1. Introdução.
Questão que há algum tempo é objeto de crítica de parcela da doutrina e das partes litigantes é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça consagrado na súmula nº 418.
O tema foi objeto de recente decisão do Supremo Tribunal Federal, sendo que o confronto entre os dois entendimentos será melhor abordado a seguir, cumprindo ressaltar, desde já, a necessidade de revisão da aludida súmula à luz do ordenamento jurídico pátrio.
2. DESENVOLVIMENTO.
A súmula nº 418, do STJ, preceitua que: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.
Desde sua edição, essa súmula recebe severas críticas de parcela da doutrina e das partes litigantes.
Na praxe forense, é comum verificar casos em que, proferida decisão judicial, uma das partes interpõe o recurso de embargos de declaração e a outra oponha outro recurso. Às vezes, quem interpõe este o faz anteriormente a quem opõe aqueles.
Segundo a dicção do art. 538, do CPC, “os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes”.
Sendo assim, proferida a decisão em sede de embargos de declaração, à parte será conferido novo prazo para interposição do recurso cabível. A ressalva merece ser feita no que tange ao procedimento dos Juizados Especiais, no qual a interposição dos embargos de declaração em face de sentença suspende – e não, interrompe – o prazo para interposição de outro recurso, a teor do art. 50, da lei nº 9.099/95[1].
Assim, opostos os embargos declaratórios por uma das partes, o prazo para interposição de outro recurso, por quaisquer delas, estará interrompido. Mas como proceder-se quando uma das partes, antes mesmo da interposição dos embargos declaratórios pela outra, já houver interposto outro recurso?
Após o julgamento dos embargos de declaração, a parte que o interpôs poderá, por certo, apresentar a espécie recursal cabível. Contudo, a parte que já havia interposto outro recurso antes mesmo da interposição dos embargos pela outra parte não terá novo prazo para interposição de recurso, em razão da ocorrência da preclusão consumativa.
Como exemplo, pode-se citar a hipótese na qual, em face de acórdão proferido por um Tribunal de Justiça, uma das partes, no início do prazo, interpõe recurso especial, enquanto a outra, no quinquídio legal, mas após a interposição do recurso especial pela outra parte, opõe embargos de declaração. Quando do julgamento destes, não poderá, aquele que interpôs o recurso especial, apresentar novo recurso desta espécie, pois operada a preclusão consumativa. Mas cabe uma importante ressalva: na hipótese de o julgamento dos embargos de declaração modificar a decisão recorrida, a parte que interpôs anteriormente o recurso especial poderá aditar seu recurso especificamente no que tange aos pontos objeto de modificação em sede de embargos.
Caso a parte que interpôs, por exemplo, o recurso especial, não queira aditar seu recurso ou não haja modificação proferida no julgamento dos embargos, seria natural imaginar que aquele recurso especial deveria ter regular processamento, até porque não houve qualquer manifestação daquela parte recorrente no sentido de desistir do seu recurso anteriormente interposto.
Contudo, não é este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme a súmula nº 418, acima transcrita. Convém transcrever a ementa de um dos julgados que serviu para pacificar o entendimento naquela Corte, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RATIFICAÇÃO NECESSÁRIA. RESP 776.265/SC.
APLICAÇÃO RETROATIVA DA ATUAL ORIENTAÇÃO DA CORTE ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. EXAME DE OFÍCIO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PRECLUSÃO INOCORRENTE.
1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 776.265/SC, adotou o entendimento de que o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração opostos junto ao Tribunal de origem deve ser ratificado no momento oportuno, sob pena de ser considerado extemporâneo.
2. "A circunstância de a interposição do recurso especial haver ocorrido em momento anterior à publicação do julgamento acima citado não dá ensejo a qualquer alteração, porquanto é inerente o conteúdo declaratório do julgado já que o posicionamento ali apresentado apenas explicita a interpretação de uma norma há muito vigente, não o estabelecimento de uma nova regra, fenômeno que apenas advém da edição de uma lei" (EREsp nº 963.374/SC, sob minha relatoria, Primeira Seção, DJ de 01.09.2008).
3. A ausência de manifestação do recorrido acerca da intempestividade do recurso especial em suas contra-razões não conduz à ocorrência de preclusão, haja vista que o referido pressuposto recursal deve ser apreciado ex officio, quer seja no juízo de admissibilidade a quo, quer seja no ad quem. Precedente da
Corte Especial.
4. Agravo regimental não provido. (STJ. 1ª Seção. AgRg nos EREsp 877640/SP. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Publicado no DJ de 18/06/09).
Nesse aspecto, o STJ recebeu severas críticas de grande parcela da doutrina, dentre eles, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha[2], na medida em que aquele entendimento viola a garantia constitucional do amplo acesso à justiça e ofende o princípio da razoabilidade.
Ora, se a parte já manifestou validamente sua discordância com a decisão judicial e já interpôs o recurso cabível, não se vislumbram quaisquer razões jurídicas para se exigir a ratificação do recurso dantes interposto. Nem mesmo um profundo esforço hermenêutico levaria a raciocínio em sentido diverso.
