Resumo: o presente estudo versa sobre a constituição simbólica no ordenamento jurídico brasileiro. Visa estudar o conceito e modo de elaboração da constituição simbólica e o seu processo no Brasil. A partir disso, levanta as características desse tipo de constituição e suas consequências sociais. Para tanto, se utiliza das pesquisas bibliográfica e documental, no intuito de obter os dados que revelem a realidade supracitada. Finalmente, pondera o contexto em tela e sugere mecanismos de controle e mitigação desse fenômeno, com vistas a dar eficácia às normas constitucionais.
Palavras-chave: Constituição, Legislação Simbólica, Princípio.
Abstract: Summary: This study focuses on the constitution symbolic Brazilian legal system. Aims to study the concept and method of drafting the constitution and its symbolic process in Brazil. From this, it raises the characteristics of this type of establishment and its social consequences. Therefore, using research literature and documents in order to obtain data that reveal the reality above. Finally, considering the context in screen and suggests mechanisms to control and mitigate this phenomenon, in order to give effect to the constitutional requirements.
Keywords: Constitution, Symbolic Legislation, Principle.
INTRODUÇÃO
Da análise do surgimento e da evolução histórica do Direito Constitucional, verifica-se que ele está intrinsecamente relacionado ao Estado liberal. Este modelo estatal é caracterizado pela sua contraposição ao Estado absoluto, altamente centralizador e intervencionista, e, por isso, as primeiras constituições se mostram especialmente preocupadas com a limitação da atuação do Estado e com a garantia de direitos e liberdades individuais.
Posteriormente, devido às novas necessidades sociais e especialmente em virtude dos grandes acontecimentos que marcaram o início do século XX, este modelo de constitucionalismo vai se mostrando insuficiente para atender às exigências da sociedade, e as constituições, sensíveis a esta nova realidade, passam a incorporar novos valores, notadamente os direitos sociais, demonstrando uma evolução, marcando o seu segundo passo, após a consolidação dos direitos individuais que haviam sido a tônica da fase anterior.
No entanto, esta nova fase encontraria problemas de ordem técnica e política, especialmente porque a maior parte destes direitos sociais foi inserida nas constituições através de normas programáticas, que traçam diretrizes e programas a serem cumpridos pelo Estado. Além disso, estes dispositivos dependem de regulamentação infraconstitucional para surtirem toda sua eficácia (eficácia jurídica de aplicação) no plano fático.
Inicialmente, muitos autores defendiam que estas normas não eram verdadeiras normas jurídicas, e que não possuíam eficácia. Atualmente, a doutrina constitucional evoluiu no sentido de afastar esse entendimento, demonstrando que as normas programáticas são normas jurídicas com eficácia relativa dependente de regulamentação.
Neste contexto, a teoria da constitucionalização simbólica surge como um instrumento de grande utilidade para a compreensão da natureza destas normas, verificando a origem do problema no próprio processo de elaboração legislativa.
Este artigo tem o escopo de estudar o fenômeno da constituição simbólica e a adequação dessa teoria ao caso brasileiro, tendo como parâmetro a Constituição de 1988. Para tanto, se utilizando das pesquisas bibliográfica e documental, será estabelecido o contexto no qual ocorreu a elaboração e vigência da Carta Magna em nosso ordenamento jurídico.
2. CONCEITO E AMPLITUDE DA LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA
Conforme preleciona Marcelo Neves, a questão da legislação simbólica está usualmente relacionada com a distinção entre as variáveis instrumentais, expressivas e simbólicas. Assim, nas atitudes instrumentais, observa-se uma relação meio-fim, no sentido de se alcançar determinado objetivo por meio de uma ação; nas expressivas verifica-se uma confusão entre o agir e a satisfação da respectiva necessidade, e, por fim, a postura simbólica está relacionada com o problema da solução de conflito de interesses (NEVES, 2007).
Na prática dos sistemas sociais, as três variáveis supracitadas estão sempre presentes, de forma que a caracterização de uma ação/atitude como instrumental, expressiva ou simbólica baseia-se no critério de predominância de uma delas em relação às outras. Neste sentido, a legislação simbólica pode ser conceituada como aquela onde há o "predomínio, ou mesmo a hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental" (NEVES, 2007).
