O estudo de todo e qualquer instituto jurídico exige conhecer suas origens históricas. No presente artigo, buscam-se as raízes do atual e crescente desenvolvimento do processo coletivo no Brasil.
Por meio das breves linhas abaixo, será possível perceber que boa parte dos dilemas vividos hoje no estudo e aplicação do processo coletivo no Brasil já eram objeto de preocupação nas origens desse institutto, umbilicalmente ligado ao início dos estudos dos direitos coletivos.
Não há como falar de processo coletivo sem antes mencionar, ainda que brevemente, o contexto em que o Direito passou a preocupar-se com os denominados direitos coletivos, assim entendidos aqueles pertencentes a determinado grupo de pessoas coletivamente, não de maneira individualizada.
Modernamente, no dizer de Ada Pellegrini,
[...] os interesses sociais são comuns a um conjunto de pessoas, e somente a estas. Interesses espalhados e informais à tutela de necessidades coletivas, sinteticamente referíveis à qualidade de vida. Interesses de massa e que colocam em contraste grupos, categorias, classes de pessoas. Não mais se trata de um feixe de linhas paralelas, mas de um leque de linhas que convergem para um objeto comum, indivisível.[1]
Nesse sentido, o processo histórico denominado Revolução Industrial foi um marco no estudo das ações coletivas, quando se deu o nascimento das chamadas sociedades de massa. Nasceu, portanto um novo elemento na oposição rígida entre Estado, de um lado, e indivíduo, do outro.
Por meio da organização das classes e categorias, surgiram os chamados grupos intermediários. Com base nas transformações sociais advindas da Revolução, começou-se a criticar, por volta de 1970, a rígida distinção que se fazia entre direitos públicos e privados. Inicialmente porque na primeira categoria (direitos públicos) estavam sendo inseridos, indevidamente, alguns direitos que nada tinham a ver com os interesses primários do Estado, como os direitos sociais, os individuais indisponíveis e os atinentes a determinado grupo de pessoas coletivamente. Depois, porque se percebeu que, entre essas duas espécies, havia uma categoria de direitos intermediária, que não se confundiam nem como os direitos públicos - eminentemente estatais - nem com os direitos privados, dos indivíduos.
Essa nova categoria de direitos englobaria os chamados direitos coletivos, atinentes a um grupo indeterminado de pessoas ou à sociedade como um todo, aproximando-se, neste último caso, dos direitos até então ditos públicos. Foram esses os direitos que ganharam destaque com as transformações sociais promovidas pela Revolução Industrial e, por isso, precisaram ser estudados e sistematizados.
No dizer de Hugo Nigro Mazzilli:
Não é de hoje que o Direito se tem preocupado com a solução judicial de problema de grupos, classes ou categorias de pessoas. As ações de classe do direito norte-americano (class acions) têm raízes nas cortes medievais inglesas.[2]
Embora a preocupação com esses direitos, como foi dito acima, remonte à época da Inglaterra medieval, os interesses coletivos, nos moldes em que são conhecidos hoje, começaram a ser estudados na Itália, na década de 70, por doutrinadores como Vittorio Denti, Mauro Cappelletti, Vicenzo Vigoritti, Nicolò Trocker, dentre outros, que, antecipando o Congresso de Pavia, realizado em 1974, já discutiam o que caracterizaria esses direitos coletivos para efeitos da sua defesa judicial.
Daí remonta a forte contribuição da doutrina italiana no estudo dos processos coletivos, pois os direitos coletivos que são discutidos no bojo dessas ações começaram a ser melhor sistematizados nos moldes em que hoje se conhece no país peninsular.
O reconhecimento desses direitos e a sua posterior definição conduziram à natural discussão de como deveriam ser defendidos em juízo, já que não se poderia dar tratamento igual à tutela de direitos individuais. Aí reside, portanto, o porquê de as doutrinas italiana e norte-americana serem imprescindíveis à compreensão do tema, justamente pelo fato de esses processos exigirem tratamento e estudo específicos.
Porque importante ao entendimento do tópico seguinte, vale mencionar que, no Brasil, a atual sistematização da matéria permite o reconhecimento de três categorias de direitos coletivos (lato sensu): os difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos.
As definições estão normatizadas no parágrafo único do art. 81 da Lei nº 8.078/90:
Art. 81. [...]
