A Convenção nº 189/2011 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata do trabalho decente ao trabalhador doméstico, trazendo normas coincidentes ao ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, algumas das normas presentes no sistema jurídico brasileiro que coincidem com as normas adotadas na convenção citada tem sua abrangência limitada aos empregados urbanos, não se estendendo aos empregados domésticos.
Discutir-se-á acerca da impossibilidade de ratificação da Convenção nº 189/2011 pelo Brasil por meio da Emenda Constitucional nº 72/2013, e analisar-se-ão os preceitos constantes na Convenção nº 189/2011 que foram abordados pela Emenda Constitucional nº 72/2013 e os que ainda restam por serem incluídos no patrimônio jurídico dos empregados domésticos.
A Organização Internacional do Trabalho foi fundada em cumprimento à Parte XIII do Tratado de Versalhes no ano de 1919, assinado como representação do fim da Primeira Guerra Mundial.
O Brasil é um dos fundadores da OIT, fazendo-se presente desde a primeira reunião[1]. Existem cento e oitenta e nove Convenções da OIT, havendo o Brasil ratificado noventa e seis, das quais oitenta e duas estão em vigor[2].
A Centésima Conferência da OIT, ocorrida no período de 1º a 17 de junho, resultou na adoção, no dia 16 de junho de 2011, da Convenção nº189 [3] que trata sobre o trabalho decente para trabalhadores domésticos.
Segundo o sítio da OIT – Escritório no Brasil, as Convenções são “tratados internacionais juridicamente vinculantes que normalmente estabelecem os princípios básicos que os países devem aplicar ao ratificá-las.”[4]
As convenções da OIT, enquanto normas internacionais, devem ser aprovadas pelo Congresso Nacional (artigo 49, I da CF) e, posteriormente, ratificadas pelo Presidente da República através do decreto presidencial (Art. 84, IV da CF/88).
Debate-se, atualmente, a ratificação da Convenção da Organização Internacional do Trabalho nº 189 sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos de 16 de junho de 2011. A convenção contém vinte e sete artigos dentre direitos em sentido material e a sua instrumentalização e fiscalização, sendo alguns dos direitos tratados já presentes no ordenamento jurídico brasileiro, tais como o salário mínimo estabelecido, previdência social e férias anuais.
A Convenção da OIT nº 189 ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional. Entretanto, parte de seu conteúdo adentrou o ordenamento jurídico brasileiro com a aprovação da Emenda constitucional nº 72/2013 em 4 de abril de 2013.
Em face das transformações trazidas pela Emenda, válida é a análise comparativa da Convenção nº 189/2011em relação à Emenda constitucional nº 72/2013, visando averiguar se todos os itens foram efetivamente incorporados ao ordenamento jurídico interno.
A conceituação e abrangência da Convenção nº 189/2011 da OIT[5] coincidem com a consubstanciada na normatividade interna (CF de 1988, CLT, Lei nº 5.859/72): trabalhador doméstico é aquele que executa trabalho em domicílio em uma relação de trabalho, excluindo aquele que executa esporadicamente, sem que essa seja uma ocupação profissional, conforme artigo 1º da Convenção nº 189/2011.
Ressalte-se que a Convenção incluiu também na conceituação a possibilidade do empregado doméstico prestar serviço em mais de uma residência (artigo 1º), fato que não é de pacífica aceitação na doutrina pátria.[6]
Nery de Oliveira[7] e Souto[8] entendem que o artigo 1º, c, exclui da abrangência da Convenção nº 189/2011 a categoria dos “diaristas”, por assim dispor: “uma pessoa que executa o trabalho doméstico apenas ocasionalmente ou esporadicamente, sem que este trabalho seja uma ocupação profissional, não é considerada trabalhador doméstico.”[9]
A Convenção em seus artigos 3 a 6 visa a aplicação de medidas efetivas de garantia dos direitos humanos e fundamentais do Trabalho e proteção contra abusos, assédio e violência (artigos 3 a 5), assim como “condições de emprego equitativas e trabalho decente” (art. 6). Ideais previstos constitucionalmente (artigo 5º da CF), o último havendo sido incluído pela EC nº 72/2013. Ressalte-se que a convenção determinou adoção de medidas específicas ao empregado doméstico menor de dezoito anos para o empregado doméstico (artigo 3º e 4º).
