1. INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, as relações especiais de sujeição ou relações especiais de poder são aquelas travadas nas esferas internas da Administração, conceituadas como espaços de isenção jurídica e caracterizadas pelas restrições e obrigações impostas aos particulares que mantêm esse tipo de vínculo diferenciado com o Poder Público, tais como os alunos de escolas públicas, agentes públicos e presidiários.
Questiona-se, contudo, a necessidade de se compatibilizar o conceito e a estrutura das relações especiais de sujeição com o Estado de Direito e a tutela dos direitos fundamentais que lhe é inerente.
2. RELAÇÕES DE ESPECIAL SUJEIÇÃO
Da concepção de que o Estado é composto por órgãos, integrados em sua estrutura, formando um único organismo, decorre também a teoria da impermeabilidade do Estado, segundo a qual não há relação jurídica no âmbito interno do Estado.
Concebendo-se o Estado como pessoa unitária, na qual haveria uma única vontade – a estatal –, não seria identificada, em seu interior, a pluralidade de vontades exigida para a configuração de uma relação jurídica. Sendo o âmbito interno da Administração um “espaço livre do Direito”, as relações nele travadas não se submeteriam a normas jurídicas, mas sim a um “direito de organização”.[1]
Esse entendimento, que não confere caráter jurídico às relações internas do Estado, foi desenvolvido pela doutrina alemã, a qual distinguia atos administrativos e atos internos, sendo que apenas os primeiros estariam submetidos ao princípio da legalidade.[2]
Além da particular concepção quanto à inexistência de juridicidade na relação entre órgãos, as relações estabelecidas entre o Estado e os particulares também foram apartadas em categorias diferentes, dividindo-se em relação geral de sujeição (ou de poder) e relação especial de sujeição (ou de poder).
A relação geral de sujeição aplica-se a todos os cidadãos que se encontram submetidos à autoridade de determinado Estado. Pauta-se a relação geral de sujeição pela dependência ampla, genérica, do particular em face do Estado. Por outro lado, a relação especial de sujeição implica em “posição de particular intimidade” do cidadão em relação à Administração[3], em “dependência agravada, que se funda na realização de um fim determinado da Administração Pública, relativamente a todos os indivíduos que com ela estabeleçam relações especiais pré-fixadas.”[4]
Florivaldo Dutra de Araújo informa que a doutrina das relações especiais de sujeição foi sistematizada pela doutrina alemã e sua concepção clássica, segundo a qual nesses campos de “isenção jurídica” não incidem direitos fundamentais e controle jurisdicional, apenas recentemente foi superada naquele país. Relata o professor mineiro que o Tribunal Constitucional Federal alemão, em 1972, ao julgar lide referente à execução penal, decidiu que os direitos fundamentais devem ser respeitados no âmbito das relações especiais de poder, que também se submetem ao controle jurisdicional.[5]
As relações especiais de poder integram o que Harmut Maurer denominou “domínio interno da Administração”, no qual inexiste proteção aos direitos fundamentais, reserva de lei e proteção jurisdicional. As relações porventura firmadas nesse domínio isento de juridicidade, submeter-se-iam não à lei, mas aos regulamentos administrativos, sem caráter jurídico. [6]
Sobre o denominado “domínio interno da Administração”, afirma Paulo Otero que a definição da organização interna da Administração Pública como um espaço de isenção jurídica decorre da concepção liberal segundo a qual a Administração não poderia invadir a esfera dos particulares. Foram criadas esferas diferentes, sendo que a organização interna da Administração não afetaria, em hipótese alguma, direitos dos particulares. Logo, não haveria necessidade de intervenção parlamentar nesse âmbito interno, que se viu livre de qualquer incidência jurídica.[7]
O escasso desenvolvimento, no Brasil, da teoria acerca das relações de especial sujeição é apontado por Celso Antônio Bandeira de Mello em capítulo de seu manual que trata do poder de polícia. Alerta o autor para a impossibilidade de se aplicar, na atualidade, o aludido instituto em sua formulação original, tendo em vista a inafastável vinculação à lei.[8].