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Como o centro gravitacional do processo coletivo brasileiro é a denominada ação civil pública e suas diversas espécies (ação de improbidade, ação coletiva de danos morais etc.), será avaliada a influência da doutrina alienígena nessa espécie de ação, cujos contornos gerais estão na Lei nº 7.347/85.
Nesse contexto, pode-se desde já afirmar que a ação civil pública brasileira utilizou-se muito dos estudos dos italianos da década de 70, assim como do tratamento que o common law dá à tutela de direitos coletivos. São dois os principais problemas que surgem quando se fala em tutela judicial de direitos coletivos em oposição à defesa de direitos individuais: um a se apresentar no início da lide e outro ao final. Ou seja, os problemas da legitimidade para propositura da ação e dos efeitos da coisa julgada:
Os pontos mais sensíveis para a estruturação de um processo capaz de dar resposta às exigências aos desafios do novo tempo foram detectados desde logo: a legitimação ativa, que deveria despojar-se de seus vínculos estritamente invidualistas, a fim de permitir “que os indivíduos ou grupos atuem em representação dos interesses difusos”; e a coisa julgada, que também deveria assumir contornos mais objetivos, para vincular “a todos os membros do grupo, ainda que nem todos tenham tido a oportunidade de ser ouvidos”[3].
Quanto aos limites da coisa julgada nas ações coletivas, até hoje se discute sobre a interpretação do art. 16 da Lei nº 7.347/85, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, que limita os efeitos da coisa julgada à competência territorial do órgão julgador. Considerando ainda que uma sentença faz coisa julgada em relação às partes – ou aos sujeitos por ela representados – ganha relevo a discussão acerca da legitimidade para propor as ações coletivas.
O tema da legitimação muito preocupou os primeiros estudiosos dos direitos coletivos e tem vários desdobramentos na tutela coletiva de interesses. Esse ponto serve também para distinguir a ordem jurídica norte-americana da italiana sobre o assunto.
Para se ter uma noção da discurssão acerca da legitimidade, vale mencionar a compilação de Ronaldo Cunha Campos[4] sobre o tema. Ele apresenta quatro teses que tentam solucionar diferentemente o problema da legitimação. As soluções seriam as seguintes: a) as associações civis seriam as legitimadas; b) um ou mais componentes do grupo poderiam pleitear em juízo os direitos da classe; c) a legitimidade seria exclusiva do Ministério Público e d) haveria indiferença legislativa quanto à legitimidade para tutela de interesses coletivos. A primeira solução seria a adotada na Itália. A segunda é própria do common law. A terceira seria a dos países com tendências mais fortes ao socialismo.
Logo nota-se que, no Brasil, onde a legitimidade é distribuída entre associações, Ministério Público, Defensoria Pública e alguns órgãos da administração pública, aproveitou-se muito desses sistemas alienígenas, mesclando-os de modo a construir um novo, pretensamente mais adequado.
Mais adiante, o jurista trata com mais vagar do sistema em que as associações são as legitimadas, categoria na qual inclui, além da Itália, a Holanda e a Alemanha. Depois, fala da doutrina dos países em que o indivíduo é o agente legitimiado para pleitar o interesse coletivo, grupo em que inclui a Inglaterra e os EUA[5].
Para entender a questão da legitimação, é importante mencionar que a doutrina italiana separa os interesses coletivos dos interesses gerais e os interesses coletivos (stricto sensu) dos direitos difusos.
Cappelletti levanta primeiramente o problema em aferir a legitimidade nos interesses difusos, pois o grupo seria bastante indeterminado. Quanto aos interesses coletivos, diz ser necessária a união entre a iniciativa privada e a pública na defesa desses direitos e vê problemas em o Ministério Público ser o único legitimado. O doutrinador italiano aponta, ainda, a necessidade de o juiz ter a liberdade de decidir sobre a idoneidade, ou não, da representação do grupo.
Destarte, afirma que o problema da coisa julgada está intrinsecamente ligado ao da legitimidade, motivo por que um grupo mal representado não pode sofrer as conseqüências de uma sentença desfavorável decorrente de falha na representação. Essa idéia do pluralismo na representação, defendida por Cappelletti, em que se uniriam associações civis, o Estado e o Ministério Público na defesa dos direitos coletivos, teve bastante influência no Brasil, que adotou também o sistema de legitimidade plural.
