Resumo: O estudo em tela pesquisa o princípio da publicidade dos atos processuais sob o prisma constitucional. Tal princípio consubstancia-se em uma é uma garantia fundamental de justiça, pois ele permite as partes o conhecimento de todos os atos do processo. Assim, objetiva-se entender quais os limites doutrinários e de aplicação do referido princípio nos processos judiciais. Todo o estudo teve como foco as ideias de intimidade e privacidade do cidadão litigante no processo judicial. Para tanto, utilizou-se de um estudo bibliográfico e documental, com vistas a levantar os subsídios necessários para a compreensão do contexto em análise. Por fim, analisando casos envolvendo a publicidade excessiva dos atos processuais e a colisão com o direito à intimidade e personalidade, depreendeu-se a ideia de relativização do princípio da publicidade quando do desenvolvimento processual.
Palavras-chave: Princípio da Publicidade; Processos Judiciais; Atos Processuais.
Abstract: The study on the search screen principle of publicity of procedural acts under the constitutional prism. This principle is embodied in one is a fundamental guarantee of justice, because it allows the parties knowledge of all stages of the proceedings. Thus, the objective is to understand what the limits of doctrine and the application of that principle in court proceedings. All study focused on the ideas of intimacy and privacy of the citizen litigant in the lawsuit. For this, we used a bibliographic and documentary, aiming to raise the subsidies needed to understand the context under analysis. Finally, analyzing cases involving the excessive publicity of procedural acts and collision with the right to privacy and personality, surmised up the idea of the relativity principle of publicity when developing procedural.
Keywords: Principle of Advertising, Legal Proceedings; Procedure Acts.
INTRODUÇÃO
O princípio da publicidade contempla o conceito de que todos os atos e negócios em que a Administração Pública participa devem ser de divulgação e conhecimento de toda a sociedade. Assim, deve o Estado, em seu agir público, tanto em nível político quanto no administrativo, sempre ser motivado por razões de interesse público.
Todos os atos, negócios e serviços públicos devem ser revestidos de transparência e, tal instituto também se aplica à prestação jurisdicional. Ora, trata-se o serviço público de prestação estatal que vise à satisfação de necessidades coletivas e, partindo dessa premissa, evidente que a prestação jurisdicional constitui-se uma forma de prestação de serviço público.
O princípio da publicidade é um direito fundamental previsto em nossa Constituição Federal e que, quando estudando sobre o prisma da prestação jurisdicional do Estado, pode ser visto como um mecanismo de controle da opinião pública sobre os serviços da justiça. Desta forma, o poder conferido ao juiz do Estado Democrático de Direito não se mostra absoluto e soberano em face da sociedade, mas sim, sobretudo em virtude do referido princípio, pode ser analisado e amplamente divulgado para todos os jurisdicionados.
Nesta perspectiva, permite-se inferir que há uma estreita ligação entre os princípios da motivação das decisões judiciais com o da publicidade, na medida em que esta torna efetiva a participação no controle das decisões judiciais.
Este artigo tem como escopo estudar o princípio da publicidade aplicado na seara processual, tendo como foco a matriz principiológica vigente no Direito brasileiro. Para tanto, através de uma pesquisa bibliográfica e documental realizar-se-á uma investigação sobre a teoria geral dos princípios, passando-se à análise da legislação vigente e considerando todas estas questões no desenvolvimento prático de um processo.
Outrossim, ponderando a abordagem principiológica e processualista do estudo, realizar-se-á, ainda, um enfoque sobre as principais nuances constantes nos princípios constitucionais e nos processuais, visto que o tema em questão tratará de um princípio constitucional utilizado na seara processual.
Este estudo se volta à publicidade em suas diversas acepções, abordando, assim, sua origem, conceito, seus limites e demais características imanentes, sobretudo como parte integrante do devido processo legal e, ainda a sua importância no processo judicial. Deste modo, à luz dos relevantes posicionamentos dos doutrinadores brasileiros, pretende-se delinear um panorama acerca deste princípio em nosso ordenamento jurídico e com isso, ampliar o leque de discussões acerca da temática nesta seara.