Não obstante a afirmação de que a teoria das relações especiais de sujeição foi pouco desenvolvida pela doutrina brasileira, não se pode afirmar que o instituto era totalmente desconhecido pelos doutrinadores. Encontramos na obra de Seabra Fagundes[9] referência a atos destituídos de caráter jurídico, que corresponderiam às atuações de ordem interna da Administração, “destinadas a regular o funcionamento do mecanismo estatal”. Na doutrina francesa, Jean Rivero[10] também faz menção a uma categoria específica de atos internos, as circulares e instruções de serviço, que se destinam aos agentes do serviço, “que são obrigados a respeitá-la em virtude da obediência hierárquica”.
Esta tradicional concepção das relações especiais de sujeição – no sentido da existência de campos internos da Administração Pública, isentos de qualquer incidência jurídica –, pode ser encontrada, por exemplo, no atual tratamento conferido à função pública. Afirma-se que “a teoria estatutária pode ser tida como evolução da concepção que colocava o agente público como parte de uma relação de especial sujeição”.[11]
De fato, não se pode ignorar a estreita relação entre a “dependência agravada” a que se referiu acima e a forma segundo a qual se concebeu e se concebe a relação existente entre os servidores públicos e o Estado.
Elenca Harmut Maurer, entre as “situações de grande dependência” verificadas nas relações especiais de poder, as seguintes hipóteses: presos, estudantes de estabelecimentos públicos, funcionários públicos e doentes de casas de saúde e hospitais públicos.[12]
Regra geral, constata-se que as restrições aos direitos fundamentais, no bojo de relações internas da Administração, são usuais. Tal fenômeno pode ser atribuído à influência, na doutrina administrativista, da teoria da coordenação/subordinação, segundo a qual o direito público é caracterizado pela desigualdade entre os sujeitos, ocupando o ente estatal posição de constante superioridade face ao administrado, o qual permaneceria totalmente à mercê dos atos administrativos unilaterais, do exercício do jus imperii pelo Estado. [13]
A teoria da subordinação/coordenação é apropriada, porém, apenas para o liberalismo predominante no século XIX. Atualmente, tem-se que a superioridade não mais pode ser apontada como traço característico da presença do Estado. Tal ideia, contudo, no âmbito das relações de especial sujeição, permanece enraizada como um de seus fundamentos, de modo a priorizar a situação de subordinação, de “dependência qualificada” em relação ao Estado.
Portanto, pode-se afirmar que a relação de especial sujeição comporta uma “reinterpretação”, devendo ser dividida em concepção clássica – isenção jurídica – e concepção atual – subordinação à ordem jurídica.
3. RELAÇÕES ESPECIAIS DE SUJEIÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Uma das características atribuídas aos direitos fundamentais vem a ser a limitabilidade,[14] que implica no reconhecimento de que referidos direitos são relativos, pois são inúmeras as situações nas quais o conflito de interesses implicará na escolha da decisão a ser proferida pelo intérprete, que determinará, diante das peculiaridades do caso concreto, qual interesse deverá prevalecer.
Subjacente a essa questão encontra-se o problema da eficácia dos direitos fundamentais, que se estrutura de forma diferenciada, a depender da natureza da relação firmada. Nas relações travadas entre o Estado e os particulares, verifica-se a denominada “eficácia vertical”, na qual não se vislumbram maiores questionamentos acerca da eficácia dos direitos fundamentais.[15]
Nas relações que ocorrem envolvendo exclusivamente os particulares, contudo, ganha relevância a discussão acerca da eficácia dos direitos fundamentais, denominada “horizontal, privada ou externa”[16], havendo sido desenvolvidas duas teorias, quais sejam, a da eficácia direta ou mediata e a da eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais.
