A Emenda Constitucional nº 72/2013 alterou o parágrafo único do artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ampliando potencialmente o rol de direitos aplicáveis aos empregados domésticos, provocando impacto financeiro e na rotina dos empregadores domésticos. Nesse diapasão, é cogente analisar a abrangência, a caracterização e as divergências acerca do conceito de empregado doméstico, com vistas a averiguar a expansão da alteração social, financeira e econômica alcançada a partir da vigência da Emenda Constitucional nº 72/2013.
O conceito de empregado doméstico atualmente adotado está consubstanciado na Lei nº 5.859 de 1972, a lei especial dos empregados domésticos, e abarca uma gama maior de trabalhadores que o usualmente conhecido como empregado doméstico. Assim dispõe o artigo 1º da Lei 5.859/1972: “Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei.”[1]
Incluem-se como empregados domésticos, não somente a faxineira, lavadeira e arrumadeira, mas também motorista da família, babá, cuidador de idosos e etc. Ilustrando sobre a abrangência da lei, Monteiro de Barros exemplifica:
[...] cozinheira, copeira, babá, lavadeira, mordomo, governanta, e os que [...] prestam serviços nas dependências ou em prolongamento da residência, como jardineiro, o vigia, o motorista, o piloto ou marinheiro particular, os caseiros e zeladores de casas de veraneio ou sítios destinados ao recreio dos proprietários [...].[2]
A jurisprudência pátria (Quinta Turma, Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 5ª Região, Bahia) acompanha esse entendimento:
MOTORISTA. RELAÇÃO DE EMPREGO DOMÉSTICO.
Não há como ser reconhecida como celetista a prestação de labor como motorista particular prestado à família. Neste caso, a relação de emprego é doméstica, a teor do que dispõe o art. 1º da Lei 5.859/72. [3]
Analisando cada caractere, têm-se: prestação de serviços (tipo), natureza contínua (frequência), finalidade não lucrativa (destinação em relação ao empregador), a pessoa ou família (sujeito receptor da prestação, empregador pessoa física ou família), âmbito residencial destas (local).
Exemplificando no âmbito da jurisprudência, acerca dos elementos essenciais à caracterização da relação trabalhista doméstica, tem-se a Terceira Turma do TRT da 9ª Região, Paraná:
VÍNCULO DOMÉSTICO.
São pressupostos para o reconhecimento do vínculo doméstico: trabalho realizado por pessoa física, de caráter contínuo, sem finalidade lucrativa, à pessoa ou família, no âmbito residencial (art. 1º, da Lei n. 5.859/1972). Presentes este requisitos deve-se reconhecer o vínculo doméstico. Recurso da reclamante que se dá provimento.[4]
Frise-se que o tipo de serviço prestado (se manual ou intelectual, por exemplo) é irrelevante à caracterização do emprego como doméstico.
Com este mesmo ideal, explana Delgado[5]:
No tocante, ainda à natureza do serviço prestado, há que se ressaltar que a legislação não discrimina, especifica ou restringe o tipo de serviço a caracterizar o trabalho doméstico. A única limitação existente é de exclusivo caráter cultural, que tende a circunscrever tais serviços ao trabalho manual. Essa fronteira culturalmente estabelecida não tem, contudo, qualquer suporte ou relevância no âmbito da normatividade jurídica existente.
O tipo de serviço prestado (manual ou intelectual; especializado o u não especializado) não é, desse modo, elemento fático-jurídico da relação empregatícia doméstica.
A doutrina e a jurisprudência divergem acerca da conceituação dada pela Lei nº 5.859/1972, especificamente quanto à nomenclatura “continuidade”, diferente da utilizada pela CLT: “não eventual”. É possível apreender a existência de duas interpretações: a primeira corrente expõe que é dispensável a diferenciação, demonstrando ambas as nomenclaturas a necessidade de “repetição do trabalho durante todo o contrato” [6]; a segunda, entende que “continuidade” relaciona-se com “trabalho ininterrupto”.
