RESUMO: Nosso Código Penal é de 1940. Será que hoje ainda podemos interpretar os tipos penais que tratam dos crimes contra dignidade sexual da mesma forma? Embora tenhamos uma reforma de terminologia com a lei 12.015/09, o sistema repressor no Brasil continua totalmente ultrapassado. A sexualidade é ainda dimensionada numa perspectiva retrógrada, os parâmetros ainda são de ordem moral, subordinados por posturas religiosas.Este artigo destaca o tipo penal que trata do crime de ato obsceno. Ao longo deste trabalho abordam-se temas correlatos à questão da obscenidade, tais como sexualidade e moralidade, mas nunca distanciando do foco, que é discutir a relação de causa efeito da pertinência temática do tipo penal hoje. Em 1940 vigorava a Constituição de 1937, Constituição marcada pela índole autoritária que o Brasil, atendendo a interesses de grupos políticos desejosos de um governo forte que beneficiasse os dominantes. A principal característica dessa Constituição era a enorme concentração de poderes nas mãos do chefe do executivo, que por sua vez, cabia nomear as autoridades municipais. A partir disso analisaremos qual ou quais consequências este ambiente gerou no Código Penal ,e, mais precisamente no artigo 233 do CP. Desta forma, o que pretende neste artigo é ao final, encontrar uma possível viabilidade para imputarmos ao direito penal apenas uma função subsidiária.
PALAVRAS CHAVES: Sexualidade, Crime, Ato Obsceno.
RESUMO: Nuestro Código Penal es de 1940. Es posible que hoy aun pode nos interpretar los tipos penales que hablan de los crimenes contra La dignidad sexual como antes? Mientras a la reforma de las condiciones com La ley el sistema represor en Brasil esta mucho ultrapasado. La sexualidade es dimensionada em uma perspectiva antigua. La religion tiene mucha influencia em la moralidade. Este artículo pretende discutir los tipos penales que tratan del crimen de acto obsceno. Neste trabajo vamos hablar de los temas relacionados. Com la question de la obscenidade, tales como sexualidade e moralidade, perón sin salir del tema principal que es discutir la relación de causa y efecto de la pertinencia temática de los tipos penales hoy.Em 1940 la constituición de 1937 há tenido valor y estava llena de la índole autoritária que habia em Brasil y atendia a lo interes de lo grupos políticos que queriam um gobierno para fortificar el domínio. La principal características desta constituición fue la grande concentración de los poderes em las manos del jefe executivo que nombreva las autoridades municipales. Neste cenário analizaremos las consecuencias que este ambiente ha causado em el código penal y, mas precisamente, em los artículos 233. Así, lo que pretendemos neste artículo es encontrar uma posible viabilidade para impurtarmos em lo Derecho Penal solamente uma funcion subsidiaria.
PALAVRAS CLAVE: Sexualidad, Crimen, Acto Obsceno.
1. INTRODUÇÃO
O tipo penal que trata do ato obsceno torna-se de extrema importância hoje, no sentido que desgasta um dos mais relevantes bens dos indivíduos, ou seja, a liberdade. Como pode o Estado definir, conceituar o ato obsceno e até mesmo punir os indivíduos por exercerem sua sexualidade?
Para melhor análise dessa matéria, temos que aprofundar no conceito sexualidade de cada um. Mas, como fazer isto, se para muitos configura crime contra a honra, o chamado turpilóquio, a conversação sobre sexo em público? Só se descobrem os costumes de um determinado lugar, quando se conhece a sexualidade de seus indivíduos, o que importa na realidade é a possibilidade de cada um direcionar livremente sua sexualidade.
E é aqui que está o grande entrave, pois a sexualidade se choca com o direito penal, enquanto mecanismo formal de controle social.
Nosso Código Penal é de 1940. Será que hoje ainda podemos interpretar os tipos penais que tratam dos crimes contra a dignidade sexual da mesma forma?
O sistema repressor no Brasil está, portanto, totalmente ultrapassado, mesmo com o advento da Lei 12.015/09. Houve uma mudança meramente terminológica, mas que em nada contribuiu para uma nova leitura do art. 233 do C. P. B. a expressão mudou de costumes para dignidade sexual, mas sem nenhuma mudança prática. Contudo, a própria mudança de terminologia não foi bem vinda, pois no que tange à sexualidade é difícil falar em sexo digno ou indigno.
