1. Castração química
1.1. O que é?
A castração química é uma forma temporária de castração ocasionada por medicamentos hormonais para reduzir o libido. Diferente da castração cirúrgica, intervenção na qual os testículos e ovários são removidos através de incisão no corpo. Castração química não retira as genitálias da pessoa e também não é uma forma de esterilização.
É uma medida preventiva ou de punição àqueles que tenham cometido crimes sexuais violentos, tais como estupro e abuso sexual infantil. Depo-Provera, uma progestina, é uma droga que é por vezes utilizada no tratamento e possui potente efeito sobre o comportamento sexual, reduzindo a libido, inibindo a espermatogênese e reduzindo o volume da ejaculação, ocasionando, por decorrência, diminuição de fantasias sexuais.
1.2. Benefícios
A castração química reduz a libido. A reincidência de criminosos sexuais cai de 75% (setenta e cinco por cento) para 2% (dois por cento) após a aplicação do hormônio feminino, segundo pesquisas realizadas[1].
1.3. Aplicação em outros países
Essa pena já é aplicada em países como os Estados Unidos e o Canadá e está em fase de implantação na França e Espanha.
1.4. Aplicação no Brasil. É possível?
Tramitou no Senado Federal o PLS 552/2007, de autoria do então Senador Gerson Camata. Este projeto visava acrescentar ao Código Penal o art. 216-B, o qual cominaria pena de castração química ao agente infrator que, uma vez considerado pedófilo, cometesse crimes sexuais. O projeto foi arquivado nos termos do art. 332 do Regimento Interno do Senado Federal, pois não foi concluído durante a legislatura de seu autor.
Atualmente não há no Brasil nenhuma lei que autorize a castração química expressamente e, em razão do princípio da legalidade (não há pena sem prévia cominação legal), esta forma de penalização é vedada.
No entanto o projeto de lei chegou a tramitar perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado e sob a relatoria do então Senador Marcelo Crivela, obteve parecer favorável à sua aprovação.
Em sua fundamentação, Marcelo Crivela discutiu se a pena de castração química ofenderia a dignidade da pessoa humana e seria pena desumana ou degradante. Conclui que não.
Destacou que o indivíduo tem um direito que pode arguir contra o Estado. Tal direito individual consubstancia-se na ideia política de liberdade negativa: há fronteiras dentro das quais os homens são invioláveis, que impedem a imposição da vontade do Estado ou da de um homem sobre outro. Daí resulta o princípio básico do Estado de Direito.
Todavia, já é pacificado em nossa doutrina jurídica e na jurisprudência que os direitos individuais não são absolutos. Ou seja, não formam fronteiras que impedem de forma absoluta a imposição da vontade do Estado. Portanto, deve-se observar o princípio da convivência das liberdades.
Sopesou que, em um conflito entre a saúde pública e inviolabilidade física e moral do pedófilo, utilizando-se a técnica da ponderação de interesses, prevaleceria a primeira.
Destacou que o fundamento das liberdades negativas seria a dignidade da pessoa humana e, sob este prisma, afirmou que dignidade é um preceito lockeano-kantiano que foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico e, etimologicamente, deriva do latim dignus, ou seja, aquele que merece estima e honra.
Não é um valor absoluto, autônomo ou auto-referido, depende de atribuição. Ou seja, depende do outro, da relação social. Para Kant trata-se de um valor moral de interesse geral.
E sob o interesse geral, pedófilos violariam contundentemente as cláusulas do contrato social, o que legitimaria um tratamento jurídico mais rigoroso de seus atos.
Assim é que, sob a ótica do constitucionalismo moderno, a terapêutica química justamente vem para tornar possível o retorno do pedófilo ao ambiente social, para que ele possa, superada sua patologia biológica, retomar suas ações sociais (de interesse geral), sem constituir um perigo para os outros.
Portanto, não há inconstitucionalidade na proposta de castração química, sobretudo porque não foi violado o postulado maior das liberdades negativas, que é a dignidade da pessoa humana.
Contudo, feita esta divagação, cabe lembrar que o projeto foi arquivado e não há, atualmente, qualquer autorização legal para a pena de castração química.
Poder-se-ia dizer, então, que a castração química não seria pena, mas sim, medida de segurança?
Cremos que sim.
Conforme estudos apresentados pela Associação Americana de Psiquiatria, a pedofilia é sim um distúrbio mental. Para o psiquiatra Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), as confusões com o nome pedofilia aparecem porque se trata de uma palavra usada pela medicina, direito e pela linguagem policial. Na verdade, o nome se refere exclusivamente a um diagnóstico médico[2].
