda-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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