RESUMO: O objetivo deste estudo é analisar criticamente o poder dicotômico das cláusulas de abertura constitucional frente aos direitos fundamentais. Auxiliando na proposição de novos direitos fundamentais, calcados pelos princípios modernos do Estado Democrático de Direito, e ao mesmo tempo,suprimindo e negando direitos fundamentais antigos e vulgarmente conhecidos como consuetudinários.Direitos, muitas vezes, são utilizados como discursospelo qual outros direitos são suprimidos e negados.Decisão exemplificativa de lacuna do ordenamento jurídico, no qual será levada em pauta, todo o caráter analógico do intérprete para constituir tal decisão, e como essa análise é feita sob o víeis de alguns teóricos críticos do Direito. Analisar de modo crítico a amplitude de interpretações que a lacuna do ordenamento jurídico confere ao intérprete frente aos direitos fundamentais.Até onde vai o poder de discricionariedade do intérprete diante de uma lacuna do ordenamento jurídico? Qual o limite do uso de analogias e princípios, utilizados pelo intérprete, diante da dicotomia entre direitos fundamentais? Será que os direitos fundamentais possuem, de fato, o papel de gerar democracia, liberdade e igualdade tal qual deseja a sociedade?
Palavras-chave: Lacuna constitucional. Direitos Fundamentais. Interpretação. Analogias. Controle constitucional. Direito Consuetudinário. Risco.
1. Introdução
A rigor, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226 entende como entidade familiar aquela formada por homem e mulher, bem como aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
A união homoafetiva é um fato social no qual ainda não encontra regramento específico expresso na lei. Nos tribunais, muito se tem debatido sobre a equiparação com o instituto da união estável e da entidade familiar. É incontornável a conclusão de que o conceito de família sofreu uma extensiva progressão conceitual. A jurisprudência vem caminhando para uma concepção do termo “família” desapegada de uma conotação meramente patrimonial e do ideal de procriação.
Sob influência direta da decisão da eminente Ministra Nancy Andrighi, quando do julgamento do REsp n. 102.698-1/RJ, que “o Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas, o que não permite que a própria norma, que veda a discriminação de qualquer ordem, seja revestida de conteúdo discriminatório. O núcleo do sistema jurídico deve, portanto, muito mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera pessoal dos seres humanos”. Exalta que no novo contexto social, tendo em vista que o Poder Legislativo não tem acompanhado estritamente as modificações sociais, não pode o Poder Judiciário, sob alegação de ausência de legislação, deixar de reconhecer como entidade familiar a relação entre pessoas do mesmo sexo.
Nesse passo, diante de uma lacuna, cláusula constitucional em aberto, invoca-se o instituto da analogia para amparar as uniões homossexuais. Na realidade, está-se a extrair do sistema jurídico constitucional, que não tem pretensão de estatismo, os princípios gerais de proteção à família e de não discriminação por orientação sexual. Em contraponto, qual a projeção gerada por essa abertura frente ao conceito de família consagrada pela lei, que sempre foi conservadora: entidade matrimonializada, patriarcal, patrimonial, indissolúvel, hierarquizada e heterossexual. Existiriam direitos fundamentais oriundos de práticas reiteradas com natureza obrigatória, ou seja, direitos fundamentais consuetudinários?
2. Relevância do fator tempo na formulação dos direitos fundamentais
A idéia de direitos fundamentais não é tão simples de ser articulada em uma sociedade democrática contemporânea. O direito tem a pretensão de abarcar a normatização da vida, construindo conceitos e desenvolvendo noções para operar, até então aquilo que não se pode operar.Convive-se com decisões judiciais que abarcam tentativas de se dizer o invisível, de descrever sobre conceitos que não possuem um sentido estrito. Confronta visões distintas de mundo, requerendo que visões tão opostas convivam em pé de igualdade no cenário social.
