1 INTRODUÇÃO
Há casos nos quais proprietários de imóveis rurais que buscam a sua certificação junto ao INCRA têm o seu pedido indeferido, na forma da lei, por se constatar a sua sobreposição a outras propriedades já certificadas pela Autarquia Agrária.
Dentre esses, há quem se diga prejudicado pelo proprietário do imóvel rural sobreposto e já certificado, que teria informado erroneamente o perímetro deste, pretendendo que o INCRA, à vista de sua alegação, cancele a certificação já expedida em favor de outrem e expeça a sua.
O presente trabalho tem por escopo demonstrar, à luz da legislação vigente, que o caso desafia a propositura de ação demarcatório de um particular em face de outro. Para tanto, analisa o processo de certificação de imóveis rurais, as repercussões da sobreposição do perímetro destes e o cabimento de ação demarcatória para dirimir a lide.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Certificação de imóveis rurais
A certificação de um imóveis rurais corresponde ao conjunto de atividades desenvolvidas exclusivamente pelo INCRA, por meio dos Comites Regionais de Certificação, objetivando atestar publicamente que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado, e que os serviços de georreferenciamento de imóveis rurais executados por profissional credenciado, estão em conformidade com os requisitos normativamente especificados.
Foi criada pela Lei 10.267/01 e é exigida para os casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, bem como para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados no Decreto nº 5.570/2005.
2.2 Sobreposição de imóveis como fundamento para indeferimento da última certificação
A Norma de Execução/INCRA nº 105, de 26 de novembro de 2012, regulamenta o procedimento de certificação da poligonal objeto de memorial descritivo de imóveis rurais a que se refere o §5° do art. 176 da Lei n" 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e a norma técnica para georreferenciamento de imóveis rurais.
Ex vi do seu art. 2º, o procedimento estabelecido no Anexo I da Norma de Execução será aplicado à análise de todos os requerimentos de certificação em curso, independentemente da data do seu protocolo no INCRA.
Dispõe o referido Anexo I:
A análise cartográfica restringir-se-á ao atendimento do § 5° do art. 176 da Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973, ou seja, será verificado se a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante do cadastro georreferenciado do INCRA e que o memorial atende às exigências técnicas.
Somente serão utilizados na análise os seguintes documentos, dispensando-se os demais constantes do processo:
a) O memorial descritivo em meio analógico devidamente assinado por profissional habilitado; e
b) O arquivo digital que contenha o polígono que represente os limites do imóvel rural, doravante denominado "perímetro limpo".
1. Sobreposição
O cadastro georreferenciado do INCRA seguirá hierarquia quanto à precisão dos polígonos que o compõe, denominadas de classes, na seguinte forma:
a) Classe 1: composta pelos polígonos já certificados e presentes na base de dados do INCRA; e
b) Classe 2: polígonos somente georreferenciados (Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Assentamentos Rurais, Terras Públicas, Territórios Quilombolas, entre outros).
(...)
Realizado o procedimento acima descrito, o servidor responsável pela análise verificará se o "perímetro limpo" se sobrepõe a algum outro polígono da classe 1 ou da classe 2.
Tratando-se de sobreposição com polígono(s) da classe 1, a poligonal não será certificada e o requerimento indeferido.
Tratando-se de sobreposição com polígono(s) da classe 2, referentes a áreas sob a gestão de entidade ou órgão público federal, estadual ou municipal, este será comunicado, via ofício, para manifestar-se no prazo de trinta dias. Se não houver manifestação da entidade ou órgão público, ou se a manifestação for desfavorável à certificação, o requerimento será indeferido.
Tratando-se de sobreposição com polígono(s), classe 1 ou classe 2, referentes a áreas sob a gestão do INCRA, o setor competente avaliará o caso e decidirá a respeito, deferindo ou não o requerimento.
Vê-se, assim, que, se o polígono de um imóvel rural for certificado e incluído na base de dados do INCRA, a poligonal que a ele se sobreponha não será certificada, indeferindo-se o respectivo requerimento.