Quanto ao nosso objeto de estudo, o qual seja o art. 233 do C. P. B. não houve nenhum acréscimo. O conceito de sexualidade é ainda dimensionado numa perspectiva retrógrada, os tipos penais são os mesmos daquela época de 1940, os parâmetros ainda são de ordem moral subordinados por posturas religiosas.
Com isso, não se pretende redefinir o tipo penal, nem tão pouco reconceituar o que seja costume, pudor ou obsceno. Uma sociedade una e homogênea, tanto naquela época como hoje é utopia, pois o homem é resultado do meio, do local, do tempo em que vive. Por isso não se definirá nada, pois amanhã tais afirmações poderão não servir.
Disso decorre o pluralismo da sociedade e a dificuldade de se imputar normas que unifiquem toda a sociedade, coletivamente considerada. Depois de feita tal opção, serão cingidos os efeitos do crime de ato obsceno no cotidiano das pessoas, e, ainda, como o conservadorismo exacerbado, pode ser extremamente prejudicial na elaboração e interpretação das normas.
Quanto ao objeto imediato, será focado o processo de configuração do crime do art. 233, quais as diretrizes e parâmetros que são usados, ou quais deveriam ser usados.
Traçar-se-á no decorrer deste trabalho uma breve revisão histórica, sociológica e, até mesmo psicológica dos conceitos inseridos no caput do art. 233 do CP, e não uma redefinição dos conceitos, embora o tom de descritivo possa ser necessário, e ao final tentar enxergar a relevância deste tipo penal hoje.
Desta forma, para os positivistas conservadores, é justo avaliar os costumes. Discute-se, por exemplo, se o beijo, em lugar público, configura ato obsceno. A resposta não pode deixar de ser afirmativa para Hungria, [1] “posto que o beijo seja um daqueles que representam um ato libidinoso ou desafogo de lascívia”. Contudo, apesar de justa tal interpretação, a crítica é cabível, tendo em vista a dinâmica dos costumes que temos hoje. Beijar alguém apaixonadamente, em público, configura ato obsceno para Hungria. Contudo, hoje, trata-se de um comportamento perfeitamente tolerado pela sociedade.
Assim, tenta-se buscar a legitimidade da realidade fática dos conceitos inseridos no caput do art. 233 do CP. Analisando o Código de 1940 e a sociedade plural que temos hoje, vê-se quanta mutação nos conceitos
Apesar da grande importância da sexualidade na Antiguidade, Greco-romana, não vamos trabalhar tais condicionantes por entendermos que foi a sexualidade Europeia Moderna que trouxe as principais diretrizes para os conceitos inseridos no art. 233 do C.P.B.
Segundo Foucault [2], é senso comum que “até o início do século de XVII ainda vigorava certa franqueza”. Essa franqueza vigorava por não haver uma legislação específica que tratasse da obscenidade. Tinha-se com o ilícito uma grande tolerância. Gestos, discursos libidinosos, transgressões visíveis, anatomias mostradas, tudo isso era facilmente perceptível até o início do século XVII.
Com a burguesia vitoriana tudo isso mudou. [3] A sexualidade é totalmente encerrada. Começa a vigorar a hipocrisia suprema. A partir de então se impõe um modelo em que a verdade é não falar e nem pensar as coisas relativas ao sexo, guardando-se tudo em segredo. Enfim, não se deve falar de sexo, às crianças, por exemplo, como não o têm, não podem aprender nada relativo a ele. Devem ficar, portanto, totalmente alienadas.
Segundo Foucault [4], “a repressão funciona como condenação ao desaparecimento, mas também como injunção ao silêncio”. Foi assim que se desenvolveu a lógica hipócrita da sociedade burguesa.
Esse discurso Foucaultiano sobre a sexualidade sem dúvida se sustenta, pois o sexo é fácil de ser reprimido, visto que na época em que se explora sistematicamente a força de trabalho, teriam que se dissipar totalmente os prazeres. Isto constituía sem dúvida uma relação de poder que segundo Foucault [5], poderia se chamar de “benefício de locutor”, ou seja, se o sexo é reprimido o simples fato de falar dele presume-se uma ingerência à repressão.