Conforme salientado na distinção entre as variáveis instrumentais, expressivas e simbólicas, o critério de identificação desse tipo de legislação não é simplesmente a presença da função simbólica, tendo em vista que todas as normas a possuem, mesmo que em pequeno grau. No entanto, é o predomínio (ou hipertrofia) desta função no que se refere ao sistema jurídico, enfatizando-se o caráter de solução de conflitos de interesses e, ao mesmo tempo, minimizando a função jurídico-instrumental da lei.
A legislação simbólica comporta uma classificação baseada no conteúdo, conforme salienta Kinderman, "conteúdo de legislação simbólica pode ser: a) confirmar valores sociais, b) demonstrar a capacidade de ação do Estado e c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios." (KINDERMAN, apud NEVES, p. 34).
No primeiro caso, ao confirmar valores sociais, o legislador assume uma posição em relação a determinados conflitos sociais, de forma que os grupos que estão envolvidos nestes conflitos acerca de determinados valores consideram a confirmação legislativa como uma vitória, como uma prova da superioridade de sua posição, independentemente da eficácia normativa da lei.
No segundo caso, a legislação simbólica é usada para demonstrar a capacidade de ação do Estado, e o legislador tem por objetivo a produção de confiança no sistema jurídico, satisfazendo expectativas dos cidadãos e de grupos de pressão, mesmo sabendo da impossibilidade, da falta de condições do Estado para concretização ou efetivar a norma elaborada, apresentando, portanto, a imagem de um Estado sensível às necessidades sociais.
Por fim, a legislação simbólica também pode ser utilizada para adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios. Conforme assevera Marcelo Neves (2007):
Nesse caso, as divergências entre grupos políticos não são resolvidas através do ato legislativo, que, porém, será aprovado consensualmente pelas partes envolvidas, exatamente porque está presente a perspectiva da ineficácia da respectiva lei.
Assim, ocorre uma transferência da solução do conflito para um futuro indeterminado, ao passo que se procura satisfazer de imediato as partes em conflito.
A atitude simbólica não é realizada em uma relação linear de meio-fim e, nem tampouco se caracteriza por uma conexão direta e manifesta entre significante e significado, distinguindo-se por seu sentido imediato e latente. Na ação instrumental há um direcionamento da conduta para fins fixos. O agir simbólico é conotativo já que adquire um sentido mediato e impreciso que se acrescenta ao seu significado imediato e manifesto e prevalece em relação ao mesmo.
Nos sistemas sociais estão sempre presentes as funções instrumentais, expressivas e simbólicas. Pode haver a predominância de uma dessas variáveis, não há exclusividade. Direito e política sempre têm uma dimensão simbólica, havendo variáveis instrumentais importantes em ambos sistemas. A força normativa da legislação depende de uma combinação de variáveis instrumentais e simbólicas. E todo sistema jurídico funciona com base em ambas as variáveis. O problema surge quando há efeitos hipertroficamente simbólicos da legislação em detrimento de sua eficácia instrumental normativa.
A legislação simbólica não se delineia, quanto aos efeitos, tão-somente num sentido negativo: falta de eficácia normativa e vigência social. Há atos de legislação e textos normativos que têm essas características, sem que desempenhem qualquer função simbólica.
A legislação simbólica produz efeitos relevantes para o sistema político, de natureza não especificamente jurídica; distinguindo-se da legislação instrumental pela forma como exerce influencia na conduta humana e pelo modelo de comportamento que influencia.
Apesar de sua relevância social, a legislação simbólica atinge apenas setores específicos do sistema jurídico. A constitucionalização simbólica compromete toda a estrutura operacional e a autonomia do Direito.
Conforme salienta Pedro Lenza, a atividade legiferante como forma de demonstrar supremacia do grupo no poder acaba por tornar a confecção das leis um mero ato de demonstração de prevalência de determinado grupo político em detrimento do grupo de oposição, sem efetivar a real necessidade do verdadeiro titular do poder, qual seja, o povo.
Na maioria das vezes não se vislumbra o interesse público primário ao ensejar o debate sobre as leis, depreendendo-se daí a notável tentativa dos grupos políticos confrontantes em demonstrar tão somente sua superioridade no poder, em vez de cumprir o papel de representantes do interesse do povo, de acordo com os preceitos constitucionais.