Para Vigoritti, o maior problema de legitimidade estaria nos direitos coletivos, não nos difusos, mais especificamente na organização dos membros da classe. É bom lembrar que, para ele, os direitos coletivos seriam uma evolução dos direitos difusos, em que o grupo, inicialmente desorganizado, alcançou um grau tal de organização, que se permitiu ser identificado.
O doutrinador ressalta a necessidade de a tutela jurisdicional ser única, a fim de evitar decisões contrárias aos membros de um mesmo grupo. Se os direitos são semelhantes, decisões contraditórias seriam um contrassenso. Quanto à legitimidade, diz ser possível uma parte do grupo representar o todo, mas seria inadmissível, como se dá nas class actions americanas, um só indivíduo do grupo ser legitimado para pleitear em nome de toda a classe. Por fim, Vigoritti não vê o Ministério Público como órgão capaz de defender os interesses coletivos.
Os temas sobre os quais Vigoritti se debruçou mostram-se atualíssimos. Ao avaliar o sistema brasileiro, constata-se, por exemplo, a ausência de legitimação do indivíduo no âmbito das ações coletivas[6]. De outra banda, os limites da legitimidade do Ministério Público para tutelar direitos individuais homogêneos, por exemplo, chegou ao Supremo Tribunal Federal e foi objeto da Súmula nº 643. No Superior Tribunal de Justiça foram sumulados alguns entendimentos para dirimir dúvidas sobre a legitimidade do Ministério Público (Súmulas nº 339 e 470).
Denti preocupa-se mais com a caracterização do interesse que daria causa a uma ação coletiva. Diz que uma ação pública estaria voltada, basicamente, para execução de normas constitucionais programáticas, para a participação da sociedade no Estado e para o controle da atividade administrativa. Em se tratando de cumprimento das normas programáticas, é inegável a contribuição da teoria do italiano à ação civil pública brasileira, que busca tutelar o meio ambiente, o patrimônio cultural etc. Quanto à atividade de controle administrativo, a ação civil pública de improbidade e a ação popular são uma realidade no Brasil, sendo um dos mais poderosos meios de defesa do patrimônio público e de controle da atividade administrativa.
Eduardo Grasso não vê a possibilidade de uma parte da classe representar o todo, posto que essa parte teria interesses próprios, individualizados, distintos dos interesses de toda a categoria. Diz o jurista que a representação teria que ser impessoal, ou seja, o ordenamento deveria criar um órgão legitimado para a defesa desses interesses, mas que não fosse titular deles. Argumenta que como o direito coletivo é um direito sem sujeito, seria o caso de entregar sua tutela a um “não sujeito”.[7] Embora o doutrinador tenha feito críticas severas ao Ministério Público italiano, Ronaldo Cunha Campos acredita que foi a este órgão que Grasso teria confiado a defesa dos interesses coletivos.[8]
Atualmente, a Defensoria Pública coloca-se também como um desses “não sujeitos”, com legitimidade, pode-se dizer, até maior do que o Ministério Público, uma vez que a possui para pleitear direitos individuais homogêneos (art. 4º, VII, da Lei Complementar nº 80/94, com redação dada pela LC nº 132/2009) e cuja legitimidade do parquet é apenas excepcional, como reconhece a jurisprudência:
EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Ação civil pública. Interesses individuais homogêneos de relevância social. Reconhecimento da legitimidade ativa do Ministério Público para seu ajuizamento.
1. Em ações civis públicas em que se discutem interesses individuais homogêneos dotados de grande relevância social, reconhece-se a legitimidade ativa do Ministério Público para seu ajuizamento.
2. Pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nesse sentido.
3. Agravo regimental não provido.
(AI 813045 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 26/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013)
Vistos alguns dos problemas aventados pelos italianos, e que foram também discutidos no Congresso de Pavia, de 1974, convém agora apresentar a contribuição americana para a doutrina brasileira dos interesses difusos.
A grande contribuição da doutrina norte-americana para o direito brasileiro sobre direitos coletivos foi a chamada class action, que atualmente tem fundamento na regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure, de 1938, diploma equivalente ao Código de Processo Civil.
