1. INTRODUÇÃO
No ano de 2010, ocorreu, em Cuiabá/MT, a Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho,promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com o apoio da Associação dos Magistrados do Trabalho da 23ª Região (Amatra 23) e do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região.
Tal evento teve como objetivos: I. firmar-se como fórum amplo de debate entre os operadores do direito na Justiça do Trabalho sobre a execução no processo do trabalho; II. motivar o debate sobre os temas da execução e produzir um conjunto orgânico de orientações interpretativas da origem jurídica em vigor, sob a forma de enunciados aprovados nas Comissões Temáticas e na Plenária, visando subsidiar a aplicação do Direito Processual do Trabalho; III. apresentar propostas jurídicas concretas com o objetivo de facilitar a execução trabalhista e de oferecer alternativas para a concretização dos direitos estabelecidos nas sentenças; IV. contribuir para o aprimoramento científico do Direito Processual do Trabalho, por meio do oferecimento de novos conceitos, novas propostas e uma atualização dos institutos processuais vigentes; V. promover a aproximação jurídica entre os vários setores e atores da Justiça do Trabalho.
Foram publicados 55 (cinquenta e cinco) Enunciados aprovados pela Plenária, dentre os quais o de número 26, in verbis:
EXECUÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL SOBRE OS HONORÁRIOS PERICIAIS. ILEGALIDADE DO ART. 57, § 14, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA - SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL (SRF) 971/2009. Não integram a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal os honorários periciais pagos em razão de condenação judicial. O perito designado pelo juiz para atuar no processo o faz na condição de profissional liberal, razão pela qual é devida apenas a sua contribuição de 20% sobre o valor recebido, limitado ao teto máximo do salário de contribuição, nos termos do art. 21 e 28 da Lei nº 8.212/91. O art. 57 da Instrução Normativa - SRF 971/2009 ao exigir a contribuição devida pela empresa quando do pagamento de honorários periciais em razão de condenação judicial impôs, ilegalmente, obrigação tributária principal não prevista em lei.
O presente trabalho objetiva fazer uma análise do referido Enunciado.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Fundamento constitucional para a cobrança da contribuição previdenciária da empresa
À luz do art. 195, I, "a" da Constituição Federal, tem-se que a Seguridade Social é financiada por toda a sociedade, de forma direta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes, dentre outras fontes, das contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.
2.2 Enquadramento dos órgãos do Poder Judiciário no conceito previdenciário de empresa
A Lei nº 8.212/91 dispõe sobre a organização da Seguridade Social e institui o seu Plano de Custeio, definindo empresa, no inciso I do seu art. 15, não apenas como a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, mas também os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional.
Nem se argumente que os órgão do Poder Judiciário não poderiam ser enquadrados no citado dispositivo legal, pois o art. 37 da Constituição fala em "administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios".
2.3 Contribuição do perito
O Enunciado em apreço afirma que "o perito designado pelo juiz para atuar no processo o faz na condição de profissional liberal", razão pela qual transparece que o expert pode ser enquadrado como segurado contribuinte individual, nos termos do art. 12, V, "h" da Lei nº 8.212/91, segundo o qual ostenta tal condição "a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não".
Ao contrário do que afirma o verbete em comento, a contribuição do perito não é de "razão pela qual é devida apenas a sua contribuição de 20% sobre o valor recebido, limitado ao teto máximo do salário de contribuição, nos termos do art. 21 e 28 da Lei nº 8.212/91", ante o disposto no art. 65 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009, in verbis:
Art. 65. A contribuição social previdenciária do segurado contribuinte individual é:
a) (omissis)
b) 11% (onze por cento), em face da dedução prevista no § 1º, incidente sobre:
1. a remuneração que lhe for paga ou creditada, no decorrer do mês, pelos serviços prestados a empresa;
2. a retribuição do cooperado quando prestar serviços a empresas em geral e equiparados a empresa, por intermédio de cooperativa de trabalho;
3. a retribuição do cooperado quando prestar serviços a cooperativa de produção;
4. a remuneração que lhe for paga ou creditada, no decorrer do mês, pelos serviços prestados a outro contribuinte individual, a produtor rural pessoa física, a missão diplomática ou repartição consular de carreiras estrangeiras, observado o disposto no § 2º.
§ 1º O segurado contribuinte individual pode deduzir de sua contribuição mensal, 45% (quarenta e cinco por cento) da contribuição devida pelo contratante, incidente sobre a remuneração que este lhe tenha pago ou creditado no respectivo mês, limitada a dedução a 9% (nove por cento) do respectivo salário-de-contribuição, desde que:
I - no período de 1º de março de 2000 a 31 de março de 2003, os serviços tenham sido prestados a empresa ou equiparado, exceto a entidade beneficente de assistência social isenta;
II - a partir de 1º de abril de 2003, os serviços tenham sido prestados a outro contribuinte individual, a produtor rural pessoa física, a missão diplomática ou repartição consular de carreiras estrangeiras;
III - a contribuição a cargo do contratante tenha sido efetivamente recolhida ou declarada em GFIP ou no recibo previsto no inciso V do art. 47.