Um exemplo recente foi a disputa política travada nas Casas Legislativas acerca das porcentagens de proteção ambiental obrigatória, dispostas no Novo Código Florestal. Tal discussão não extrapola muito os interesses políticos, constituindo um exemplo nítido de legislação simbólica. Neste particular resta evidente que os interesses contrapostos entre a bancada ruralista e a bancada ambientalista encabeçada pelo Partido Verde, deixando o real interesse público primário em segundo plano, novamente alijando a real função da norma jurídica.
A legislação simbólica também serve como resposta aos anseios sociais. Depreende-se das lições do professor Marcelo Neves salienta-se que estas são típicas dos países periféricos, é a confecção de leis sem o devido sopesamento das reais consequências, apenas no intuito de dar uma resposta às fluidas aspirações da sociedade num determinado momento.
Ou seja, ante a inquietude da massa frente a um determinado fato, o legislador elabora textos às pressas como resposta à aparente vontade da população, a fim de esquivar-se de suas reais atribuições.
É fato que o legislador é o representante dos interesses do povo, mas a simples ocorrência de determinado fato que afeta o clamor público não pode ensejar a confecção de leis desmedidas, uma vez que estas serão vigentes e imperativas para todas as pessoas e fatos, não justificando tais alterações.
Um exemplo claro de legislação simbólica no Brasil, com o intuito de dar uma resposta aos anseios temporários da sociedade, é a conhecida “Lei Seca”, que enrijeceu o Código de Trânsito Brasileiro no que tange ao motorista de veículo automotor que fez uso de bebidas alcoólicas. No intuito de apenar mais gravemente os motoristas que dirigem embriagados a lei em questão transformou o crime que era de perigo concreto em crime de perigo abstrato e determinou um teor alcoólico tolerado de álcool por litro de sangue, mas sem oferecer os parâmetros legais dessa averiguação.
Ou seja, é fato que é alto o número de motoristas que dirigem sob a influência do álcool e outras drogas e que isso acarreta frequentes danos às pessoas e bens. É fato que a legislação deve se adaptar às evoluções sociais e tutelar adequadamente os bens jurídicos. Porém, uma lei mal elaborada e às pressas, no intuito único de dar uma resposta rápida à sociedade acaba por retroceder, impossibilitando a punição dos motoristas que realmente causam perigo e/ou dano a bens e pessoas.
Ademais, superando-se esse problema da impossibilidade da persecução penal pela falta de provas idôneas, a lei em questão esbarraria em outro erro. O mero aumento da pena aos motoristas embriagados - e a qualquer crime - não produz o efeito esperado de intimidação. Tal premissa é falsa. De nada adianta penas duras se não há fiscalização.
Sendo o Direito Penal a “derradeira trincheira”, a efetiva fiscalização administrativa seria suficientemente eficaz para punir e prevenir os casos de motoristas alcoolizados que não chegam e colocar em perigo concreto os bens jurídicos tutelados.
Resumindo, no intuito único de responder aos anseios da sociedade cansada de perder seus filhos em acidentes automobislísticos causados por motoristas embriagados, o legislador, em evidente atuação simbólica, acabou por criar uma lei teratológica que acaba por, na verdade, ir contra a real vontade do povo.
Mais recentemente, outra lei foi criada da noite pro dia. Mas desta vez não foi a manifestação da massa ou de uma classe da sociedade que ensejou tal tarefa simbólica, mas sim o fato de que o lesado no caso em questão era secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira. No dia 19/01/2012, Duvanier sofreu um infarto agudo e foi levado a dois hospitais que negaram atendimento, tendo em vista que ele não portava um talão de cheques, o que culminou em sua morte. Dias depois, em 28/05/2012 era criado um novo crime, sob a rubrica de “condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial”, previsto na Lei 12.653/12, que tem a seguinte redação:
Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.
Nesse exemplo também se vê a falta de preparação dos eleitos para representar o interesse público primário, embora aqui com consequências menos desastrosas que as observadas no tocante à “Lei Seca”.