Exemplo disso está nos pesquisadores do século XIX. Os primeiros autores sejam demógrafos, sejam psiquiatras da sexologia, quando tinham que evocá-la, pediam desculpas aos seus leitores por submetê-los a assuntos tão fúteis e baixos.
Assim, nunca houve tanta opressão nos discursos pertinentes à sexualidade como na época da hipócrita burguesia negocista e mercantil do século XVIII. Seu discurso produzia a verdade preponderante e inquestionável. Tudo foi mudado, até mesmo a lei acompanhou esta lógica.
É isto, em linhas gerais, o que Foucault [6] define como “hipótese repressiva”, é bom frisar que Foucault, deixa claro que não é a sociedade industrial que mais reprimiu o sexo, mas sim a que manteve um discurso de repressão, pois em nenhuma sociedade até hoje reinou o recato pleno.
Hodiernamente, estamos vivendo em uma época ímpar, onde todos têm direito a igualdade e liberação sexual, mesmo que por vezes inacabada. Livramo-nos ou pelo menos progredimos dos conceitos fechados e absolutos impostos pelas religiões.
Conseguimos, enfim, criar condições para a sexualidade caminhar se expandir e propagar sem influências externas. Isto garante um futuro próprio da sexualidade.
A existência humana é sexuada, porque o existente tem o corpo sexuado. A sexualidade faz parte da nossa existência. Mas nossa legislação não acompanhou o progresso desta sexualidade.
Segundo Nelson Hungria
Só a partir de 1791 o ultraje público ao pudor inseriu-se em nossa legislação penal. Tanto no Direito Romano como no Intermédio esse fato não tinha especificidade como fato incriminado. Até por volta do século XVIII, ainda não se tinha nitidamente elaborado uma noção coletiva e abrangente de pudor. Antes disso havia sim crimes relativos ao pudor, mas considerados individualmente e não uma lesão ao interesse público. [7]
Continuando, Hungria afirma “a lei penal de que precedera outra lei de policia de costumes somente incriminara o ultraje ao pudor das mulheres, mediante atos desonestos ou venda de imagens obscenas. O código de Napoleão (1810) generalizou a incriminação e passou a distinguir entre atos obscenos, e as canções, panfletos, figuras ou imagens contrárias aos bons costumes.”
As legislações, inclusive a nossa receberam influência do Direito Francês.
Com a difusão cada vez mais extensa da pornografia desenvolveu-se a preocupação com a repressão tornando-se um problema mundial, dando causa a infinitos congressos e seminários para discussão do tema.
Art. 233. “Praticar ato obsceno em lugar público ou aberto ou exposto ao público.”
Pena: detenção de três meses a um ano, ou multa.
Depois de analisar como a sexualidade foi vista ao longo da história, chega-se a um importante ponto do estudo, qual seja, analisar o obscuro artigo 233 do Código Penal Brasileiro. Esse tipo penal é talvez, hoje, o mais relativo e complexo de todo o Código Penal, por apresentar em seu âmago um alto grau de subjetividade e incerteza, fazendo digladiar tanto a doutrina como a jurisprudência, que não conseguem chegar a um ponto convergente de sua significação. Nélson Hungria [8], um dos elaboradores desse tipo penal, diz que “o objeto da tutela penal é o pudor público, a opinião, o sentimento, os hábitos da média coletividade, acerca da moralidade pública encarada sob o ponto de vista sexual”.
Ato obsceno é um elemento normativo do tipo que apresenta dificuldades para sua conceituação, pois segundo Tadeu Antônio Dix Silva[9] apresenta caráter poroso. Contudo, na doutrina, encontramos a percepção de que o ato só é palpável se encontra consonância com o movimento corpóreo. Segundo Capez [10], “o dolo é a vontade livre e consciente de praticar o ato ciente de que o local é público, aberto ou exposto ao público.”
