Por evolução da teoria do tipo penal deve-se entender evolução da relação entre a tipicidade e a antijuridicidade.
A história do tipo penal se confunde, ao longo da história, até mesmo com o próprio conceito de delito. Em fins do século XVIII, a doutrina alemã cunhou a expressão Tatbestand, concebendo o delito com todos os elementos e pressupostos de punibilidade. O conceito de Tatbestandpertence ao Direito Processual Penal, representando o corpus delicti desenvolvido pelos processualistas, com caráter predominantemente objetivo.[1]
O conceito de tipo como elemento autônomo dentro do conceito de delito foi proposto na obra de Beling, em 1906, cujo maior mérito foi tornar a tipicidade independente da antijuridicidade e da culpabilidade, contrariando o sentido original do Tatbestand inquisitorial.
Verificar-se-á a evolução do conceito de tipo de acordo com as principais teorias.
TEORIA CAUSAL
A teoria causal, elaborada basicamente por LISZT, BELING e RADBRUCH,contribuiu de forma significativa com a elaboração da teoria do delito ao conceituar tipo, segundo o proposto por BELING. Com isso, foi possível a formulação do conceito analítico de delito e a própria elaboração do conceito de ação, pois proporcionou a distinção entre a conduta, tomada como corpo de delito, e sua previsão legal.[2]
Até 1906, a doutrina penal não conhecia o conceito de tipicidade. Nesse tempo, vigorava a doutrina causal naturalista do delito, que o dividia (desde 1884) em duas partes: a objetiva e a subjetiva. A partir de BELING (que completou o sistema naturalista desenvolvido por LISZT)a parte objetiva do delito passou a ser constituída de dois requisitos: tipicidade e antijuridicidade. A parte subjetiva esgotava-se na culpabilidade. [3]
O tipo, no sistema causal, é puramente objetivo, ou seja, é a descrição objetiva e neutra da conduta, prevista na lei. Para esse sistema, os delitos sempre devem possuir resultado. Superaram-se as teorias anteriores que confundiam o tipo com todas as circunstâncias concretas do fato, o que é chamado de corpo de delito.
Aos delitos materiais, nos quais é possível a separação naturalística entre ação e resultado, não há maiores questionamentos. No tocante aos crimes formais, ou de mera conduta, os adeptos da teoria causal entendem que deve ser reconhecida como resultado a própria atividade do agente. Segundo nos ensina TAVARES,
Esta posição está coerente com esse sistema, já que nele o resultado é visto como integrante da ação, podendo, portanto, ser identificado com essa ação, como movimento corpóreo que modifica o mundo exterior por sua própria manifestação. A questão é pacífica entre os causalistas. Na verdade, se reconhecermos como resultado não apenas o evento natural, sensível, mas também a lesão de bem jurídico (o chamado resultado naturalístico), está claro que todos os crimes possuirão resultado, mas no sentido jurídico, não natural.[4]
O conceito de BELING , fundado no modelo causal da filosofia naturalista do século XIX, é objetivo e livre-de-valor. Todos os elementos subjetivos integram a culpabilidade e a tipicidade é neutra, ou seja, a valoração legal pertence à antijuridicidade.[5]
Estes aspectos puramente legalistas são próprios do positivismo jurídico reinante no século XIX e início do século XX. LISZT e BELING elaboraram o conceito clássico de delito, que, apesar da simplicidade, foi de fundamental importância para a criação do conceito analítico de crime e da própria elaboração do conceito de ação.
Na primeira fase, o tipo e a tipicidade apresentavam um caráter puramente descritivo, valorativamente neutro, de acordo com a concepção de BELING. Uma das grandes virtudes da doutrina desse autor foi estabelecer a clara distinção entre a tipicidade (que tem a função de definir os delitos) e a antijuridicidade (que é a contradição do fato com o direito). Na versão original da teoria causal, proposta por BELING, não há nenhuma relação entre a tipicidade e antijuridicidade.
