RESUMO: O tema abordado neste trabalho está relacionado à inconstitucionalidade do mútuo consentimento nos dissídios coletivos de natureza econômica. Apresenta-se como principal problemática violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição do novo requisito para o ajuizamento de dissídio coletivo. Assim, devido a polêmica existente entre doutrina e jurisprudência, busca-se não só demonstrar o desrespeito ao princípio constitucional, mas também inspirar os profissionais da área do direito. No que tange à metodologia, utilizou-se investigação o levantamento de material bibliográfico, bem como o método dedutivo. Por fim, o debate sobre o referido tema fez surgir dois principais entendimentos: os que filiam-se pela constitucionalidade do mútuo consentimento, e os que se utilizam de uma visão neoconstitucionalista, ou seja, aqueles abraçam a tese de que o legislador constituinte derivado incluiu um novo requisito inconstitucional, por violar o princípio da inafastabilidade da jurisdição, corrente a qual se defende neste estudo.
Palavras-chaves: Dissídio Coletivo; Mútuo consentimento; Inconstitucionalidade.
ABSTRACT: The issue addressed in this work is related to the unconstitutionality of mutual consent in collective bargaining agreements of an economic. Presents itself as the main problem inafastabilidade violation of the principle of the jurisdiction of the new requirement for the filing of collective bargaining. Thus, because of the controversy between doctrine and jurisprudence, seeks to not only show disrespect to the constitutional principle, but also inspire the professionals in the field of law. Regarding the methodology used to research the collection of bibliographic material, as well as the deductive method. Finally, the debate on the issue has raised two key understandings: those who affiliate themselves the constitutionality of the consent, and that use of a vision neoconstitucionalista, ie those who embrace the theory that the legislature included the derived constituent a new requirement unconstitutional because it violates the principle of inafastabilidade jurisdiction, current which defends this study.
Keywords: Collective bargaining; Mutual consent; Unconstitutionality.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1. BREVES NOÇÕES SOBRE DISSÍDIO COLETIVO. 1.1 FONTES DO DIREITO. 1.2 CONCEITO DE DISSÍDIO COLETIVO. 1.3 CLASSIFICAÇÃO. 1.4 NATUREZA JURÍDICA DOS DISSÍDIOS DE NATUREZA ECONÔMICA. 2. ORIGEM DO PODER NORMATIVO. 2.1 INSPIRAÇÃO FASCISTA? 2.2 FIM DO PODER NORMATIVO? 3. DO MÚTUO CONSENTIMENTO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE. 3.1 O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DE JURISDIÇÃO. 3.2 ATIVISMO JUDICIAL. 3.3 DO REQUISITO MÚTUO CONSENTIMENTO. CONSIDERAÇÕES FINAS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A exigência do mútuo consentimento, inovação surgida com a Emenda Constitucional nº 45/2004, trouxe profundos debates na doutrina e na jurisprudência, uma vez que se trata de novo requisito para o ajuizamento de um dissídio coletivo de natureza econômica. Assim, surge a problemática do presente estudo: a alteração do poder constituinte derivado implica em violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, CF) ?
Em virtude da polêmica existente no tema, a justificativa que fundamenta o presente estudo está relacionada também aos poucos livros que abordam o assunto, apesar de inúmeros artigos científicos escritos por renomados doutrinadores. Logo, este árduo trabalho poderá no futuro inspirar não só magistrados, como também advogados e formadores de opiniões.
Desse modo, têm-se como objetivo geral demonstrar que o mútuo consentimento não só viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição, como também coibi uma das grandes funções do Poder Judiciário: dar efetividade aos direitos fundamentais (objetivo específico).
Por fim, para o desenvolvimento desta monografia utilizou-se o método dedutivo, pois partiu-se de estudos de outros doutrinadores sobre o mútuo consentimento e sua violação a um princípio constitucional. Além disso, como técnica e pesquisa, a principal estratégia de investigação foi o levantamento de material bibliográfico.
1. BREVES NOÇÕES SOBRE DISSÍDIO COLETIVO
1.1 - FONTES DO DIREITO
Fontes do direito está relacionado à origem das normas jurídicas, ou seja, quando se estuda tal tema discute-se as induções que levaram à formação das normas jurídicas em cada um dos ramos enfocados e os mecanismos concretos de exteriorização dessas normas[1].
A doutrina classifica as fontes do direito em fontes materiais e fontes formais: enquanto que as primeiras não possuem força vinculante, mas influenciam a formação e transformação das normas jurídicas por meio de fatores econômicos, sociológicos, políticos e filosóficos, as segundas possuem força vinculante e são a exteriorização de uma norma jurídica, como se apresenta no mundo jurídico.
No que tange às fontes formais, temos as seguintes espécies: a) fontes formais heterônomas, que são as regras cuja produção não se caracteriza pela imediata participação dos destinatários principais das mesmas regras jurídicas, sendo elas as regras de direta origem estatal (criadas por terceiros), como por exemplo, a Constituição, as leis, as medidas provisórias, os decretos e outros diplomas produzidos no âmbito do aparelho do Estado; e b) fontes formais autônomas, que são as regras cuja produção caracteriza-se pela imediata participação dos destinatários principais das regras produzidas, sendo elas as regras originárias de segmentos ou organizações da sociedade civil (criadas pelos próprios atores sociais), como os costumes ou os instrumentos da negociação coletiva privada.
Como a Constituição da República de 1988 prevê, em seu art. 7º, inciso XXVI, o princípio da autonomia coletiva privada, quando expressamente reconhece as convenções e os acordos coletivos de trabalho, infere-se que o ordenamento jurídico do Brasil adotou a chamada Teoria Pluralista, isto é, a criação das normas jurídicas não provém de um único centro de produção (Estado).
O princípio da autonomia privada coletiva nada mais é do que “o poder de autoregulamentação das relações de trabalho, ou matérias correlatas, pelos grupos profissionais e econômicos, por meio de suas organizações representativas, encontrando seu instrumento na negociação coletiva, e o seu resultado nas normas coletivas”[2].
Assim, há uma grande diferença entre acordos e convenções coletivos e sentenças normativas, pois estes são fontes formais heterônomas e aqueles são fontes formais autônomas.
1.2 - CONCEITO DE DISSÍDIO COLETIVO
A negociação coletiva, forma autônoma de solução de conflitos, foi prestigiada em vários dispositivos da Constituição de 1988, tais como o art. 7º, inciso XXVI, sendo obrigatório a participação dos sindicatos nessas formas de autocomposição (art. 8º, VI, CF).
Todavia, nem sempre é possível chegar a uma autocomposição, por divergências de entendimentos entre a categoria profissional e a categoria econômica.
Dessa forma, surge para as categorias envolvidas no conflito a possibilidade de uma heterocomposição (necessária a intervenção de um terceiro elemento para decidir a questão conflitantes quanto a esses conflitos de interesses), autorizada pelo Poder Constituinte Originário (e derivado), que consiste nos dissídios coletivos.
Cumpre esclarecer que dissídio coletivo é diferente de arbitragem. Apesar de ambos serem espécies de formas de heterocomposição de conflitos, neste último há eleição de um árbitro para que possa apreciar o conflito, e com autonomia, decidir qual o melhor meio a ser solucionado.