Segundo Hungria:
O primeiro é absolutamente público ou público por natureza. O segundo compreende não só o relativamente público ou por destino, como o eventualmente público ou por acidente, e mesmo aquele em que todos podem ir de fato ( um campo ou caminho particular transitado por toda a gente, embora sem consentimento do respectivo proprietário). Finalmente, o terceiro é que, embora não se admitindo a acessibilidade física de qualquer pessoa (isto é, não sendo público por natureza por destino ou por acidente), é, no entanto, acessível à vista de quem quer seja.[11]
É importante frisar que essa acessibilidade deve ser de forma livre, isto é, não admitidas quaisquer formas de artifício.
A visibilidade, enquanto elemento inerente à tipicidade do ato obsceno, deixa de existir para efeitos legais, em determinadas circunstâncias, como, por exemplo, um terreno longínquo que, embora seja visível a todos, não oferece a publicidade natural.
Além da publicidade é importante também a conceituação do que seja obsceno. Segundo Luiz Regis Prado, [12] “a palavra obsceno é oriunda do latim ob ou obs (por causa de) e coenum, uma tradução do grego koinón (imundo).” Para sua configuração não basta que o ato seja ofensivo à decência, neste caso são ofendidas regras de convivência social, enquanto no ato é lesado o pudor público, que examinaremos adiante, de conotação sexual. Assim, segundo Bento Faria[13], “verifica-se que no conceito de decência insere-se o de pudor. A diferença, portanto não é quantitativa e sim qualitativa.”
Em sentido semelhante, assevera César Roberto Bittencourt [14], “obsceno é o que ofende o pudor ou a vergonha, ou seja, um sentimento de repulsa e humilhação criado por um comportamento indecoroso. Só pode ser ato obsceno aquele que se refira à sexualidade.”
Assim, para configurar ato obsceno o ato tem que possuir contato direto com a sexualidade, não bastando ferir a decência. Desta forma o ato de micção, a ventosidade intestinal, desde que não impliquem na exibição das partes pudendas, não configuram ato obsceno.
Citaremos a seguir, como vem sendo o posicionamento da doutrina em certos atos que configurariam, em tese, ato obsceno:
Beijo Lascivo: Beijar alguém apaixonadamente em público, configura ato obsceno para Hungria. Contudo, doutrinadores mais atuais como: Guilherme Nucci, [15], não entendem dessa forma. Como anota Luiza Eluf.
O beijo prolongado é sinal de concupiscência, podendo ofender o pudor público. Ocorre que atualmente, trata-se de comportamento tolerado socialmente... Não pode, portanto ser considerado ato obsceno. De toda forma, cada caso deve ser apreciado de acordo com tipo de frequência que recebe.[16]
Bolinação: A troca de carícias ou intimidades entre duas pessoas quando realizadas em público configura ato obsceno para Hungria. Nucci afirma que não configura crime algum, pois tal ato hoje se tornou comum e corriqueiro. Se fosse considerado crime estaríamos diante de um delito dos mais comuns, passíveis de prisão em flagrante em inúmeras danceterias, cinemas e parques, onde os jovens despreocupados cometem tais atos frequentemente.
Desta forma, em quase todos os exemplos, ficou demonstrado que hoje não é o caput do art. 233 do Código Penal brasileiro que deve ser levado em consideração para configuração do crime, mas a medida do ato, o tempo, o local, tudo é condicionante para essa difícil configuração, pois hoje vivemos em uma liberalidade quase plena, dos atos de cunho sexual, devendo o direito penal, como um mecanismo de controle, atuar em situações de extrapolação dos limites e abuso da exploração sexual.
4. A QUESTÃO DA MORALIDADE E OS DIREITOS INDIVIDUAIS
As pessoas têm direito de não sofrer desvantagens nas oportunidades sociais. Em nossa própria Constituição está resguardado tal direito no art. 6º caput, inclusive as liberdades lhe são concedidas pelo próprio Direito Penal de levarem suas vidas particulares da maneira que quiserem. É o que Dworkin denomina “independência moral” [17], ou seja, não devem ser oprimidas pelo simples fato de terem convicções morais diferentes da maioria.