Todavia, pouco tempo depois, em 1915, inicia-se a segunda fase da evolução da teoria da tipicidade: passou-se a entender que ela não era neutra (não era apenas o espelho do lado objetivo e externo ou naturalístico do delito). Max Ernest MAYER, mesmo mantendo o caráter descritivo inicial, acrescentou que a tipicidade, na verdade, era um indício da antijuridicidade, isto é, toda conduta típica é provavelmente antijurídica, salvo se ocorrer uma causa de justificação, cuja constatação pertenceria a uma etapa seguinte de avaliação.[6]
TAVARES salienta que
Nessa colocação, quem realiza o tipo – quem age com tipicidade – já assinala que, provavelmente, também contrariou todo o direito vigente. Mesmo assim, esse indício não se insere na proibição, ou seja, o tipo tem antes de tudo caráter formal, não sendo mais do que um objeto, composto de caracteres conceituais objetivo-descritivos do delito, sobre o qual, posteriormente (na antijuridicidade), incidirá um juízo de valor extraído da dedução das normas jurídicas, em sua totalidade.[7]
Para BELING, o dolo e a culpa situavam-se na culpabilidade. “Desse modo, a proibição era da de causar o resultado típico, e a antijuridicidade era o choque da causação deste resultado com a ordem jurídica, que se comprova com a ausência de qualquer permissão para causar o resultado.”[8] A culpabilidade era entendida como relação psicológica entre a conduta e o resultado, em forma de dolo ou culpa.
Em síntese, o tipo causal de BELING tem duas características fundamentais: é desprovido de juízo de valor e livre de elementos anímico-subjetivos, limitando o conceito às características objetivas do crime. A valoração da conduta pertence à norma, e não ao tipo, que seria meramente formal.[9]Outrossim, foi possível, com isso, a criação da estrutura tripartida de delito, ou seja, é conduta típica, antijurídica e culpável. A partir do Tratado de Mayer (1915) passou o tipo a ser concebido como indício da antijuridicidade. A tipicidade é a ratiocognoscendi(é indício) da antijuridicidade. Para facilitar o cumprimento dessa função indiciária da tipicidade, MAYER admitiu a inclusão de elementos normativos no tipo, ou seja, quem realiza o tipo já antecipa que, provavelmente, também infringiu o Direito, embora esse indício não se insira na proibição. Considerou a tipicidade como o primeiro pressuposto da pena, admitindo a antijuridicidade como o segundo, sendo aquele indício desta.[10]
NEOKANTISMO
O sistema neokantiano, ou também chamado de conceito neoclássico de delito, embora não tenha alterado significativamente a estrutura de delito proposta por BELING, iniciou sua transformação. O neokantismo altera os fundamentos da teoria do injusto.[11]
O conceito neoclássico corresponde à influência no campo jurídico da filosofia kantiana, fazendo com que se desse especial atenção ao normativo e axiológico. Foi substituída a coerência formal de um pensamento jurídico circunscrito em si mesmo por um conceito de delito voltado para os fins pretendidos pelo Direito Penal e pelas perspectivas valorativas que o embasam. [12]
No neokantismo, o injusto é produto de uma criação normativa, sem referência real, como resultado de juízos de valor, tendo em vista o objetivo visado pelo legislador, que tanto pode ser a proteção de bens jurídicos quanto de qualquer outra situação estatal de conveniência.[13]