Igualmente explanando acerca das duas vertentes, Delgado traduz que a primeira entende que a diferenciação feita pela Lei nº 5.859/72 (natureza contínua) em relação à CLT (natureza não eventual) é irrelevante; e que a segunda vertente interpreta como intencional e significativa a mudança de terminologia entre a lei especial e a CLT.[7]
A primeira vertente, entendendo como idênticos os termos contínua e não eventual, vê como relevante o conceito adotado pela legislação, ou seja, o ânimo de mantença do nexo entre prestação de serviço executada pelo empregado e o empregador, independentemente da terminologia utilizada para definir esse ânimo.
A segunda vertente, analisando os termos por meio da interpretação lógico-sistemática e teleológica, entende como um tratamento diferenciado intencional da lei especial ao empregado doméstico, não possuindo o mesmo conceito as terminologias não eventual e contínua.
Faz-se necessário aprofundar a análise quanto ao fator determinante que altera o entendimento entre a prestação de serviço contínua e a prestação de serviço não eventual.
Entendendo como idênticos os termos, Paes de Almeida elucida:
A expressão serviços contínuos pode induzir a enganos, fazendo crer que os serviços devam ser contínuos, diários, o que, por certo, não é a melhor interpretação. Por serviços contínuos se há de entender os serviços permanentes, constantes, ainda que não diários – é o caso das arrumadeiras que prestam seus serviços em determinados dias de semana. Só prolongada intermitência (trabalho executado periodicamente sem continuidade) afasta a relação de emprego.[8]
Explicitando o entendimento da segunda vertente, Delgado dispõe:
[...] a Lei Especial dos Domésticos (5.859/72) fez claramente uma opção doutrinária, firmando o conceito de trabalhador eventual doméstico em conformidade com a teoria da descontinuidade. [...] Ou seja: o elemento da não-eventualidade na relação de emprego doméstica deve ser compreendido como efetiva continuidade, por força da ordem jurídica especial regente da categoria.[9]
Monteiro de Barros corroborando com esse entendimento, e argumenta aplicando a interpretação lógico-sistemática e teleológica:
De acordo com o Novo Dicionário Aurélio, o vocábulo ‘contínuo’ significa ‘em que não há interrupção, seguido, sucessivo’.
É necessário, portanto, que o trabalho executado seja seguido, não sofra interrupção. Portanto, um dos pressupostos do conceito de empregado doméstico é a continuidade, inconfundível com a não eventualidade exigida com elemento da relação jurídica advinda do contrato de emprego firmado entre empregado e empregador, regido pela CLT. Ora, a continuidade pressupõe ausência de interrupção, enquanto a não eventualidade diz respeito ao serviço que se vincula aos fins normais da atividade da empresa. [...] Logo, se a não eventualidade é uma característica que não depende do tempo, o mesmo não se pode dizer da continuidade, já que a interrupção tem natureza temporal.[10]
A jurisprudência ainda diverge quanto à extensão do conceito “contínua” e a aplicação deste para a caracterização de vínculo empregatício doméstico. De maneira a melhor ilustrar a divergência, a Quarta Turma do TRT da 9ª Região, Paraná, expôs seu entendimento da seguinte forma:
TRT-PR-26-04-2011 EMPREGADA DIARISTA - HABITUALIDADE E CONTINUIDADE - VÍNCULO DE EMPREGO QUE NÃO SE RECONHECE
- O conceito de habitualidade, previsto no artigo 3º da CLT, não se aplica ao empregado doméstico, cuja profissão é regulamentada por lei específica, que prevê a continuidade da prestação de serviços, sendo insuficiente a mera habitualidade. Observe-se que continuidade e habitualidade não se confundem. Aquela está intimamente ligada à prestação de labor dia após dia, enquanto esta última vincula-se à necessidade habitual do empregador, que pode não ser diária. A questão é bem esclarecida pelo decreto nº 71.885-73, que reconheceu o direito às férias, no seu artigo 6º, após cada período contínuo de 12 meses. A eventualidade do trabalho da diarista se caracteriza tanto pela ausência de continuidade como no fato de que a freqüência pode ser alterada no curso da relação.[11]
Contrariamente, a Primeira Turma do TRT da 16ª Região, Maranhão, decidiu da seguinte maneira:
TRABALHO DOMÉSTICO. DIVERGENCIA ACERCA DA EXISTENCIA OU NÃO DO VINCULO EMPREGATICIO. CONTINUIDADE. ZONA GRISE.