2.1 UMA ABORDAGEM PRINCIPIOLÓGICA
Pode-se classificar os princípios como preposições básicas que fundamentam as ciências. No particular do Direito, o princípio é o fundamento, a base que informa e inspira as normas jurídicas. Assim os princípios informam, orientam e inspiram as normas legais, sistematizando e organizando o instituto (MARTINS, 2003).
À Luz da teoria de Humberto Ávila (ÁVILA, 2007), os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade, de parcialidade e cuja aplicação demanda uma avaliação entre o estado das coisas e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Como descreve o autor (ÁVILA, 2007), os princípios representam normas finalísticas que instituem um estado ideal de coisas a ser buscado, que se referem a outras normas do sistema, quais sejam, as regras. É desta forma que os princípios constituem-se em importantes instrumentos para a compreensão das regras, e, partindo destas premissas, que o autor divide a eficácia dos princípios em interna e externa, e destas se depreende a eficácia interna direta e indireta, bem como a eficácia externa objetiva e subjetiva.
Por outro lado, na doutrina de José J. Canotilho, são os princípios (CANOTILHO, 1993. p. 1241):
normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de “tudo ou nada”; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a “reserva do possível”, fáctica ou jurídica.
Analisando os contornos políticos e sociais do processo, como também do direito em geral, atribui-se grande relevância a determinados princípios que não se prendem a técnica nem a dogmática jurídica, e que trazem conotações sociais, éticas e políticas, servindo suporte de legitimação (GRINOVER, 2002). Destarte, cada ordenamento se ampara em princípios que lhe são relevantes, sendo alguns destes princípios comuns a todos os sistemas.
Segundo os ensinamentos de Norberto Bobbio (BOBBIO,1999), os princípios gerais são normas fundamentais do sistema, as consideradas normas gerais. O autor parte da ideia de que os princípios são extraídos de normas de um procedimento de generalização sucessiva, eles também são normas. Ademais, também porque a função para qual são extraídos é a mesma utilizada por todas as normas, ou seja, a função de regular o caso.
Pode-se observar tais idéias se materializarem no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002), que descreve “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. A partir disso, constata-se que os princípios gerais do direito são utilizados como normas reguladoras.
Na acepção de Miguel Reale (REALE, 2002) tanto a legislação quanto toda a experiência jurídica, se ampara sobre os princípios gerais de direito, que são considerados os alicerces e as vigas mestras do edifício jurídico. Questões como a diversidade cultural e a demanda por garantir a segurança jurídica dos cidadãos, em determinadas sociedades aumentam a importância assim como a necessidade de simplificação dos princípios (MACIEL, 2004). Acredita que, apesar da simplicidade de suas características, é tarefa difícil quantificá-los e estabelecer hierarquia entre eles, visto que tais princípios são mutáveis assim como a sociedade em que está inserido.
Ao tratar sobre as funções dos princípios, José Fabio Rodrigues Maciel (MACIEL, 2004), ventila que a função destes é atuar de modo a propiciar a limitação do poder de conformação do intérprete, bem como ajudam na tomada de decisões que possuam em sua essência o ideal de justiça existente na sociedade em que o direito é aplicado. Destarte, analisando de modo geral a idéia de princípio, constata-se que este é um sistema formado por diversos subsistemas, e neste sentido, qualquer princípio, ainda que visto individualmente, reflete no todo.
Portanto, é objeto deste estudo também a realização de uma abordagem acerca dos princípios constitucionais e processuais. Todavia, prima facie é preciso entender que os princípios possuem em sua essência uma normatividade jurídica, tanto quanto as regras e, desta forma, necessário de faz realizar um breve estudo sobre a distinção fundamental entre regras e princípios.
2.2. SOBRE OS PRINCÍPIOS E REGRAS
Verificada as principais características dos princípios gerais assim como os diversos conceitos atribuídos ao termo “princípio”, necessário se torna neste momento realizar algumas observações a respeito das principais diferenças existentes entre princípios e regras.
Expressões como leis, normas, princípios, regras, ainda são utilizados com certa freqüência de forma imprecisa, contudo algumas observações merecem ser realizadas. Lei é todo preceito jurídico, o que há prescrição juridicamente, já o termo norma apresenta-se de maneira mais complexa (CUNHA, 2003).