2.3 Cabimento de ação demarcatória
Caso haja divergência entre os proprietários dos imóveis rurais sobrepostos acerca da definição dos limites de cada um, é cabível a proprositura de ação demarcatória, prevista no Capítulo VIII (Da Ação de Divisão e da Demarcação de Terras Particulares) do Título I (Dos Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa) do Livro IV (Dos Procedimentos Especiais) do Código de Processo Civil, para que a Justiça Estadual defina os limites de cada imóvel rural, após a produção de prova pericial, através de vistoria e análise no local através de levantamento topográfico por meio de mapas, plantas, memoriais e auxílio de ferramentas tecnológicas como georreferenciamento, que permitam definir com precisão a linha divisória entre as propriedades, fixando as coordenadas desta.
A jurisprudência tem admitido o manejo da referida ação em casos similares. Senão vejamos:
Ação demarcatória - carência de ação - inocorrência- pretensão inicial de aviventar os marcos danificados, reestabelecendo a linha divisória do imóvel - invasão caracterizada - prescrição aquisitiva como matéria de defesa - exegese do artigo 333, II do código de processo civil - agravo retido rejeitado - recurso de apelação desprovido.333IIcódigo de processo civil1.A ação demarcatória tem cabimento para constituir divisas, quando estas jamais existiram; para restabelecê-las, quando vierem a apagar-se ou ficar com vestígios insuficientes e, ainda, quando as propriedades se tornaram confusas ou promíscuas.2. In casu, cabalmente comprovada a invasão por parte dos réus, ora apelantes, no imóvel dos autores, razão pela qual a procedência da demanda era de rigor.3. Não há prova do decurso temporal para o acolhimento da invocada prescrição aquisitiva. (1650822 PR 0165082-2, Relator: Lauro Augusto Fabrício de Melo, Data de Julgamento: 28/10/2004, 9ª Câmara Cível, Data de Publicação: 6741)
PROCESSUAL CIVIL - DEMARCAÇÃO - CONFUSÃO DE LIMITES NOS TÍTULOS DOMINIAIS - SOBREPOSIÇÃO DOS IMÓVEIS - CABIMENTO DA MEDIDA A confusão de limites dos imóveis, gerada pelos respectivos títulos dominiais, legitima o ajuizamento de ação demarcatória. É possível, via procedimento demarcatório, averiguar os limites reais dos terrenos descritos em registros imobiliários distintos. A definição da área pertencente a cada um possibilita a definição dos marcos divisórios, cuja verificação é inviável com a simples análise dos títulos de propriedade. (TJSC, Apelação Cível n. 2003.026852-9, de Barra Velha, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 26-10-2009).
Somente após ser resolvida pelo Judiciário a lide acerca das coordenadas dos vértices dos imóveis rurais sobrepostos, é que o particular poderá pretender o cancelamento da certificação deferida ao seu altercador por ter sido a Autarquia Agrária induzida em erro quanto ao perímetro do imóvel rural certificado e o deferimento do seu pleito de certificação indeferido pela constatação de sobreposição a imóvel rural já certificado.
3 CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que ao proprietário de imóvel rural que tenha o seu pedido de certificação indeferido em razão da verificação de sobreposição a imóvel rural pertencente a outro particular, aforar em face deste ação demarcatória, para que a Justiça Estadual decida definitivamente sobre os limites das propriedades.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 12 jun. 2012.
_______. Decreto nº 5.570, de 31 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5570.htm>. Acesso em: 12 jun. 2012.
_______. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Norma de Execução nº 105, de 26 de novembro de 2012. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/estrutura-fundiaria/regularizacao-fundiaria/certificacao-de-imoveis-rurais/file/119-2-edicaorevisada-da-norma-tecnica-para-georreferenciamento-de-imoveis-rurais>. Acesso em: 12 jun. 2012.
_______. Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10267.htm>. Acesso em: 12 jun. 2012.
Procurador Federal, pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho e pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Georreferenciamento de imóveis rurais e ação demarcatória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35582/georreferenciamento-de-imoveis-rurais-e-acao-demarcatoria. Acesso em: 23 dez 2024.
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