Os parâmetros jurisprudenciais, concernentes à continuidade, para distinguir situações nas quais o trabalho doméstico e prestado com ou sem vinculo, leva em conta, em principio, o numero de dias trabalhados por semana. Assim, a priori, se ha trabalho em ate dois dias não ha vínculo, ao passo que o trabalho em três dias por semana já caracteriza a continuidade, de modo que, presentes os demais elementos, ha vinculo de emprego doméstico. No entanto, além deste critério ser meramente indicativo, e não determinante, há que se considerar a existência de situações limítrofes, nas quais o trabalho e prestado em dois a três dias por semana, sendo necessário, nestes casos, aferir as demais circunstancias dos autos. No caso, o labor prestado em dias fixos por mais de um ano denota a expectativa de retorno da obreira e, portanto, a continuidade. Recurso ordinário conhecido e provido em parte.[12]
A Subseção de Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do Trabalho (TST) declarou, em 2011, existência de vínculo doméstico de empregado que prestava serviços em três dias da semana:
FAXINEIRA. VÍNCULO DE EMPREGO. DOMÉSTICA. CONTINUIDADE.
O doméstico que prestou serviços por 12 (doze) anos para a mesma família, três vezes por semana, e mediante pagamento mensal, ainda que em serviços de faxina, atende o pressuposto da continuidade, suficiente para se reconhecer a existência de vínculo de emprego.
Recurso de Embargos de que se conhece e a que se nega provimento.[13]
Julgando pela inexistência de vínculo empregatício doméstico a prestação de serviços em três dias da semana, a Quarta Turma do TST decidiu em 10/04/2013:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPREGADA DOMÉSTICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TRÊS VEZES POR SEMANA. Demonstrada a divergência jurisprudencial, há de ser dado provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPREGADA DOMÉSTICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TRÊS VEZES POR SEMANA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Empregado doméstico é a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, em função do âmbito residencial destas. Evidenciando-se o labor por somente três vezes por semana, configura-se o caráter descontínuo da prestação de trabalho, fora, portanto, do pressuposto específico da Lei n.º 5859/72. Recurso de Revista conhecido e provido.[14]
A Quarta Turma do TST[15] julgou, em 08/05/2013, que a escala de 12x36, ou três dias por semana, não é suficiente para descaracterizar o vínculo empregatício doméstico:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO. NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A questão tida por omissa segundo o Reclamado foi objeto de manifestação pelo Tribunal Regional. Recurso de revista de que não se conhece. EMPREGADO DOMÉSTICO. VÍNCULO DE EMPREGO. O Tribunal Regional consignou que o comparecimento da Reclamante ao trabalho na casa do Reclamado não era diária, porque a Autora prestava serviços de acordo com a escala 12x36 (12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso). Todavia, por entender que o trabalho era contínuo e não eventual, a Corte de origem decidiu manter a declaração de vínculo empregatício entre as partes. No recurso de revista, o Reclamado nega a existência de vínculo empregatício entre as partes, porque a Reclamante laborava em apenas 3 dias da semana (escalas de 12x36), o que, no seu entender, não configura labor contínuo. Não há ofensa direta à literalidade do art. 1º da Lei nº 5.859/1972, porque esse dispositivo não define a quantidade de dias necessária para a configuração da relação empregatícia doméstica. Ademais, a escala 12x36 representa forma de compensação de jornada que atende à conveniência do serviço e que não afasta, por si só, o caráter contínuo do trabalho. Recurso de revista de que não se conhece.