Essa regra previa três tipos de class action, a depender da natureza do direito a ser tutelado. Em 1966, a Rule 23 sofreu modificações para acabar com a tripartição anterior e dar tratamento único às ações de classe norte-americanas. A reforma serviu também para melhorar a eficácia da coisa julgada erga omnes, fosse a decisão favorável ou desfavorável ao grupo, acabando com a coisa julgada secundum eventum litis. Apesar da unificação das class actions, elas continuariam a abarcar tanto a defesa dos interesses coletivos, indivisíveis, como a daqueles individuais, divisíveis, os quais os cidadãos podiam pleitear individualmente, mas que, para melhor eficácia da defesa, uniam-se em uma ação coletiva.
A definição de Ronaldo Cunha Campos dá uma idéia, ainda que genérica, do que seriam as class actions:
Esta ação se maneja quando encontramos grande número de pessoas com igual interesse e mais, são tão numerosas que juntá-las em um só processo (ou formar infindáveis processos) é impraticável. Um, ou mais litigantes, revelando este interesse comum ao grande grupo, representará a todos no processo. Acrescente-se, e isto é relevante, que a decisão judicial obrigará a todos.[9]
A regra 23 das Federal Rules norte-americanas fixa quatro pré-requisitos para a admissibilidade de uma class action. Embora dê tratamento único, como a regra prevê três tipos de ações de classe, cada uma tem seus próprios requisitos. Vale lembrar que, dentre as três categorias de class actions existentes, duas delas devem obrigatoriamente ser pleiteadas coletivamente, no caso, aquelas que tratam dos interesses difusos e de interesses coletivos, por isso indivisíveis. Quando se tratar de direitos divisíveis, que possam ser tutelados individualmente, a ação coletiva não é obrigatória.
Os requisitos são os seguintes: a) classe numerosa o suficiente a ponto de impossibilitar a sua reunião; b) questões de fato ou de direito comuns à classe; c) a demanda ou a defesa daquele indivíduo ou grupo que representa a classe deve refletir pretensão típica da categoria representada e d) a verificação de que a classe está bem representada pelo indivíduo ou parte do grupo.
Além desses requisitos de admissibilidade, a regra 23 exige outros, relativos ao prosseguimento da ação. São três os requisitos, alternativos, a depender do tipo de interesse pleiteado: o primeiro requisito prevê a possibilidade de a tutela individual dos direitos provocar decisões contraditórias, inconsistentes, ou interferir no direito de outros membros do grupo indeterminado de pessoas; o segundo diz respeito à matéria alegada pela parte contrária, que litiga com a classe, grupo ou categoria. Se a parte adversa invoca direito aplicável a todo o grupo, a decisão aplica-se a todos. Revela-se, aqui, a disciplina dos direitos coletivos em sentido estrito, cujas pessoas do grupo são determinadas ou determináveis. O último requisito impõe que as questões comuns, de fato ou de direito, prevaleçam sobre quaisquer questões individuais e que a ação de classe seja superior, no critério eficácia, ao tratamento das questões individualmente.
Este último requisito foi o que mais influenciou a doutrina brasileira, quando possibilitou a tutela coletiva de interesses individuais homogêneos. Esses interesses, como será visto, são de natureza individual, mas sua tutela coletiva é importantíssima, dada a economia processual que proporciona e a efetividade infinitamente superior da demanda coletiva em relação às variadas ações individuais. Além disso, ao comparar os requisitos acima como as definições de cada espécie de direito constantes do CDC, constatam-se algumas semelhanças, principalmente quando se analisa o critério distintivo referente à existência de vínculo jurídico entre os membros do grupo e/ou entre estes e a parte adversa.
Cumpre observar que a presença desses três requisitos como alternativos revela, na verdade, a existência de três diferentes tipos de class action, apesar de a Reforma de 1966 ter tentado unificar a disciplina desse tipo de ação.
Ada Pellegrini Grinover[10], uma das responsáveis pela introdução da defesa dos interesses individuais homogêneos no direito brasileiro, analisa esses critérios da prevalência e da superioridade sob a óptica brasileira das condições da ação que discuta direitos individuais homogêneos.
Vale lembrar que o Brasil não incorporou as class actions em sua pureza. Para apontar uma só diferença, observe-se que, nos EUA, qualquer cidadão, litigando individualmente, pode requerer que a decisão seja aplicável a toda a categoria em que se encontra inserido, desde que atenda aos requisitos demonstrados acima. No Brasil, a legitimidade para propor ação civil pública está ou nas mãos de associações civis ou de órgãos estatais (União, Estados, Ministério Público, Defensoria Pública etc.). Foi uma das formas de mitigar o controle que nos EUA se faz sobre a qualidade da representação. Como aqui não se avalia essa qualidade, restringe-se a legitimidade, utiliza-se uma coisa julgada secundum eventum litis e se utilizam outras formas de minimizar os riscos de eventual demanda mal conduzida.