As primeiras lições de direito natural utilizavam apenas os termos lei e regra, embora de maneira indistinta. O termo norma ainda não era utilizado no séc. XIX, contudo, isto não significa que não existiam normas, visto que estas existem desde a passagem do direito costumeiro para o direito escrito, neste período apenas não havia o termo adequado, este termo “norma” surgiu da necessidade por um conceito mais analítico de lei, e um conceito menos apurado do que o de regra, para assim superarem as faculdades vocabulares (CUNHA, 2003).
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2007, FERREIRA FILHO), utiliza um critério para distinguir os dois institutos, em sua visão as regras são normas jurídicas restritas em sua hipótese e precisa em seu dispositivo, já os princípios também são normas jurídicas, mas generalíssimas na hipótese e em seu dispositivo, e por isto que sua diferenciação é uma questão de generalidade.
Historicamente a regra vem depois da determinação (prescrição específica para o caso individual, pressupõe subordinação) e antes das normas; as regras estão presentes naturalmente nos costumes e não em normas consuetudinárias, deste modo as regras estão próximas dos princípios implícitos (CUNHA, 2003).
As regras encontram apoio nos princípios e estes, por sua vez, são fundamentais enquanto elementos estruturantes no sistema jurídico, esta vinculatividade das regras está intimamente ligada ao seu conteúdo meramente funcional; já os princípios formam pautas vinculantes em razão do teor valorativo que possuem, e por estarem na base do sistema jurídico são os fundamentos das regras (MENDONÇA JUNIOR, 2001).
Importante se torna salientar algumas peculiaridades entre as normas e os princípios. As normas não existem sem o respectivo enunciado, já o princípio existe mesmo antes do enunciado, neste sentido que toda norma deve ser lida como se fosse o parágrafo de um artigo, cujo caput é o princípio que justifica sua existência.
Sérgio Sérvulo da Cunha (CUNHA, 2003) distingue norma de princípio a partir da incidência de ambos, para ele os princípios não descrevem suportes fáticos para sua incidência, nem discriminam os efeitos, ao contrário do que acontece com as normas, que são instruções sobre o modo como se aplicam os princípios em determinadas situações.
Na concepção de Mendonça Junior (MENDONÇA JUNIOR, 2001) ao passo que as regras impõem, permitem ou proíbem uma determinada exigência, que é cumprida ou não é; e havendo conflitos de regras uma é excluída em detrimento de outra, nunca serão utilizadas em conjunto. As regras, continua o autor, possuem fixação normativa definidas devendo se cumprir na exata medida de suas prescrições, sem qualquer alteração; já os princípios coexistem e permitem o balanceamento de valores em determinadas situações conflitantes, logo, estes são normas que constituem o ordenamento jurídico, com características próprias e que o influenciam constantemente, desempenhando função de grande importância para o escopo da ordem jurídica.
Através da análise deste item, foi possível verificar as diferenças existentes entre as regras e os princípios, contudo este trabalho tem por fim verificar se o uso do processo eletrônico viola o princípio da publicidade, e para tanto, importante se torna neste momento direcionar uma atenção mais especial ao estudo dos princípios, distinguindo-os em constitucionais e processuais.
2.3. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
Ao realizar um estudo de um ramo do direito é cada vez maior a incidência e a análise conjunta do Direito Constitucional, pois ao contrário do que ocorria até pouco tempo atrás, onde para aplicar um determinado ramo do direito considerava-se apenas a legislação infraconstitucional e não a Constituição, que, por sua vez era desprezada com pouca aplicação efetiva; agora o intérprete, primeiramente realiza o estudo na Constituição Federal para só depois buscar a lei ordinária (NERY JUNIOR, 2002).
O Direito Processual Civil, por sua vez, não é diferente, ao analisar seus princípios também é necessária uma análise acerca dos princípios constitucionais que norteiam. Ele é regido tanto por normas constitucionais como também normas infraconstitucionais, e apesar disso possui um sistema uniforme que propícia sua melhor compreensão, por sua vez também é facilitada porque, didaticamente, foi subdividido em Direito Constitucional Processual, que é o conjunto de normas de Direito Processual que se encontra na Constituição Federal, e o Direito Processual Constitucional, que é a reunião dos princípios para regular a jurisdição constitucional.
