O presente artigo jurídico busca expor de forma pormenorizada como é configurada a imperfeição no cumprimento de certa obrigação, bem como quais são as principais consequências jurídicas provenientes desse cumprimento imperfeito.
Dessa maneira, em primeiro lugar devemos conceituar o que seria tutelado pelo direito das obrigações. Para tanto, iremos nos valer dos ensinamentos da jurista Maria Helena Diniz, que em sua obra Curso de Direito Civil – 2. Teoria Geral das Obrigações leciona:
“O direito das obrigações consiste num complexo de normas que regem relações jurídicas de ordem patrimonial, que têm por objeto prestações de um sujeito em proveito de outro.”
Assim, ao analisarmos o entendimento doutrinário acima exposto, apuramos que a obrigação consiste basicamente na relação jurídica que repercute na esfera patrimonial e acaba por obrigar que as partes cumpram prestações entabuladas entre si.
Por sua vez, com relação ao cumprimento imperfeito da obrigação, esse é configurado sempre que o devedor não satisfaz a obrigação no tempo, lugar ou forma determinados.
Vale ressaltar que ao discorrermos sobre o cumprimento imperfeito, de plano nos reportamos à questão do inadimplemento.
Quanto ao inadimplemento obrigacional, este é conceituado pela jurista Maria Helena Diniz da seguinte maneira:
“Consiste na falta da prestação devida ou no descumprimento, voluntário ou involuntário, do dever jurídico por parte do devedor.”
Superado o conceito jurídico do inadimplemento, passaremos a discorrer brevemente sobre suas espécies, denominadas: inadimplemento absoluto ou relativo.
O inadimplemento absoluto é caracterizado quando a obrigação não foi e nem poderá ser satisfeita, vez que o credor obrigacional não terá mais possibilidade de receber aquilo a que o devedor se obrigou. Tal caso poderá ser exemplificado com a contratação do serviço de buffet para uma festa de casamento.
O exemplo acima se justifica, pois em caso de não ser prestado o serviço de buffet no dia previamente estabelecido, não haverá mais interesse por parte do próprio credor que ocorra a prestação em data diversa, já que os convidados e preparativos estavam destinados para o dia contratado.
Agostinho Alvim ao discorrer sobre o tema leciona que o inadimplemento absoluto ocorrerá “quando a obrigação não foi cumprida, nem poderá sê-lo, como no caso de perecimento do objeto, por culpa do devedor”, ou seja, “quando não mais subsiste para o credor a possibilidade de receber”.
Por sua vez, o inadimplemento relativo corresponde à obrigação que apesar de não ter sido cumprida no tempo, lugar e forma pactuados, ainda poderá ser objeto de adimplemento, ocasião em que se caracteriza a figura da mora. Tal hipótese poderá ser exemplificada com a mora no pagamento dos alugueres pactuados no contrato de locação.
O exemplo acima exposto se revela como adequado, pois apesar de ser configurada a mora, ou seja, o atraso no cumprimento da obrigação contratual existente entre as partes, vínculo este que diz respeito ao adimplemento das prestações mensais locatícias, o locatário poderá adimplir os débitos em atraso junto ao locador a qualquer momento, suportando apenas os encargos extraordinários provenientes da mora.
Quanto à mora, instituto jurídico indispensável à compreensão do presente artigo, utilizaremos para defini-la dos ensinamentos de Álvaro Villaça Azevedo, o jurista leciona que o “próprio vocábulo mora indica o sentido desse instituto jurídico, pois mora é demora, atraso, retardamento, inexecução, inadimplemento, descumprimento obrigacional”.
No que diz respeito à previsão legislativa, o conceito de mora está previsto pelo caput do artigo 394 do Código Civil.
“Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.”
Portanto, qualquer meio utilizado para obstar o adimplemento obrigacional, em que se atue, ao menos com culpa, é suficiente para configurar a mora de quem dele se utilizar.
Ainda com relação ao instituto jurídico da mora, observamos que ela poderá emanar por iniciativa do credor, ou ainda, do devedor.
A mora do devedor, também denominada de mora debitoris ou mora solvendi, configura-se quando resta caracterizada a não satisfação da obrigação pelo devedor, ocasião em que se faz indispensável a existência de um débito legítimo e exato, logo, é condição indispensável que o devedor tenha certeza e liquidez do quanto deve pagar (caput do artigo 397 do Código Civil).
“Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.”
Vale ressaltar que o estudo da mora do devedor engloba ainda a análise da mora ex re, bem como da mora ex persona.
