Tem se enfrentado uma discussão que retira exatamente a (im) possibilidade jurídica do pedido do rol das condição da ação. Não é novidade o debate acadêmico sobre as condições da ação no processo civil brasileiro, isso porque o idealizador das condições da ação em sua plenitude, Liebman, acabou mudando o seu antigo posicionamento, o qual tinha ainda a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação. Em sentido contrário, o Código de Processo Civil brasileiro adotou a antiga teoria, considerando, pois, como condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir - este também muito debatido na doutrina - e a legitimidade, que na visão de alguns doutrinadores, é matéria de mérito, o que não será objeto deste debate sob pena de perdemos o foco principal. Durante muito tempo as críticas dirigiam-se - e ainda dirigem-se - no sentido de que não existe, no direito processual brasileiro, pedido juridicamente impossível.
A tese se sustenta de um ângulo visto pelo viés da ação (essa entendida como pública, autônoma, subjetiva e abstrata) que é independente do resultado prático da demanda. Portanto, ainda nessa esteira, não haveria pedidos impossíveis. Por outro lado, havendo, qual seria o pedido juridicamente impossível, o mediato ou o imediato? Passível de breves apontamentos.
Breves apontamentos.
Na processualística civil, difícil fica imaginar que o autor não teve o direito de ação se sua demanda for julgada carente, mesmo sabendo que Código Processual adotou a teoria Eclética da Ação. A expressão "êxito da ação" proposta por Liebman é, na verdade, "coisa de italiano". A ação sempre terá êxito, pois sempre haverá um posicionamento jurisdicional, seja de carência, improcedência, indeferimento, etc.
As condições da ação são requisitos substanciais para que seja apreciado o mérito da demanda, e não propriamente a ação, pois esta é o direito de ter um pronunciamento - ainda que sem mérito - do Estado-Juiz. Caso contrário, o que seria o intervalo de tempo da propositura da ação até o momento do despacho saneador ou da extinção do processo? Um nada jurídico? E todo o trabalho dos serventuários, juízes e advogados, não significa nada? Como diria Didier Jr, citando o poeta baiano Raul Seixas: Pare o mundo que eu quero descer!
Não acredito que seja tecnicamente aceitável dizer que o autor da demanda não teve o pedido imediato, porque o teve. Tratando-se do bem da vida, este entendido como o bem deduzido pelo autor na petição inicial, é que seria impossível, uma vez que a tutela jurisdicional (pedido imediato) é sempre possível em razão do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, art. 5º, XXXV da CF.
Refuta a outra corrente por entender que saber se o autor tem ou não o direito pretendido é matéria de mérito, portanto, não poderia ser o pedido mediato. São divergências acadêmicas com reflexos práticos importantíssimos!
Existem doutrinadores, a exemplo de Didier, Dinamarco e Alexandre Câmara que entendem que a impossibilidade não está tão somente no pedido, confundindo-se também com todos os elementos da ação. Por isso, deve ser entendido como impossibilidade jurídica da ação, ou da demanda. Isto porque, na prática, os resultados são diversos. É só imaginarmos uma demanda pela qual um estado-membro formula em sua exordial o pedido de secessão, objetivando o desmembramento para formar outro Estado soberano, independente. Neste caso, para Dinamarco, haveria, sem dúvidas, um pedido juridicamente impossível, pois existe um mandamento que veda tal pretensão (não no campo fático, mas na própria pretensão que deduz o autor), restando ao juiz julgar a demanda improcedente, e não carente. A verdade é que a problemática não está tão somete aí.
Por um ângulo macroscópico - palavra que o Prof. Marinoni aplica em caso de improcedência primafacie, aqui utilizada em sentido diverso - outro é o caso do resultado da demanda - que não se confunde com a (im) possibilidade jurídica do pedido. Já outros estudiosos da processualística costumam usar o clássico e enfadonho exemplo da cobrança judicial de uma dívida de jogo proibido por lei. Entendem que é caso de impossibilidade jurídica do pedido.
(...)
Se o mundo não parou; está muito perto. E eu ainda quero descer!
Em que pese ser um exemplo deveras didático, com o devido respeito, não merece prosperar tal exegese para este caso. Isto porque, como já dissemos, neste caso, o pedido não é juridicamente impossível, mas sim a sua causa de pedir que deriva de um vedação expressa. Não se pode levar a sério que o fato de cobrar a alguém judicialmente uma dívida existente (e esse é o pedido, in casu) seja impossível juridicamente, porque não o é. Diversa é se esta dívida originou-se (no mundo fático) de uma vedação normativa, que neste caso, terá o condão de obstar a demanda, com incidência inclusive da coisa julgada material (improcedência da ação e não carência), pela impossibilidade da causa petendi, e não do pedido.
A distinção conceitual entre carência e improcedência
Pois bem.