Já os princípios informativos são variáveis lógico-jurídicos dos princípios institutivos e não podem ser estudados como princípios gerais do direito processual, por possuírem estes conceitos mais amplos. São exemplos, os princípios da oralidade, da publicidade, da lealdade processual, da disponibilidade processual, da economia processual e da instrumentalidade das formas.
O Direito Processual como ramo do direito público que tem suas bases fundamentais no Direito Constitucional, este por sua vez, fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais, garante a distribuição, a justiça além de estabelecer alguns dos princípios processuais. Neste sentido Grinover (GRINOVER, 2002, p. 50) compreende:
que o processo não é apenas instrumento técnico,mas sobretudo ético. E significa, ainda, que é profundamente influenciado por fatores históricos, sociológicos e políticos. Claro é que a história, a sociologia e a política hão de parar às portas da experiência processual, entendida como fenômeno jurídico. Mas é justamente a Constituição, como resultante do equilíbrio das forças políticas existentes na sociedade em dado momento histórico, que se constitui no instrumento jurídico de que deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenômeno processo e de seus princípios.
Ovídio Batista da Silva (SILVA, 2005) indica como princípios informadores do Direito Processual Civil o princípio dispositivo pelo qual o juiz deve julgar a causa com base nos fatos trazidos pelas partes sendo-lhe vedada a busca de fatos não alegados; o princípio da demanda diz respeito aos poderes das partes na causa, mas referindo-se ao alcance da atividade jurisdicional; o princípio da oralidade pelo qual deve prevalecer o uso da comunicação escrita no que tange as alegações das partes e na apresentação das provas; o princípio da imediatidade intimamente ligado ao princípio da oralidade onde o juiz deve julgar o caso sempre assistido da produção das provas.
Os princípios gerais do direito processual ainda podem ser distinguidos daquelas normas que representam uma melhoria do aparelhamento processual através de quatro regras apontadas por Ada Pelegrini Grinover (GRINOVER, 2002) como princípios informativos do processo: princípio lógico, princípio jurídico, princípio político e princípio econômico. O princípio lógico é uma forma de seleção dos meios mais eficazes e rápidos de descobrir a verdade e assim evitar o erro; o princípio jurídico induz a igualdade no processo e a justiça na decisão; o princípio político proporciona ao máximo a garantia social como mínimo de sacrifício da liberdade individual; e por fim, o princípio econômico garante um processo acessível quanto ao custo e a sua duração a todos.
Os princípios constitucionais podem ser classificados em dois grupos: a) princípios político-constitucionais, que são as decisões políticas fundamentais e concretizadas em normas formadoras do sistema constitucional positivo, em outras palavras as normas políticas de uma nação; b) princípios jurídico-administrativo, são aqueles princípios constitucionais informadores da ordem jurídica nacional.
Contudo, no juízo de Sérgio Sérvulo da Cunha (CUNHA, 2003) os princípios constitucionais podem ser classificados em implícitos e explícitos, estes ele ainda os subdivide em nominados e enunciados, para ele quando a Constituição além de nominar um princípio também acrescentar o respectivo enunciado, este princípio é considerado “explicitado”. Como explicação para sua teoria o autor refere o artigo 37 da CF/88 no qual são citados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade da publicidade e da eficiência, mas não se referem em que consiste, o seu conhecimento é suposto, mas o enunciado deverá ser buscado em outra fonte.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (GONÇALVES, 2005) classifica os princípios constitucionais em duas espécies: os inferidos e os prescritivos, os primeiros são aqueles que estão implicitamente presentes na Constituição, que apareciam nas constituições mais dogmáticas como características de regras; já os prescritivos, são aqueles que estão editados para prescrever uma determinada linha de conduta, são eles que traduzem os valores que inspira a Carta.