A mora ex re emana em razão do fato ou da coisa, ou seja, vencida a obrigação, automaticamente se torna exigível o crédito. Por sua vez, a mora ex persona é configurada quando for exigível o crédito após o aviso do devedor para que cumpra a obrigação, nos moldes estabelecidos pelo comunicado/notificação (artigo 397, parágrafo único do Código Civil), logo, ao se tratar da mora ex persona a obrigação não poderá ter termo final ou ser expressa pela lei.
“Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.”
Superado o tema ao menos no que diz respeito à mora do devedor, passaremos a discorrer sobre a mora do credor (mora creditoris ou mora accipiendi). Tal instituto corresponde à mora que se materializa no momento em que o credor se recusa ou a receber o objeto da prestação ou a fornecer o competente recibo comprovador do pagamento.
Álvaro Villaça Azevedo leciona que a recusa do credor é fundamental para que sua mora se concretize, recusa esta que para causar a mora, deve ser injustificada e deve embaraçar o pagamento do débito líquido e certo.
Por fim, ainda em relação à mora, importante discorrer sobre sua purgação, que corresponde ao ato de fazer cessar o atraso configurado no inadimplemento obrigacional.
Insta salientar que com a purgação da mora perpetua-se o adimplemento da obrigação já descumprida, de modo a evitar resultados mais gravosos.
Cumpre esclarecer que o Código Civil em seu artigo 401, caput e incisos é o dispositivo responsável por versar sobre tal assunto.
“Art. 401. Purga-se a mora:
I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;
II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.”
Sendo assim, constata-se que o devedor para purgar a mora deverá cumprir a prestação atrasada, adimplindo ainda os prejuízos causados por força de seu atraso até a data do efetivo cumprimento da obrigação.
Por fim, quanto ao credor em mora, esse deverá purgá-la, dispondo-se a receber o pagamento que recusara, arcando com os efeitos do atraso até a data da efetiva disposição de receber.
Superados os temas atrelados a obrigação, espécies de inadimplemento e mora, passaremos a discorrer sobre os efeitos provenientes do cumprimento imperfeito da obrigação.
Indispensável mencionar que de acordo com o doutrinador Álvaro Villaça Azevedo, os principais efeitos gerados pela imperfeição no cumprimento da obrigação seriam: perdas e danos, juros legais e correção monetária.
Diante das informações arroladas, com o escopo de manter o caráter didático do presente artigo, passaremos a abordar cada uma das consequências geradas na esfera jurídica pelo cumprimento imperfeito da obrigação.
Portanto, passaremos a analisar como primeira consequência a caracterização do inadimplemento e consequente aplicação do instituto jurídico das perdas e danos.
Com relação à reparação a título de perdas e danos, esta é prevista pelo Código Civil em seu artigo 389, caput.
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
Insta salientar que o valor pago a título de perdas e danos não deve corresponder a um enriquecimento indevido por parte do credor, sendo na verdade um ressarcimento completo apenas na hipótese de inadimplemento integral no cumprimento obrigacional.
Dessa maneira, o valor a ser reparado será sempre proporcional ao prejuízo experimentado pelo credor.
Quanto ao tema, destacam-se ainda os casos em que ocorrerão excludentes ao dever de reparação.
Cumpre esclarecer que o dever de reparação exclui-se apenas pela ocorrência de caso fortuito ou força maior, nos moldes do que estabelecem o caput e o parágrafo único do artigo 393 do Código Civil, desde que não haja previsão expressa em contrário.
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Com o escopo de mantermos o caráter didático e educativo do presente artigo jurídico julgamos indispensável apresentar os conceitos jurídicos dos institutos supracitados. Para tanto, iremos nos valer dos ensinamentos do jurista Álvaro Villaça Azevedo.
O caso fortuito caracteriza-se por um acontecimento proveniente da natureza, sem qualquer intervenção da vontade humana. Tal hipótese pode ser exemplificada pela inundação de um rio que acaba por destruir uma ponte, impossibilitando o devedor com seu caminhão de transportar determinado objeto a ser utilizado em local, dia e horário previamente estabelecido.
Por sua vez, a força maior deriva da atuação humana, esta que apesar de independer do devedor impossibilita o cumprimento obrigacional. Tal instituto pode ser visualizado, por exemplo, quando certo devedor se obriga a vender sua casa, recebendo parte do preço, contudo, logo em seguida, o imóvel objeto do contrato é desapropriado pela prefeitura para a construção de um terminal de ônibus.
