Resumo: O presente artigo possui por objetivo abordar a evolução conceitual do direito de ação, desde sua concepção romanística até o advento das modernas teorias da ação. A par da evolução conceitual da ação, um fenômeno destacou-se no século XX: o deslocamento do eixo central do processo civil, focado anteriormente na ação, para uma vertente principal fundada no conceito de jurisdição moderna. Destarte, o artigo contempla a evolução do primeiro instituto, a ação, com todos os consectários históricos e críticos acerca da evolução deste. Em seguida, verificar-se-á que apesar das tentativas teóricas da ação, outro instituto surge com maior proeminência na seara processual, em virtude de questionamentos não resolvidos pelo primeiro (ação), nascendo assim o protagonismo da jurisdição como reflexo do poder estatal voltado para resolução e pacificação dos conflitos.
Palavras-chave: Teoria Geral do Processo. Processo Civil. Ação. Evolução histórica. Jurisdição Moderna.
Abstract: This article has aimed to address the conceptual evolution of the action right from its inception romanística until the advent of modern theories of action. Alongside the conceptual evolution of action, a phenomenon highlighted in the twentieth century: the displacement of the central axis of civil procedure, previously focused on the action for a major part founded on the concept of modern jurisdiction. Thus, the article describes the evolution of the first institute the action, with all consectários historical and critical review of the development of this. Then it will check that despite attempts theoretical action, another institute appears most prominently in the harvest procedure, because of unresolved questions by first institute (action), giving rise to prominence as a reflection of the jurisdiction of state power facing conflict resolution and peacemaking.
Keywords: General Theory of Case. Civil Procedure. Action Historical evolution. Modern Jurisdiction.
Sumário: 1. Introdução; 2. Ação; 3. Jurisdição; 4. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O presente texto aborda uma breve digressão às origens do conceito de ação, cujas reminiscências apontam para o direito romano e alcançando a teoria clássica da ação, cujo expoente, Savigny, cunhou o conceito que ainda opera efeitos até os dias de hoje.
Pois bem, o Direito, como toda e qualquer ciência humana, sujeita-se aos movimentos históricos da sociedade regente à época. Ao verificarmos a sociedade romana, estratificada rigidamente em classes sociais, sendo que apenas uma pequena parcela desta com acesso aos juízes da época, o conceito de ação correspondente no período se adequava perfeitamente às expectativas dos cidadãos romanos.
Cabe aqui abrir um parêntese para delimitarmos a fase do direito romano em que efetivamente surgiu o conceito romanístico de ação. Tal período foi denominado como formulário, tendo como características básicas apontadas por Moacir Amaral dos Santos:[1]
Em suma, no período chamado formulário, também conhecido por clássico, quando o gênio jurídico dos romanos atingiu o seu esplendor, o regime procedimental apresentava, dentre outras, as seguintes características: a) o procedimento era todo oral, inclusive a sentença, salvo a formula, que era escrita; b) dividia-se em duas fases distintas _ in jure e in iudicio, aquela perante o magistrado, esta perante o juiz, ambas isentas da prática de solenidades que caracterizavam o procedimento anterior; c) na fase in jure, concedida a ação, se elaborava a fórmula escrita, característico (sic) que dá nome ao sistema, e pela qual se pautava a missão do juiz na fase in iudicio; d) as partes compareciam pessoalmente, mas podiam ser orientadas por juristas e assistidas por cognitores ou procuratores; e) os atos processuais se desenvolviam com audiência e contrariedade recíproca das partes (princípio do contraditório); f) a prova dos fatos incumbia à parte que os alegava; g) o juiz, a quem se destinavam as provas dos fatos, as apreciava e nelas formava livremente sua convicção (princípio da livre convicção do juiz); h) a sentença, acolhendo a pretensão do autor, condenava o réu numa soma em dinheiro, ainda quando a causa versasse sobre coisa certa e determinada.