A primeira teoria, que adota como premissa a eficácia indireta ou mediata dos direitos fundamentais, entende que a “dimensão proibitiva” dos direitos fundamentais dirige-se ao legislador, que deverá observá-la quando da edição das leis. A “dimensão positiva”, por sua vez, determina que o legislador edite atos que implementem os direitos fundamentais e também aponte quais desses direitos serão aplicados às relações privadas.[17]
Para a teoria da eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais, a aplicação desses direitos às relações privadas ocorre sempre, ainda que não haja a denominada “intermediação legislativa”. Conforme entendimento de Pedro Lenza, o Recurso Extraordinário 201.819[18] seria “o início de forte tendência que surge no âmbito do STF para a aplicação da teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais às relações privadas”.[19]
É imprescindível pontuar, para melhor compreensão da questão, que a evolução do Estado de Direito para aquele que se denomina “Estado de Direitos Fundamentais” pauta-se sempre pela dignidade da pessoa humana.
De fato, a expansão da tutela dos direitos fundamentais leva à expansão da sua área de abrangência, de modo a incidir sobre as áreas ou esferas anteriormente isentas de proteção, como o que se observa em relação às relações de especial sujeição, as quais, na concepção de Clarissa Sampaio Silva, “legitimavam a impermeabilização de determinados vínculos estabelecidos entre o Poder Público e os particulares às garantias do Estado de Direito e à vigência dos direitos fundamentais” [20].
A definição tradicional das relações de especial sujeição é normalmente feita nos seguintes termos:
Vínculos travados entre o Poder Público e o particular em que este comparecia desprovido dos trunfos representados pelas garantias do Estado de Direito, nomeadamente os direitos fundamentais, de modo que a admissibilidade de sua vigência e exercício quedava subordinada ao bom funcionamento da instituição ou serviço, regulado este, por sua vez, sem a incidência da regra jurídica, do princípio da legalidade, por representar espaço de autonomia administrativa, implicando, ainda, afastamento do controle jurisdicional das medidas administrativas adotadas em seu âmbito.[21]
A consolidação dos direitos fundamentais trouxe como consequência o esvaziamento das relações de especial sujeição em sua concepção tradicional. Contudo, persiste a necessidade de se compatibilizar a proteção dos direitos fundamentais “com o regular funcionamento de determinadas instituições”.[22]
Observa-se que a situação dos agentes públicos afeta o exercício pleno do “direito à liberdade”. Trata-se de restrição que tem por escopo resguardar princípios que regem toda a atuação da Administração Pública, como a imparcialidade, conforme expõe Clarissa Sampaio Silva:
O agente público não pode, escudado nos trunfos representados pelos direitos fundamentais, invocá-los para legitimar determinadas práticas que seriam em princípio incompatíveis com o regular funcionamento da instituição na qual se insere. Há de se buscar, todavia, o correto enquadramento doutrinário para tratar a vedação à invocação da tutela jusfundamental para os insertos nos vínculos referidos.[23]
Na verdade, verifica-se que o conceito da impermeabilidade jurídica, segundo a qual, conforme exposto acima, não haveria relações jurídicas no âmbito interno da organização administrativa, acaba por reforçar a existência das relações de especial sujeição, em sua formulação tradicional[24]. Partindo-se de premissa que admite a não incidência de normas jurídicas nas relações travadas no ambiente interno da Administração, torna-se usual afirmar a possibilidade de que se exclua, como regra geral e indiscriminada, a observância dos direitos fundamentais no funcionamento dessas relações.
Realiza-se distinção entre as denominadas “atividades interna e externa da Administração”. As relações externas seriam aquelas que se pautam pela estrita observância da legalidade e pela busca do interesse público. As relações internas consistem naquelas que buscam melhor funcionamento da Administração, não produzindo efeitos jurídicos em relação a terceiros, que se inserem fora da estrutura administrativa. Nessa esfera – relações internas –, torna-se aceitável, ao argumento da necessidade de se resguardar o bom funcionamento das instituições públicas, alterar a concepção tradicional do princípio da legalidade, admitindo-se normas internas, de modo a permitir que a regulamentação das relações seja submetida à liberdade regulamentadora da Administração.[25]
Tal construção, contudo, passa a ser questionada, por se revelar incompatível com os fundamentos do Estado de Direito e com todo o processo evolutivo ao qual se submeteu tal modelo, principalmente no que se refere à abrangência da tutela dos direitos fundamentais.