Cláudia de Abreu Lima Pisco ensina que os dissídios coletivos trabalhistas “destinam-se a solucionar conflitos entre interesses gerais e abstratos de grupos de pessoas consideradas como categorias “representantes” de classes operárias e empresariais, em um típico duelo entre 'capital x trabalho' ”[3].
Já para o professor Rubens Fernando Clamer dos Santos Júnior, os dissídios coletivos: “discutem a criação de novas normas ou condições de trabalho para a categoria ou, ainda, a interpretação de determinada norma jurídica. O poder normativo da Justiça do Trabalho consiste na possibilidade de criação de novas condições de trabalho. Isto ocorre por meio das sentenças normativas, que poderão ser revistas conforme dispõe o art. 873 da CLT”[4].
Dessas acepções, podemos conceituar dissídios coletivos como sendo uma forma de solução de conflitos coletivos, tendo como atores de um lado, grupo de trabalhadores representados pelos seus sindicatos, e de outro, grupo da classe empresarial, no qual o judiciário trabalhista decidirá o caso envolvendo interesses gerais e abstratos (criando normas ou condições de trabalho) ou ainda, interpretando determinada norma jurídica.
Assim, os dissídios coletivos têm um caráter não só de solucionar conflitos, mas também a tarefa de permitir a harmonia e a paz social, objetivo consagrado na Constituição Federal (promover o bem de todos), conforme art. 3º, IV.
Por fim, é necessário fixar a diferença entre dissídios coletivos e dissídios individuais plúrimos. Enquanto que nos primeiros há criação de normas abstratas a serem aplicadas a um número indeterminados de pessoas que pertençam a uma categoria, nos segundos uma norma é aplicada ao caso concreto a um número determinado de pessoas.
1.3 - CLASSIFICAÇÃO
A doutrina didaticamente divide os dissídios coletivos em: de natureza econômica, o qual objetiva a fixação, por sentença normativa, de novas condições de trabalho, ainda não previstas em lei, aplicadas no âmbito das relações individuais de trabalho, e de natureza jurídica, os quais visam obter uma interpretação de cláusulas de sentenças normativas, acordos e convenções coletivos, ou seja, de normas coletivas que tenham caráter geral e abstrato.
Existe uma classificação pouco usada, mas importante citar neste trabalho. De um lado, os dissídios originários ou primários, que correspondem aos dissídios de natureza econômicas, objetivam criação de normas, seja nova norma ou decorrente de outra criada em um dissídio anterior. Por outro lado, dissídios derivados ou secundários que visam rever uma norma já existente ou simplesmente interpretá-la para aplicação em casos concretos.
O regimento interno do TST também classifica os dissídios em de natureza econômica, de natureza jurídica, originários, de revisão e de declaração sobre a paralisação do trabalho, estes últimos são os relacionados a greve dos trabalhadores.
Sobre os dissídios de greve, Cláudia Pisco discorre: “têm por finalidade apreciar a abusividade do exercício do direito de greve e, portanto, de uma movimento paredista. Tais espécies estão previstas no art. 220 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho. Nessas ações, o Judiciário, além de decidir sobre a regularidade do exercício do direito de greve por parte de uma categoria operária, poderá determinar o pagamento dos dias de paralisação do trabalho”[5].
1.4 - NATUREZA JURÍDICA DOS DISSÍDIOS DE NATUREZA ECONÔMICA
Tendo em vista que os dissídios coletivos de natureza econômica solucionam conflitos entre os entes coletivos, com efeitos erga omnis para toda a categoria profissional abrangida, criando normas gerais e abstratas (chamado Poder Normativo), concluí-se que os mesmo têm natureza jurídica, predominante, de fonte de direito.
Não sendo a sentença normativa criada pelos próprios atores sociais, vislumbra-se que a mesma está classificada nas chamadas fontes formais heterônomas, eis que criadas por um terceiro não diretamente interessado no conflito.
Por fim, vale transcrever o trecho do artigo de Vicente José Malheiros da Fonseca, tratando dos dissídios coletivos de natureza econômica: “O dissídio coletivo de natureza econômica (ou de interesse) corresponde à ação coletiva mais comum, em face de controvérsia quanto à 'criação' de novas condições de trabalho, seja de natureza social, patrimonial ou outras, uma vez frustrada a negociação coletiva ou a arbitragem tradicional. A pretensão, deduzida em juízo, é de natureza predominante constitutiva, pois a sentença normativa, no caso, constitui sucedâneo do acordo ou convenção coletiva mal sucedida.”[6]
2. ORIGEM DO PODER NORMATIVO
2.1 – INSPIRAÇÃO FASCISTA?
O Poder Normativo foi instituído com o Decreto-Lei nº 1.237/1939 e em seu artigo 94 previa a possibilidade da decisão da Justiça obreira se basear em um juízo de equidade, época em que a Justiça do Trabalho era concebida ainda como órgão administrativo desvinculado do Poder Judiciário.
Já com a Constituição de 1946, elevou-se ao status constitucional o referido poder normativo, conforme estabelecia o art. 123, sendo mantido mesmo durante o período de ditadura militar com a Constituição de 1967 e Emenda nº 01 de 1969. No período democrático, a Constituição Federal de 1988 manteve o poder normativo (art. 114, §2º).
Entretanto, a Emenda Constitucional nº 45/2004 alterou profundamente a redação do art. 114, §2º, da CF, passando a ter o seguinte teor: “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”
Alguns doutrinadores utilizam argumentos no sentido de levantar a tese da extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho, tendo em vista sua suposto origem no direito fascista italiano instituído por Mussolini.
Sobre o tema Conrado Di Mambro Oliveira discorre: “os dissídios coletivos, de natureza econômica, são contrários à atual ordem democrática, pois foram baseados em ideias autoritárias e que não se privilegiava o salutar diálogo entre trabalhadores e empregadores”[7].
Eduardo Pragmácio Filho, citado por Oliveira (2011), entende que: “a ideia do poder normativo na Justiça do Trabalho possui visceral influência italiana e fascista, com ideias corporativistas, portanto”[8].
Entendimento mais radical é defendido por Arion Sayão Romita, citado por Pisco (2010): “aduz severas críticas à subsistência no sistema brasileiro da Magistratura do Trabalho, chegando, por vezes, a atacar a própria existência desse ramo especializado do Judiciário por considerar um resquício do sistema corporativista”[9].
Em uma visão diametralmente oposta, Arnaldo Süssekind, citado por Santos Júnior (2010), sustenta que: “que a Consolidação das Leis do Trabalho não tem inspiração fascista, não tendo se inspirado na Carta del lavoro, de Mussolini. Afirma que enquanto a CLT tem mais de 900 artigos, a Carta del lavoro tem apenas onze princípios de Direito do Trabalho, sendo que nove desses princípios são meras repetições de instituições jurídicas que já existiam em vários outros países, a exemplo de Inglaterra e Alemanha. Sustenta que a Justiça do Trabalho não foi criada no Brasil a partir do artigo da Carta del lavoro que prevê a “magistratura del lavoro”, pois a Justiça do Trabalho está prevista inicialmente em muitos lugares e não apenas na referida Carta del lavoro. Aliás, a primeira Justiça do Trabalho foi criada em 1906, na Nova Zelândia, seguida por Austrália e México. A unidade sindical compulsória prevista na legislação do trabalho no Brasil de 1939, apesar de previsto no último dispositivo da Carta del lavoro, não tem inspiração na própria Carta. Trata-se da utilização de um princípio de Direito Sindical, bem ou mal, já previsto dez anos antes da Carta pela União Soviética, em 1917”.