Faz-se demonstrada a heterogeneidade do entendimento jurisprudencial pátrio acerca do quesito continuidade quando da caracterização de vínculo empregatício doméstico.
Também requisito imprescindível à caracterização de emprego doméstico é a finalidade não lucrativa. Pacífico é o entendimento na doutrina de que a finalidade refere-se à atividade do empregador, não quanto ao emprego doméstico remunerado[16]. A finalidade não lucrativa prevista legalmente refere-se ao objetivo do exercício do trabalho, não podendo o resultado da prestação de serviço ser “comercial ou industrial” [17].
Barros ressalta que o conceito presente ao art. 1º da Lei 5.859/72 corrigiu erro da CLT quanto ao caráter “não econômico” do serviço prestado, passando a possuir caráter “não lucrativo”. A doutrina elucida a diferenciação, ao determinar que os serviços domésticos prestados satisfazem uma necessidade, “embora não tenham propósito de lucro”.[18] Igualmente, entende a jurisprudência:
CONTRATO DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE TRABALHO DOMÉSTICO.
Hipótese em que a prova é clara no sentido de que as tarefas desempenhadas pelo trabalhador estavam voltadas ao desenvolvimento da atividade lucrativa realizada pelos demandados, não se enquadrando como trabalhador doméstico. [...].[19]
Apreendendo a essencialidade da finalidade não lucrativa da atividade do empregador à incidência da Lei especial nº 5.859/72, a jurisprudência tem decidido pela descaracterização do emprego como doméstico, presente a finalidade lucrativa. Assim, empregado que cumula suas atividades domésticas com as de atendente em atividade empresarial do empregador, deve ser tido como empregado regido pela CLT. Nesse sentido, a Primeira Turma do TRT da 16ª Região, Maranhão:
EMPREGADA DOMÉSTICA/ATENDENTE - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM FINALIDADE LUCRATIVA - DESCARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE DOMÉSTICA.
Exercendo a parte as funções de doméstica e atendente, laborando para o mesmo empregador, deve ser reconhecida a relação de emprego regida pela CLT, uma vez que descaracteriza o vínculo doméstico a função exercida com fins lucrativos ao empregador. São devidas as verbas trabalhistas decorrentes da função de atendente, ante a não comprovação do pagamento das mesmas. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Preenchidos os requisitos das súmulas 219 e 329 do TST, é cabível a condenação na verba honorária. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário/procedimento sumaríssimo, oriundos da 1º Vara do Trabalho de São Luís/MA, em que figuram como recorrente ANTÔNIA NALCISA VIEIRA CHAVES e recorrido LUIZ HENRIQUE PIEDADE, acordam os desembargadores da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, nos termos deste voto.[20]
De igual maneira, se empregado presta serviços em imóvel do empregador destinado à locação, o vínculo empregatício também deixa de caracterizar-se como doméstico. Assim decidiu a Terceira Turma do TRT da 5ª Região, Bahia:
BEM IMÓVEL DESTINADO A ALUGUEL. FINALIDADE LUCRATIVA. EMPREGO DOMÉSTICO DESCARACTERIZADO.