A distinção conceitual entre carência de ação e improcedência tem importância fundamental, pois os regimes de produção de coisa julgada material, em nosso direito, para ambas, são distintos.
Como se observou em linhas pretéritas, nosso legislador se utilizou de terminologias distintas par identificar situações materialmente iguais: a sentença que declara a carência de ação (por ilegitimidade de parte ou por impossibilidade jurídica do pedido, ao menos) é ontologicamente igual àquela que julga o pedido improcedente. O equívoco da terminologia diversa levou ao equívoco do tratamento também diverso quanto à produção da coisa julgada material.
A natureza jurídica da (im) possibiidade jurídica do pedido: tem como piorar o que já está péssimo?
Como se não pudesse piorar, o calcanhar de aquiles foi exatamente a natureza deste instituto para o Direito Processual Brasileiro. É que o nosso Estatuto Processual, ao tratar sobre sentença que não enfrenta o mérito da causa, listou a carência de ação - vide art. 267, II CPC -, e o resultado prático, por puro comando normativo, é que essa decisão não tem incidência da coisa julgada material.
Desse entendimento míope do CPC, há que se falar em algumas implicações práticas, que faço questão de enumerar as mais gritantes: a) se o pedido é juridicamente impossível, o juiz não deveria julgar improcedente com o objetivo de incidir sobre a demanda força de coisa julgada material? b) Pode o autor - que teve sua ação julgada carente pelo pedido juridicamente impossível - ajuizar novamente a mesma ação com os mesmos elementos da ação?
Imagine que, proposta uma demanda, o autor queira tão somente a declaração da prescrição aquisitiva para adquirir a propriedade do imóvel usucapiendo, que no caso, tratava-se de bem público dominical. É de todos o conhecimento de que os bens públicos são imprescritíveis, portanto, por simples mandamento constitucional, não se pode usucapir bens públicos de qualquer natureza. O juiz, neste caso, deve julgar a demanda improcedente (e incidir os efeitos da coisa julgada material) ou, na visão do Código de Processo Civil atual, extinguir sem resolução do mérito acolhendo a carência de ação pela impossibilidade jurídica do pedido?
Entende-se que quando há proibição expressa no sentido da pretensão, como é o caso da usucapião de bens públicos, há impossibilidade jurídica do pedido. No caso da cobrança originária de dívida de jogo proibido, haveria impossibilidade jurídica pela causa de pedir, pois a ordem jurídica nega aos fatos narrados pelo autor a geração de direitos. E ainda, por exemplo, em uma execução contra fazenda pública da forma tradicional (penhora/expropriação), na visão de Dinamarco, é a impossibilidade jurídica pela parte, uma vez que a execução contra fazenda pública deve ser na forma de precatórios - desde que a condenação atinja mais de sessenta vezes o valor do salário mínimo vigente. Assim entendem alguns doutrinadores que a impossibilidade está ligada não só ao pedido, mas às partes, à causa de pedir e ao pedido.
A invenção é de italiano, mas a culpa é do brasileiro (sic)?
Dissemos, em notas introdutórias que a possibilidade jurídica do pedido tinha sido idealizada por Liebman, e, sem dúvida, foi a mais esdrúxula das condições da ação. Não é à toa que o próprio Liebman se retratou quando permitiu-se, na Itália, em 1970, o divórcio.
A partir da 3ª edição do Manuale, Liebman retirou a possibilidade jurídica do pedido do rol das condições da ação, pois o divórcio, à época, era o principal exemplo de impossibilidade jurídica da demanda, passando a integrar o conceito de interesse de agir.
O Brasil, seguindo a teoria do italiano, adota a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação. Se o próprio Liebman retratou-se, por que o legislador brasileiro não pode retratar-se?
Paciência!
E o anteprojeto do novo CPC, o que nos diz?
O projeto do novo CPC cuida (pelo menos até o presente momento) com brilhantismo (sic) acerca dessa temática, e a resposta é clara às indagações por nós formuladas neste texto: a possibilidade jurídica do pedido não será mais condição da ação, uma vez que na visão do novo código, para propor ação é necessário ter tão somente interesse e legitimidade. Caso o juiz entenda que o pedido é juridicamente impossível, deve extinguir o processo, agora, com resolução do mérito, impedindo que o autor insista em ajuizar a mesma ação com os mesmos elementos. Merece aplausos tal mudança, ainda que tardia.
Eis que diria Machado de Assis: a primeira glória é a reparação dos erros...
Acadêmico de Direito da Universidade Potiguar, Lauretes University.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Victor Hugo Linhares de. Como assim, "a impossibilidade jurídica do pedido tem natureza de coisa julgada formal? Invenção de italiano ou de brasileiro?" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jul 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35984/como-assim-quot-a-impossibilidade-juridica-do-pedido-tem-natureza-de-coisa-julgada-formal-invencao-de-italiano-ou-de-brasileiro-quot. Acesso em: 23 dez 2024.
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