Talvez o Direito não possa resolver na prática tudo aquilo em que ele se abarca, e tenhamos que duvidar de todas as certezas já pré-estabelecidas. Warat introduz sua concepção de condição transmoderna, no qual ser transmoderno é ser flexivo em torno da certeza, enfatizando a importância de se pensar para além do direito.O paradoxo consiste em saber se perante direitos fundamentais de matriz histórica que colidem com direitos ou princípios constitucionais, se serão estes últimos que se retrairão para respeitar a operatividade dos antigos, revalidados pela cláusula de abertura ou se, pelo contrário, valerá a regra de que a cláusula de abertura aplica-se apenas para inclusão de novos direitos fundamentais.
François Ost, em sua obra “O tempo do direito”propõe ampliar a discussão histórico-social pautada nas convenções temporais e legais que embasam e caracterizam as estruturas sustentadoras das civilizações. A idéia de que existe intervenção direta e recíproca entre tempo e direito, diante de uma perspectiva histórica não-linear, nos oferece, por meio de uma teia reflexiva,elementos consistentes para a compreensão do desenvolvimento da Teoria do Direito.A partir disso, são feitos tais questionamentos, como “Qual o valor de face da liberdade, no contexto constitucional? Se houver uma ponderação de choque de liberdades ou de direitos fundamentais ( em que há o juízo de valor de prevalência), quem opera o direito instrumentaliza medidas de liberdade, operando, então, a solução do peso dos nossos valores, o que por si só, também é um problema para a democracia.
O tribunal abrange restrições normativas,deontológicas, não-axiológicas. Para ele, a constituição deve ser compreendida como uma ordem concreta de valores, onde sua operação deve ser pautada na interpretação e na aplicação do Direito ou como uma alternativa deontológica, onde o espaço para ação precisa ser justificado deontologicamente. Ainda que não se concorde com um valor, deve-se aceitá-lo.
A crítica a direitos fundamentais é fruto das reflexões cotidianas, visto que esta não adveio de acórdãos acadêmicos, e sim da próprio contexto social. A idéia dos direitos fundamentais é uma questão que engloba problemas em sua aplicação, pois suaoperatividade é complicada. Fatores que adicionam contextos problemáticos dentro do paradigma dos direitos fundamentais: sociedade mulicultural, reações de medo e insegurança, tensões entre direito e política e uma constituição com um pressuposto automático garantido de democracia.
3. Lacuna x Interpretação
O ponto crítico está baseada na condição das cláusulas de abertura comportarem uma ampliação das fontes do sistema constitucional, determinando que em matéria de direitos fundamentais aqueles que assumem uma natureza histórica complementam o quadro dos direitos formalmente previstos na Constituição. E tal condição está diretamente ligada ao poder de discricionariedade do intérprete, e da sua capacidade de ponderar valores, questionando se estes estão cumprindo suas funções de igualdade a partir do momento em que se sobrepõe a outros.
Teoria Pura do Direito de Kelsen visa compreender a norma jurídica como algo independente de qualquer elemento extra jurídico. Sua preocupação não estava pautada no próprio Direito em si, mas no modo de pensá-lo. Ou seja, o próprio limite da teoria é a interpretação. Exaltando que a autoridade legitimada aplica o direito dá forma que quiser, mesmo que seja contrária ao que se recomenda cientificamente. Mesmo que o jurista conceda um tipo de interpretação, a autoridade a interpreta da forma desejada, portanto, segunda sua concepção, não se pode falar sobre o conteúdo da norma, visto que ela opera segundo a autoridade de quem julga. Norma é vazia de conteúdo, no qual se insere tal conteúdo, envolvido pela sanção, força inserida pelo Direito ao chamar a violência para si.
“A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo de aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um inferior. Na hipótese em que geralmente se pensa quando se fala de interpretação, na hipótese de interpretação da lei, deve responder-se a questão de saber qual o conteúdo que se há de dar à norma individual de uma sentença judicial ou de uma resolução administrativa, norma essa a reduzir da norma geral da lei na sua aplicação a um caso concreto.” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 7° ed. São Paulo : Martins Fontes, 2006, fl.387)
3. Problematização Constitucional
Roberto Aguiar, em sua obra Direito, Poder e Opressão expõe o direito como ideologia sancionadaafim de garantir e preservar a estabilidade da minoria dominante. O autor enaltece essa característica anti democrática do direito, sempre dominado por aqueles que detém o poder econômico e político. Logo, para se mudar o direito, deve-se mudar o poder. É necessário a criação de novas formas de representação para evitar que se caia no problema da dominação. O direito precisa de um instrumento de libertação e transformação social, para coibir a maior característica dele que é a permanência.