A condensação dos princípios constitucionais do processo Ada Pelegrini Grinover denomina de Direito Processual Constitucional, não se trata de um novo ramo autônomo do direito, mas apenas uma divisão metodológica para melhor compreender o processo e suas relações com a Constituição, esta divisão compreende a tutela constitucional dos princípios fundamentais a organização judiciária e do processo, assim como a jurisdição constitucional (GRINOVER, 2002).
Verificado no presente estudo a principal diferenciação entre os princípios constitucionais e os princípios processuais, relevante se faz a partir do próximo tópico a abordagem de um princípio específico, o que será elemento principal no estudo do presente trabalho, qual seja, o princípio da publicidade.
2.4 O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE EM UM DEVIDO PROCESSO LEGAL.
A ideia de defesa esteve presente nos sistemas jurídicos desde os tempos mais primitivos, embora investido em outros termos conceituais, a evolução da autodefesa para a jurisdição primitiva, onde o Estado passa a “dizer o direito”, substituindo as partes e cumprindo decisões torna-se evidente a constatação de que não há processo sem se ouvir as partes. Mesmo no Código de Hamurabi que reservou poucos preceitos para o processo são encontradas regras sobre o juramento do autor e do réu, que mostra a existência de alegações em termos de defesa. Na antiga civilização egípcia, a acusação e a defesa eram feitas pessoalmente pelas partes, os sacerdotes que compunham os tribunais adotavam um procedimento escrito assegurando as partes às alegações e réplica (MENDONÇA JUNIOR, 2001).
O avanço na ideia de defesa do cidadão surgiu um processo lento, marcado por normas processuais rígidas, mas cujo objetivo era evitar abusos da atividade jurisdicional. Este objetivo aliado a toda a investigação em torno do contraditório e da ampla defesa é fundamental a criação da norma do devido processo legal, mas foi só no final do séc. XIX que o processo desenvolveu-se como relação de direito público, tendo como esboço a realização da justiça material.
O Princípio do devido processo legal está assegurado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição de 1988. Significa que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem um processo justo; a ampla defesa e um julgamento imparcial – fundamentado na legislação.
O princípio do devido processo legal, todavia, não se limita somente ao que foi exposto. Ele serve de paradigma para todos os demais princípios do direito processual.
Ao manifestar os ensinamentos Rui Portanova (PORTANOVA, 2003), esclarece:
o princípio é tão amplo e tão significativo que legitima a jurisdição e se confunde com o próprio Estado de Direito. Assim, aplica-se tanto na jurisdição civil e penal, como também nos procedimentos administrativos. Ademais, engloba a reivindicação de direitos (inclusive de declarar a inconstitucionalidade de lei), a eficaz defesa e a produção de provas. No devido processo legal estão enfaixadas garantias representadas principalmente pelos princípios do contraditório, ampla defesa, duplo grau, publicidade, juiz natural, assistência judiciária gratuita.
Ademais, mister ressaltar os ensinamentos de Cintra, Grinover e Dinamarco, quando afirmam que o devido processo legal, como princípio constitucional, significa o conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional. Destarte, é possível notar que o mais importante dos princípios é o do devido processo legal, já que assegurando este, estar-se-á garantindo os demais princípios elencados na Constituição Federal (GRINOVER, CINTRA, DINAMARCO, 2002).
Para o Ministro Celso Antonio Bandeira de Mello (MELLO, 2004, p. 230):
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
Assim o princípio da publicidade, como corolário do devido processo legal, constante do art. 5º, inc. LX da Constituição Federal: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem” e com o art. 93, inc. IX, também da Constituição Federal, redação determinada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004):
todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Desse modo, o princípio da publicidade é mais uma garantia da imparcialidade e transparência das atividades jurisdicionais; servindo como importantíssima ferramenta fiscalizatória a serviço do povo, pois permite que, além das partes, toda a sociedade tome ciência das decisões procedentes do judiciário, através da permissão de acesso à população às audiências.