O Mestre Arnaldo Süssekind é participou da elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho. Logo, maior credibilidade deve-se dar a seus argumentos, pois vivenciou à época e se o mesmo diz que a Carta Del Lavoro não inspirou a origem da CLT, mas sim Rerum Novarum e as Convenções da OIT, tal posição é a mais indicada.
Infelizmente, a maior parte da doutrina vislumbra ter a CLT a chamada inspiração fascista, tendo em vista que o diploma consolidado foi elaborado na fase de institucionalização (autoritária e corporativa) do Direito do Trabalho, a qual foi baseada na atuação do Estado em duas frentes: de uma lado oprimia as manifestações operárias, de outro fixava uma legislação voltada à organização do sistema justrabalhista.
Contudo, em que pese a inspiração do diploma de Mussolini, a Justiça do Trabalho e por conseqüência, o Poder Normativo, adquiriram razões próprias de existência as quais serão analisadas a seguir.
2.2 – FIM DO PODER NORMATIVO?
Após a EC nº45, parte da doutrina entende que o poder normativo da Justiça do Trabalho estaria extinto, pois o legislador constituinte teria incentivado a criação das normas autônomas coletivas (fonte formal), prestigiando a negociação coletiva e cortando de uma vez do cordão umbilical do Estado a intervenção nos conflitos sociais.
A referida emenda suprimiu a possibilidade da Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições de trabalho. Numa interpretação apressada e literal do art. 114, §2º da CF poderia levar o intérprete à conclusão de que o poder normativo estaria extinto, já que não caberia mais à Justiça especializada criar normas e novas condições de trabalho.
A partir dessa alteração, estaria assim a Justiça do Trabalho apenas limitada a decidir o conflito respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
É o que infere-se das palavras de Eduardo Pragmácio Filho, citado por Oliveira (2011): “A primeira corrente diz que o poder normativo foi suprimido, pois na redação anterior do art. 114 havia disposição expressa de que a Justiça do Trabalho era autorizada a criar normas e condições de trabalho. Como não existe mais essa autorização expressa, a Justiça do Trabalho não mais detém o poder normativo”[10].
Não é o que pensa a professora Cláudia Pisco: “não seria razoável imaginar que a atividade jurisdicional, destinada a garantir e implementar direitos constitucionalmente previstos, expressa ou implicitamente, estaria limitada ao que já existe em lei ou em um contrato coletivo de trabalho”[11].
De acordo com Belmonte (2007, p. 684), “Não foi extinto o Poder Normativo. O direito à constituição de novas condições de trabalho, poderá ser decidido pelas próprias partes, por árbitro por elas escolhido ou ainda pelo Poder Judiciário”[12].
A melhor interpretação está com a segunda opinião, pois os dissídios coletivos servem como um mecanismo de defesa dos direitos fundamentais, em especial os direitos sociais. Dessa forma, o poder normativo persiste, pois os sindicatos podem levar à Justiça especializada um conflito entre classes, com o objetivo de fixação de normas abstratas que o próprio sindicato tentou estabelecer, sem sucesso na fase das negociações coletivas.
É o que tem decidido o Tribunal Superior do Trabalho:
“Nesses termos, não há contradição no acórdão embargado. O entendimento de manutenção das cláusulas preexistentes foi firmado na Emenda Constitucional n.º 45, com a redação dada ao § 2º do art. 114 da Constituição Federal, no sentido de que a Justiça do Trabalho, ao decidir o conflito coletivo, respeitará as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. Essa previsão da Constituição só é aplicável no caso de existência de acordo ou convenção coletiva imediatamente anterior à instauração de eventual dissídio coletivo, pois as condições mínimas ali estabelecidas devem ser observadas quando do seu julgamento. Não é, portanto, o caso dos autos, quanto às cláusulas em questão” (ED-RO – 1800-17.2009.5.22.0000- Data de Julgamento: 09/08/2010, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 10/09/2010)
“PRELIMINAR DE DESCABIMENTO DA MANUTENÇÃO DAS CONVENÇÕES OU SENTENÇAS NORMATIVAS (sic) ANTERIORES. I - É norma do parágrafo 2º do art. 114 da Constituição, com a inovação introduzida pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que a Justiça do Trabalho, ao decidir o conflito coletivo, respeitará as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. II - Esse comando já se achava subentendido na antiga redação do parágrafo 2º do art. 114, ao assinalar que cabia à Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho. III - Essa disposição constitucional só é aplicável no caso de existência de acordo ou convenção coletiva imediatamente anterior à instauração de eventual dissídio coletivo, isto é, as condições mínimas ali estabelecidas devem ser observadas quando do seu julgamento e não quando do julgamento do dissídio que acaso o suceder, pela ausência do pressuposto da preexistência de normas convencionais, oportunidade em que ele o será com as restrições inerentes ao poder normativo da Justiça do Trabalho. Preliminar rejeitada”. (RODC – 288100-72.2004.5.04.0000- Data de Julgamento: 23/02/2006, Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 17/03/2006.)
A partir desses levantamentos, cabe-nos concluir que as sentenças normativas não estão limitadas ao estabelecimento de regras mínimas, ou seja, podem elastecer o rol de direitos previstos não só em lei, mas em normas coletivas pactuadas anteriormente, com a ressalva de que não poderão conceder menos direitos.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento diverso já que autoriza a atuação do poder normativo apenas quando haver o vazio da lei, ou seja, se houver legislação disciplinando a respeito de tal matéria, a Justiça do Trabalho não poderá conceder mais direitos do que o legislador. Assim decidiu o STF:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO. INDEFERIMENTO DE CLÁUSULAS QUE ESTABELECIAM ADICIONAIS DE HORAS EXTRAS E NOTURNO ACIMA DOS PERCENTUAIS FIXADOS EM LEI, BEM COMO ADICIONAL DE PRODUTIVIDADE NO PERCENTUAL DE 3,88%. 1. Produtividade: A alegada ofensa ao artigo 114, § 2º da CF, a depender da prévia análise de estarem, ou não, atendidos os requisitos da Medida Provisória nº 1.540/97, se existente, seria indireta ou reflexa. A alegada ofensa ao art. 5º, II da CF atrai a incidência da Súmula nº 636 do STF. Juízo diverso acerca da demonstração do aumento de produtividade da empresa, apta a permitir o adicional tal como pleiteado, demanda o reexame de prova (Súmula nº 279 do STF). 2. Horas extras e adicional noturno: Sentença normativa que estabelece adicionais em patamar acima ao que estabelecido em lei. Inadmissibilidade, pois "(...) é fonte formal de direito objetivo a decisão proferida pela Justiça do Trabalho, na resolução de dissídio coletivo, autônoma na sua elaboração, porém, somente suscetível de operar no vazio legislativo, como regra subsidiária ou supletiva, subordinada à supremacia da lei" (RE 197.911/PE, rel. Min. Octavio Gallotti, 1ª Turma, DJ de 7.11.1997). 3. Recurso improvido”.
Pelo exposto, considerando que a Suprema Corte entende que o poder normativo é aplicável no caso de existência de acordo ou convenção coletiva imediatamente anterior à instauração de eventual dissídio coletivo, rechaçados estão os argumentos de que o poder normativo fora extinto. Já em relação ao entendimento do STF de atuação do poder normativo apenas no vazio da lei, devemos aguardar se tal posicionamento será mantido, pois o acórdão supra transcrito é anterior à EC nº 45.