Outra característica apontada pelo professor Marcelo Neves das legislações simbólicas é justamente o fato de que elas não trazem solução para casos carecedores de disposição jurídica, adiando constantemente a solução de problemas constantes da sociedade.
Tal adiamento se deve ora ao despreparo dos legisladores para tratar de assuntos de suma importância, ora à falta de comprometimento destes com os reais interesses sociais, e, ainda, ao fundado temor de tomar uma posição que desagrade interesses de classes ou de comparsas, o que poderia acarretar a extinção de sua carreira política.
Em decorrência disso, promessas eleitoreiras são descumpridas, programas não saem do papel e as leis que tratam de assuntos de maior importância não fazem mais do que adiar a solução real do problema.
Recentemente, mais precisamente de 13 a 22 de junho de 2012, foi realizada na cidade do Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - também chamada de Rio + 20 -, que após muito debate e anos de espera, acabou por aprovar um documento internacional que novamente adia as obrigações dos países de reduzir a emissão de gases poluentes. Nesse caso, a legislação simbólica não foi resultado de culpa exclusiva tupiniquim, diga-se a verdade. No entanto, tem-se sim aí um exemplo recente de legislação simbólica que adia a solução de conflitos de interesses que contou com a participação brasileira.
Outro caso refere-se à expressão “organização criminosa”. A falta de definição legal do que vem a ser uma organização criminosa, no âmbito interno, impossibilitava a sua aplicação e consequente punição, não obstante a utilização de tal expressão em diversos textos normativos, por exemplo nas Leis 9.034/95 e 9.613/98.
Segundo a doutrina majoritária, a utilização do conceito de organização criminosa contido na Convenção de Palermo (Decreto 5.015/04) violaria o princípio da legalidade, em sua garantia da lex populi, que exige a participação dos representantes do povo na elaboração e aprovação do texto que cria ou amplia o direito de punir do Estado brasileiro.
Enfim, conforme tentou-se demonstrar alhures, há no Brasil, assim como na maioria dos países periféricos, segundo salienta o professor Marcelo Neves, uma marcante preferência pelas legislações simbólicas para que os representantes do povo esquivem-se de sua função precípua, qual seja, representar o interesses público primário. Em consequência, muitas leis sem aplicação são criadas, causando um inchaço da legislação simbólica e, principalmente, a descrença da sociedade nos poderes públicos.
3. A CONSTITUIÇÃO SIMBÓLICA
Estabelecido o conceito de legislação simbólica, pode-se definir a constitucionalização simbólica com mais segurança, tomando este conceito como base e transportando-o para o contexto constitucional. Assim, a constitucionalização simbólica resulta, à primeira vista, da introdução de normas de conteúdo predominantemente simbólico na Constituição.
À atividade constituinte, neste contexto, não se segue a necessária normatividade jurídica generalizada, com a respectiva concretização normativa do texto constitucional, havendo um predomínio da função simbólica sobre a função jurídico-instrumental da norma constitucional. Em outras palavras, "o elemento de distinção é também a hipertrofia da dimensão simbólica em detrimento da realização jurídico-instrumental dos dispositivos constitucionais" (NEVES, 2007, p. 41).
Além disso, a constitucionalização simbólica apresenta outra peculiaridade, podendo ser caracterizada sob dois pontos de vista: negativo e positivo. Do ponto de vista negativo, pela ausência de concretização normativa do texto constitucional; do positivo, pelo papel político-ideológico que a atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham.
A relação entre texto e realidade constitucional pode ser concebida positivamente como concretização de normas constitucionais. É no processo de concretização que vai ser construída a própria norma constitucional. Porém, com frequência, a concretização é "desconstitucionalizante". Ocorre, então uma degradação semântica do texto constitucional no processo de concretização.
A concretização constitucional abrange, contudo, tanto os participantes diretos do procedimento de interpretação-aplicação da constituição quanto o público. Nesse sentido, ela envolve o conceito de realização constitucional. Ao texto constitucional não corresponde normatividade concreta nem normatividade materialmente determinada, ou seja, dele não decorre, com caráter generalizado, norma constitucional como variável influenciadora-estruturante e, ao mesmo tempo, influenciada-estruturada pela realidade a ela coordenada. Pode-se sustentar que o âmbito de matéria não esta em condições de submeter-se a uma comutação seletiva por parte do código jurídico de diferença entre ilícito e licito.