2.5. O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE NO PROCESSO JUDICIAL
A nossa Constituição propugna que os atos processuais devem ser públicos. Constitui-se, em verdade, num direito fundamental que almeja permitir o controle da opinião pública sobre a atuação do poder judiciário, principalmente sobre o poder de que foi investido o juiz. Assim, verifica-se uma estreita conexão entre o princípio da publicidade e da motivaço das decisões judiciais, na medida em que a publicidade torna efetiva a participação no controle das decisões judiciais. Estamos a falar sobre um verdadeiro instrumento de eficácia da garantia da motivação das decisões judiciais.
A publicidade ofertada aos atos judiciais tem o condão de garantir aos cidadãos a correta aplicação da justiça, com vistas a tornar transparentes os atos processuais praticados pelo magistrado durante a persecução civil ou penal.
O princípio da publicidade, conforme aduz Luiz Rodrigues Wambier (WAMBIER, 2009, p. 435), “existe para vedar o obstáculo ao conhecimento. Todos têm o direito de acesso aos atos do processo, exatamente como meio de se dar transparência à atividade jurisdicional”.
Para Grinover, Dinamarco e Cintra (GRINOVER, CINTRA, DINAMARCO, 2002), “o princípio da publicidade do processo constitui uma preciosa garantia do indivíduo no tocante ao exercício da jurisdição”. Entretanto, não podemos olvidar de que, em face do caso concreto, muitas vezes é preciso ponderar tal princípio com outro, também de natureza constitucional, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana, presente no artigo 1º, inciso III, da Constituição brasileira, é a base para a identificação material dos direitos fundamentais, somente estará assegurada quando for possível ao homem uma existência que permita a concretização plena de todos os direitos fundamentais. Assim, dignidade da Pessoa Humana é um princípio tecido pelos fatos sociais ao longo da história da humanidade.
Por outro lado, encontra-se um aparente conflito de normas a ser equacionado, no que diz respeito à intimidade, à privacidade no processo eletrônico, necessitando solucionar a dicotomia entre publicidade e intimidade. Para tanto, deve-se adotar a ponderação de princípios, de forma que nenhum deles deve ser interpretado de maneira irrestrita e absoluta. Busca-se, por conseguinte, a relativização do princípio da publicidade em promoção ao direito à intimidade. Neste sentido, é o entendimento da nossa Suprema Corte (BRASIL, 2008):
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.
Diante dessas situações fáticas, percebe-se que a ideia não é no sentido de se abolir o princípio da publicidade ou provocar uma relativização tão absurda quanto o próprio excesso de informação que vem sendo perpetrado em nosso sistema judicial. Os atos processuais são e devem ser sempre públicos, pois o princípio da publicidade gera o direito fundamental à publicidade. Trata-se de direito fundamental que tem, basicamente, duas funções: a) proteger as partes contra juízos arbitrários e secretos (e, nesse sentido, é conteúdo do devido processo legal, como instrumento a favor da imparcialidade e independência do órgão jurisdicional); b) permitir o controle da opinião pública sobre os serviços da justiça, principalmente sobre o exercício da atividade jurisdicional.
Nos termos do artigo 5º, inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil, a intimidade e a vida privada são amparadas pelo direito. A violação será reparada seja material ou moralmente, após justo e regular processo. A Constituição Federal estabelece possibilidade de restrição (mas não eliminação) à publicidade externa: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (BRASIL, 1988).