3. DO MÚTUO CONSENTIMENTO E SUA INCONSTITUCIONALIDADE
3.1 – O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DE JURISDIÇÃO
A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da inafastabilidade de jurisdição em seu art. 5º, inciso XXXV, que assim dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Dessa perspectiva, tal princípio informa que o interessado que tiver sido lesionado ou sofrer ameaça a lesão a seu direito pode provocar o Poder Judiciário, sem a obrigatoriedade de acionar os mecanismos administrativos de solução de conflito, tais como as comissões de conciliação prévia. Outrossim, nem mesmo vinculado estará o interessado em esgotar as vias administrativas, sob pena de violação ao referido princípio.
Encontramos uma exceção na própria Constituição Federal, prevista no art. 217, §1º, que exige a necessidade de esgotamento das vias de solução da Justiça Desportiva como condição de buscar a tutela jurisdicional. Logo, o Poder Judiciário tem competência para solucionar os dissídios desportivos, desde que seja exaurido as instâncias administrativas.
Analisando o princípio da inafastabilidade de jurisdição sobre outro ângulo, se houver tramitando um processo administrativo, com decisão desfavorável ao interessado pendente de recurso com efeito suspensivo, necessário se faz averiguar se a parte tem interesse de agir, mas tal análise somente poderá ser feita no caso concreto, fato que poderá ensejar a extinção do processo sem resolução do mérito por carência de ação.
Hodiernamente, fala-se em visão moderna do princípio da inafastabilidade de jurisdição, deixando de lado a relação com as decisões administrativas e se importando mais com a concreta efetivação dos direitos constitucionais, ou seja, a ideia de acesso à ordem jurídica justa.
Nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves: “Por fim, de nada adiantará ampliar o acesso, permitir a ampla participação e proferir decisão com justiça, se tal decisão se mostrar, no caso concreto, ineficaz. O famoso 'ganhou, mas não levou' é inadmissível dentro do ideal de acesso à ordem jurídica justa. A eficácia da decisão, portanto, é essencial para se concretizar a promessa constitucional de inafastabilidade da jurisdição”[13].
Disso decorre que a ideia de acesso à ordem jurídica justa está ligada à quatro elementos: ampliação de acesso, ampliação de participação, decisão com justiça e decisão eficaz. A ideia de acesso importa em que os obstáculos sejam mínimos ou inexistentes. Já a concepção de ampla participação permite inferir que teremos uma decisão de melhor qualidade, fazendo com que a parte derrotada se conforme mais facilmente. Ampliando o acesso e a participação teremos grande possibilidade de uma decisão com justiça, cabendo aos juízes dar efetividade às mesmas, seja através das tutelas de urgências, seja por meio de mecanismos de execução indireta, tudo em prol da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, CF).
3.2 – ATIVISMO JUDICIAL
Embora em passado recente o STF tenha se caracterizado por uma postura de maior retração judicial (jurisprudência defensiva) tendo como norte uma interpretação mais rígida do princípio da separação dos poderes, hoje vemos a Corte com tendência a um maior ativismo judicial, conferindo eficácia normativa aos princípios e aplicando-os diretamente ao caso concreto.
O sistema pós-positivista (neoconstitucionalismo) atribui força normativa à Constituição, podendo seus princípios serem invocados e aplicados diretamente seja quando haja omissão do legislador em elaborar lei seja quando a lei existente viola os princípios fundamentais. Neste contexto neocostitucional é importante destacar o relevante papel do Judiciário. Pelo principio do ativismo judiciário o juiz deve manter uma postura ativa na função de verdadeiro produtor do direito, transformando a realidade.
Nas palavras de Vanice Regina Lírio o Valle: “Em decorrência das alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 45/04 e pela própria mudança da composição do Supremo Tribunal Federal a partir de 2003, é possível perceber uma espécie de ativismo judicial, eminentemente formal e preocupado com a redefinição das competências do próprio STF, como um processo autônomo por parte da nosa jurisdição constitucional”[14].
As noções de ativismo judicial nos revelam que o Poder Judiciário passou a assumir uma postura mais ativa na solução dos conflitos. Dessa forma, o magistrado saiu de uma postura inerte, de mero expectador, para uma posição atuante na busca pela solução dos litígios.
O interessante é que mesmo com esse papel atuante do Poder Judiciário não se fala em inspiração fascista, demonstrando mais uma vez que o Poder Normativo da Justiça do Trabalho possui ainda grande importância, já que aliado está com as ideias do ativismo judicial e, principalmente, com a concretização dos direitos fundamentais, em especial os direitos sociais.
Símbolo dessa mudança de postura do STF pode ser notado quanto ao mandado de injunção, cujos efeitos historicamente vinham sendo equiparados ao da ADI por omissão, com o mero reconhecimento da mora legislativa e notificação ao órgão competente. Contudo, quando do julgamento do mandado de injunção envolvendo o direito social de greve dos servidores públicos, determinou-se a aplicação, até que a questão venha a ser regulamentada pelo legislador ordinário, da L. 7783/89, até então aplicável somente ao setor privado. Outro julgado recente que ganhou grande visibilidade dos meios de comunicação foi o reconhecimento da união homoafetiva, em que o Pretório Excelso, ao fazê-lo, em sábia decisão jurídico-política, deixou espaço para o legislador ordinário tratar do assunto a posteriori.
O Supremo Tribunal Federal assim têm decidido:
“EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989.” (MI 670)
“EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL” (MI-712)
Sobre o mandado de injunção, Flávia Piovesan, citada por Rubens Fernando Clamer dos Santos Júnior, assenta: “Três correntes a respeito do instituto são destacadas por Flávia Piovesan. A primeira delas sustenta que cabe ao Poder Judiciário elaborar a norma regulamentadora faltante, sendo suprida a omissão do legislador com a concessão do mandado de injunção. A segunda corrente preconiza que cabe ao Judiciário unicamente declarar inconstitucional a omissão e dar ciência ao órgão competente para a adoção das providências cabíveis para a realização da norma constitucional. Por último, a terceira corrente sustenta que cabe ao Judiciário tornar viável o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa no caso concreto, com a concessão do mandado de injunção para atendimento do direito que está impedido em razão da inércia na elaboração da norma regulamentadora respectiva. Dentre todas as construções teóricas, Flávia Piovesan defende a aplicação da terceira corrente, visualizando o mandado de injunção como instrumento eficaz de realização do princípio da aplicabilidade imediata das normas a respeito dos direitos e garantias fundamentais”[15].
Ensina-nos Cláudia Pisco que “Evidencia-se, portanto, que o poder normativo, historicamente concedido aos Tribunais Trabalhistas, está muito próximo dos ideais pós-positivistas e jusfilosóficos, muito mais do que se imagina”[16].
A partir desses levantamentos, cabe-nos concluir que há uma grande relação entre o ativismo judicial e poder normativo da Justiça do Trabalho, onde percebe-se uma atuação do Poder Judiciário, face a ausência de atuação do Poder Legislativo, com o objetivo de concretização dos direitos fundamentais, como por exemplo o direito de greve.
3.3 – DO REQUISITO MÚTUO CONSENTIMENTO
Antes da Emenda Constitucional nº 45/04, o art. 114, §2º da CF tinha a seguinte redação: “Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”.
