A arbitragem é considerada uma técnica que tem por fim a solução de controvérsias por um ou mais árbitros eleitos mediante acordo de vontade das partes envolvidas, sem interveniência do Estado. O presente artigo tem como objetivo tecer algumas considerações sobre as distinções das modalidades existentes.
Com relação à distinção entre arbitragem interna e arbitragem internacional é necessário esclarecer que arbitragem nacional consiste na relação jurídica envolvendo elementos vinculados a uma mesma ordem jurídica, residindo as partes litigantes no mesmo Estado onde o laudo deve ser cumprido.
Enquanto que a arbitragem internacional relaciona-se com legislação em conexão com mais de um ordenamento jurídico, estando as partes domiciliadas em local diverso daquele onde a decisão arbitral será executada, podendo ser inclusive em um terceiro país.
Todavia, Lobo defende que não há diferença essencial entre ambas, estando-se, em ambos os casos, diante de um modo de solucionar litígios, mediante a aplicação de regras adjetivas e substantivas por julgadores não governamentais pelas partes designados, cujas decisões são passíveis de execução forçada, com uso do poder de coerção dos juízes ou tribunais nacionais[1].
Nesse mesmo sentido, Lobo afirma que não há distinção conceitual entre arbitragem interna e internacional, localizando-se tais qualificações além da essência da arbitragem[2].
Para Tibúrcio prevalece a teoria que sustenta a ideia de que a arbitragem internacional encontra o seu fundamento e se desenvolve com base nas suas próprias regras, não havendo qualquer vínculo com o sistema jurídico interno, consistindo em uma decisão arbitral de um ato autônomo não vinculado a qualquer jurisdição, ou seja, desvinculada a um país determinado[3].
Já para Araújo a arbitragem denominada como internacional deve envolver uma relação jurídica subjetivamente internacional, ou seja, as partes devem ser domiciliada em países distintos ou conter algum elemento objetivo estranho, que pode ser o local de sua constituição ou o do cumprimento da prestação[4].
Outro ponto que merece ser ressaltado refere-se à diferenciação entre arbitragem institucionalizada, a qual se caracteriza pela atuação de um órgão especializado de natureza permanente com organização e regulamentação pré-estabelecidas; e a arbitragem ad hoc, que se caracteriza pela criação de tribunal arbitral com árbitros e regras estabelecidas pelas partes litigantes.
Nesse passo, segundo Pizzolo, a arbitragem pode se apresentar de duas maneiras, como um recurso para resolver uma questão específica ou como uma instituição criada para resolver eventuais controvérsias no futuro[5]:
El arbitraje es "ocasional" cuando determinada divergencia existente es sometida por las partes a ese procedimiento, celebrando para ello un acuerdo especial. Tiene carácter "institucional" cuando dos o más Estados se obligan a dar solución por medio del arbitraje a las divergencias que eventualmente se produzcan en lo futuro y no logren resolver por la vía diplomática.
Hoje já existem centros internacionais de arbitragens, o que sinaliza o seu pleno desenvolvimento e sua utilização preferencialmente nos contratos internacionais e em vários países do mundo, tais como: a American Arbitration Association, em Nova Iorque; a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), em Paris; a London Court of International Arbitration, a Câmara de Comércio de Estocolmo, a Câmara de Comércio de Tóquio e a Corte Permanente de Arbitragem[6].
Como a arbitragem se caracteriza por um processo paraestatal na solução de controvérsias, deve-se atentar quando sua utilização será cabível. O estudo da viabilidade, ou não, da submissão de um determinado Estado à arbitragem, deve enfrentar, necessariamente, a questão da arbitrabilidade.
Nesse passo, a arbitrabilidade deve ser compreendida sob a vertente subjetiva, que se refere à capacidade daqueles que podem submeter-se a arbitragem, e sob a vertente objetiva, que diz respeito à matéria passível de ser objeto de transação, e assim passível de ser arbitrável. Neste último caso, têm-se os direitos patrimoniais disponíveis. No tocante à arbitrabilidade subjetiva, é preciso levar em consideração o que dispõe a especificidade de cada ordenamento jurídico.
O problema reside na questão da arbitrabilidade objetiva, tendo em vista a indisponibilidade do interesse público. Em razão de tal indisponibilidade, poder-se-ia defender que todos os interesses que pairam sobre as relações contratuais celebradas pelo Estado seriam indisponíveis, cedendo margem à interpretação de que não seria possível sua submissão à arbitragem. Tal entendimento, porém, não merece prosperar.