Como bem salientam Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamani e Flávio Renato Correia de Almeida, a expressão segredo de justiça é infeliz, porquanto não se trata de segredo, visto que o julgamento não ocorre a portas fechadas. Cuida-se, sim, de resguardar a intimidade dos litigantes ou de evitar que a publicidade possa ocasionar grande transtorno ou comoção social. No entanto, as partes e seus procuradores, têm acesso aos autos, inclusive obtendo certidões. Nesse sentido, a Constituição, ao tratar do assunto, usou expressão mais adequada, qual seja: publicidade restrita (WAMBIER, TALAMANI, ALMEIDA, 2007)
A publicidade restrita foi adotada pelo atual diploma de Processo Civil, artigo 155 e parágrafo único: a) em que o exigir o interesse público; b) que dizem respeito ao casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores, diferentemente do que previa os artigos 5º e 19º do Código de 1939. No entanto, essas limitações se contrapõem com o que rege o artigo 5º, inciso LX, da CRFB/88, em razão de o princípio da publicidade admitir exceções, ou seja, quando o decoro ou o interesse social aconselharem, a sua utilização é perfeitamente aceitável, com o respaldo do artigo 93, inciso X, também da Constituição de 1988. Nesse esteio, como lecionam Cintra, Grinover e Dinamarco (GRINOVER, CINTRA, DINAMARCO, 2002, p. 156), “toda precaução deve ser tomada contra a exasperação do princípio da publicidade”, destacando, ainda:
Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande como o próprio segredo. As audiências televisionadas têm provocado em vários países profundas manifestações de protesto. Não só os juízes são perturbados por uma curiosidade malsã, como as próprias partes e as testemunhas vêem-se submetidas a excessos de publicidade que infringem seu direito à intimidade, além de conduzirem à distorção do próprio funcionamento da Justiça, através de pressões impostas a todos os figurantes do drama judicial. Publicidade, como garantia política – cuja finalidade é o controle da opinião pública nos serviços da justiça – não pode ser confundida como o sensacionalismo que afronta a dignidade humana. Cabe a técnica legislativa encontrar o justo equilíbrio e dar ao problema a solução mais consentânea em face da experiência e dos costumes de cada povo.
Por isso, em razão do interesse público e da necessidade de se garantir a ordem na realização dos atos processuais, bem como em face de outros valores constitucionalmente previstos, dentre eles, o direito à intimidade, admite-se restrições ao princípio da publicidade, razão pela qual os processos judiciais ligados ao direito de família e à infância e juventude devem tramitar em segredo de justiça. Assim, vale destacar a opinião de Milano quando diz que (MILANO FILHO, 2004, p 348):
O sigilo em atos judiciais, policiais e administrativo sempre foi de certa forma, contemplado pela legislação ligada a atos de natureza processual, e da mesma forma na medida em que os mesmos impliquem em discussão de matéria relacionada à criança e adolescente, em determinados casos, como no inquérito policial, ter a autoridade policial acesso às provas. Assim é que o artigo 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente, abraçando orientação já contida no Código de Menores revogado, veda a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a criança e adolescente a que se atribua ato infracional; observa ainda o parágrafo único do mesmo dispositivo, com alteração que lhe deu a Lei 10.764, de 12 de novembro de 2003, que, qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou o adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.
Desta forma, percebe-se que este é o panorama geral do princípio da publicidade e as nuances que revestem tal norma, sobretudo em sua aplicação no processo judicial.
3. CONCLUSÃO
Os princípios são uma espécie de norma jurídica e representam um mandamento de otimização para a realização dos direitos fundamentais. Os princípios gerais do direito, por sua vez, também funcionam para informar, orientar e inspirar as normas jurídicas, constituindo-se em verdadeiros os valores deste sistema.
O presente artigo direcionou seu estudo ao princípio da publicidade, que está previsto no artigo 5º, inciso LX da Constituição Federal e possui aplicabilidade imediata no ordenamento jurídico. Outrossim, verificou-se a sua aplicação de forma pontual no direito processual pátrio.
A garantia constitucionalmente prevista do devido processo legal, não se esgota na observância das formas da lei para tramitação das causas no judiciário. É preciso também que seja observada algumas garantias fundamentais essenciais para o regular desenvolvimentos das ações, como a publicidade dos atos processuais.
Em verdade, a publicidade, enquanto resultante do devido processo legal, só poderá ser restringida quando a defesa da intimidade ou interesse social assim o exigirem. Assim, o princípio da publicidade é uma ferramenta de fiscalização da qualidade da prestação de serviço oferecido pelo Poder Judiciário, que deverá pautar suas decisões em consonância com os ditames constitucionais e processuais.
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Advogado, Mestrando em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Especialista em Direito Constitucional e Direito Processual Civil pela AVM Faculdade Integrada, Formado em Direito na Universidade Estadual de Santa Cruz, BA, (UESC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIêGO EDINGTON ARGôLO, . A matriz principiológica da publicidade nos processos judiciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 maio 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35196/a-matriz-principiologica-da-publicidade-nos-processos-judiciais. Acesso em: 23 dez 2024.
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