A partir da teoria neokantiana, o tipo passou a ser concebido como “tipo de injusto”. O legislador quando seleciona uma determinada conduta para defini-la como crime não fica alheio ao mundo dos valores. Todo tipo legal é o retrato de um fato valorado de forma negativa. Portanto, o tipo legal não é neutro, é o espelho de um tipo de injusto. O tipo é portador de uma desvaloração, embora possa ser justificado posteriormente. A ele pertencem os dados externos da conduta, mas também os normativos e os subjetivos. [14]
Nas palavras de MEZGER:
O ato de criação legislativa (...) contém imediatamente a declaração de antijuridicidade, a fundamentação do injusto como injusto especialmente tipificado. O legislador cria, através da formação do tipo, a antijuridicidade específica: a tipicidade da ação não é, de modo algum, a mera ratiocognoscendi, mas a própria ratioessendi da (especial) antijuridicidade. A tipicidade transforma a ação em ação antijurídica, sem dúvida não por si só, mas em virculação com a ausência de fundamentos especiais excludentes do injusto.[15]
Com Mezger, a perda da autonomia do tipo atinge o seu clímax, ao ser concebido como um momento da antijuridicidade. Defendeu a estrutura bipartida de delito, o delito passa a ser concebido como ação tipicamente antijurídica e culpável, não mais como conduta típica, antijurídica e culpável. Isso significa que o injusto tem elementos próprios. Esta compreensão conjunta da tipicidade e da antijuridicidade não possui efeitos em si malévolos, mas proporciona e dá base para que nela se inicie uma subjetivação do injusto, que já se havia feito com a introdução dos elementos subjetivos de justificação.[16]
Para o neokantismo, há uma antijuridicidade geral e uma antijuridicidade penal. Uma conduta pode ser considerada ilícita sem ser necessariamente tipificada. Após a sua tipificação, há que ser antijurídica, posto que já o era antes de forma geral. Ocorre verdadeira mudança em todos os âmbitos do crime, passando pela normatização do tipo, a inclusão da antijuridicidade material, bem como a concepção da culpabilidade como formação da vontade contrário ao dever.[17]
Em suma, a teoria neokantiana adota o conceito de tipo de injusto (conjunto de características determinantes do injusto penal entendido como expressão de um fato valorado negativamente) e não faz distinção entre tipicidade e antijuridicidade; tipicidade é a ratioessendida antijuridicidade. A tipicidade perde sua autonomia, para ser inserida dentro do conceito de antijuridicidade. [18]
TEORIA DOS ELEMENOS NEGATIVOS DO TIPO
As causas de justificação, segundo a doutrina penal amplamente majoritária, não excluem a tipicidade do fato, mas sim a antijuridicidade, ou seja, a ilicitude. Mas sobre isso existem, sem embargo, como acentuaGOMES, “ideias muito confusas na doutrina, porque (desde Adolf Merkel e Frank) se concebe muitas vezes as causas de justificação como ‘características negativas do tipo’, de modo que sua ocorrência deve excluir não só a antijuridicidade, como também o tipo (por conseguinte, a matéria de proibição)”.[19]
De acordo com essa teoria, a antijuridicidade não tem autonomia, faz parte da tipicidade. Já para a teoria neokantiana, a diferença é que a antijuridicidade contém o tipo (razão de ser da antijuridicidade); seria a tipicidade que perderia sua autonomia. Em ambos, porém, não se idealiza o tipo e a antijuridicidade como elementos autônomos e interligados, mas sim, como um todo normativo unitário.
Dessa forma, segundo a teoria negativa, o artigo 121 deveria ser lido da seguinte maneira: matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade, etc. A antijuridicidade está incluída dentro do tipo penal.
