Quando há mudanças históricas, há mudança de interpretação dos textos legais e da própria Constituição, desenhando-se novos paradigmas constitucionais. A assimilação das mudanças históricas, de fatores políticos e sociais, influenciam na alteração de paradigmas. O Direito foi e é marcado por grandes transformações de cunho social, político, jurídico e econômico, isso em razão da constante mutação da Sociedade, em alguns casos evoluindo, em outros retrocedendo.
Há basicamente três grandes paradigmas constitucionais: do Estado de Direito, Estado Social ou de Bem-Estar Social e Estado Democrático de Direito. Os paradigmas jurídico-constitucionais influenciam na interpretação e aplicação do direito, porquanto os Estados contemporâneos organizam-se sob a forma constitucional. Assim, o acúmulo de conhecimentos, os entendimentos, influenciam a concepção que as pessoas têm da Constituição e dos textos jurídicos a serem interpretados. Nesse contexto, os paradigmas jurídico-constitucionais de determinada época acabam por delimitar o alcance da interpretação constitucional.
Deve-se sempre considerar que o direito é um produto social. Como tal, sua interpretação está intimamente ligada aos paradigmas insculpidos em determinada época e local. Os paradigmas assim, também se modificam, e, com eles, se modificam as interpretações dos textos jurídicos, moldadas pelas convicções e anseios de uma sociedade em um determinado momento histórico.
O constitucionalismo, que se traduz na permanente tentativa de se instaurar e de se efetivar concretamente o ideal que inaugura a modernidade no nível da organização de sua sociedade complexa, acaba por gerar a crença de que constituímos uma comunidade de homens livres e iguais, coautores das leis que regem a vida em sociedade.
No contexto liberal, o Estado possuía um papel mínimo, o poder político é limitado, com a finalidade de garantir a liberdade individual dos cidadãos. A Administração Pública, a função estatal, fica limitada às funções clássicas de garantia da ordem social, defesa externa e administração da justiça, deixando à livre organização da sociedade e do mercado a regulação e a ordenação de todos os demais campos. As constituições, nessa fase, garantiam basicamente a limitação do poder político e a liberdade individual de cada cidadão em face do Estado. Nessa época, consagram-se os princípios da legalidade e a igualdade formal, pela proteção da propriedade privada e pela separação de poderes. A modalidade típica de texto constitucional limita o poder político na sociedade e enuncia os direitos individuais. O Direito Administrativo é visto como excepcional, ou seja, cabendo apenas a função de regulação de situações sui generis, procurando-se critérios que permitissem a segurança na aplicação do Direito Administrativo, identificando em quais situações específicas haveria lastro para a sua incidência.
O Estado Social passa a intervir ativamente na sociedade civil, atuando na produção econômica, controlando o sistema de trabalho e das relações de emprego, a promoção e garantia de direitos fundamentais sociais, ou seja, aproximando-se da sociedade civil. Nesse contexto, a Administração Pública passou por grandes mudanças, tornando-se o agente promotor da justiça social, incorporando várias atribuições materiais que passaram a fazer parte do rol de competências administrativas, com a prestação de grande número de serviços públicos e explorando diretamente a atividade econômica. O Estado Social passou a tutelar a Sociedade. Era um estado paternalista, retirando do cidadão a participação, e criando uma cultura de aceitação.
O Estado Democrático de Direito nasce como uma resposta concomitante à frieza liberal em relação ao indivíduo e ao déficit democrático do Estado Social. Busca, de um lado, o afastamento da construção de uma esfera de relações de igualdade meramente formal, desatenta das condições materiais da vida do indivíduo; de outro, enfrenta uma Administração Pública que retira dos cidadãos a capacidade de decisão autônoma e que a prove de bens e serviços. Por meio do respeito à esfera de liberdade individual propõe habilitar os cidadãos a exercitarem seus direitos de participação na comunidade jurídica, como coautores que interferem no processo de produção do direito.
O direito concebido no Estado Democrático é um direito constitucionalizado, um ordenamento complexo, marcado pela presença de regras e princípios como duas espécies normativas aplicáveis à vida do cidadão. É o período da consagração dos direitos fundamentais de terceira geração, direitos difusos, individuais homogêneos.