No entanto, a referida emenda trouxe profundas alterações no art. 114, §2º, CF, vejamos: “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Primeiramente deve-se fazer uma crítica à denominação utilizada pelo legislador no que tange à expressão “comum acordo”, tendo em vista que todo acordo é comum. Data venia, qual hipótese estaríamos diante de um acordo que não seria comum? Talvez um acordo unilateral?
Infeliz foi o poder constituinte derivado, o que comprova que podemos encontrar textos inúteis da própria Constituição Federal, diferentemente do que entende o doutrinador Conrado Oliveira: “vale lembrar que não existem palavras inúteis na lei, especialmente na Lei Fundamental, sendo imperioso notar que o texto é claro e não permite a instauração de instância de maneira unilateral, mas apenas de comum acordo”[17].
Assim sendo, salientamos que a expressão mútuo consentimento deve ser adotada a fim de ser evitada redundâncias desnecessárias.
A inovação trouxe profundos debates na doutrina e também na jurisprudência, pois para uns o dispositivo constitucional criou um pressuposto processual, sendo que os dissídios coletivos de natureza econômica somente poderiam ser ajuizados com a presença do mútuo consentimento. Para outros, o art. 114, §2º da Constituição Federal seria inconstitucional por violar cláusula pétrea contida no art. 5º, XXXV, da CF, ou seja, o princípio da inafastabilidade de jurisdição.
Antes de analisar aquelas correntes antagônica, mister se faz investigar o motivo da inclusão no mútuo consentimento pelo legislador.
Em 1994, os petroleiros iniciaram um movimento paredista reivindicando melhores condições de trabalho, entre as quais reajuste salarial pelo índice de variação da inflação. Porém, três dias após a greve, o Tribunal Superior do Trabalho julgou o dissídio coletivo e retirou vários direitos já conquistados pelos trabalhadores, motivo pelo qual o movimento prosseguiu.
Como houve continuação da greve, mais de cinqüenta dirigentes sindicais foram despedidos pela Petrobrás e o Sindicato foi condenado a pagar multa caso a greve não terminasse. Nessa conjuntura, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) apresentou queixa em face do governo brasileiro, isto porque a Petrobrás é uma empresa estatal, com a acusação de violação da liberdade sindical.
Tal documento foi analisado pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT que recomendou ao governo brasileiro duas sugestões: reintegração dos dirigentes sindicais e a transformação do sistema de solução de conflitos coletivos com a adoção da arbitragem quando requerida pelas duas partes, e ainda, a manutenção do dissídio coletivo apenas nos casos de greve em atividades essenciais.
O Brasil, atendendo as sugestões da OIT, aprovou uma lei de anistia aos dirigentes sindicais, os quais foram reintegrados ou indenizados. Por outro lado, no que tange ao sistema de negociação de conflitos, houve a aprovação da Emenda Constitucional nº 45 que incluiu o requisito do mútuo consentimento.
Veja-se que a intenção era que a exigência do mútuo consentimento para impulsionar mecanismos de solução de conflitos coletivos referia-se à arbitragem, e não dissídio coletivo. Verificado a origem do novo requisito, passamos a analisar as correntes de pensamento.
Para os que entendem que não há inconstitucionalidade, os argumentos mais utilizados são no sentido de que não há violação do princípio da inafastabilidade de jurisdição, já que os interesses envolvidos seriam apenas econômicos, logo, não haveria um conflito jurídico (lesão ou ameaça de direito).
Assim, as sentenças normativas da Justiça do Trabalho, face ao caráter normativo, não analisariam conflitos no caso concreto, mas sim criariam normas abstratas, ou seja, o legislador teria deixado nas mãos dos próprios atores sociais a solução do conflito, deixando para apreciação do Poder Judiciário apenas os casos em que ambas as partes assim desejassem, estimulando a negociação coletiva.
Evandro Luis Urnau, sobre o tema, assenta que:
“Por essa razão que o Estado, inclusive o Poder Judiciário, deve se eximir de intervir na resolução dos conflitos sociais, deixando para a própria sociedade, negociadamente, encerrar as controvérsias.
Embora esta retirada do Estado possa significar, em um primeiro momento, uma sensação de desamparo ao trabalhador, somente com essa liberdade o empregado efetivamente terá voz e influência na melhoria das condições de trabalho, tendo consciência de que a estagnação de seus direitos se deve à própria inércia e falta de mobilização coletiva”[18].
O professor Mauro Schavi, defendendo essa corrente de pensamento, entende que não existe inconstitucionalidade no art. 114, §2º, da CF: “Acreditamos que o §2º do art. 114 da CF não atrita com o princípio da inafastabilidade de jurisdição previsto no art. 5º, XXXV, da CF, que é dirigido à lesão de direito existente, pois o dissídio coletivo de natureza econômica tem natureza dispositiva (ou constitutiva para alguns), já que visa à criação de norma aplicável no âmbito da categoria e não de aplicação de direito vigente a uma lesão de direito”[19].
O Enunciado nº 35 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho realizada no Tribunal Superior do Trabalho também dispõe no mesmo sentido:
“DISSÍDIO COLETIVO. COMUM ACORDO. CONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE AO ART. 114, §2º, DA CRFB. Dadas as características das quais se reveste a negociação coletiva, não fere o princípio do acesso à Justiça o pré-requisito do comum acordo (§2º, do art. 114, da CRFB) previsto como necessário para a instauração da instância em dissídio coletivo, tendo em vista que a exigência visa a fomentar o desenvolvimento da atividade sindical, possibilitando que os entes sindicais ou a empresa decidam sobre a melhor forma de solução dos conflitos”.
Não obstante os argumentos acima, ainda existe um parecer do Procurador-Geral da República, na ADI nº 3.432-4/DF, de que o Poder Normativo da Justiça do Trabalho não é uma atividade substancialmente jurisdicional, contribuindo com a tese dos defensores dessa corrente.
Tais afirmações vêm de encontro ao que queremos, pois há posicionamentos de que o requisito do mútuo consentimento viola expressamente o princípio da inafastabilidade de jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, CF).
Não é só porque a Justiça do Trabalho visa solucionar dissídios coletivos por meio da sentença normativa, entre patrões e empregados que este ramo do Poder Judiciário deixa de exercer sua função jurisdicional. Se assim não fosse: “os processos de impeachment e as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas quando julga as contas dos administradores, no que concerne ao aspecto contábil, sobre a regularidade da própria conta, muito embora reconheça que as atribuições do Tribunal de Contas são de natureza administrativa”[20].
Por outro lado, os mandados de injunção julgados pelo Supremo Tribunal Federal (os mesmos citados acima, MI-670 e MI-712), apesar de criarem normas entre as partes, não deixam de possuir a característica de exercício da função jurisdicional. Veja-se que essa atuação normativa do Judiciário funciona como um meio de efetivação de direitos fundamentais, como o de greve. Claro está a violação do direito de ação quando se exige o mútuo consentimento para o ajuizamento de dissídio coletivo.
O desembargador Vicente José Malheiros da Fonseca possui entendimento interessante, uma vez que se permite o mútuo consentimento em casos de arbitragem pública, mas não nos casos de solução jurisdicional:
“Na realidade brasileira, e, especialmente, na região amazônica, por exemplo, seria desaconselhável a extinção imediata do poder normativo da Justiça do Trabalho, justamente porque as condições dos trabalhadores ainda não permitem, salvo exceções, o exercício da livre negociação.