Nessa mesma linha, para concluir, ressaltamos as palavras de Cirino dos Santos:
A teoria dos elementos negativos do tipo unifica o tipo legal e a antijuridicidade, como descrição e valoração da ação humana realizada ou omitida, no conceito de tipo de injusto, porque o tipo legal descreve as características positivas do tipo de injusto, enquanto os preceitos permissivos excludentes da antijuridicidade constituem características negativas do tipo de injusto, separadas dos tipos legais por motivos técnicos, porque seria impraticável ler o tipo de injusto deste moto: matar alguém, exceto em legítima defesa, em estado de necessidade, etc. – ou seja, homicídio em legítima defesa seria ação atípica e não ação típica justificada.[20]
FINALISMO
A teoria final da ação refuta o positivismo formalista precedente (lógico-abstrato) e parte de uma consideração fundamentalmente ontológica dos problemas. O seu conceito é determinado pelas estruturas lógico-objetivas ou lógico-concretas do objeto cognoscível, pertencentes ao mundo do ser, mas portadoras de uma dimensão de sentido, com a qual condicionam toda valoração que sobre elas possa recair. Ademais, toda e qualquer valoração jurídica está limitada ou condicionada à determinada estrutura lógica objetiva, ou seja, às qualidades ontológicas do objeto valorado.[21]
Concebida por Welzel em meados da década de 30 do século XX, a teoria finalista é um retorno a Mayer, ou seja, a tipicidade é um indício da antijuridicidade. Reconhece que o tipo legal não contém somente requisitos neutros (externos), mas também elementos subjetivos do injusto penal. Assim, o dolo e a culpa, que antes eram concebidos como requisitos da culpabilidade, passaram a compor a conduta e, em consequência, a tipicidade. A novidade dessa teoria é que dentro da tipicidade deve-se distinguir o tipo objetivo (conduta, sujeitos, objeto material etc.) do subjetivo (dolo ou culpa). [22]
Para Bitencourt,
O tipo, na visão finalista, passa a ser uma realidade complexa, formada por uma parte objetiva – tipo objetivo –, composta pela descrição legal, e outra parte subjetiva – tipo subjetivo –, constituída pela vontade reitora, com dolo ou culpa, acompanhados de quaisquer outras características subjetivas. A parte objetiva forma o componente causal, e a parte subjetiva o componente final, que domina e dirige o componente causal.[23]
Assim, a realização do tipo já antecipa que, provavelmente, também há uma infringência do Direito, embora esse indício não integre a proibição. A tipicidade é a ratiocognoscendida antijuridicidade, isto é, a adequação do fato ao tipo faz surgir o indício de que a conduta é antijurídica, e esta presunção só será afastada ante a configuração de uma causa de justificação.
Entretanto, ainda que a teoria finalista busque se situar em uma base ontológica, não se distancia muito do sistema que se iniciou com o neokantismo. Há um ponto em comum entre ambas, ou seja, deixar de priorizar o resultado e dar maior atenção aos aspectos direcionais e subjetivos da conduta e, consequentemente, do injusto.[24]
O tipo seria a descrição legal da conduta proibida e está, dessa forma, condicionado a como se possa compreender essa conduta em sua fase antecedente, ou seja, como conduta final. De acordo com a relação entre meio causal e fim projetado, se formam grupos diferenciados de delitos, que se classificam em: delitos dolosos, culposos e omissivos.
Nos crimes dolosos, há o desdobramento do tipo em duas partes: objetiva e subjetiva. O tipo objetivo descreve a manifestação exterior da vontade, compreendendo a ação delituosa e todas as características que o legislador conferiu como indispensáveis à identificação do delito, tais como: objeto, resultado, sujeito, vítima, tempo, lugar, meio e modo de execução da ação. Já o tipo subjetivo compõe-se do dolo, como elemento subjetivo geral e de intenções, tendências ou percepções, como elementos subjetivos especiais existentes em determinados delitos. Há duas espécies de dolo: dolo direito e dolo eventual. Naquele o agente quer a realização do tipo ou a toma como necessária para o alcance de seus objetivos. Neste, o agente toma a realização do tipo como possível e se conforma com ela, assumindo, portanto, o risco de sua verificação. [25]