Superada a análise acerca do instituto jurídico das perdas e danos passaremos a estudar a segunda consequência jurídica proveniente do cumprimento imperfeito da obrigação, essa denominada de juros legais.
Em primeiro lugar importante se faz conceituar o que seriam e principalmente qual é a finalidade do instituto juros, estes segundo Carlos Roberto Gonçalves, são os rendimentos do capital, logo, são considerados frutos civis da coisa, assim como os alugueres, representando o pagamento pela utilização de capital alheio, integrando a classe de coisas acessórias.
No tocante à sua finalidade, os juros servem para indenizar as perdas e danos provenientes do inadimplemento de obrigação em dinheiro, quantia esta que deverá ser calculada levando-se em consideração o acréscimo proporcionado pela atualização monetária, custas judiciais, e honorários advocatícios.
Por sua vez, os juros moratórios em sentido estrito podem ser conceituados como a modalidade de juros devidos em razão do inadimplemento ou da inexecução de certo contrato, ou ainda, simples retardamento no cumprimento do que havia sido estipulado contratualmente, tendo por fato gerador a constituição em mora, podendo os juros moratórios ser convencionados ou não, sem que para isso exista limitação prevista em lei.
Vale ressaltar no que diz respeito à previsão legislativa, que os juros moratórios possuem amparo no caput do artigo 293 do Código de Processo Civil, bem como na Súmula 254 do Supremo Tribunal Federal e no caput do artigo 05º do Decreto nº 22.626/1933, dispositivos estes que estabelecem:
“Art. 293. Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais.”
“Súmula 254 do STF: Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação.”
“Art. 5º do Decreto nº 22.626/1933. Admite-se que pela mora dos juros contratados estes sejam elevados de 1% e não mais.”
Expostas as consequências atreladas às perdas e danos, bem como aos juros moratórios, passaremos a discorrer sobre a terceira e última principal consequência do cumprimento imperfeito da obrigação, essa que de acordo com os ensinamentos do jurista Álvaro Villaça Azevedo é a correção monetária.
Quanto à correção monetária, esta pode ser conceituada de acordo com os ensinamentos de Rubens Limongi França, citado na obra de Paulo Eduardo Razuk, para o jurista o instituto jurídico da correção monetária consiste “na atualização do valor real da moeda tendo-se em vista a data do entabulamento do vínculo e a da execução da prestação”.
Com relação à previsão para aplicação do instituto jurídico da correção monetária, essa poderá decorrer da lei, do contrato e da decisão judicial.
Insta salientar que a jurisprudência pátria admite a incidência da correção monetária mesmo que não haja disposição legal ou contratual.
O entendimento exposto no parágrafo anterior fundamenta-se no princípio geral de direito que proíbe o enriquecimento sem causa, vez que ao ser caracterizado permitiria que o devedor se beneficiasse pelo decurso do tempo.
Assim, mesmo que não tenha sido alvo do pedido do pólo ativo da demanda, a correção monetária sempre deverá incidir sobre a quantia estabelecida por força da decisão judicial, nos moldes do que estabelecem inclusive os caputs dos artigos 395 e 404, ambos do Código Civil Brasileiro.
“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.”
Ainda com relação ao tema, indispensável também se faz discorrer sobre o termo inicial para a incidência do instituto jurídico da correção monetária. No tocante ao termo inicial, é pacífico que nos casos de dívidas líquidas e certas, a correção monetária incidirá desde a data do vencimento da obrigação.
Por sua vez, quanto às dívidas ilíquidas, a correção monetária será computada desde o ajuizamento da ação pelo autor da demanda.
Sendo assim, por intermédio do presente artigo jurídico, buscamos esclarecer de forma célere, porém, completa, quais são as principais consequências geradas na esfera jurídica quando for caracterizado o cumprimento imperfeito da obrigação.
Bibliografia utilizada:
ALVIM, Agostinho Neves de Arruda. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual Rio de Janeiro: Jurídica Universitária, 1965.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações. 9. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos: curso de direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
RAZUK, Paulo Eduardo. Dos Juros. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.
Advogado e Professor. Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Mackenzie. <https://rodrigozaparoli.wixsite.com/advocacia>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZAPAROLI, Rodrigo Alves. O cumprimento imperfeito da obrigação e suas principais consequências na esfera jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36526/o-cumprimento-imperfeito-da-obrigacao-e-suas-principais-consequencias-na-esfera-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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