A exigência de tamanho formalismo – que, diga-se, não encontra amparo legal (!) – representaria atribuir à parte recorrente uma providência despropositada, que em nada contribui para a efetiva prestação da tutela jurisdicional.
O Superior Tribunal de Justiça buscou fundamento para solidificar seu entendimento em julgados do Supremo Tribunal Federal a respeito dos recursos prematuros, conforme razões esposadas no REsp 776.265/SC, Corte Especial, Rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, publicado no DJ de 06/08/07.
Convém mencionar que também essa posição jurisprudencial a respeito dos recursos prematuros deve ser criticada, mas, diante dos estritos limites do presente estudo, não será abordada de forma detida nesta oportunidade.
Quanto à necessidade imposta pelo STJ de ratificação do recurso anteriormente interposto nos moldes da súmula nº 418, o Supremo Tribunal Federal veio, em boa hora, consignar entendimento em sentido diverso, o que trouxe alento às partes recorrentes em geral.
Até bem pouco tempo, o próprio STF possuía jurisprudência em sentido semelhante ao adotado pelo STJ.
Nesse sentido, confira-se a ementa a seguir transcrita:
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO EXTEMPORÂNEO. AUSÊNCIA DE POSTERIOR RATIFICAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (STF. 2ª Turma. ARE 706864 ED/RJ. Rel. Min. Cármen Lúcia. Publicado no DJ de 07/11/2012).
Contudo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal consignou entendimento no sentido de que, no caso, o recurso extraordinário não precisaria ser ratificado posteriormente ao julgamento dos embargos de declaração da parte contrária, conforme notícia veiculada no Informativo nº 710, que se vê a seguir:
Tempestividade: RE interposto antes de ED
A 1ª Turma, por maioria, proveu agravo regimental interposto de decisão que não conheceu de recurso extraordinário por intempestividade. No caso, a decisão agravada afirmara que a jurisprudência desta Corte seria pacífica no sentido de ser extemporâneo o recurso extraordinário interposto antes do julgamento proferido nos embargos de declaração, mesmo que os embargos tivessem sido opostos pela parte contrária. Reputou-se que a parte poderia, no primeiro dia do prazo para a interposição do extraordinário, protocolizar este recurso, independentemente da interposição dos embargos declaratórios pela parte contrária. Afirmou-se ser desnecessária a ratificação do apelo extremo. Concluiu-se pela tempestividade do extraordinário. Vencido o Min. Dias Toffoli, relator, que mantinha a decisão agravada. RE 680371 AgR/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio. (RE-680371 – grifou-se).
Trata-se de importante decisão em prol do amplo acesso à justiça e da razoabilidade. Conforme abordado acima, não se vislumbram razões jurídicas para entendimento em sentido contrário ao recentemente esposado pela Suprema Corte, representando verdadeiro reconhecimento da manutenção da vontade da parte sucumbente de ver seu recurso ser apreciado pelas instâncias superiores.
Conquanto ainda não se trate de jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, já demonstra a intenção de parte dos Ministros daquela Corte de rever aquele anterior posicionamento, o que se espera que aconteça também no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
Isto já representa um alento às partes litigantes para que este e tantos outros formalismos exacerbados e despropositados que não encontram guarida na legislação possam ser superados na jurisprudência pátria, de modo a prevalecer o efetivo acesso à justiça.
Resta agora aguardar se a recente decisão do Supremo Tribunal Federal servirá para a reabertura da discussão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a respeito da súmula nº 418, com a consequente revisão deste verbete objeto de tanta crítica pela doutrina em geral.
3. CONCLUSÃO.
Dessarte, como corolário do amplo e efetivo acesso à justiça, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a desnecessidade de ratificação do recurso extraordinário interposto anteriormente ao julgamento dos embargos de declaração interpostos pela parte contrária, merecendo ser revisto o entendimento do Superior Tribunal de Justiça consagrado na súmula nº 418 no que tange à necessidade de ratificação do recurso especial, por ofender o princípio da razoabilidade e desvirtuar as próprias lições da Teoria Geral do Processo.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- DIDIER JR. Fredie. CUNHA. Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador: Editora Juspodivm, 2013.
- MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 29ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
- NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 10ª edição. São Paulo: RT, 2008.
- NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Editora Método, 2011.
[1] “Art. 50. Quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para recurso.”
[2] DIDIER JR. Fredie. CUNHA. Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador: Editora Juspodivm, 2013.
Procurador Federal .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Cristiano Alves. O descompasso da súmula nº 418, do Superior Tribunal de Justiça, com o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal e a necessidade de revisão daquele verbete sumular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 ago 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36381/o-descompasso-da-sumula-no-418-do-superior-tribunal-de-justica-com-o-recente-entendimento-do-supremo-tribunal-federal-e-a-necessidade-de-revisao-daquele-verbete-sumular. Acesso em: 23 dez 2024.
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