Nos delitos culposos, o tipo se compõe de uma ação contrária às normas de cuidado, estabelecidas no âmbito da relação e do resultado proibido. Não há vontade de realização do tipo. A característica básica da postura finalista é tratar do delito culposo segundo a condução da atividade humana estabelecida no tipo de injusto, quer tendo por base o objeto de um juízo de valor negativo sobre essa atividade, quer o desvio do processo causal ou defeito de congruência. Assim,
Welzel manifesta a diferença segundo um juízo de valor negativo incidente sobre a conduta típica: no crime doloso o juízo de valor negativo recairia sobre o resultado danoso, consciente e volitivamente produzido ao bem jurídico (desvalor do resultado); nos crimes culposos, o que efetivamente se leva em conta é o desvalor da própria ação, segundo a forma de sua execução, a qual deve ser avaliada mediante um modelo comparativo com aquela ação que, hipoteticamente, teria realizado um homem prudente e consciencioso.[26]
Para MARUCHA, todavia, a diferença é no tipo subjetivo, nos crimes dolosos, há perfeita congruência entre os segmentos objetivos e subjetivos da conduta típica; nos crimes culposos, o que efetivamente se realizou não correspondeu à vontade do autor da ação, de modo a caracterizar um desvio absolutamente relevante no processo causal.[27]
No tocante aos crimes omissivos, há uma norma de comando ou determinação. O elemento essencial para configurar o crime é a infração ao dever de agir ou de impedir o resultado proibido. Assim, para o finalismo, o tipo omissivo vem a compor-se da infração do dever de agir nos crimes omissivos próprios; ou de impedir o resultado, quando o omitente deve garantir a proteção do bem jurídico. Além disso, agrega-se ao tipo a real possibilidade de realização da ação devida, ou seja, o agente tem que ter a possibilidade efetiva de agir.
Welzel compreende o injusto, que é o tipo e antijuridicidade, como injusto pessoal, isto é, se refere a determinado autor, ao fim que este persegue, à sua atitude, aos deveres que lhe são ou eram impostos, aos seus motivos e demais circunstâncias pessoais. Com a adoção dessa teoria, transporta-se o conteúdo do ilícito penal, que baseava-se na lesão objetiva a bens jurídicos, para o desvalor pessoal da ação, corolário de um substrato de dever jurídico imposto a todos os membros da sociedade pelas normas jurídicas. Esse desvalor da ação configuraria, no sistema welzeliano, o padrão comum do desvalor geral de todos os delitos. A dificultade está em harmonizar essa tese com os delitos culposos – delitos de resultado. [28]
TEORIA SOCIAL DA AÇÃO
A teoria social da ação diverge no tocante à formação do tipo. Os seus primeiros formuladores seguiam a estrutura da teoria causal, tanto em sua forma primitiva quanto nas suas variantes formuladas sob influêncianeokantiana.
Criticando o finalismo por seu ontologismo puro, Eberhard SCHIMIDT traz o conceito social de ação. Para tanto, visa conciliar essa característica com valorações normativas, incluindo em sua essência a relevância social, as quais interessam para o Direito Penal. Segundo MAURACH, a estrutura finalista continuou a ser utilizada, permanecendo o dolo e a culpa no tipo, de forma que a relevância social constituía apenas um atributo adicional àquela. A dificuldade estava em definir o que era “socialmente relevante”. [29]
Em palavras que sintetizam bem a evolução dentro dessa teoria, SOUZA esclarece que,
Primeiramente, ENGISCH define ação como a “causação voluntária de conseqüências calculáveis e socialmente relevantes”. Este conceito vai sendo aprimorado com o auxílio de grandes penalistas, tais como MAURACH, JESCHECK, WESSELS e, posteriormente, MAIHOFER. A dificuldade estava em definir o que era “socialmente relevante”. Os artifícios usados para tal tarefa eram escassos, perdendo valor a teoria em questão por embasar-se em critério impreciso.[30]