Nesta etapa as relações jurídicas se tornaram mais complexas em virtude do avanço do Império Romano por grandes territórios conquistados. O direito era operado então por árbitros privados, porém a sentença era imposta pelo Estado às partes, possuindo assim o poder necessário para efetivamente por fim ao litígio ou demanda posta em juízo. Mais adiante veremos que a substituição dos árbitros privados por juízes estatais é outra implicação que mudará consideravelmente o conceito de ação.
Neste contexto, o conceito de ação surge no direito romano como uma imagem simétrica do direito material ou, especificamente, direito subjetivo material. Neste sentido a propalada frase do jurista Celso:” não há ação sem direito; não há direito sem ação; a todo direito corresponde uma ação”. Logo, se houvesse um direito material subjetivo tal direito seria protegido pela ação correspondente, havendo desta forma um mecanismo automático de tutela a tal direito.
A fórmula conceitual romana atendia desta forma outra característica essencial ao sistema jurídico romano: a seletividade. Conforme exposto acima, na sociedade romana socialmente estratificada o direito de ação atende tão somente aquela parcela abastada da população e com direitos civis. Ademais, o exercício da ação tinha um custo judicial que somente habilitava ao manejo de tal mecanismo os que possuíam renda e propriedades suficientes nesta sociedade antiga.
Destaca-se, portanto, que o conceito de ação se encaixava à própria sistemática da jurisdição: seletiva na matéria e restrita a poucos indivíduos da sociedade de então.
Aqui também destacamos que não havia ainda uma preocupação científica com o processo e seus institutos jurídicos, tendo em vista a total subordinação deste ao direito material.
Após a decadência do Império Romano houve um verdadeiro retrocesso do direito romano, que culminou no direito sincrético com regras tantas do direito germânico, do direito canônico e do próprio direito romano. A então tecnicidade do direito romano foi substituída por um processo dominado por referências religiosas, cuja marca destacada se deu pelas condenáveis “ordálias ou juízos de Deus”. Nas lições de Humberto Theodoro Júnior:[2]
A princípio, nem mesmo uniformidade de critérios existia, pois, entre os dominadores, cada grupo étnico se regia por um rudimento próprio e primitivo de justiça, segundo seus costumes bárbaros.
Numa segunda etapa, houve enorme exacerbação do fanatismo religioso, levando os juízes a adotar absurdas práticas na administração da Justiça, como os “juízos de Deus”, os “duelos judiciais” e as “ordálias”. Acreditava-se, então, que a divindade participava dos julgamentos e revelava sua vontade por meio de métodos cabalísticos.”
Ao longo dos séculos posteriores nada mudou no conceito de ação. Se antigamente na sociedade romana ao juiz somente era permitido julgar uma quantidade de demandas previamente determinadas pelo direito subjetivo material, aos juízes medievais apenas era permitido julgar causas as quais o soberano lhe outorgasse tal poder ou permissão. Aqui continua nitidamente a relação de subordinação do conceito de ação ao direito subjetivo do autor.
Foi em meados do século XIX, com o surgimento do cientificismo e sua repercussão na seara jurídica, que se inicia um novo repensar do direito de ação com vistas a uma teoria cientificamente aceita e válida. Assim ensina Dinamarco[3]:
O direito processual despertou como ciência na segunda metade do século XIX, a partir de quando pôde ser definido seu objeto específico e estabelecido seu método próprio.
Até então era havido e tratado como mero apêndice do direito privado e chamado direito adjetivo porque não lhe atribuíam os juristas o predicado da autonomia: o adjetivo não tem vida própria e não passa de uma qualidade do substantivo, sempre dependente da existência deste para que possa existir. O processo, naquela visão sincrética, não passaria de mero modo de exercício dos direitos.
Ademais, a jurisdição, meio pelo qual se desenvolve e instrumentaliza-se a ação, passa a galgar status relevante no Estado moderno, surgindo deste modo a universalização da jurisdição, que amplia consideravelmente o acesso à jurisdição para maioria da população antes impossibilitada.
AÇÃO
Nesta linha cronológica surge SAVIGNY, o teórico que apresentou ao direito processual a nova concepção de ação caracterizada pela violação de uma relação jurídica obrigacional.