Ao lado das class actions, existem também as public interest actions. Estas últimas tutelam mais os interesses da sociedade como um todo do que os interesses individuais processualmente coletivizados. Segundo Ronaldo Cunha Campos, “uma rígida separação entre as duas espécies não se mostra aconselhável”.[11] Diz o doutrinador que ambas as ações confundem-se, não havendo uma zona limítrofe distintiva entre ambas. Prova a afirmativa com o exemplo de uma class action que fora interposta contra certa empresa de táxi acusada de alterar os taxímetros, cobrando tarifas acima das legais. Julgando adequada a ação e procedente o pedido, o Tribunal determinou que se reduzisse o preço abaixo da tabela tarifária até que fosse compensado o período em que passou cobrando a mais. O benefício, no caso, foi de toda a sociedade, não só dos prejudicados.
Mesmo sendo contra uma diferenciação rígida entre class action e pubic interest action, o jurista mineiro vê, nessa distinção, a possibilidade de identificação dos interesses a serem tutelados[12] pela ação civil pública:
A natureza do interesse pode, na “class action”, ser individual e acontecer simplesmente uma soma, e esta é que dá as dimensões indispensáveis à aceitação de pretensões sob a forma de “class action”.
Já na “public interest action”, público é o próprio interesse. Dizemos público no sentido de interesse dotado de generalidade maior [...].[13]
Por tudo o que foi aqui dito, não é difícil constatar as influências das doutrinas italiana e norte-americana no ainda, pode-se dizer, incipiente tratamento normativo das ações coletivas no Brasil.
Com um breve apanhado das discussões havidas na Itália na década de 70, como o Congresso de Pavia, e do fecundo desenvolvimento das class actions americanas, percebe-se que as dúvidas em torno da legitimidade e dos efeitos da coisa julgada nas ações civis públicas não são novos nem de fácil resolução. A herança alienígena foi sendo apropriada e adaptada de modo que no Brasil se criou um sistema híbrido, mas que não se descola completamente de suas origens.
O estudo das doutrinas americana e italiana sobre o tema ajudará o legislador, o intérprete e os julgadores a melhor encaminhar e desenvolver o processo coletivo no Brasil. Espera-se que o desenvolvimento desse “novo” campo processual desemboque em discussões judiciais mais fecundas e decisões que proporcionem maior economia processual. Espera-se sejam resolvidas, em algumas decisões, discussões multiduniárias, resguardando-se, contudo, as garantias processuais necessárias a uma decisão justa.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Ronaldo Cunha. Ação Civil Pública. Rio de Janeiro: Aide, 1989.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MILARÉ, Edis (coord.). Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
WATANABE, Kazuo et. al.. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
[1]Apud WATANABE, Kazuo et. al.. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 725.
[2] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 46.
[3] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 28.
[4] CAMPOS, Ronaldo Cunha. Ação Civil Pública. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 56-58.
[5] Idem, ibid., p. 58-104.
[6] Não se considera, aqui, o caso da ação popular, em que qualquer cidadão é o legitimado. Entende-se que seus fundamentos são mais o controle da atividade administrativa do que a defesa de um grupo determinado em face do Estado ou de particulares, caso dos direitos coletivos.
[7] CAMPOS, Ronaldo Cunha, op. cit., p.70.
[8] Idem, ibid., p. 71.
[9] Op. cit.., p. 84.
[10] MILARÉ, Edis (coord.). Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 30-39.
[11] Op. cit., p. 94.
[12] Vale lembrar que, embora a obra citada tenha sido publicada após a edição da Lei da Ação Civil Pública, fora escrita antes. Por isso, o autor já lançava fundamentos para uma futura lei que viesse a ser publicada.
[13] CAMPOS, Ronaldo Cunha, op. cit.., p. 108
Procurador Federal. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DINIZ, Braulio Gomes Mendes. A contribuição das doutrinas italiana e norte-americana para o modelo brasileiro de ação coletiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36675/a-contribuicao-das-doutrinas-italiana-e-norte-americana-para-o-modelo-brasileiro-de-acao-coletiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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