O poder normativo da Justiça do Trabalho não foi extinto, eis que, na apreciação do dissídio coletivo, compete ao Judiciário Trabalhista 'decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente' (art. 114, § 2º, da CF).
O acesso ao poder normativo da Justiça do Trabalho pode fazer-se nos moldes da arbitragem (pública), que, em regra, depende do ajuizamento de 'comum acordo' (expresso ou tácito), pelos interessados; mas admite, por exceção, a propositura da demanda, por iniciativa exclusiva de qualquer interessado, mediante suprimento judicial, em caso de recusa da outra parte, conforme os artigos 6º e 7º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), o que equivale à técnica de solução jurisdicional, garantia do princípio do livre acesso à Justiça (art. 5º, XXXXV, da CF).
De qualquer modo, a pretensão coletiva, sob a forma de arbitragem pública ou de sentença normativa, no âmbito da Justiça do Trabalho, requer um novo modo de lidar com o conflito coletivo.”[21]
Francisco Antonio de Oliveira vislumbra que o mútuo consentimento não só afronta o bom senso, como também o maior prejudicado seria o povo:
“O entendimento restritivo de que o dissídio coletivo deverá ser distribuído assinado por ambas as partes não é defensável, repita-se, sequer numa interpretação literal. A lei nada diz. E se dissesse, afrontaria ao bom senso. Se as partes não chegaram a um consenso é porque uma delas não está sendo prejudicada e não tem qualquer interesse em levar a discussão ao Judiciário. Se não está sendo prejudicada, por que razão aquiesceria em assinar um dissídio conjunto? Essa tentativa da parte interessada nada traria de positivo, mas seria negativa, pois acirraria os ânimos entre as partes dissidentes. E o prejudicado seria o povo. Esse entendimento restritivo, por sua vez, seria um componente incentivador da greve. E ainda que se cuidasse de atividade essencial e o Ministério Público ajuizasse o dissídio, isso não resolveria o impasse, uma vez que o objeto a ser apreciado estaria restrito à declaração de legalidade ou de ilegalidade da greve, não do conflito criado entre as partes. De conformidade com os princípios de hermenêutica, nenhuma interpretação poderá levar ao impasse ou ao absurdo.”[22]
Outro argumento equivocado da doutrina está no fato de que a Justiça do Trabalho exerce uma atividade atípica quando julga os dissídios coletivos de natureza econômica, exercendo, deste modo, uma função legislativa.
É preciso distinguir função normativa, esta sim exercida pela Justiça do Trabalho, de função legislativa. A primeira está relacionada à criação de nomas primárias de conceitos abstratos, que podem ser editadas tanto pelo Poder Legislativo quanto por outro Poder, desde que tenha expressa autorização constitucional. Já a função legislativa implica necessariamente às atividades típicas e exclusivas do Legislativo.
Em explanação ímpar, Cláudia Pisco discorre: “Na verdade, a função normativa do Judiciário é uma forma de desempenho de sua atividade de efetivação de direitos, quando não realizada por meio da edição de leis. O Poder Executivo, de forma similar, também exerce função normativa quando edita decretos legislativos, sem que isso se confunda com a tarefa legislativa. Todavia, como sua atividade precípua não é garantir a efetividade de direitos, como a do Judiciário, somente poderá normatizar as hipóteses expressamente previstas na Carta Maior, ou seja, para editar decretos legislativos e medidas provisórias, nas situações de urgência”[23].
Efetivação de direitos, esse sim é o papel do Poder Judiciário, exercendo ou não sua função normativa (atípica). Se assim o é, então porque não considerar o requisito do mútuo consentimento como violador de cláusula pétrea? Convenhamos, estimular a solução de conflitos e a autocomposição restringindo o direito de ação não é a melhor forma escolhida pelo Poder Constituinte Derivado, ressaltando que este não é ilimitado, encontrando restrições na própria Constituição Federal, como por exemplo as cláusulas pétreas.
Por isso o entendimento de Gustavo Felipe Barbosa Garcia é antagônico com os objetivos deste trabalho, pois o citado autor vislumbra que “o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica não significa a exclusão de sua apreciação pelo Poder Judiciário, mas mera condição da ação específica”. (GARCIA, 2005, p. 68)[24]
Não nos parece válido a inclusão de uma nova condição da ação, tendo em vista violar expressamente cláusula pétrea, ou seja, não poderia ser alterada a forma de ajuizamento dos dissídios coletivos de interesse nem mesmo por emenda constitucional.
Nicola Jaeger, citado por Pisco (2010), conclui que na sentença normativa “há dupla qualidade e estrutura na decisão, que contém um comando abstrato e outro concreto, o que é próprio das sentenças normativas”[25]. Em seguida, Cláudia Pisco assenta: “No caso de uma sentença normativa essas duas formas de atuação do Judiciário Trabalhista, típica e atípica, concreta e abstrata, em regra, não podem cindir-se, já que na mesma decisão haverá a fixação de normas abstratas aplicáveis aos contratos dos trabalhadores individualmente considerados e, ainda, o estabelecimento de uma solução concreta ao conflito coletivo entre as associações envolvidas”[26].
Dessa forma, não há dúvidas de que a Justiça do Trabalho quando exercendo sua função normativa nos dissídios coletivos de natureza econômica, por meio da sentença normativa, analisa tanto um direito em abstrato quanto um direito no caso concreto, sendo inseparáveis. E uma vez apreciados direitos no caso concreto, poderemos ter uma lesão ou ameaça de lesão à direito.
No nosso ordenamento jurídico temos tanto inconstitucionalidade por vício formal quanto por vício material. A primeira decorre devido a inobservância de competência legislativa para elaboração de um ato normativo. Por outro lado, a segunda viola um princípio fixado na Constituição. Pedro Lenza entende: “Por seu turno, vício material (de conteúdo, substancial ou doutrinário) diz respeito à “matéria”, ao conteúdo do ato normativo. Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Lei Maior deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material”[27]
Logo, o mútuo consentimento fere expressamente o princípio da inafastabilidade de jurisdição e, sendo um vício doutrinário (material), deve ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Vejamos exemplos de decisões de nossos tribunais que consideram o requisito do mútuo consentimento como violador do princípio da inafastabilidade de jurisdição:
“PRELIMINARMENTE: AJUIZAMENTO DE DISSÍDIO COLETIVO. NECESSIDADE DE ‘COMUM ACORDO’. A expressão ‘comum acordo’, inserta no § 2º do art. 114 da Constituição Federal, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.04, trata-se de mera faculdade das partes em, consensualmente, ajuizarem ação coletiva, e não conflita com o direito de ação assegurado nos incisos XXXIV e XXXV do art. 5º, também da Constituição Federal. Preliminar de extinção do feito, sem resolução do mérito, rejeitada.” (Acórdão do Processo nº 04348-2008-000-04-00-0 [DC]; Redatora: Flávia Lorena Pacheco; Data: 22.06.2009; Origem: TRT da 4ª R.)