O Estado Democrático de Direito, sob o foco da Constituição Federal de 1988, é a organização política na qual o poder emana do povo. Este, por sua vez, o exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direito e secreto, para o exercício de mandatos periódicos. No plano das relações com o indivíduo, é que pretende assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e, sobretudo, dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Pode-se verificar que, no Estado Democrático de Direito, a legitimação da atuação estatal se dá com a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões pela interveniência em audiências públicas, direito de petição, acesso à informação, documentos, certidões, plebiscito, referendo, etc. Assim, o cidadão tem realçada à participação democrática nos processos decisórios do Estado, já não mais conformados aos direitos políticos e individuais de formação liberal. A sociedade possui relevante contribuição para a determinação das decisões fundamentais.
Os direitos fundamentais de terceira geração se caracterizam pela titularidade difusa ou coletiva, são concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos. Como exemplo, podemos citar o direito ao meio-ambiente equilibrado, à conservação do patrimônio histórico e cultural.
Nesse contexto, o princípio da legalidade passa a ter uma nova conotação, ou seja, não basta a lei prever pura e simplesmente, demanda-se uma atuação constitucional, não apenas lícita, pois o centro do ordenamento jurídico não é mais a lei, como entendiam os positivistas, mas a Constituição. A Administração Pública deixa de estar submetida apenas aos comandos legais, mas deve obediência à Constituição e aos princípios encartados.
A doutrina apresenta a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda, e terceira gerações, com base na ordem histórica e cronológica que foram delineados.
Os direitos de primeira geração, trazido pelo Estado Liberal, são os direitos civis e políticos, os quais compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, realçando o princípio da liberdade. Os direitos de segunda geração, que acompanharam o advento do Estado Social, ou seja, direitos econômicos, sociais e culturais, se identificam com as liberdades positivas, reais, ou concretas, acentuam o princípio da igualdade. Como enfatiza a doutrina, “Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividade, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social – na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados.”[1] Os direitos de terceira geração, fruto da concretização do Estado Democrático de Direito, materializam os direitos de titularidade coletiva, atribuídos a todas as formações sociais, consagrando os princípios da solidariedade, constituindo um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos. Não são concebidos para a proteção do homem isoladamente, mas de coletividade, de grupos.
Para melhor compreender o tema, citamos o entendimento doutrinário:
Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reinvindicações acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, quer falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instantes seguintes. Os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o influxo das concepções jurídicas e sociais prevalentes nos novos momentos. Assim, um antigo direito pode ter o seu sentido adaptado às novidades constitucionais. Entende-se, pois, que tantos direitos a liberdade não guardam, hoje, o mesmo conteúdo que apresentavam antes de surgirem os direitos de segunda geração, com as suas reivindicações de justiça social, e antes que fossem acolhidos os direitos de terceira geração, como o da proteção ao meio ambiente. Basta que se pense em como evoluiu a compreensão do direito à propriedade, desde a Revolução Francesa até a incorporação às preocupações constitucionais de temas sociais e de proteção do meio ambiente. Os novos direitos não podem ser desprezados quando se trata de definir aqueles direitos tradicionais.
Pode ocorrer, ainda, que alguns chamados novos direitos sejam apenas os antigos adaptados às novas exigências do momento. Assim, por exemplo, a garantia contra certas manipulações genéticas muitas vezes traz à baila o clássico direito à vida, confrontando, porém, com os avanços da ciência e da técnica.[2]
As novas gerações de direito não afastam as anteriores. A visão em gerações apenas indica o caráter cumulativo da evolução desses direitos no tempo. Pode-se dizer que cada direito de cada geração interage com os das outras e, nesse processo, dá-se a comunicação entre eles.
[1] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 234.
[2]Idem, p. 234.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. As mudanças dos paradigmas constitucionais modernos: Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático de Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35743/as-mudancas-dos-paradigmas-constitucionais-modernos-estado-liberal-estado-social-e-estado-democratico-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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