Na constituição simbólica, ocorre o bloqueio permanente e estrutural da concretização dos critérios/programas jurídicos-constitucionais pela injunção de outros códigos sistêmicos e por determinações do "mundo da vida", de tal maneira que, no plano constitucional, ao código "licito/ilícito" sobrepõem-se outros códigos-diferença orientadores da ação e vivencias sociais. O problema reside não apenas na constitucionalidade do Direito, ele reside, primeiramente, já na juridicidade da Constituição.
Numa leitura da concepção pluralista e "processual" da Constituição é possível afirmar que o problema da constituição simbólica está vinculado à não inclusão de uma esfera pública pluralista no processo de concretização constitucional. Além da ausência de um "público pluralista" como participante do processo de concretização constitucional, as disposições constitucionais não são relevantes para os órgãos estatais vinculados estritamente à sua interpretação-aplicação.
Embora sobre o ponto de vista jurídico, a constitucionalização simbólica seja caracterizada negativamente pela ausência de concretização normativa do texto constitucional, ela também tem um sentido positivo, na medida em que a atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um relevante papel político-ideológico.
Não se desconhece que as constituições "normativas" desempenham função simbólica, tampouco que a distinção entre "Constituição normativa" e "Constituição simbólica" é relativa.
As "Constituições normativas" implicam juridicamente um grau elevado de direção da conduta em interferência intersubjetiva e de orientação de expectativas de comportamento. O simbólico e o instrumental interagem reciprocamente para possibilitar a concretização das normas constitucionais. A Constituição funciona realmente como instancia reflexiva de um sistema jurídico vigente e eficaz.
Em caso de constitucionalização simbólica, o problema ideológico consiste em que se transmite um modelo cuja realização só seria possível sob condições sociais totalmente diversas. O figurino constitucional atua como ideal, que através dos "donos do poder" e sem prejuízo para os grupos privilegiados deverá ser realizado, desenvolvendo-se, então, a formula retórica da "boa intenção" do legislador constituinte e dos governantes em geral.
O "Constitucionalismo aparente" implica numa representação ilusória em relação à realidade constitucional, servindo antes para imunizar o sistema político contra outras alternativas. Com isso, podem permanecer inalterados os problemas e relações que seriam normatizados com base nas respectivas disposições constitucionais e ainda ser obstruído o caminho das mudanças sociais em direção ao proclamado Estado Constitucional.
O documento constitucional surge como estrutura normativa garantidora dos direitos fundamentais, da divisão dos poderes e da eleição democrática. A forma ideologicamente carregada "sociedade democrática" é utilizada pelos governantes com "Constituições simbólicas" tão regularmente como pelos seus colegas sob "Constituições normativas", supondo-se que se trata da mesma realidade constitucional. Daí decorre uma deturpação pragmática da linguagem constitucional que, se, por um lado, diminui a tensão social e obstrui os caminhos para a transformação da sociedade, imunizando o sistema contra outras alternativas, por outro lado, pode conduzir à desconfiança publica no sistema político e nos agentes estatais.
A constitucionalização simbólica diferencia-se da legislação simbólica pela sua maior abrangência nas dimensões social, temporal e material. A legislação simbólica se restringe a relações jurídicas de domínios específicos, não atingindo o sistema jurídico como um todo. A constitucionalização simbólica atinge esse sistema no seu núcleo, comprometendo toda a sua estrutura operacional. É possível a existência de disposições constitucionais com efeito simplesmente simbólico, sem que daí decorra o comprometimento do sistema constitucional em suas linhas mestras.
Os direitos fundamentais, as separações dos poderes, a eleição democrática e a igualdade perante a lei, institutos previstos abrangentemente na linguagem constitucional, são deturpados na práxis do processo concretizador, principalmente com respeito à generalização, na medida em que se submetem a uma filtragem por critérios particularistas de natureza política, econômica, etc.
Normas constitucionais programáticas: aquelas que possuem eficácia limitada, não servindo à regulação imediata de determinados interesses, mas estabelecendo a orientação finalística dos órgãos estatais. Podem ter uma relevante força normativa concreta, desde que o respectivo Estado seja efetivamente estruturado de maneira compatível com a consecução mínima do programa finalístico contido na Constituição.