“DISSÍDIO COLETIVO. Deferimento parcial de algumas vantagens, em consonância com o poder normativo constitucionalmente conferido a esta justiça especializada. Indeferimento de outras, por reguladas em lei ou próprias para acordo. AUSÊNCIA DE ‘COMUM ACORDO’ PARA O AJUIZAMENTO DO DISSÍDIO COLETIVO. É entendimento desta Seção de Dissídios Coletivos de que a categoria ao se recusar a negociar o faz indevidamente, devendo se considerar a sua recusa abusiva, pois tem o intuito claro de tentar evitar exclusivamente o ajuizamento da demanda e impossibilitar qualquer chance que a categoria de trabalhadores possa ter de buscar suas conquistas tanto econômicas quanto sociais.”23 (Acórdão do Processo nº 00628-2008-000-04-00-9 [DC]; Redatora: Berenice Messias Corrêa; Data: 01.12.08; Origem: TRT da 4ª R.)
“DISSÍDIO COLETIVO. “COMUM ACORDO” (ART. 114, § 2º, CF). I - O poder normativo da Justiça do Trabalho não foi extinto, eis que, na apreciação do dissídio coletivo, compete ao Judiciário Trabalhista “decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente” (art. 114, § 2º, da CF). II - O acesso ao poder normativo da Justiça do Trabalho pode fazer-se nos moldes da arbitragem (pública), que, em regra, depende do ajuizamento de “comum acordo” (expresso ou tácito), pelos interessados; mas admite, por exceção, a propositura da demanda, por iniciativa exclusiva de qualquer interessado, mediante suprimento judicial, em caso de recusa da outra parte, conforme os artigos 6º e 7º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), o que equivale à técnica de solução jurisdicional, garantia do princípio do livre acesso à Justiça (art. 5º, XXXXV, da CF). III – Se é manifesta a recalcitrância injustificada da entidade sindical patronal em face da pretensão normativa deduzida pelo sindicato profissional, deve ser autorizada a instauração da ação de Dissídio Coletivo, de natureza econômica, independentemente “de comum acordo” entre as partes, simples faculdade posta à disposição de trabalhadores e empresários, haja vista que não se pode exigir a propositura de uma petição conjunta de categorias que estão justamente em conflito, porque isso constituiria um paradoxo, além de violar o princípio do acesso à Justiça, tal como preconiza o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que proíbe excluir da apreciação do Poder Judiciário a alegada lesão ou ameaça a direito, garantia fundamental da cidadania e cláusula pétrea inderrogável por lei ou emenda constitucional (art. 60, § 4º, IV, da CF)”. (ACÓRDÃO TRT-8ª/SE I/AG/DC 0002447-65.2010.5.08.0000)
“EMENTA: I - PRELIMINARES. 1. Greve. Competência. Art. 114, II, da Constituição Federal. Permanece incólume e inconteste a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve, nos estritos termos do inciso II acrescentado ao artigo 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Não se pode forjar uma antinomia entre o artigo 114 e a cláusula pétrea da indeclinabilidade da jurisdição, contemplada no inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna, resumida no princípio segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 2. Interesse de agir. Negociação intersindical: O fato de as negociações entre o sindicato suscitante e o sindicato patronal se encontrarem em vias de finalização para conclusão de Convenção Coletiva de Trabalho não impede o estabelecimento das normas entre a Fundação e o sindicato patronal, até porque já existe norma coletiva preexistente entre ambos; 3. Legitimidade. Negociação: A condução das negociações pela associação resta legítima, porquanto se trata de movimento localizado, o que não afasta a legitimidade do sindicato profissional para instauração do dissídio coletivo de greve, vez que é o representante da categoria; 4. Abrangência: A abrangência da norma coletiva fica limitada à área de representatividade do sindicato suscitante, bem como à categoria por este representada, quando a correspondente carta sindical, juntada nos autos, assim o autoriza; 5. Pedidos econômicos e sociais em dissídio de greve: Ação com natureza de dissídio coletivo de greve obviamente possui um objeto que, no caso, é traduzido por condições econômicas e sociais”. (PROCESSO TRT/SP Nº 20086200500002009).
Por outro lado, encontramos uma certa relativização do mútuo consentimento na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, pois tem-se entendido que o requisito não precisa ser prévio, ou seja, no sentido de não ter obrigatoriedade no ajuizamento em conjunto do dissídio:
“RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO. JURISPRUDÊNCIA DO TST. EXTINÇÃO. O comum acordo, pressuposto específico para o ajuizamento do dissídio coletivo, exigência trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 ao art. 114, § 2º, da CF, embora idealmente devesse ser materializado sob a forma de petição conjunta da representação, é interpretado de maneira mais flexível por esta Justiça Trabalhista, no sentido de se admitir a concordância tácita na instauração da instância, desde que não haja a oposição expressa do suscitado, na contestação. In casu, verifica-se que o Sindicato dos Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul demonstrou, de forma inequívoca, na peça de defesa, a sua discordância com a instauração da instância do dissídio coletivo, não cabendo a esta Justiça Especializada o exercício espontâneo da jurisdição contra a vontade manifesta da parte, que tem o respaldo da Constituição Federal. Dá-se, pois, provimento ao recurso ordinário interposto pelo referido ente sindical para, reformando a decisão regional, julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos dos arts. 114, § 2º, da CF e 267, IV, do CPC, ficando ressalvadas, contudo, as situações fáticas já constituídas, nos termos do art. 6º, § 3º, da Lei nº 4.725/65. Recurso ordinário provido”. (Processo: RO - 343000-63.2008.5.04.0000 Data de Julgamento: 14/11/2011, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 25/11/2011.)
“DISSÍDIO COLETIVO AJUIZADO PELO SINDICATO NACIONAL DOS AEROVIÁRIOS. PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DO PROCESSO POR FALTA DE COMUM ACORDOARGUIDA PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. A jurisprudência desta Corte tem admitido a concordância tácita na instauração da instância, quando não haja a oposição expressa do suscitado, na contestação. Precedentes. Preliminar rejeitada. ILEGITIMIDADE DE PARTE. Considerando que as empresas aéreas possuem sindicato próprio que representa a categoria nacionalmente, conclui-se que o SINEATA é parte ilegítima para estar em juízo, por não representar a categoria econômica empresarial correspondente aos trabalhadores das empresas aéreas, mas sim à dos trabalhadores das empresas que prestam serviços auxiliares de transporte aéreos. Dissídio coletivo extinto, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC”. (Processo: DC - 1229-87.2011.5.00.0000 Data de Julgamento: 10/10/2011, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 21/10/2011.)
“RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELOS DEMAIS SUSCITADOS. COMUM ACORDO. INOVAÇÃO RECURSAL. CONCORDÂNCIA TÁCITA. Ao interpretar o art. 114, § 2º, da Constituição da República, esta Corte Superior tem admitido a hipótese de concordância tácita com o ajuizamento do dissídio coletivo, consubstanciada na inexistência de oposição expressa do suscitado à instauração da instância no momento oportuno, ou seja, até a apresentação das bases de conciliação, na audiência de instrução e conciliação a qual não se desconstitui mediante a arguição tardia e inovatória em sede de recurso ordinário”. (Processo: RO - 427800-24.2008.5.04.0000 Data de Julgamento: 12/09/2011, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 30/09/2011)
A partir desses levantamentos, vislumbra-se que o Colendo TST tem admitido a chamada concordância tácita com o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, todavia, manifestada em momento oportuno, qual seja, até a apresentação das bases de conciliação ou na audiência de instrução e conciliação com a contestação.
Malgrado esse novo entendimento, não soluciona o problema da inconstitucionalidade inserida no art. 114, §2º da Constituição Federal, pois, mesmo a parte ajuizando um dissídio sem o mútuo consentimento e, posteriormente, a outra parte de forma expressa se recusar, haveria afronta ao direito de ação.