Para Savigny o direito de ação decorria diretamente não do direito subjetivo material do autor, mas sim de uma lesão deste direito em decorrência do seu não cumprimento pela parte adversa. Destarte, somente possuía direito à ação aquele sujeito detentor do direito material que tivesse violado o seu direito subjetivo, necessitando, portanto, da ação estatal para cumprimento regular da relação jurídica com a entrega do bem ou cumprimento da obrigação pelo devedor.
A doutrina de Savigny ficou conhecida como teoria civilista ou imanentista, pois em que pese utilizar-se de outra base metodológica para conceituar do direito à ação, não conseguiu se desvencilhar dos fundamentos romanísticos que então ainda regiam o direito germânico-europeu. Como se refere Rosemiro Leal[4]: “Assim, para essa escola, o direito material (bem da vida jurídica) era imanente à ação para exercê-lo, o que queria dizer que ação e direito surgiam de modo geminado, não sendo possível separá-los.”
A teoria civilista possuía ainda uma ligação estreita com o direito privado. Notadamente o direito obrigacional ou contratual. Daí surge umas das primeiras críticas à doutrina que não conseguia abarcar novos direitos surgidos de um ambiente jurídico não obrigacional ou contratual. Nas palavras de Mauro Cappelletti e Bryant Garth[5]:
A concepção tradicional do processo civil não deixa espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares.
Não menos importante destacarmos que a teoria de Savigny cumpria outro papel importantíssimo, que era dar base de sustentação teórica ao novo conceito de jurisdição, cuja ampliação citada anteriormente caracterizou as sociedades modernas surgidas após a revolução francesa. Neste contexto a universalização do acesso a jurisdição foi alçado à condição de direito inerente ao exercício da própria cidadania, enquanto indivíduo componente de uma sociedade.
Todavia, não nos enganemos no que diz respeito à permanência da seletividade como fator excludente do acesso universal à jurisdição. A seletividade continua a permanecer como característica da jurisdição, todavia, não mais tão restrita ao nominalismo do direito romano. Não se pode olvidar que a multiplicidade das relações sociais se ampliou muitíssimo desde a sociedade romana ao advento da sociedade moderna. Logo, o número limitado de direitos postos ao cidadão, bem como a seletividade existente à época, não mais se adequava à teoria geral do processo dos tempos modernos.
No cenário nacional a doutrina civilista encontrou respaldo na doutrina jurídica brasileira, sendo um dos pilares da codificação civil e externada com plena fidedignidade no artigo 75 do código civil de 1916, que preconizava que a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura. Interessante notar que a doutrina de Savigny, conforme se constata, perdeu força já em meados do século XIX, todavia, nosso código civil de 1916 apresentou um certo anacronismo com a derrocada parcial da doutrina ou teoria que sedimentava tal dispositivo legal.
Enquanto teoria, a concepção civilista da ação não se manteve em face de diversos paradoxos ou questões não respondidas que minavam sua autoridade enquanto doutrina científica. Desta maneira, questões como a publicidade da relação jurídica processual (direito de obter do estado uma declaração judicial), o fenômeno da improcedência ou carência da ação, dentre outras questões, enfraqueceram a utilização desta teoria no decorrer do avanço da moderna processualística.
Visto tais implicações, desde o advento da concepção romanística da ação até a teoria clássica civilista de Savigny, podemos verificar que houve tão somente neste diapasão uma necessária adequação muito mais ao contexto politico das sociedades modernas do que eventualmente o surgimento de uma teoria completamente independente dos postulados romanísticos. De toda sorte, seria demasiadamente injusto não reconhecermos os avanços que esta última teoria possibilitou, seja pela busca de uma metodologia científica para sua sustentação, seja pela possibilidade da abertura de discussões por outros teóricos do direito processual, possibilitando assim a evolução que toda ciência necessita para alcançar um grau de segurança e respeitabilidade no meio científico em que se insere.
JURISDIÇÃO
O direito processual, como visto anteriormente, possuiu na teoria da ação um dos marcos teóricos iniciais da disciplina dogmática, sendo que esta (teoria da ação) ocupou durante a maior parte da história o papel central na doutrina processualista.