Se o empreendimento imobiliário é composto de flats destinado a aluguéis, o caseiro que dele faz a manutenção participa diretamente da atividade empresarial e não deve ser enquadrado como empregado doméstico.[21]
Fundamental à caracterização do empregado como doméstico é a intensidade da característica da pessoalidade. Por ser a prestação de serviços personalíssima e o local privativo e familiar, vê-se o empregado doméstico próximo ao insubstituível. Nas palavras de Delgado:
Na relação empregatícia doméstica, a pessoalidade ganha destaca intensidade, colocando a função doméstica no rol das que tem elevada fidúcia com respeito à figura do trabalhador. Não se trata, é claro, de uma fidúcia que envolva poderes de gestão ou representação, obviamente. Porém, trata-se de fidúcia mais acentuada do que o padrão empregatício normal, principalmente em função da natureza dos serviços prestados – estritamente pessoais – e do local específico de sua prestação, o âmbito familiar doméstico.[22]
De igual maneira, Martins ilustra a pessoalidade como requisito imperativo, ao exemplificar:
O contrato de trabalho do empregado doméstico também é intuitu personae, ou seja, tem como requisito a pessoalidade na prestação de serviços. Se a doméstica faz-se substituir constantemente por filha ou outra pessoa, deixa de existir a relação de emprego, pois a pessoalidade é traço necessário da relação de emprego, inclusive para o empregado doméstico.[23]
Em relação ao âmbito de prestação de serviços, este deve ser entendido como serviço prestado “em função do âmbito residencial da pessoa ou família”[24], ou “para o âmbito residencial, para o consumo da pessoa física, não para terceiros”.[25]
É possível a multiplicidade de empregadores domésticos, vez que a lei inclui as pessoas da família do empregador principal também como empregadores, sendo possível ainda a multiplicidade de âmbitos residenciais. O Decreto nº 71.885 de 1973, que regulamenta a Lei nº 5.859/72, determina em seu artigo 3º, inciso II, ser empregador doméstico “a pessoa ou família que admita a seu serviço empregado doméstico.”[26]
A jurisprudência tem entendido que são coobrigados como empregadores domésticos todos os membros da família beneficiários do serviço doméstico prestado. Nesse sentido, a Primeira Turma do TRT da 9ª Região, Paraná:
EMPREGADO DOMÉSTICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À FAMÍLIA. VÍNCULO DE EMPREGO COM TODOS OS MEMBROS.
Nos termos do art. 1º da Lei nº 5.859/72, considera-se empregado doméstico aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. Se resta demonstrado nos autos que a prestação de serviços reverteu em benefício de toda a entidade familiar, na medida em que a Reclamante limpava a casa e cozinhava para todos os membros da família, pouco importa se os recibos de pagamento foram emitidos por uma única pessoa. O vínculo pode ser reconhecido com todos os membros da família que se beneficiaram do serviço prestado. Recurso das Reclamadas a que se nega provimento.[27]
De igual maneira, a Primeira Turma do TRT da 7ª Região, Ceará:
EMPREGADOR DOMÉSTICO. MEMBRO DA FAMÍLIA.
Nos termos do art. 3º, II, do Decreto n. 71.885/73, o empregador doméstico não é necessariamente o membro da família que contratou diretamente a obreira, mas todo o seio familiar que se beneficiou da força de trabalho da reclamante. No presente caso, restou claro que a reclamada se beneficiou dos serviços domésticos prestados pela reclamante, portanto, é considerada empregadora doméstica.[28].
Esclarecendo acerca da multiplicidade de âmbitos residenciais, Martins assim explana:
O contrato de trabalho comum, assim como o do doméstico, não tem por requisito a exclusividade. O empregado pode prestar serviços a outras pessoas. Analisando sistematicamente os arts. 138 e 414 da CLT, chegaremos a mesma conclusão.
Assim, não há óbice legal para que o doméstico tenha mais de um emprego, ou trabalhe em mais de uma residência, desde que exista compatibilidade de horários de trabalho.[29]
Concluindo, vê-se que a expansão do patrimônio jurídico do empregado doméstico e seu impacto para o empregador tornaram mister o estudo acerca do conceito de empregado doméstico, sua caracterização, abrangência de aplicação do conceito e divergências.