O caráter hipertroficamente simbólico da linguagem constitucional se apresenta de forma mais marcante através das "normas programáticas de fins sociais".
Portanto, tendo como base esta conceituação, podemos concluir que muitas normas constitucionais estabelecedoras de direitos sociais, cuja implementação exigiria do Estado uma atuação positiva, são marcadas pelo predomínio da função simbólica, em detrimento da função jurídico-instrumental. Assim, o direito é conferido, mas sem uma regulamentação suficiente para que possa ser auto-executável.
Disto, no entanto, não se pode concluir que tais normas sejam destituídas de qualquer eficácia. Dessa forma, do estudo da eficácia das normas constitucionais, uma das mais importantes lições que se extrai é a de que todas elas possuem, no mínimo, a chamada eficácia negativa ou de vinculação, a qual proíbe a prática de atos contrários ao comando da respectiva norma e vincula a atividade futura do legislador infraconstitucional, que deve ser harmônica com a norma constitucional.
Neste contexto, a teoria da constitucionalização simbólica surge como uma ferramenta, um instrumento a ser utilizado pelos operadores do direito para compreender o porquê da existência de determinadas normas. Através desta teoria, pode-se responder ao seguinte questionamento: por que o legislador elabora normas destituídas de eficácia jurídica plena, deixando-as dependentes de regulamentação futura que, em certos casos, nunca é elaborada?
Sua grande aplicabilidade, portanto, não consiste em dizer se as normas constitucionais com predomínio da função simbólica em detrimento da função jurídico-instrumental são boas ou prejudiciais ao sistema jurídico. Serve, na verdade, para analisar a natureza de tais normas, pois verifica a origem do problema no próprio processo de elaboração legislativa e conclui que elas se destinam principalmente a atender objetivos específicos (confirmar valores sociais, demonstrar a capacidade de ação do Estado ou adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios), em vez de exercerem sua função normal, que é a de regular condutas.
3.1 TIPOS DE CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA
Pode-se classificar a constitucionalização simbólica em três formas básicas de manifestação: a) a constitucionalização simbólica destinada à corroboração de determinados valores sociais; b) a Constituição como fórmula de compromisso dilatório; c) a constituição álibi.
Na primeira, teríamos dispositivos constitucionais que, sem relevância normativo-jurídica, confirmam as crenças e modus vivendis de determinados grupos. No segundo, é representativa a análise da Constituição de Weimar, que revela seu caráter de compromisso, que pode ser "autêntico" ou "não-autêntico".
O autor restringe a questão da constitucionalização simbólica aos casos em que a propria atividade constituinte, o texto constitucional e o discurso a ele referente funcionam, antes de tudo, como álibi para os legisladores constitucionais e governantes, como também para os detentores de poder não integrados formalmente na organização estatal.
A compreensão da constitucionalização simbólica como álibi em favor dos agentes políticos dominantes e em detrimento da concretização constitucional encontra respaldo nas observações de Bryde, o qual diz que as "Constituições simbólicas", em oposição às "normativas", fundamentam-se sobretudo nas "pretensões da elite dirigente pela representação simbólica da ordem estatal."
3.2 SOBREPOSIÇÃO DO POLÍTICO JURÍDICO
Segundo Luhmann, há uma "exploração" do sistema jurídico pela política, uma superexploração generalizada. Assim, se fala em "sociedade hiperpolitizada" em casos de constitucionalização simbólica.
O fato da subordinação do Direito ao poder político não deve levar a ilusão da autonomia do sistema político.
A constitucionalização simbólica também se apresenta como um mecanismo ideológico de encobrimento da falta de autonomia e da ineficiência do sistema político estatal, principalmente com relação a interesses econômicos particularistas. O Direito fica subordinado à política, mas a uma política pulverizada, incapaz de generalização consistente e, pois, de autonomia operacional.
Na medida em que não se constrói a identidade/autonomia de uma esfera de juridicidade com base na reprodução normativa consistente a partir da Constituição, torna-se impossível a construção de um Direito que responda adequadamente ás exigências de seu meio ambiente social supercomplexo.