Neste contexto, a trilogia processual (ação, jurisdição e processo) que possuía uma representação gráfica linear entre os três pilares da dogmática processual, passou a evoluir para uma dimensão topográfica diferenciada, na qual a jurisdição assume o topo de uma relação angular, restando à ação e ao processo um papel complementar, não caracterizado como vínculo subordinativo, contudo, como coadjuvantes da dogmática processual, tendo na jurisdição, nos dias atuais, o seu principal vetor direcional. Neste sentido leciona Câmara[6]:
A jurisdição é, aliás, como muitas vezes aqui afirmado, o mais importante entre todos os institutos da ciência processual, constituindo-se em verdadeiro pólo metodológico dos estudos deste ramo do Direito. Em outras palavras, a jurisdição ocupa posição central na estrutura do Direito processual, sendo certo que todos os demais institutos de nossa ciência orbitam em torno daquela função estatal.
Como e em que momento a jurisdição assume esse papel principal? A resposta a presente questão surge com um fenômeno corrente em todas as sociedades democráticas modernas: a constitucionalização do processo civil e a publicização da jurisdição. Quanto a definição do modelo constitucional do processo civil brasileiro, disserta o professor Dinamarco[7]:
“um modelo particularmente garantístico, com severos ditames preordenados ao processo justo e à preservação das liberdades (inclusive pela proibição das provas obtidas por meios ilícitos), no qual ao Poder Judiciário compete todo o controle jurisdicional – inclusive em relação a todas as causas envolvendo a Administração pública e à constitucionalidade das leis – podendo o controle de constitucionalidade ser difuso ou coletivo, dispondo o Supremo Tribunal Federal de competência para rejulgar as causas em grau de recurso extraordinário sem se limitar à mera cassação e sendo públicos os julgamentos feitos pela própria corte suprema e por todos os órgãos jurisdicionais em todas as Justiças existentes no Brasil.”
Conforme visto acima, a ação na doutrina romanística possuía o papel principal em virtude de sua completa subordinação ao direito material, predominantemente de caráter privado. Ademais, a jurisdição era exercida por juízes privados que se utilizavam do poder coercitivo do Estado para fazer valer suas sentenças. Tal cenário perdurou por séculos, sendo inclusive base doutrinária para formulação das modernas teorias da ação.
Todavia, o panorama acima começa a se modificar com o advento dos modernos estados democráticos de direito, nos quais a Constituição assume papel de destaque no sistema jurídico estatal, e consequentemente, a jurisdição passa a possuir bases constitucionais que captam para si o poder estatal de declarar e efetivar o direito na sociedade.
A jurisdição não requer em sua formulação conceitual/teórica qualquer vinculação com o direito material para o exercício de sua função ou missão constitucional. Destarte, o abstraimento tão buscado para justificação das modernas teorias da ação é encontrado facilmente no poder estatal jurisdicional.
Houve críticas no tocante a este deslocamento do centro de importância da ação, buscando refutar a importância da jurisdição em detrimento da ação tendo em vista que aquela somente pode ser veiculada através da ação, sendo de conhecimento de todos o princípio da “inércia da jurisdição”. Entretanto, tal pensamento surge em decorrência das amarras ainda presentes do pensamento romanístico e sua “actio”. Cabe lembrar que o autor era peça central na teoria da ação, sendo o réu apenas um personagem que compunha a relação processual. Neste sentido o Mestre Cândido Rangel Dinamarco[8] entende que:
“O processo não é institucionalmente destinado à satisfação das aspirações do autor, sendo lícito também ao réu esperar pela tutela jurisdicional – que obterá se sua posição estiver amparada pelo direito material. Sequer politicamente se legitima portanto o privilégio metodológico tradicionalmente conferido à ação. Ela e a defesa são importantes garantias outorgadas aos litigantes, mas ambas convergem à jurisdição e são exercidas para preparar o correto exercício desta. O resultado do processo é obra da jurisdição.”