As relações especiais de sujeição, quando enquadradas como espaços livres da incidência da tutela jurídica, acabam por representar um elemento de resistência “à consolidação dos direitos fundamentais e dos regimes democráticos dos Estados Sociais de Direito”.[26]
A doutrina passa, pois, a construir modelos que busquem compatibilizar a manutenção das prerrogativas da Administração Pública, na medida em que forem indispensáveis para a tutela do interesse público, com a defesa dos direitos fundamentais daqueles que travam relações mais estreitas com o Estado.
Conforme já registrado acima, aponta-se como “certidão de óbito” do modelo tradicional das relações especiais de sujeição decisão proferida em 1972 pelo Tribunal Constitucional Alemão, que admitiu a incidência do princípio da legalidade e da tutela dos direitos fundamentais no âmbito dessas relações. Tratava-se de hipótese envolvendo um presidiário que teve sua carta – na qual reclamava da direção do presídio – interceptada pela própria direção da instituição. Na decisão proferida pela Corte Alemã, entendeu-se que as restrições aos direitos fundamentais, ainda quando efetuadas em estabelecimentos prisionais, somente seriam admitidas se feitas “por lei ou com base em lei”. Admitiu-se que a restrição pudesse ser feita – provisoriamente – sem embasamento legal. Contudo, restou estabelecido prazo para que o legislador editasse lei contendo normas que regulassem a atuação administrativa nas penitenciárias.[27]
Da constatação da inadequação da manutenção das relações especiais de sujeição, na forma como originariamente concebidas, surgem questionamentos fundamentais, relacionados ao alcance do princípio da legalidade e das restrições passíveis de ser impostas aos direitos fundamentais nas esferas internas da Administração.
São encontrados, no intuito de se solucionar tais questões, dois posicionamentos doutrinários. O primeiro entende ser necessário abandonar por completo o instituto das relações especiais de sujeição. O segundo posicionamento, contudo, admite a manutenção das relações especiais de sujeição, mas registra a necessidade de se reformular o conceito do instituto, de modo a compatibilizá-lo com a indispensável tutela dos direitos fundamentais.[28]
Dentre os defensores da manutenção e releitura das relações especiais de sujeição, registramos o entendimento de Cabral de Moncada, que entende ser possível admitir a existência de tais relações, desde que resguardada a “regulação mínima” de alguns aspectos chave, como vem a ser o caso da tutela dos direitos fundamentais. Admitem-se restrições aos direitos fundamentais, desde que calcadas em autorização legal, ainda que o fundamento legislativo seja mínimo.[29]
Passa a existir, no entendimento de Cabral de Moncada, o que se denomina “inversão de perspectivas”: “enquanto no passado se reconheciam as relações de sujeição para delas decorrerem as consequências que lhe seriam implícitas, atualmente se deve partir da lei e apenas dela para se chegar às restrições”.[30]
Afirmou-se, anteriormente, que a teoria das relações especiais de sujeição não foi abordada de maneira mais incisiva pela doutrina brasileira. Contudo, vislumbram-se relevantes alterações nesse quadro, consoante registra Clarissa Sampaio Silva, ao identificar referências às relações especiais de sujeição por Celso Antônio Bandeira de Mello[31], o qual aponta limites positivos e negativos como condicionantes à admissão do instituto.
Os limites positivos seriam a existência de fundamento legal conferindo competência aos órgãos e estabelecimentos públicos para normatizar o funcionamento interno; que os poderes conferidos à Administração derivem da relação especial de sujeição; que a normatização administrativa editada se limite ao estritamente necessário para o atendimento da finalidade da relação especial e que se refiram exclusivamente ao objeto dessa relação; observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Sobre os limites negativos aponta Bandeira de Mello[32] a impossibilidade de que as normas administrativas contrariem direito ou dever com status constitucional ou, ainda, que atinjam terceiros que não participem da relação. Finalmente, coloca-se ainda como condicionante negativa à admissibilidade da existência das relações especiais de sujeição a vedação de que as medidas administrativas ultrapassem os limites daquilo que seria o “estritamente necessário” para alcançar as finalidades da relação regulamentada.