Segundo TAVARES, “O tipo representa forma de expressão e característica da antijuridicidade de cada delito e fundamenta, por isso, o conteúdo, tanto no aspecto da ação (desvalor do ato) quanto do resultado (desvalor do resultado).” [31]
O grande mérito desta teoria foi tentar trabalhar normativamente dentro do aspecto objetivo do tipo, a fim de que seja selecionado somente aquilo em que o Direito Penal deve intervir, por mais que se estivesse negando a própria ação, quando somente o tipo objetivo deveria estar sendo recusado, o que é corretamente feito pela Imputação Objetiva. Atualmente, por serem os defensores da teoria social da ação adeptos da Imputação Objetiva, a função prática desta foi reduzida à exclusão de não-ações de qualquer valoração pelo Direito Penal. [32]
FUNCIONALISMO
A partir dos anos 1970, iniciou-se um ensaio de sistematização funcional, cujos maiores expoentes são Jacobs e Roxin. Segundo PIERANGELI e ZAFFARONI, trata-se de uma corrente que tece uma forte base do funcionalismo sistêmico sociológico.[33]
Os adeptos desta concepção estão de acordo, apesar de inúmeras divergências quanto ao resto, a recusa às premissas sistemáticas do finalismo e em partir da ideia de que a construção sistemática jurídico-penal não deve orientar-se segundo dados prévios ontológicos (ação, causalidade, estruturas lógico-reais etc.), mas ser exclusivamente guiada por finalidades jurídico-penais.[34]
Sinteticamente, na estrutura do tipo proposta por JAKOBS, a realização do tipo constitui uma etapa da imputação. O injusto deve ser compreendido pelo confronto entre tipicidade e antijuridicidade. Dessa maneira, o tipo de injusto seria representado pelo conjunto de caracteres que assinalam legalmente a intolerabilidade social de determinada atividade, que só pode ser descartada com a incidência de uma norma permissiva. Considera o tipo mero indício da antijuridicidade, concluindo que é indissociável da caracterização dessaintolerabilidade a ausência de causa de justificação. Defende que a diferenciação entre tipo e antijuridicidade só tem importância na identificação da espécie do erro que poderia advir da falsa representação por parte do agente, no que se refere ao que a lei aponta como defeso (ação típica e seus elementos), e o que ela permite, excepcionalmente (causa de justificação e seus elementos).[35]
Roxin parte do raciocínio de qual significado se deve emprestar ao tipo. Assim, o distingue em três aspectos: no sentido sistemático (tal como proposto por BELING), no sentido político-criminal (função de garantia – princípio da legalidade) e no sentido dogmático (identificação do erro de tipo e seu efeito de eliminar o dolo).
Defende a estrutura finalista, dividindo o tipo em objetivo e subjetivo, sem deixar de advertir que a ação típica é composta de uma unidade de fatores internos e externos, que não pode ser rompida, apenas compreendida em suas singularidades por meio de seus momentos individualizadores objetivos e subjetivos, não existindo, assim, elementos puramente objetivos e subjetivos. Essa divisão serve apenas à ordem externa e deve ser desconsiderada onde contrarie o sentido de um conceito.[36]
Segundo GUARAGNI,
Como fundamento, o sistema funcionalista ou teleológico-racional toma por alicerce o método neokantiano referido a valores para definição de cada um dos objetos de que se ocupa – a saber, os conceitos básicos relativos à teoria do crime: ação, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Deste modo, cada um destes escalões deve ser desenhado de acordo com a sua finalidade – ou função (daí funcionalismo) – dentro do direito penal.
Para que se tenha uma idéia da aplicação prática do método, tome-se como exemplo a concepção de tipicidade. Para ser válida, no entendimento de Roxin, é necessário que seja capaz de realizar o princípio da legalidade. Esta função, a ser cumprida no estrato da tipicidade, deriva de uma outra função, sistemicamente superior, para a qual se reportam todos os conceitos empregados na teoria do crime (inclusive o da tipicidade): o cumprimento da finalidade preventivo-geral da pena que incumbe político-criminalmente ao direito penal.
(...)