Carmona defende que são arbitráveis as causas que não versem sobre temas resguardados mediante reserva específica, sendo facultado, pois, às partes dispor dessas causas quando estiverem diante de controvérsias[7].
Ou seja, são de natureza patrimonial disponível todos aqueles litígios sobre os quais a transação ou a cessão seja permitida[8]. Os ordenamentos jurídicos da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, por exemplo, preveem expressamente a possibilidade da submissão de determinadas controvérsias à arbitragem[9].
Pucci, ao estabelecer interessante comparação entre os mais importantes aspectos da arbitragem nos países do Mercosul, afirma[10]:
De forma geral, as quatro legislações coincidem em autorizar a submissão à arbitragem daquelas controvérsias que têm por objeto direitos disponíveis pelos particulares, de caráter patrimonial, que não afetem a ordem pública e que sejam suscetíveis de transação.
Para Marcondes, “[...] direito patrimonial é todo direito que contenha, em si, expressão financeira, valor econômico. Tudo que possa se agregar ou ser retirado do patrimônio de alguém.”[11].
Para uma melhor compreensão sobre o sentido do termo disponível, pode-se afirmar, ademais, que se trata de direito que o seu titular possa abrir mão a qualquer momento, sem que haja algum impedimento legal[12].
Infere-se, pois, que não estará amparado pelo instituto da arbitragem se o direito não se encaixe no conceito patrimonial, tampouco se for considerado indisponível, ocasião em que as partes terão de recorrer, incondicionalmente, à Justiça Estatal.
No caso do sistema arbitral objeto do presente estudo, vale ressaltar que as controvérsias submetidas à apreciação do CISDI[13] têm como objeto a discussão sobre investimentos estrangeiros.
O Estado receptor de investimento estrangeiro, portanto, tem direitos patrimoniais disponíveis, condição esta imprescindível para que possa submeter-se à arbitragem. Nesse caso, portanto, presume-se esteja desempenhando atos de gestão.
Quando um determinado Estado receptor de investimento se utiliza da arbitragem como meio de solução das controvérsias contratuais das quais participa, sob a alegação de que estão envolvidos direitos disponíveis, deve-se considerar que sua opção privilegia uma forma mais célere, atendendo, pois, ao interesse público.
O acesso à justiça arbitral, aliada à estabilidade política, econômica e jurídica é uma das garantias essenciais de segurança ao investidor estrangeiro que pretende realizar investimento em um determinado Estado.
Para Rozas, a arbitragem em matéria de investimento, em especial na América Latina, adquiriu desenvolvimento sem precedentes, demonstrando-se como meio adequado para a solução de conflitos em matéria de investimentos[14].
Neste contexto, a arbitragem em matéria de investimento influencia diretamente o desenvolvimento do comércio internacional, consolidando-se cada vez mais no âmbito internacional, especialmente a partir do surgimento do CISDI.
Apesar de a Convenção de Washington de 1965 não definir claramente o alcance do termo “investimento estrangeiro”, estabelece que o cunho internacional do investimento se baseia no fato de o investidor possuir nacionalidade diversa daqueles que residem no Estado receptor do investimento.
A definição de investimento estrangeiro tem natureza econômica e consiste na destinação de bens de nacional de um país ao desempenho de uma atividade econômica em país estrangeiro[15].
Para Costa, não obstante a existência de um Direito do Investimento Internacional, cujos princípios e regras têm por objeto a definição do tratamento e a proteção dos investimentos e permitir seu fluxo, não há um conceito jurídico de investimento estrangeiro de caráter amplo[16].
Apesar das distintas modalidades existentes, constata-se que a arbitragem como solução alternativa de controvérsias, sem interveniência do Estado, tem como pressuposto que os direitos em disputa sejam patrimoniais disponíveis e, portanto, passíveis de transação.
REFERÊNCIAS
LOBO, Carlos Augusto da Silveira; ALMEIDA, Ricardo Ramalho (Coord.). Arbitragem interna e internacional: questões de doutrina e da prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
TIBURCIO, Carmem; MARTINS, Pedro A Batista; GARCEZ, José Maria Rossani. Reflexões sobre arbitragem. São Paulo: Ltr, 2002.
ARAÚJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 4 ed. atual. ampl. Rio de Janeiro: 2008.
PIZZOLO, Calogero. Sistema de Solución de Controvérsias. Mercosur. 1 ed. Buenos Aires: Ediar, 2008.
KLAUSNER, Eduardo Antônio. A arbitragem na solução de conflitos decorrentes de contratos nacionais e internacionais de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 646, 15 abr. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6564.>. Acesso em: 1 maio 2011.