Isto não quer dizer que a moral tem a mesma significação que o direito, embora, tenha sim certa relação. Segundo o professor José Emílio Medauar Ommati, citando o professor Menelick [18], “esta relação é de complementação entre o público e o privado. Assim como o privado não pode ser visto como egoísmo, o público não pode ser considerado exclusivamente como interesse estatal”. É neste sentido que Dworkin vai trabalhar a integridade do direito, ou seja, os direitos fundamentais. Assim, este direito a independência moral, é, realmente, muito abstrato, pois como a moral é íntima e particular, muitas vezes desconsidera o impacto dos direito rivais.
Dworkin vai estabelecer duas opções para o exercício desse direito abstrato: uma considera que as atitudes da minoria devem se tornar convicções morais não podendo ser desconsideradas. A outra opção parece mais plausível. Segundo ela, a postura das minorias, que ele chama de “posturas mistas” constituem um caso especial de administração do direito abstrato, de modo que, formulações mais concretas daquilo a que faz jus essas pessoas, o direito, devem levar em conta a existência dessas posturas [19]. Assim, para Dworkin nenhuma pessoa deve sofrer um sério dano, por meio de restrição jurídica, quando esta só puder ser justificada pelo fato de contrariar as preferências da maioria.
Dworkin, neste sentido fornece uma formulação mais específica “o processo de tornar um Direito abstrato sucessivamente mais concreto não é simplesmente um processo de produção ou interpretação da formulação abstrata, mas um novo passo na teoria política.” [20]
O direito à independência moral é um direito de todos, como bem pondera Dworkin exigindo por parte do Estado uma atitude permissiva para o consumo da pornografia, todavia, permitindo-se, apenas também excepcionalmente, um esquema de restrição, necessário à salvaguarda dos bens jurídicos correlatos, com proteção dos menores e incapazes. Desta forma, o legislador, na elaboração de normas que atritem contra a esfera privada dos destinatários, tem que observar todos os interesses envolvidos.
A moralidade é entendida como um conjunto de valores morais. Como bem sabemos, a moral pública é aquela que nos permite exercermos nossa moral individual, é a integridade Dworkiana, como já explicado. No entanto, o Código Penal no intuito de proteger a moralidade pública, acabou por fixar o moralismo público. Tadeu Antônio Dix Silva, com o costumeiro brilhantismo, aponta as razões que levaram à resolução dessa aparente aporia, apresentando o que ele chama de “estigmas indeléveis do ambiente” [21] em que são concebidas as normas. Uma breve perquirição do espaço histórico-social da gestação do Código Penal de 1940 leva à solução dessa aparente aporia.
O Estado Novo instituído em 10 de novembro de 1937 revela um predomínio absoluto da extrema direita. “O parlamento foi dissolvido, fechados o Congresso, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais” [22]. Não vigorava assim, um ambiente democrático, pois se utilizava o direito penal como um instrumento dos interesses do Estado.
No que diz respeito aos delitos sexuais, nosso Código Penal acompanhou quase que na íntegra os ideais de índole fascista desta época. Dix citando Fragoso [23], afirma que pouco antes da Constituição da República de 1988 já advertia acerca da dificuldade de proteger penalmente a moral pública sexual, numa sociedade pluralista, em que o interesse social em torno da sexualidade passa a se orientar por outros valores. Fragoso já atentava, naquela época, que a ideologia do Código Penal de 1940, com relação aos delitos sexuais, era marcada por uma mentalidade conservadora e aconselhava que os juízes de direito estivessem atentos ao envelhecimento e desatualização das leis.
Avançando um pouco mais nessa escala evolutivo-histórica, encontramos nos anos 60 e 70 drásticas mudanças comportamentais, notadamente no campo da sexualidade, com a chamada revolução sexual. A partir desse marco, as pessoas não mais acataram os tabus, até então impostos. As normas de moralidade que restringiram a sexualidade passaram a ser questionadas pela sociedade.
O surgimento da pílula anticoncepcional, sem dúvida, é uma resposta a essas normas. Obras científicas começavam a se expandir nessa época, como por exemplo, o polêmico Kama Sutra. Não se pode deixar de citar o movimento feminista, que sem dúvida constitui um divisor de águas para concepção que hoje temos da mulher.
Tadeu Antônio Dix Silva [24] aponta a Alemanha através do congresso realizado em 1964, como a grande inauguradora da modificação do modelo extremamente conservador, até então imposto.