Como, de forma resumida, a proposta do funcionalismo é fazer s conceitos renderem de forma otimizada quanto ao cumprimento de suas finalidades sistêmicas e, no seu conjunto, levarem o direito penal à realização das finalidades da pena e da política criminal que se propõe a realizar, cumpre indagar quais são estas finalidades. E, indagando-as, surgem as inúmeras variantes que representam o funcionalismo.[37]
“As correntes teleológicas, apartando-se da teoria finalista da ação, insistem em uma renormatização penal, deixando o legislador absolutamente livre, sem vinculação a qualquer estrutura prévia à normatização jurídica, para considerar apenas, na seleção de condutas objeto de criminalização, o aspecto social, com o objetivo de influir na estrutura da sociedade através da sanção criminal (fins da pena).”[38]
Referências Bibliográficas
Bittencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v.1, 8.ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em Direito Penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
Gomes, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. Teoria Constitucionalista do Delito. São Paulo: Revista dos Tribuais, IELF, 2004.
PRADO, Luiz Regis.; CARVALHO, Érica Mendes de. Teoria da Imputação Objetiva do resultado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PIERANGELI, José Henrique.; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. 3.ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002. SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. 4, ed,. Curitiba: ICPS; Lumen Iuris, 2005.SOUZA, Valéria Padovani de. Imputação Objetiva na obra de ClausRoxin e sua aplicação no Direito Penal Brasileiro. Curitiba, 2006, 124 f. Dissertação (Mestrado em Direito Penal) -Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3.ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
[1]Bittencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v.1, 8.ed., São Paulo: Saraiva, 2003.p. 194.
[2]TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3.ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 131.
[3]Gomes, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. Teoria Constitucionalista do Delito. São Paulo: Revista dos Tribuais, IELF, 2004, p. 69.
[4]Tavares, op. cit., p. 132.
[5] SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. 4, ed,.Curitiba: ICPS; Lumen Iuris, 2005, p. 34.
[6] BITENCOURT, Tratado de..., p. 140.
[7]Tavares, op. cit., p. 133.
[8] PIERANGELI, José Henrique.; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 396.
[9]SOUZA, Valéria Padovani de. Imputação Objetiva na obra de ClausRoxin e sua aplicação no Direito Penal Brasileiro. Curitiba, 2006, 124 f. Dissertação (Mestrado em Direito Penal) -Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, p. 28.
[10] Bitencourt,Tratado de..., p. 196.
[11] Tavares, op. cit., p. 135.
[12] BITENCOURT, op. cit., p. 141.
[13]Ibid., 134.
[14] GOMES, op. cit., p. 71.
[15] MEZGER, Edmund. Vom Sinn der strafrechtkichenTatbestände, 1926, p. 187, apud, SANTOS, p. 35-36.
[16]Tavares, op. cit., p. 136-137.
[17] SOUZA, op. cit., p. 33.
[18] GOMES, op. cit., p. 71.
[19] Ibid., p. 72.
[20] SANTOS, op. cit., p. 36.
[21]PRADO, Luiz Regis.; CARVALHO, Érica Mendes de. Teoria da Imputação Objetiva do resultado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 14.
[22] GOMES, op. cit., p. 74.
[23]Bitencourt, Tratado de..., p. 198/199.
[24]Tavares, op. cit., p. 137.
[25] Ibid., p. 137-139
[26]Ibid., p. 139-140.
[27]Ibid., p. 140.
[28]Ibid., p. 141.
[29] SOUZA, op. cit., p. 37-38.
[30]Ibid., p. 38.
[31] TAVARES, op. cit., p. 142.
[32] SOUZA, op. cit., p. 38-39.
[33] PIERAGELI; Zaffaroni, op. cit., p. 401.
[34] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. 3.ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 205.
[35] Tavares, op. cit., p. 143.
[36] Ibid., p. 144.
[37] GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em Direito Penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 244-246.
[38] PRADO; CARVALHO, op. cit., p. 14-15.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Evolução da Teoria do Tipo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35875/evolucao-da-teoria-do-tipo-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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