Admitindo-se a existência de condicionantes às restrições aos direitos fundamentais eventualmente decorrentes das relações especiais de sujeição, é que se propõe conceito mais atualizado do instituto, em consonância com a tutela dos direitos fundamentais:
aquelas em que se verifica a presença de um regime menos protetor em matéria de direitos fundamentais, em razão da existência, em seus domínios, de restrições próprias, cuja efetivação está submetida a instrumentos por vezes diferenciados; de âmbitos de proteção diminuídos e da admissibilidade de renúncias a algumas modalidades de seu exercício, bem como de deveres fundamentais ou legais específicos, além do aumento das competências do centro do poder, tudo com vistas à realização institucional de finalidades consagradas pela Constituição.[33]
A partir do momento em que se admite que a tutela dos direitos fundamentais também existe no bojo das relações interna da Administração, a questão será remetida à análise do caso específico, de modo a determinar até que ponto se justificam eventuais restrições à tutela desses direitos, ao argumento de que deverá prevalecer o alcance das finalidades públicas inerentes à instituição na qual o sujeito se insere.
Nesse contexto, verifica-se que a Constituição pode, de antemão, estabelecer restrições; quando não o fizer, poder-se-á, ainda, recorrer às previsões infraconstitucionais. Mesmo que existentes tais previsões, contudo, haverá sempre a possibilidade de se avaliar a razoabilidade das justificativas alegadas para a imposição de restrições aos direitos fundamentais.[34]
O que se revela indispensável, portanto, é que haja sempre fundamento constitucional e legal para eventuais restrições aos direitos fundamentais impostas nas relações especiais de sujeição. Além dessa exigência, outro limite que se impõe como condição para legitimação de eventuais restrições aos direitos fundamentais vem a ser a necessária relação de pertinência e adequação entre as limitações impostas e a finalidade institucional que se pretende alcançar. Qualquer restrição que não observe tais balizas poderá ser afastada, de modo a prevalecer a tutela dos direitos fundamentais.
4. CONCLUSÃO
As relações especiais de sujeição, travadas no âmbito interno da Administração Pública, são firmadas entre o Estado e determinadas pessoas, que se inserem na própria estrutura administrativa, de modo que mantêm um vínculo diferenciado com o Poder Público.
Inicialmente concebidas como esferas nas quais haveria isenção da incidência de normas jurídicas, a tradicional concepção de relações especiais de sujeição vem sofrendo releitura, de modo a compatibilizá-la com as premissas do Estado de Direito e toda a evolução sofrida pelo instituto desde sua criação, ainda no século XVIII.
Uma das preocupações mais relevantes relacionadas com o tratamento dispensado às relações especiais de sujeição vem a ser a impossibilidade de que existam, em um Estado Democrático de Direito, situações que excluem a observância do princípio da legalidade e do respeito aos direitos fundamentais.
Ao mesmo tempo em que se admite a importância de se manter as relações especiais de sujeição, há que se pontuar que as limitações genéricas aos direitos fundamentais não se justificam unicamente pela circunstância de que existem pessoas que, de fato, mantêm um vínculo diferenciado, mais próximo, com a Administração.
É importante reconhecer a existência dessas relações especiais, que impõem maiores gravames aos sujeitos que delas participam, mas também ponderar que as limitações aos direitos fundamentais, no bojo dessas relações, somente são admitidas caso apresentem fundamento constitucional e legal. Nenhuma restrição pode ser imposta pela Administração tendo como justificativa única e exclusivamente eventual poder metajurídico, que se presume existente pelo fato de se destinar à regulamentação de relação doméstica da Administração Pública.
