O Brasil, como país independente, nasceu em 1822. No ano de 1823 foi convocada a primeira Assembleia Nacional Constituinte, que logo depois foi dissolvida por a D. Pedro I, que acabou outorgando (impondo) nossa primeira Constituição, em 1824. Figura pouco conhecida ainda, desse período histórico, foi o santista José Bonifácio de Andrada e Silva (Patriarca da Independência) que, depois de morar muitos anos na Europa, colocou em discussão (na referida Assembleia) temas que ainda hoje são de uma atualidade impressionante.
De acordo com sua biógrafa Miriam Dolhnikoff (Projetos para o Brasil, Companhia das Letras), ele formulou um dos primeiros (senão o primeiro) projeto nacional civilizatório para o Brasil, que deveria ser um país europeu na América. Depois de ter sido ministro de D. Pedro I, assumiu sua cadeira de deputado constituinte (em 1823), sendo pouco tempo depois deportado para França, sobretudo pelas ideias que defendera no Congresso constituinte. Era um monarquista constitucional convicto e lutou pela unidade nacional, assim como por reformas profundas para se chegar à modernidade e à civilização.
A pesada herança colonialista e escravagista o estimulou a defender mudanças radicais, reconhecendo, no entanto, alguns entraves: “heterogeneidade racial e cultural, a escravidão, a equivocada política indigenista e a profunda ignorância que grassava entre brancos e negros, ricos e pobres”.
Trocando-se, em suas ideias, a palavra escravidão por miséria e pobreza, temos o retrato do Brasil no século XXI. Dizia ele: “a escravidão [leia-se hoje: a miséria] traz consequências maléficas não só para os escravos [pobres e miseráveis], senão para a própria elite branca; atraso econômico e impossibilidade do exercício da cidadania, segundo os preceitos mais modernos, atingiam não apenas negros, mas também, e principalmente, brancos. O inevitável convívio diuturno com a violência, além da ignorância e da miséria, inerentes à escravidão [miséria], acabava por contaminar os senhores, tornando-os inaptos para a cidadania e a modernidade”.
“A maior corrupção se acha onde a maior pobreza está ao lado da maior riqueza”. Como político, denunciou “o sacrifício do interesse público em favor do enriquecimento privado” (parece estar falando da classe política brasileira atual, ressalvados poucos dos seus membros). Lendo-se os discursos de Bonifácio de Andrada (de 1823) ficamos com a impressão de que existe mesmo um Brasil que deu certo (somos hoje a sétima economia mundial) e um Brasil que nunca deixou de estar errado (ou seja: nossos mais graves problemas não são recentes). A propósito, ele denunciava: “[a falta de] administração de educação básica para todos, a má distribuição da terra [poderíamos agregar: e da renda], a ]falta de] expansão dos direitos reais de cidadania e a [ausência de] garantia de inclusão social de todos os brasileiros”. Sem isso, ele dizia, não há como alcançar a modernidade e a civilização.
Maior atualidade discursiva é impossível, pois ele censurava (já em 1823) nosso clientelismo, o favoritismo (nepotismo), a exclusão, a fraude e a violência. “A pátria não pode ser a mãe que devora parte dos seus filhos, para felicitar outra exclusivamente, pelo contrário”. O Brasil carecia naquela época (e ainda hoje carece) de uma elite cidadã que não pense só no presente lucrativo, senão, sobretudo, em um futuro glorioso para a nação. Que pena que o Brasil não esteja fabricando centenas de Bonifácios de Andrada!
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