Além disso, o mútuo consentimento fere inclusive o princípio da liberdade sindical, pois obsta a liberdade de ação do ente coletivo. Daniela Muradas assim discorre: “o princípio da liberdade sindical enuncia ser assegurado um complexo de prerrogativas à pessoa humana (…) bem como em caráter coletivo (direito de fundação, direito de administração ou autonomia sindical e liberdade de ação)”[28].
Importante esclarecer que não obstante sermos contrários ao requisito do mútuo consentimento, reconhecemos que a melhor solução para um conflito coletivo se da por meio da negociação coletiva, ou seja, pelos próprios atores sociais. Todavia, é sabido que o movimento sindical brasileiro possui uma certa fragilidade, pois nem todos os sindicatos são fortes, capazes de negociar em pé de igualdade com o sindicato patronal. Essa seria mais uma razão para de manter o Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Por fim, temos que nossos legisladores “não possuem preparo suficiente para o elevado mister e, dentro dessa realidade em que as leis são elaboradas, o impasse é quase certo, passando para os operadores do direito o concerto e a harmonização”[29].
CONSIDERAÇÕES FINAS
Para aqueles que entendem que não há violação do princípio da inafastabilidade de jurisdição, fundamentam-se no sentido de que os interesses envolvidos seriam apenas econômicos, ou seja, não haveria um conflito jurídico (lesão ou ameaça de direito).
Entretanto, vimos que um dissídio coletivo de natureza econômica também analisa uma lesão ou ameaça de direito. Muitos doutrinadores confundem-se ao concluírem que o Poder Normativo da Justiça do Trabalho exerce apenas um poder legislativo, este implica necessariamente às atividades típicas e exclusivas do Legislativo. Pelo contrário, a Justiça Especializada cria nomas primárias de conceitos abstratos (poder normativo), já que autorizado pela Constituição Federal, sem deixar de exercer sua função jurisdicional .
Veja-se o poder normativo tanto utilizado pelo Poder Judiciário nos casos de mandado de injunção espalhados pelo Brasil, e nem por isso há ausência de função jurisdicional. Perceba-se que existe uma grande relação entre o ativismo judicial e poder normativo da Justiça do Trabalho, onde se vislumbra uma atuação mais ativa do Poder Judiciário, face a ausência de atuação do Poder Legislativo, efetivando, assim, os direitos fundamentais, como por exemplo o direito de greve.
Embora nascido com a intenção de impulsionar mecanismos de solução de conflitos coletivos relacionados à arbitragem, o requisito do mútuo consentimento trouxe um feito colateral, uma vez que atenta contra o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, CF), sendo, portanto, inconstitucional.
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[2] MERÍSIO, Patrick Maia. “Noções Gerais de Direito e Formação Humanística”. São Paulo: Campus, 2010, p. 14.
[3] PISCO, Cláudia. Dissídios Coletivos: Aspectos Controvertidos e Atuais. 1 ed. São Paulo: LTR, 2010. p. 17.
[4] SANTOS JÚNIOR, Rubens. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho: Considerações após a Emenda Constitucional nº 45/04. Revista do TST, Brasília, v. 76, n. 2, p. 56-71, jan./jun. 2010.
[5] PISCO, Cláudia. Dissídios Coletivos: Aspectos Controvertidos e Atuais. 1 ed. São Paulo: LTR, 2010. p. 18.
[6] FONSECA, Vicente. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, Belém, v. 38, nº 75, p. 17-27, Jul./Dez./2005.
[7] OLIVEIRA, Conrado. Ainda sobre a necessidade do comum acordo no ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica. Revista LTR, São Paulo, v. 75, n. 1, p. 46-56, jan. 2011.
[8] Ibidem, p. 52.
[9] PISCO, Cláudia. Dissídios Coletivos: Aspectos Controvertidos e Atuais. 1 ed. São Paulo: LTR, 2010. p. 67.
[10] OLIVEIRA, Conrado. Ainda sobre a necessidade do comum acordo no ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica. Revista LTR, São Paulo, v. 75, n. 1, p. 46-56, jan. 2011.
[11] PISCO, Cláudia. Dissídios Coletivos: Aspectos Controvertidos e Atuais. 1 ed. São Paulo: LTR, 2010. p. 69.
[12] BELMONTE, Alexandre Agra. Mútuo consentimento como condição da ação no dissídio coletivo. Revista LTR, São Paulo, v. 71, n. 06, p. 681-684, jan. 2007.
[13] NEVES, Daniel. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2009, p. 22.
[14] VALE, Regina. Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 37.
[15] SANTOS JÚNIOR, Rubens. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho: Considerações após a Emenda Constitucional nº 45/04. Revista do TST, Brasília, v. 76, n. 2, p. 56-71, jan./jun. 2010.
[16] PISCO, Cláudia. Dissídios Coletivos: Aspectos Controvertidos e Atuais. 1 ed. São Paulo: LTR, 2010. p. 107.
[17] OLIVEIRA, Conrado. Ainda sobre a necessidade do comum acordo no ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica. Revista LTR, São Paulo, v. 75, n. 1, p. 46-56, jan. 2011.
[18] URNAU, Evandro Luis. A correta interpretação da exigência do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2797, 27 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18581/a-correta-interpretacao-da-exigencia-do-comum-acordo-para-o-ajuizamento-do-dissidio-coletivo>. Acesso em: 22 ago. 2011.
[19] SCHIAVI, Mauro. Comentários às questões polêmicas e atuais dos concursos. 2 ed. São Paulo: LTR, 2009, p. 199.
[20] SANTOS JÚNIOR, Rubens. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho: Considerações após a Emenda Constitucional nº 45/04. Revista do TST, Brasília, v. 76, n. 2, p. 56-71, jan./jun. 2010.
[21] FONSECA, Vicente. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, Belém, v. 38, nº 75, p. 17-27, Jul./Dez./2005.
[22] OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Dissídio coletivo — impulso bilateral — a tese de inconstitucionalidade. Revista LTR, São Paulo, v. 73, n. 05, p. 552-556, mai. 2009.
[23] PISCO, Cláudia. Dissídios Coletivos: Aspectos Controvertidos e Atuais. 1 ed. São Paulo: LTR, 2010. p. 111.
[24] GARCIA, Gustavo. Reforma do Poder Judiciário: O dissídio coletivo na Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n. 45/2004. Revista LTR, São Paulo, v. 69, n. 01, p. 64-74, jan. 2005.
[25] Ibidem, p. 44.
[26] Ibidem, p. 44.
[27] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Método, 2007, p. 159.
[28] MURADAS, Daniela. O princípio da vedação ao retrocesso jurídico e social no direito coletivo do Trabalho. Revista LTR, São Paulo, v. 75, n. 05, p. 595-602, mai. 2011.
[29] OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Dissídio coletivo — impulso bilateral — a tese de inconstitucionalidade. Revista LTR, São Paulo, v. 73, n. 05, p. 552-556, mai. 2009.
Oficial de Justiça Avaliador Federal do TRT da 8ª Região. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Anhanguera (UNIDERP). Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela UNINTER. Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá (CEAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Hugo Raphael da Costa. Uma abordagem do mútuo consentimento nos dissídios coletivos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35302/uma-abordagem-do-mutuo-consentimento-nos-dissidios-coletivos. Acesso em: 23 dez 2024.
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