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à Lei 9.307/96. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2004.
BARRAL, Welber. A arbitragem e seus mitos. Florianópolis: OAB/SC, 2000.
Código Procesal Civil y Comercial de la Nación Argentina, Lei 9.307, de 23.09.1996, Código Procesal Civil de la República del Paraguay, Código General del Proceso de la República Oriental del Uruguay.
PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem comercial nos países do Mercosul: análise comparativa da legislação, jurisprudência e doutrina dos autores da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai relativas à arbitragem. São Paulo: Ltr, 1997.
MARCONDES, Fernando. Arbitragem Comercial: guia prático para o cidadão. São Paulo: Códex, 2004.
ROZAS, José Carlos Fernandes. América Latina y el arbitraje de inversions: ¿Matrimonio de amor o matrimonio de conveniencia? Revista de la Corte Española de Arbitraje, v. 24, 2009, p. 20. Disponível em: <http://eprints.ucm.es/9260/1/RCEA_2009__MATRIMONIO_DE_AMOR.pdf.>. Acesso em: 17 jan. 2011.
COSTA, Larissa Maria Lima. Arbitragem internacional e investimento estrangeiro. São Paulo: Lawbook, 2007.
[1] LOBO, Carlos Augusto da Silveira; ALMEIDA, Ricardo Ramalho (Coord.). Arbitragem interna e internacional: questões de doutrina e da prática. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 05
[2] Ibid., 2003, p. 10.
[3] TIBURCIO, Carmem; MARTINS, Pedro A Batista; GARCEZ, José Maria Rossani. Reflexões sobre arbitragem. São Paulo: Ltr, 2002, p. 223.
[4] ARAÚJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 4 ed. atual. ampl. Rio de Janeiro: 2008. p. 485.
[5] PIZZOLO, Calogero. Sistema de Solución de Controvérsias. Mercosur. 1 ed. Buenos Aires: Ediar, 2008, p. 28
[6] KLAUSNER, Eduardo Antônio. A arbitragem na solução de conflitos decorrentes de contratos nacionais e internacionais de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 646, 15 abr. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6564.>. Acesso em: 1 maio 2011.
[7] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à Lei 9.307/96. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2004. p. 56.
[8] BARRAL, Welber. A arbitragem e seus mitos. Florianópolis: OAB/SC, 2000. p.16.
[9] Código Procesal Civil y Comercial de la Nación Argentina, Lei 9.307, de 23.09.1996, Código Procesal Civil de la República del Paraguay, Código General del Proceso de la República Oriental del Uruguay.
[10] PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem comercial nos países do Mercosul: análise comparativa da legislação, jurisprudência e doutrina dos autores da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai relativas à arbitragem. São Paulo: Ltr, 1997. p. 19.
[11] MARCONDES, Fernando. Arbitragem Comercial: guia prático para o cidadão. São Paulo: Códex, 2004, p. 33.
[12] Ibid, 2004, p. 34.
[13] É comum a utilização da sigla em inglês (Icsid), francês (Cirdi) ou espanhol (Ciadi). Optou-se pela abreviatura correspondente ao significado em português do Centro Internacional de Solução para Disputas sobre Investimentos (CISDI), criado pela Convenção de Washington de 1965 (CW), com a atribuição de dirimir controvérsias jurídicas sobre investimentos internacionais originadas das relações jurídicas entre Estado e particulares.
[14] ROZAS, José Carlos Fernandes. América Latina y el arbitraje de inversions: ¿Matrimonio de amor o matrimonio de conveniencia? Revista de la Corte Española de Arbitraje, v. 24, 2009, p. 20. Disponível em: <http://eprints.ucm.es/9260/1/RCEA_2009__MATRIMONIO_DE_AMOR.pdf.>. Acesso em: 17 jan. 2011.
[15] COSTA, Larissa Maria Lima. Arbitragem internacional e investimento estrangeiro. São Paulo: Lawbook, 2007, p. 42.
[16] Ibid, 2007, p. 43.
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Brasília. Chefe de Licitações, Contratos Administrativos e Matéria de Pessoal da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários em Brasília/DF. Ex-Chefe da Seção de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em São Luís/MA. Ex-Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TARCíSIO GUEDES BASíLIO, . Arbitragem: breves considerações sobre as modalidades existentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jul 2013, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35869/arbitragem-breves-consideracoes-sobre-as-modalidades-existentes. Acesso em: 23 dez 2024.
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