O projeto divergia, sustentando que era necessária a substituição da ideia política criminal rigorosa por um novo desígnio, de não caber ao Direito Penal tutelar qualquer moralidade.
O movimento penal sobre a moralidade foi, a partir de então, discutido de uma forma jamais vista e algumas decisões do Tribunal Federal Alemão tiveram grande impacto, como paradigma em todo o mundo. Tadeu Antônio Dix Silva [25] cita a histórica decisão do livro “Memórias de Funny Hill”, acusado de contrário ao pudor, crime então previsto no Código Penal daquele país. O alto Tribunal Alemão numa polêmica decisão veio negar o caráter obsceno da publicação, argumentando: “não é tarefa de a lei penal impor, na esfera da sexualidade um padrão moral aos cidadãos adultos, mas apenas proteger a ordem comunitária de perturbações e danos graves.”.
Assim, parece estar clara a mudança paradigmática do Direito Penal Alemão, apenas a titulo de exemplificação é interessante citar a alteração da rubrica do capítulo referente aos delitos sexuais: antes sob expressão “Crimes e Delitos contra a Moral e depois Crimes contra a Autodeterminação Sexual.”
Infelizmente, nosso legislador até hoje em pleno século XXI, ainda não se apercebeu da necessidade do direito, principalmente o penal, de se distanciar da moralidade no que se refere à orientação sexual. Ainda mais numa sociedade pluralista como a nossa, o direito penal deve ser o último a ser convocado para solucionar conflitos de diversidade e valores morais. Tadeu Antônio Dix Silva, exemplifica que além do Brasil países como “Chile, Equador, Nicarágua, Panamá, Venezuela, Polônia e Holanda ainda mantém os delitos sexuais inseridos em rubrica de caráter moralista”. Dix Silva mostra:
O quanto é necessário avançar no campo dos delitos sexuais, onde os legisladores, doutrinadores e profissionais do direito ainda se acomodam com acepções nitidamente conservadoras, sustentando o seu caráter preconceituoso em relação aos demais temas referentes à sexualidade, preservando uma visão que confere ao campo sexual, uma índole hermética, pecaminosa e proibitiva. .[26]
De outro lado, há alguns atos que excepcionalmente merecem sim tutela, mas não sob argumentos de pudor público ou de moralidade pública, e sim de liberdade individual. Por exemplo, o ato de masturbar-se em frente a alguém, não é o pudor ou a moralidade pública que está sendo ofendida, mas sim a liberdade do outro de não assistir àquela cena.
Neste sentido, Tadeu Antônio Dix Silva, aponta que a dignidade penal, nessas ações, decorre, não do pudor público ou do vago sentimento de moral, mas procede da devida concretude materializada pela liberdade [27].
Assim, o Código Penal brasileiro de 1940, fazia menção a questões políticas, generalizando a tutela de bens coletivos, a moralidade e o pudor público. Hoje, porém, sabemos que as questões da sexualidade não pertencem ao direito, ainda mais ao penal, o mais rigoroso mecanismo de controle e punição do estado.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sexualidade foi analisada a partir do século XVIII, apenas por considerar que foi nos códigos modernos europeus que o legislador brasileiro inspirou-se para elaboração de nossa legislação máxima penal.
Procurou-se, pela interdisciplinaridade, pois no decorrer da pesquisa a sexualidade foi trabalhada pela sociologia, antropologia e principalmente, pela psicologia, cabendo ao direito um papel apenas subsidiário e dependente destas ciências.
Assim, aproveitou-se da natureza imprecisa e ultrapassada dos conceitos inseridos no caput do art. 233 do Código Penal para convidar os leitores para a reflexão da factibilidade e da necessidade desse tipo penal hoje, pelo menos da forma que se encontra, diante da liberalidade e a tolerância no que tange às coisas do sexo, hoje reinante, principalmente nos grandes centros.
Ficou clara a dificuldade probatória de alguns atos, hoje de questionável relevância penal, e a flagrante arbitrariedade que, muitas vezes, ocorre nesta seara, como tipo penal aberto. O crime que trata de ato obsceno vem se perdendo enquanto norma positivada, encontrando guarida no subjetivismo exacerbado do intérprete.