§ 2º O segurado contribuinte individual que não comprovar a regularidade da dedução prevista no § 1º, na forma estabelecida no seu inciso III, sujeitar-se-á à glosa do valor indevidamente deduzido, devendo complementar as contribuições com os devidos acréscimos legais.
§ 3º A dedução de que trata o § 1º, que não tenha sido efetuada em época própria, poderá ser feita por ocasião do recolhimento em atraso, incidindo acréscimos legais sobre o saldo a recolher após a dedução.
Tem-se, pois, que o Enunciado desconsidera que, se observado o citado dispositivo normativo, a contribuição do perito será de 11% (onze por cento) sobre o valor recebido, observado o limite máximo do salário-de-contribuição.
2.4 Contribuição da empresa
Nos termos do inciso III do art. 22 da Lei nº 8.212/91, incluído pela Lei nº 9.876/99, a contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, é de 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços.
A Resolução n.º 66, de 10 de junho de 2010, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, regulamenta, no âmbito da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, a responsabilidade pelo pagamento e antecipação de honorários do perito, do tradutor e do intérprete, no caso de concessão à parte do benefício de justiça gratuita.
O seu art. 1º, I, dispõe que os Tribunais Regionais do Trabalho deverão destinar recursos orçamentários para pagamento de honorários periciais, sempre que à parte sucumbente na pretensão for concedido o benefício da justiça gratuita.
Logo, feito o pagamento, pelo Tribunal Regional do Trabalho, de honorários periciais, na hipótese de à parte sucumbente na pretensão ter sido concedido o benefício da justiça gratuita, cabe àquele, na condição de empresa, pagar a contribuição previdenciária prevista no art. 22, III da Lei nº 8.212/91.
O § 14 do art. 57 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009, ao dispor que, "na hipótese de nomeação de advogados e peritos para atuação judicial sob o amparo da assistência judiciária, é responsável pelo recolhimento da contribuição patronal o órgão ao qual incumbe o pagamento da remuneração" nada mais fez do que interpretar o art. 22, III da Lei nº 8.212/91, pelo que não padece de qualquer ilegalidade.
2.5 Atuação do Tribunal Regional do Trabalho na condição de substituto tributário
Conforme art. 4º da Lei nº 10.666/2003, na redação dada pela Lei nº 11.933/2009, a empresa é obrigada a arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da respectiva remuneração, e a recolher o valor arrecadado juntamente com a contribuição a seu cargo até o dia 20 (vinte) do mês seguinte ao da competência, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia.
Logo, o Tribunal Regional do Trabalho que pagar honorários periciais, quando a parte sucumbente na pretensão for benefíciária da justiça gratuita, é obrigado a arrecadar a contribuição do perito, descontando-a do valor pago, e a recolher o valor arrecadado juntamente com a contribuição a seu cargo até o dia 20 (vinte) do mês seguinte ao da competência, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia.
3. CONCLUSÃO
Do quanto se expôs, conclui-se que entendimento cristalizado no Enunciado nº 26 da Jornada Nacional sobre Execucão na Justiça do Trabalho: (i) nega vigência ao art. 195, I, "a" da Constituição, aos arts. 15, I e 22, III da Lei nº 8.212/91, bem como ao art. 4º da Lei nº 10.666/2003, ensejando o descumprimento de obrigações previdenciárias pelos Tribunais Regionais do Trabalho, em prejuízo da União; (ii) ignora o disposto no art. 65 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009, ensejando a retenção na fonte de um valor maior do que o devido, em prejuízo dos peritos.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 13 set. 2012.
______. Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm>. Acesso em: 13 set. 2012.
______. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212cons.htm>. Acesso em: 13 set. 2012.
______. Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1999. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9876.htm>. Acesso em: 2 jun. 2013.
______. Lei n. 10.666, de 8 de maio de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.666.htm>. Acesso em: 16 jun. 2013.
______. Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/ins/2009/in9712009.htm>. Acesso em: 2 jun. 2013.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17. ed. Niterói: Impetus, 2012.
KERTZMAN, Ivan. As Contribuições Previdenciárias na Justiça do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012.
OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Execução de ofício de contribuições sociais na Justiça do Trabalho e identificação das partes. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2897, 7 jun. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19280>. Acesso em: 2 jun. 2013.
Procurador Federal, pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho e pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Comentários ao Enunciado nº 26 da Jornada Nacional sobre Execucão na Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35633/comentarios-ao-enunciado-no-26-da-jornada-nacional-sobre-execucao-na-justica-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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