A Lei n. 12.850, de 25.7.1990, dispõe sobre a organização criminosa. Ela revogou o art. 8º da Lei n. 8.072, de 25.7.1990, que é a denominada lei dos crimes hediondos. Esta, por ser pior do que os crimes que enumera, merece ser chamada de lei hedionda. Ela nasceu repleta de problemas, o que levou Alberto Silva Franco a mencionar diversas inconstitucionalidades contidas nas suas disposições.
Embora a Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CFB) tenha preceituado que os crimes hediondos seriam definidos em lei, a Lei n. 8.072/1990 preferiu tão somente enumerá-los (art. 1º), o que – ao meu sentir – não apresenta maiores inconvenientes porque o verdadeiro sentido de uma norma deve ser buscado em um sistema dinâmico, não apenas em um artigo de lei. Assim, como o art. 1º da lei hedionda remete o intérprete a outra lei, a definição noutra poderá ser encontrada, sem que haja inconstitucionalidade na opção legislativa adotada.
Entendo que o art. 2º, inc. I, da lei hedionda é inconstitucional porque a CFB, em seu art. 5º, inc. LXIII, não veda o indulto enquanto o referido preceito da lei hedionda proíbe a sua concessão. Já afirmei alhures que a graça não é indulto individual, considerando equivocada a posição que se consolidou no sentido de ser a graça indulto individual, e que o art. 5º da CFB admite interpretação extensiva para ampliar direitos e garantias, não para restringi-los, ex vi do seu § 2º. Destarte, não poderia a norma infraconstitucional ampliar as restrições do inc. XLIII do art. 5º da CFB.
O STF demorou a acordar e ver a incoerência outrora existente, além da inconstitucionalidade de, violando o constitucional estado de inocência (CFB, art. 5º, inc. LVII), proibir a liberdade provisória antes da sentença, mas com a autorização da mesma lei em favor daquele que tivesse contra si sentença condenatória recorrível (Lei n. 8.072, art. 2º, inc. II, e § 2º). Com o advento da Lei n. 11.464, de 28.3.2007, o art. 2º, inc. II, só proíbe a fiança e o § 2º de outrora foi renumerado, passando a constituir o § 3º, o que corrigiu a incoerência mencionada.
Outra inconstitucionalidade do art. 2º da lei hedionda estava no seu § 1º, que determinava o cumprimento da pena imposta por crime hediondo ou assemelhado no regime integralmente fechado, o que representava violação ao terceiro momento da individualização da pena (execução). Mesmo diante do clamor de todos autores que tinham a seriedade suficiente para enfrentar o assunto, o STF demorou 16 anos para perceber a inconstitucionalidade e para declará-la.
Com o advento do novo art. 2º, § 1º, da lei hedionda, apenas o regime inicial será fechado. Não obstante isso, o STF declarou a nova redação do referido § 1º inconstitucional, o que considero equivocado porque estabelecer regime inicial fechado para crimes considerados mais graves não pode constituir violação à individualização da pena e, como a própria CFB se ocupou dos crimes hediondos e assemelhados, impondo maiores rigores a quem os praticasse, sem dúvida, os considerou mais graves.
Não sou simpatizante da delação premiada, tendo me manifestado academicamente contra ela. Por isso, por instituírem a delação premiada, não poderia ser favorável aos arts. 7º e 8º, parágrafo único, da lei hedionda.
Quando surgiu a Lei n. 12.015, de 7.8.2009, passei a proferir palestras sobre ela e afirmei que o art. 9º da lei hedionda foi tacitamente revogado, expondo:
Como o art. 224 do CP foi expressamente revogado, a impossibilidade de defesa da vítima, no caso de surpresa, caracterizará o tipo do art. 215. De outro modo, o menor de 14 anos e a vítima doente mental são classificados como vulneráveis, com pena maior em razão da vulnerabilidade, o que impede a incidência do art. 9º da Lei n. 8.072/1990. Destarte, com a incidência da nova lei, referido artigo foi esvaziado ocorrendo, ainda que tardiamente, revogação tácita da sua parte outrora aplicável.
No sentido do que expus, Fernando Capez entende que o art. 9º da lei hedionda ficou esvaziado pela Lei n. 12.015/2009. Pelas mesmas razões, ante a edição da Lei n. 12.850, de 2.8.2013, entendo que o art. 8º da lei hedionda foi tacitamente revogado.
Embora o art. 8º da lei hedionda só faça referência ao art. 288 do Código Penal, o seu parágrafo único dispõe que “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”, o que evidencia o caput se restringe ao delito de quadrilha ou bando. Portanto, como o crime de quadrilha ou bando desapareceu, não há mais como aplicar o referido art. 8º.
O crime de associação criminosa, que agora ocupa o art. 288 do Código Penal, exige menor número de coautores, estando mantida a redação anterior. Com isso, representa novatio legis in peius, a qual não poderá retroagir e, também, em face da desnaturação do preceito anterior, somente uma nova lei autorizará novamente tratar de forma mais severa a organização criminosa destinada a praticar crimes hediondos e assemelhados.
A Lei n. 12.720, de 27.9.2012, criou uma incoerência inaceitável porque o crime do art. 288-A, por ela instituído, tem pena cominada de 4 a 8 anos de reclusão, para qualquer grupo criado com “a finalidade de praticar qualquer dos crimes” do Código Penal, ou seja, pena maior do que aquela aplicável a quem participasse de organização criminosa para crimes mais graves (denominados hediondos ou assemelhados). Destarte, ao menos do ponto de vista da proporcionalidade, a revogação tácita foi oportuna. Porém, o novo art. 288-A não poderá alcançar a milícia destinada a praticar genocídio, uma vez que tal crime não se encontra no Código Penal, mas na Lei n. 2.889, de 1.10.1956, sendo necessário solucionar a nova incoerência legislativa.
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