Potencialmente maior que o costumeiramente conhecido como empregado doméstico, o conceito abarca não somente aquele que presta serviços de limpeza no âmbito domiciliar de seus empregadores, mas também é empregado doméstico o cuidador de idosos, a babá, o motorista, a governanta, o caseiro e etc.
Buscando aprofundar o entendimento acerca do necessário à caracterização de vínculo empregatício doméstico e o que provocaria a descaracterização, analisou-se os requisitos e percebeu-se a ocorrência de divergências doutrinárias e jurisprudenciais, inclusive em sede de Tribunal Superior do Trabalho, sendo a divergência de tal maneira a inibir a pacificação de entendimento.
No ínterim em que permanece a divergência, resta aplicar os Princípios da Razoabilidade e ponderar os direitos do empregado e do empregador domésticos nos casos concretos, visando o alcance da solução mais equânime.
Referências
1 BRASIL. Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm>. Acesso em: 25 maio 2013.
2 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 268 e 269.
3 BAHIA. Tribunal Regional do Trabalho (5ª Região). Recurso Ordinário nº 12270720105050003 BA 0001227-07.2010.5.05.0003. Recorrente: Lauro Santana Moura. Recorrido: Florentino de Souza Lima. Relator: Desembargador Jeferson Muricy. Salvador, 13 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21219920/recurso-ordinario-record-12270720105050003-ba-0001227-0720105050003-trt-5/inteiro-teor >. Acesso em: 25 maio 2013.
4 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho (9ª Região). Recurso Ordinário: 2899200923906 PR 2899-2009-23-9-0-6. Recorrente: Irani Paumart Lopes. Recorrido: Northon Paulo Paganella. Relator: Cássio Colombo Filho. Curitiba, 4 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18898473/2899200923906-pr-2899-2009-23-9-0-6-trt-9>. Acesso em: 25 maio 2013.
5 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 371. Cf. CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 4. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2010. p. 343.
6 CASSAR, op. cit., p. 343.
7 DELGADO, op. cit., p. 368.
8 ALMEIDA, Amador Paes. CLT comentada: legislação, doutrina, jurisprudência. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 23.
9 DELGADO, op. cit., p. 369 e 370, grifo do autor.
10 BARROS, op. cit., p. 274.
11 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho (9ª Região). Recurso Ordinário nº: 21262010322901 PR 2126-2010-322-9-0-1. Recorrente: Edilza de Freitas Castro Policarpo. Recorrido: Therezinha Mirian Mussi de Oliveira. Relator: Márcia Domingues. Curitiba, 26 de abril de 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18879500/21262010322901-pr-2126-2010-322-9-0-1-trt-9>. Acesso em: 25 maio 2013. Grifo nosso.
12 MARANHÃO. Tribunal Regional do Trabalho (16ª Região). Recurso Ordinário nº 264200901616008 MA 00264-2009-016-16-00-8. Recorrente: Elizabeth Tayron Souza de Jesus. Recorrido: Elisangela dos Santos Gonzaga. Relator: Jose Evandro de Souza. São Luís, 10 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17419151/264200901616008-ma-00264-2009-016-16-00-8-trt-16>. Acesso em: 25 maio 2013.
13 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Embargos Declaratórios em Recurso de Revista nº 250040-44.2004.5.02.0078. Relator: Ministro João Batista Brito Pereira. Brasília, DF, 8 de setembro de 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20424366/embargos-declaratorios-recurso-de-revista-e-ed-rr-2500404420045020078-250040-4420045020078-tst>. Acesso em: 25 maio 2013.
14 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 137800-73.2007.5.05.0030. Recorrente: Helena Almeida de Faria Rocha. Recorrida: Edméia Mangabeira de Sena. Brasília, DF, 10 de abril de 2013. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%20137800-73.2007.5.05.0030&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAKJxAAK&dataPublicacao=24/05/2013&query=Evidenciando- se%20and%20o%20and%20labor%20and%20por%20and%20somente%20and
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da%20and%20presta%E7%E3o%20and%20de%20and%20trabalho >. Acesso em: 10 jun. 2013. Grifo nosso.