A Convenção nº 189/2011 harmoniza com a CLT e a Constituição, ao dispor sobre a necessidade de “informação sobre termos e condições, quando possível em contratos de trabalho” (artigo 7º da Convenção, artigo da CLT); proteção à maternidade (artigos 13 e 14 da Convenção, artigos 391 e ss. da CLT e artigo 7º, inciso XVIII da CF); “acesso a instâncias de resolução de conflitos” (artigo 16 da Convenção e artigo 5º, inciso XXXV da CF), jornada de trabalho: limitação de jornada, compensação de horas extraordinárias, repouso diário e semanal (24 horas consecutivas), férias, tempo em que trabalhadores/as estão à disposição contando como horas de trabalho (artigo 10 da Convenção, artigo 58 e ss. da CLT e artigo 7º, inciso XIII da CF); remuneração mínima (artigos 11 e 12 da Convenção, artigo da CLT e artigo 7º, inciso IV da CF); remuneração e proteção social: pagamentos em dinheiro, em intervalos regulares e no mínimo mensalmente; pagamento in natura, desde que estabelecidas condições para que não seja desfavorável (artigo 7º da Convenção, artigo 457 e ss. da CLT). A aplicação subsidiária da Consolidação das Leis Trabalhistas aos empregados domésticos seria medida cabível para estender aos domésticos os direitos citados.[10]
A Convenção traz fatores que ainda requerem regulamentação normativa interna para que possam ser aplicados. São eles: a adoção de medidas e possibilidade de acesso ao domicílio, com respeito à privacidade, possibilitando a fiscalização do órgão competente (artigo 17 da Convenção nº 189/2011); “liberdade para decidir moradia, se acompanha ou não membros do domicílio em suas férias e quanto a manter em posse seus documentos” (artigo 9º da Convenção nº 189/2011); e “medidas de saúde e segurança no trabalho” (artigo 13 e 14 da Convenção nº 189/2011).[11]
Concluindo, após ponderar acerca da recepção da Convenção nº 189/2011 da OIT pela normatividade interna, e o limite dessa recepção pela Emenda constitucional nº 72/2013, percebe-se que ainda é necessária posterior regulamentação para garantir a efetividade e eficácia dos direitos recentemente estendidos aos domésticos.
Faz-se urgente tal regulamentação específica, evitando que os direitos alcançados com o advento da Emenda constitucional nº 72/2013 tornem-se ineficazes.
Referências
1 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. OIT no BRASIL. Disponível em: < http://www.oit.org.br/content/oit-no-brasil>. Acesso em: 10 jun. 2013.
2 ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Normlex : Sistema de Informação sobre as Normas Internacionais do Trabalho. Disponível em : <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=1000:11110:0::NO:11110:P11110_COUNTRY_ID:102571>. Acesso em: 10 jun. 2013. Tradução nossa.
3 BOREAU INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção (nº 189): Trabalho digno para o trabalho doméstico. 2012. Disponível em : <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/pub_conv_189.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2013.
4 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Passos para a ratificação da Convenção nº 189 sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos. Notas OIT: o trabalho doméstico remunerado na América Latina e Caribe, 2011. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/pub/notas_oit_%208_797.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2013.
5 BOREAU INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit.
6 De acordo: MARTINS, op. cit. Divergem: BARROS, op. cit.; DELGADO, op. cit.; ALMEIDA, op. cit. (cf. itens 2.1.1 Continuidade e 3.1.3 Diarista).
7 OLIVEIRA, Alexandre Nery de. A relação de trabalho doméstico segundo a Emenda constitucional nº 72. Jus Navigandi, Teresina, a. 18, n. 3565, abr. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24004>. Acesso em: 10 jun. 2013.
8 SOUTO, Paulo Manuel Moreira. Breves comentários a Convenção 189 da OIT. Disponível em: <http://jpb.paraiba1.com.br/blog/direitodomestico/post/15832_breves-comentarios-a-convencao-189-da-oit>. Acesso em: 18 dez. 2012.
9 BOREAU INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit.
10 BRASIL, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 25 maio 2013.
11 Ibid.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Clara Maria Carneiro. A Convenção nº 189/2011 da Organização Internacional do Trabalho e a Emenda Constitucional nº 72/2013 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36416/a-convencao-no-189-2011-da-organizacao-internacional-do-trabalho-e-a-emenda-constitucional-no-72-2013. Acesso em: 23 dez 2024.
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