3.3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO SIMBÓLICA COMO PROBLEMA DA MODERNIDADE PERIFÉRICA
A bifurcação no desenvolvimento da sociedade moderna resultou, para os países periféricos, numa crescente e veloz complexificação social, sem que daí surgissem sistemas sociais capazes de estruturar ou determinar adequadamente a emergente complexidade.
Nas sociedades periféricas, pode-se observar a falta de autonomia operacional dos sistemas jurídicos e políticos. Não há internamente um funcionamento adequado da Constituição como "vinculo estrutural" entre Direito e política.
Estes constituem, portanto, sistemas alopoieticamente determinados, sendo difusa e instavelmente invadidos por diferenças, programas elementos de outros sistemas sociais. Na periferia, as injunções particularistas da dominação econômica realizam-se de forma desnuda, destruindo abertamente e com tendências generalizantes a legalidade no plano jurídico e os procedimentos democráticos na esfera política.
Também entre política e Direito, a aplicação limitante e controladora do código ilícito/licito característica do "Estado de Direito", não se realiza de forma satisfatória, sendo claramente constatada a ingerência ilícita sistemática do poder sobre o Direito.
O estado periférico se caracteriza pelo pendulo entre instrumentalismo constitucional e nominalismo constitucional.
As "Constituições instrumentalistas" atuam como simples instrumentos jurídicos dos donos do poder.
Nessas nações periféricas, a Constituição atua como álibi: O estado apresenta-se como identificado com os valores constitucionais, que não se realizam no presente por "culpa" do subdesenvolvimento da "sociedade". Já os grupos interessados nas transformações reais do poder, invocam os direitos proclamados no texto constitucional para denunciara a realidade constitucional inconstitucional e atribuir ao Estado a culpa pela não realização dos direitos constitucionais, que seria possível estivesse o governo em outras mãos.
A constitucionalização simbólica afeta abrangentemente as dimensões social, temporal e material do sistema jurídico, não apenas aspectos setoriais. Mas sobretudo porque a concretização normativa do texto constitucional pressupõe uma radical revolução nas relações de poder.
3.4 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
No que tange à experiência constitucional brasileira há a caracterização de um círculo vicioso entre instrumentalismo e nominalismo constitucional. A legislação constitucional, pontualmente transformada em consonância com a conjuntura de interesses dos "donos da situação", tornou-se basicamente simples instrumento jurídico dos grupos políticos dominantes, era uma arma na luta pelo poder.
Na constituição de 1824 os direitos civis e políticos previstos tiveram um nível muito limitado de realização. Os procedimentos constitucionais submeteram-se a uma profunda "deturpação" no processo de concretização. Além disso, não havia o controle de constitucionalidade das leis, que poderia ser exercido pelo Poder Moderador, sendo na verdade um "controle inconstitucional de constitucionalidade".
A constituição reduzia-se a uma ficção. Havia a subordinação imediata do sistema jurídico ao código do poder. A ineficácia jurídica do texto constitucional era compensada pela sua eficiência política como mecanismo simbólico-ideológico de "legitimação".
Já a Constituição de 1891 não se reduz o problema da discrepância entre texto constitucional e realidade do processo de poder. As declarações mais abrangentes de direitos, liberdades e princípios liberais importavam uma contradição entre o documento constitucional e a estrutura da sociedade do que na experiência imperial. Houve uma permanente deturpação ou violação da Constituição em todo o período que esta esteve me vigor. Observou-se fortemente as fraudes eleitorais, a degeneração do presidencialismo no "neopresidencialismo", a deformação do federalismo mediante a "política dos governadores" e a abusiva intervenção federal nos Estados.
Com a Constituição de 1946 retomou-se a constitucionalização simbólica de base social democrática. Essa característica é restabelecida e fortificada na constituição de 1988.
Dessa forma, a constituição de 1988 tem como função jurídica institucionalizar os direitos fundamentais e o Estado de bem-estar. Não caberiam restrições ao texto constitucional, no qual a declaração de direitos individuais, sociais e coletivos é das mais abrangentes. O problema surge no âmbito da concretização constitucional. O uso abusivo de medidas provisórias pelo chefe do Executivo acaba ferindo a constitucionalidade constitucional, um problema na "juridicidade da Constituição", ou seja, à normatividade do texto constitucional.