15 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 9900-88.2008.5.01.0061. Relator: Ministro: Fernando Eizo Ono. Brasília, DF, 8 de maio de 2013. Disponível em: <http://tst.jusbrasil.com/jurisprudencia/23279453/recurso-de-revista-rr-99008820085010061-9900-8820085010061-tst >. Acesso em: 10 maio 2013. Grifo nosso.
16 BARROS, op. cit.; DELGADO, op. cit.
17 DELGADO, op. cit.
18 BARROS, op. cit., p. 268.
19 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho (4ª Região). Recurso Ordinário nº: 1020005520095040025 RS 0102000-55.2009.5.04.0025. Relator: Fernando Luiz de Moura Cassal. Porto Alegre, 1º de dezembro de 2011. Disponível em: <http://trt-4.jusbrasil.com/jurisprudencia/20855613/recurso-ordinario-trabalhista-ro-1020005520095040025-rs-0102000-5520095040025-trt-4>. Acesso em: 25 maio 2013.
20 MARANHÃO. Tribunal Regional do Trabalho (16ª Região). Recurso Ordinário nº:435200900116000 MA 00435-2009-001-16-00-0. Recorrente: Antônia Nalcisa Vieira Chaves. Recorrido: Luiz Henrique Piedade. Relator: José Evandro de Souza. São Luís, 14 de julho de 2010. Disponível em: <http://trt-16.jusbrasil.com/jurisprudencia/15321127/435200900116000-ma-00435-2009-001-16-00-0 >. Acesso em: 25 maio 2013. Grifo nosso.
21 BAHIA. Tribunal Regional do Trabalho (5ª Região). Recurso Ordinário nº RO 167008620085050493 BA 0016700-86.2008.5.05.0493. Recorrente: Ailton Santana do Nascimento. Recorrido: Daniel Frederico L. B. Reis. Relator: Marizete Menezes. Salvador, 8 de setembro de 2008. Disponível em: <http://trt-5.jusbrasil.com/jurisprudencia/7825808/recurso-ordinario-ro-167008620085050493-ba-0016700-8620085050493 >. Acesso em: 25 maio 2013.
22 DELGADO, op. cit., p. 367, grifo nosso.
23 MARTINS, Sérgio Pinto. Curso de direito do trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 11.
24 DELGADO, op. cit., p. 370.
25 CASSAR, op. cit., p. 354.
26 BRASIL. Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973. Aprova o Regulamento da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico, e dá outras providências. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/23/1973/71885.htm>. Acesso em: 25 maio 2013.
27 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho (9ª Região). Recurso Ordinário nº: 51956200616900 PR 51956-2006-16-9-0-0. Relator: Ubirajara Carlos Mendes. Curitiba, 26 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://trt-9.jusbrasil.com/jurisprudencia/18982232/51956200616900-pr-51956-2006-16-9-0-0-trt-9>. Acesso em: 25 maio 2013.
28 CEARÁ. Tribunal Regional do Trabalho (7ª Região). Recurso Ordinário Nº 5003420105070022 CE 0000500-3420105070022. Parte: Carmem Maria Barbosa Bezerra de Menezes e Maria Zenilda Barbosa Gomes. Relator: Maria José Girão. Fortaleza, 16 de novembro de 2011. Disponível em: <http://trt-7.jusbrasil.com/jurisprudencia/20813432/recurso-ordinario-ro-5003420105070022-ce-0000500-3420105070022-trt-7>. Acesso em: 10 jun. 2013.
29 MARTINS, op. cit., p. 141 e 142.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Clara Maria Carneiro. O conceito de empregado doméstico: abrangência, caracterização e divergências Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 ago 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36331/o-conceito-de-empregado-domestico-abrangencia-caracterizacao-e-divergencias. Acesso em: 23 dez 2024.
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