O tipo penal em questão apresenta-se a seus destinatários de maneira excessivamente valorativa e muitas vezes com dificultosa apreensão, pois possui em seu âmago um alto grau de subjetividade, ficando a mercê de tradicionalismos e concepções prévias de seus aplicadores.
Enfim, a única certeza possível é que o art. 233 do Código Penal como espécie de crime, encontra-se totalmente perdido e carente de uma nova roupagem que o recicle diante das exigências da sociedade moderna. Sendo imprescindível à releitura da necessidade desse tipo penal, nos dias em que a tolerância às coisas do sexo aumenta vertiginosamente, e, mais que isso, se torna cada dia mais comum na sociedade.
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ABSTRACT: Our Criminal Code is 1940. Will today we can still interpret the criminal types who deal with sexual offenses against dignity the same way? Although we have a reform of terminology with the law 12.015/09, the repressive systemin Brazil is still completely out of date. Sexuality is still scaled a retrograde approach, the parameters are still moral, religious postures by subordinates. This article highlights the kind that deals with the criminal offense of lewd act.Throughout this work deals with issues related to the issue of obscenity, such assexuality and morality, but never away from the focus, which is to discuss the cause and effect relationship of the thematic pertinence of the criminal offense today. In 1940 the ruling Constitution of 1937 Constitution is marked by the authoritarian naturethat Brazil had in view the interests of political groups eager for a strong government that would benefit the ruling. The main feature of this constitution was the enormous concentration of power in the hands of the chief executive, which in turn fit to appoint the municipal authorities. From this we will analyze what or what consequences this environment generated in the Penal Code, and, more specifically in Article 233 of theCP. Thus, what this article is intended to eventually find a possible feasibility impute criminal law only a subsidiary role. KEYWORDS: Sexuality, Crime, Obscene Act
[1] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal vol. VIII, pg. 312.
[2] FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I, pg. 09.
[3] VITORIANA, relativo à rainha Vitória da Inglaterra ou seu reinado.
[4] Idem, Michel. História da Sexualidade I, pg. 10.
[5] Idem, História da Sexualidade I, pg. 12.
[6] Idem, Michel. História da Sexualidade I:, pg. 15.
[7] HUNGRIA, Nélson. Op cit 1956, pg.303
[8] HUNGRIA, Nélson. Op. Cit., pg. 306.
[9] SILVA, Tadeu Antônio Dix. Op. Cit. , pg. 40.
[10] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte especial, pg. 111.
[11] HUNGRIA, Nélson. Op. Cit., pg. 301.
[12] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro: Parte especial: arts. 184 a 288, pg. 316.
[13] FARIA, Bento de. Código Penal brasileiro Comentado, pg. 117.
[14] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, pg. 115.
[15] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, pg. 912.
[16] ELUF, Luiza Nagib. Crime Contra os Costumes e Assédio Sexual, pg.166.
[17] DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio, pg. 525.
[18]CARVALHO NETO, Menelick de apud OMMATI, José Emílio Medauar. A Igualdade no Paradigma do Estado Democrático de Direito, pg. 72.
[19] DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio, pg. 530.
[20] Idem, Uma Questão de Princípio, pg. 531.
[21] SILVA, Tadeu Antônio Dix. Crimes Sexuais, pg. 43.
[22] SILVA, joaquim apud SILVA, Tadeu Antônio Dix, pg.20
[23] SILVA, Tadeu Antônio Dix. apud Heleno Fragoso.2006, pg.,22
[24] SILVA, Tadeu Antônio Dix. Op. Cit., pg. 57.
[25] SILVA, Tadeu Antônio Dix. Op. Cit, pg. 59.
[26] SILVA, Tadeu Antônio Dix. Op. Cit. pg. 63.
[27] SILVA, Tadeu Antônio Dix. Op. Cit., pg. 348.
Bacharel em Direito pela PUC Minas. Especialista em Ciências Criminais Universidade Cândido Mendes RJ. Mestrando em Direito Processual PUC Minas. Advogado.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALDIR MIGUEL DOS SANTOS JúNIOR, . Sexualidade e configuração do crime de ato obsceno Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jul 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36017/sexualidade-e-configuracao-do-crime-de-ato-obsceno. Acesso em: 23 dez 2024.
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