O texto constitucional não se concretiza como mecanismo de orientação e reorientação das expectativas normativas e, portanto, não funciona como instituição jurídica de legitimação generalizada do Estado.
A falta de concretização normativo-jurídica do texto constitucional está associada à sua função simbólica. A identificação retórica do Estado e do governo com o modelo democrático ocidental encontra respaldo no documento constitucional. Com a realidade social discrepante, o modelo constitucional é invocado pelos governantes como álibi: transfere-se a culpa para a sociedade desorganizada, descarregando-se de responsabilidade o governo.
A constituição de 1988 é programática. A sua legitimidade é atribuída promessa e esperança de sua realização no futuro.
As mudanças simbólicas do documento constitucional deixam intactas as relações reais do poder, intocável a realidade de "concretização constitucionalizante" ou "desconstitucionalização fática". Aqui observamos o fenômeno da constituição álibi em sentindo inverso: o texto constitucional em vigor é apresentado como um empecilho para o desenvolvimento, transferindo-se a culpa pelo fracasso na consecução dos objetivos governamentais, que só poderão ser alcançados no futuro, após as respectivas alterações.
4. CONCLUSÃO
A constitucionalização simbólica, equiparada à Constituição nominalista, ou álibi, é o processo de criação de uma Constituição moderna, como abertura do sistema jurídico ao político, porém, sem concretização. Havendo o texto legal garantidor de direitos e garantias criado um álibi para os detentores do poder, que põem a culpa pela não concretização constitucional em elementos outros.
Esse nominalismo constitucional ocorre pelo hipertrofiamento de outros sistemas perante os sistemas jurídico e político. Assim, percebe-se que o sistema econômico se mostra como o capaz de condicionar o processo constituinte e legiferante, adaptando-os aos interesses dos detentores do “poder” para “ter”. Portanto, o sistema jurídico é “dirigido” por outro sistema, não tem, pois, força.
Quando a Constituição possui um texto que não se concretiza, afetando, assim, todo o ordenamento jurídico (caso típico de constitucionalização simbólica), as normas que regularão o “mundo real” não estarão presentes no sistema jurídico, porém, há, ainda, uma ordem, mesmo que não seja jurídica. O hipertrofiamento de outros sistemas em detrimento do jurídico e do político, tomando-o, assim, sua força originária e se apropria do seu código diferenciador “lícito/ilícito”, tira dos contrapesos entre jurídico e político, e coloca nas mãos dos detentores do poder.
Como o sistema econômico se sobressai, está nele repousada, atualmente, a força de lei. Porém, como não a lei em sentido jurídico, o que está verdadeiramente em suas mãos é apenas a força, por não haver outros sistemas que o medeie, e que o impeça de se “fechar” em si mesmo. Dessa maneira, não há “abertura” para que os anseios e a realidade o penetrem. O que já se percebeu, até agora, é uma diminuição, ou exclusão, das prestações do Estado de bem-estar social.
Nas palavras de Agamben (2004, p. 61), “o estado de exceção é um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força de lei sem lei”. Como foi demonstrado que a constitucionalização simbólica está presente até mesmo nos países centrais da modernidade (centro e periferia), e havendo uma nítida aproximação entre o estado de exceção e a constitucionalização simbólica, pode-se afirmar que a sociedade global vive um estado de exceção permanente, estado de exceção como paradigma de governo.
Não são os sistemas jurídico e político que regulam as relações sociais, culturais, educacionais, etc., mas sim, outro sistema que, não o bem-estar social, mas sim, o bem-estar de poucos que fazem parte do poder é o objetivo. Desse modo, o Estado (ou os Estados) e o seu sistema jurídico apropriado, estão sujeitos ao serviço do econômico.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
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Advogado, Mestrando em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Especialista em Direito Constitucional e Direito Processual Civil pela AVM Faculdade Integrada, Formado em Direito na Universidade Estadual de Santa Cruz, BA, (UESC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIêGO EDINGTON ARGôLO, . A Constituição simbólica no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35187/a-constituicao-simbolica-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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