Já Robert Dahl em “How democratic is the americanconstitucion,” problematizar sua crítica no crivo constitucional, se perguntando quão democrática é a constituição americana: idéia de uma engenharia constitucional montada de tal modo em que sua autorreprodução não se torna fácil, onde confrontada com momentos de emergência, produz-se uma legalidade incerta. A falsa noção que a constituição traz de consenso e estabilidade.
Hart em sua obra “ Democracia e desconfiança : uma teoria do controle judicial de constitucionalidade”, exalta a impossibilidade de um interpretacionismo preso as cláusulas constitucionais. Alega que o problema no funcionamento do controle de constitucionalidade é inevitável para o intérprete, e que tal interpretação é derivada do olhar crítico de cada um. Logo, a clareza de um texto decorre, para cada um, de interpretação em contextos, ou seja pela interpretação, aplica-se o texto ao contexto. A leitura de um texto depende de uma leitura com uma certa medida interpretativa de compreensão. Contudo, a posição do intérprete, ao longo do tempo, sujeita-se ao modo de compreensão de um texto pelo contexto. Mudado o contexto, há pretensão de mudança do texto. O controle judicial de constitucionalidade esbarra com as questões que legitimam a democracia, e por consequência o próprio Direito. Ele correlaciona a soberania e a jurisdição numa relação de tensão, no qual a jurisdição acaba fundamentando a soberania, e não o contrário.
François Ost, considera inconstitucionais as imutabilidades que se operam em detrimento do elo social e da própria confiabilidade, sem se descuidar do fato de que as normas constitucionais exercem função pedagógica em relação às gerações vindouras e,simultaneamente, fixam as orientações pelas quais os textos derivados devem, em princípio, se inspirar. A norma jurídica deve ser inserida na temporalidade, sem se permitir, com isto, uma mutabilidade absoluta inspirada na tese positivista.
4. Conclusão
Conclui-se que os direitos do passado e os direitos do presente em relação conflituosa têm sempre garantido uma área de operatividade efetiva e qualquer solução contrária que sacrificasse o passado ao presente ou vice-versa, conduziria à eliminação de qualquer um dos direitos em colisão, inutilizando a recepção processada pela cláusula de abertura, dos direitos costumeiros ou desmerecendo os direitos constitucionais. Enaltecendo que o princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais compreende uma projeção pretérita e uma dimensão futura. Exaltando o caráter paradoxal dos direitos fundamentais, visto que a aderência de uns gera consequentemente o suprimento de outros.O risco é constitutivo da nossa experiência na sociedade moderna, representando os limites de funcionamento da própria idéia de Direito. A partir do momento em que a norma é editada, inaugura-se o risco do seu próprio descumprimento e da forma com o qual se operará mediante isso. A urgência do tempo moderno requer que se tomem decisões, correndo-se assim o risco de decidir.
5. Referências Bibliográficas
AGUIAR, Roberto A. R. de Direito, poder e opressão. São Paulo: Editora Alga- Ômega, 1990. p. 79 – 153.
DAHL, Robert A. How democratic is the americanconstitucion? New Haven; Londres: Yale University Press, 1999. p. 91 – 119.
ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de contitucionalidade. Trad. Juliana Lemos. Rev. Alonso Reis Freire; Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 201. p. 15-55.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 7° ed. São Paulo : Martins Fontes, 2006.
OST, François. O tempo e o direito.Trad. Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. p. 324 - 417.
WARAT, Luis Alberto. Epistemologia e ensino do direito,v. II: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boitex, 2004. P. 35-94.
Estudante de Direito da Universidade de Brasília ( UnB), aprovada no Programa de Avaliação Seriada (PAS) 2011/1 , cursando o quinto semestre ( abril de 2013).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: STOCHIERO, Rafaela Figueiredo Andrade. Cláusulas constitucionais abertas à luz dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36518/clausulas-constitucionais-abertas-a-luz-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 23 dez 2024.
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