Como a pedofilia é uma doença que precisa ser diagnosticada por um psiquiatra, a maioria dos casos que vemos todos os dias não é de pedofilia, mas, tecnicamente, de abusos sexuais. Às vezes, o pedófilo não chega a cometer abusos. E quando isso realmente acontece, é feito por criminosos comuns que abusam de crianças por ocasião, por uma questão pessoal, mas nem sempre por ter o transtorno.
Já o doente percebe que tem o incontrolável desejo e, muitas vezes, sofre com isso desde o início da idade adulta.
Sendo a pedofilia um distúrbio mental, uma patologia, acreditamos que seu tratamento deve sim se dar com medida de segurança, e não como pena.
Ainda que se entenda ser a medida de segurança uma sanção penal e que, pelo princípio da legalidade não há pena sem prévia cominação legal, entendemos que a proposta legislativa deveria se dar no sentido de incluir a castração química no rol do art. 96 do Código Penal. Não há necessidade, salvo melhor juízo, de criminalizar mais uma conduta para que se tenha a efetiva sanção. Basta regulamentar a própria sanção.
De outro lado, o disposto no art. 96 do Código Penal, tal como vigente se encontra, permite entender que a internação ou sujeição a tratamento ambulatorial é cabível a qualquer inimputável, independentemente da classificação da patologia. O pedófilo não estaria excluído das hipóteses de cabimento da internação ou sujeição ao tratamento ambulatorial, uma vez constatada, por perícia, a inimputabilidade ou semi-imputabilidade.
Com a reforma de 1984 o Código Penal passou a adotar o sistema vicariante, não mais vigendo o duplo binário, segundo o qual o agente considerado perigoso que cometesse delito grave e violento era submetido tanto a pena privativa de liberdade quanto a medida de segurança.
De acordo com o novo sistema, se um agente imputável comete algum ilícito será submetido a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, conforme o caso. Se o agente for inimputável deverá ser submetido a medida de segurança. Excepcionalmente poderá o agente semi-imputável ser submetido a medida de segurança. Esclarece Cézar Roberto Bitencourt[3] as hipóteses em que isso acontecerá:
“As circunstâncias pessoais do infrator semi-imputável é que determinarão qual a resposta penal de que este necessita: se o seu estado pessoal demonstrar a necessidade maior de tratamento, cumprirá medida de segurança; porém, se, ao contrário, esse estado não se manifestar no caso concreto, cumprirá a pena correspondente ao delito praticado, com a redução prevista (art. 26, parágrafo único)”.
Assim, para saber se um agente será submetido a pena ou medida de segurança, deve ser observado se ele é imputável ou não. Caso afirmativo, a reprimenda consistirá em pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Caso negativo, será submetido a medida de segurança.
Pois bem, se a patologia é identificada por perícia médica, aferida a incapacidade do agente, relativa (semi-imputabilidade) ou absoluta (inimputabilidade) de entender o caráter ilícito do fato praticado ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, esta constatação, por si só, autoriza a aplicação de medida de segurança, mediante a imposição de internação para o tratamento apropriado (CP, art. 96, I), ou sujeição a tratamento ambulatorial (CP, art. 96, II).
O tema é polêmico e sua discussão está longe do fim. Mas é certo que, à luz da Constituição de 1988, não há problemas em se adotar a castração química como medida de segurança, oferecendo ao agente o que ele precisa, que é tratamento médico.
BIBLIOGRAFIA
BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1, 17ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – parte geral – vol. 1, 3ª ed., São Paulo, Método, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial, 7ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011.
Website www.senado.gov.br, acessado em 17/09/2013
Website www.wikipedia.com.br, acessado em 17/09/2013.
[1] SILVA Jr, Antenor Costa. Castração química X Dignidade da pessoa humana. São Luís, Maranhão, 2010. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2989>.
[2] Website http://noticias.r7.com/saude/noticias/pedofilia-deve-ser-vista-como-transtorno-mental-20100518.html, acessado em 17/09/2013
[3] Tratado de Direito Penal, Parte Geral, 17ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012
Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Professor na EJEF - Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes. Enviado Especial do Poder Judiciário Brasileiro em Missão de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU) para implantação da Justiça no Timor-Leste com atuação junto à presidência da "Corte Suprema" de Timor Leste (2012-2013). Ex-diretor do Foro da Comarca de Uberlândia-MG. Juiz Criminal em Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Joemilson Donizetti. Castração Química como Medida de Segurança: é possível no Brasil? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36865/castracao-quimica-como-medida-de-seguranca-e-possivel-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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