Na medida em que se atualiza o conceito das relações especiais de sujeição, compatibilizando sua estrutura e funcionamento com as exigências do Estado Democrático de Direito, torna-se viável, pois, sua manutenção como instituto estruturado juridicamente, porque submetido ao princípio da legalidade e à indispensável tutela dos direitos fundamentais.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Conflitos coletivos e negociação na função pública: contribuição ao tema da participação em direito administrativo, 1998. Tese (Doutorado em Direito Administrativo) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed., refundida, amp. e atual. até a EC n.º 35, de 20.12.2001. São Paulo: Malheiros, 2002.
LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, 13. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
NETTO, Luísa Cristina Pinto e. A contratualização da função pública: da insuficiência da teoria estatutária no estado democrático de direito, 2003. Dissertação (Mestrado em Direito Administrativo) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
OTERO, Paulo. Conceito e fundamento da hierarquia administrativa. Coimbra: Coimbra Editora, 1992.
RIVERO, Jean. Direito administrativo. Tradução de Rogério Ehrhardt Soares. Coimbra: Almedina, 1981. Título original: Droit administratif.
SEABRA FAGUNDES, Miguel. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 6. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1984.
SILVA, Clarissa Sampaio, Direitos fundamentais e relações especiais de sujeição: o caso dos agentes públicos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.
SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da, Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 2003.
[1] NETTO, Luísa Cristina Pinto, A contratualização da função pública: da insuficiência da teoria estatutária no estado democrático de direito, 2003, p. 107.
[2] SILVA, op. cit., p. 59.
[3] SILVA, op. cit., p. 60.
[4] MAYER, Deutshes Verwaltungsrecht, v. I, 1969, p. 101-102, apud SILVA, op. cit., p. 60.
[5] ARAÚJO, Florivaldo Dutra de, Conflitos coletivos e negociação na função pública, 1998, p. 96.
[6] MAURER, Allgemeines Verwaltungsrecht, 1994, p. 158, apud SILVA, op. cit., p. 60. Cumpre registrar o entendimento de Otto Mayer sobre o que caracteriza o “regulamento administrativo”: “(o regulamento administrativo) não tem efeitos bilaterais como a norma jurídica, não tem simultaneamente um lado interno e outro externo, mas é apenas o exercício unilateral do direito pela Administração, relativamente a uma comunidade de súbditos do poder.” (MAYER, Deutches Verwaltungsrecht, v. I, 1969, p. 103, apud SILVA, op. cit., p. 60.)
[7]OTERO, Paulo, Conceito e fundamento da hierarquia administrativa, 1992, p. 87
[8] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, 2002, p. 699 et seq.
[9] SEABRA FAGUNDES, Miguel. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, 1984, p. 35.
[10] RIVERO, Jean. Direito administrativo, 1981, p. 107-108.
[11] NETTO, op. cit., p. 209 e 104 (destaques no original).
[12] MAURER, Allgemeines Verwaltungsrecht, 1994, p. 158, apud SILVA, op. cit., p. 60.
[13] ARAÚJO, op. cit., p. 93.
[14] LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, 2009, p. 742.
[15] LENZA, Pedro, op. cit., p. 744/745.
[16] LENZA, Pedro, op. cit., p. 744.
[17] LENZA, Pedro, op. cit., p. 746.
[18] Ementa: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (RE 201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27/10/2006 p. 64)
[19] LENZA, Pedro, op. cit., p. 746/747.
[20] SILVA, Clarissa Sampaio, Direitos fundamentais e relações de especial sujeição: o caso dos agentes públicos, 2009, p. 17.
[21] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 83.
[22] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 17.
[23] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 19.
[24] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 97.
[25] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 99/100.
[26] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 108.
[27] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 109.
[28] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 110.
[29] MONCADA, Lei e Regulamento, p. 441, 446-447, apud SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 115.
[30] MONCADA, Lei e Regulamento, p. 448, apud SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 115.
[31] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, p. 714-715, apud SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 117.
[32] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, p. 714-715, apud SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 117.
[33] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 288.
[34] SILVA, Clarissa Sampaio, op. cit., p. 123-124.
Procuradora Federal. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Teresa Cristina de. Relações de especial sujeição e direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35500/relacoes-de-especial-sujeicao-e-direitos-fundamentais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
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