O direito processual teve que necessariamente evoluir para acompanhar os desdobramentos das modernas Constituições que não mais se dirigiam a uma classe determinada na sociedade, mas passou a reger toda uma coletividade com supedâneo em princípios de amplo acesso democrático às instituições jurídicas, outorgando direitos fundamentais outrora cerceados, ou mesmo não reconhecidos oficialmente para as camadas mais pobres da sociedade contemporânea. Direitos que outrora sequer se vislumbravam, tais como o direito ambiental e do consumidor, passam a exigir instrumentos processuais modernos e ágeis para sua proteção e consecução. Mais uma vez destacamos que a ação, voltada exclusivamente para o individualismo dominante em sua teoria, teve que buscar na jurisdição a forma de como adaptar-se à nova realidade processual.
Sob o paradigma do Estado liberal verifica-se claramente que a jurisdição tutelava principalmente o direito subjetivo[9], o que necessariamente atraía a feição privatista do direito, especialmente o direito civil. Com o advento do “Welfare State” e suas políticas públicas voltadas ao bem estar social dos cidadãos, novos direitos (principalmente coletivos e difusos) passaram a ter destaque em tais sociedades. Para tutela de tais direitos, que não encontram paradigma nos já defasados conceitos da teoria da ação, a jurisdição emerge como instituto processual apto a outorgar às novas classes de direito a seara própria para sua consecução e defesa.
Neste âmbito, diferentemente da teoria da ação que sempre esteve muito mais voltada para tutela dos direitos do autor, já que a este caberia o direito de manejar uma ação perante o judiciário, na jurisdição moderna não há uma primazia ou privilégio do autor. Considera-se que a jurisdição tutela as partes envolvidas no litígio, sendo que no mais das vezes reconhece e declara o direito do réu ou demandado. Saímos da fase individualista do processo e avançamos em um direito processual coletivo, metaindividual ou mesmo difuso. O contexto se apresenta como uma expansão de um direito inerente a todos os indivíduos da sociedade: o acesso a jurisdição. Não somente um acesso formalístico, mas sim um acesso que efetivamente outorga, a qualquer das partes, o direito concreto e efetivo que possa trazer a pacificação social entre os litigantes.
Neste contexto, princípios constitucionais processuais como o da inafastabilidade da jurisdição[10] e do devido processo legal passam a ser vetores não somente da jurisdição, mas também do próprio processo civil em sua completude. A constitucionalização do processo civil é o fenômeno jurídico que inaugura um novo paradigma no âmbito desta cátedra do direito. O processo civil, como outras disciplinas jurídicas, passa a buscar na Constituição a sua legitimidade, num processo sincrético que propicia um avanço no que diz respeito ao Estado Democrático de Direito e a observância da tutela dos direitos fundamentais do indivíduo.
O processo passa então a ser visto como instrumento da jurisdição para outorga de direitos e defesa destes. O juiz enquanto agente estatal passa a colocar-se numa posição mais central, utilizando-se de uma maior proximidade das partes e não mais no modelo equidistante outrora propugnado. A figura do juiz imparcial, frio e somente ativo quando demandado não mais se apresenta como modelo eficaz no atual estágio da jurisdição. Os poderes do juiz se ampliam com o surgimento de mecanismo processuais tais como: tutela antecipada, determinação da produção de provas, verificação do princípio da boa-fé processual, dentre outros. A jurisdição passa a deter o comando do processo, instruindo os limites e alcance da lide discutida judicialmente.
Contudo, tal ativismo judicial[11] também apresenta consequências ou reações adversas que devem ser mitigadas. A perda da imparcialidade do juiz, o manejo próprio na produção de provas, a não aplicação das leis que não possuem vícios de inconstitucionalidade, acarretam instabilidade nas relações processuais, ocasionando desdobramentos que afrontam deliberadamente o princípio do devido processo legal. Destarte, há que se buscar um equilíbrio nas ações jurisdicionais (ações dos juízes) para que estas possam, com a imparcialidade que se espera de um juiz, sem olvidar da busca pela decisão mais justa e equânime para o caso, aplicar corretamente os princípios e regras jurídicas atinentes à demanda em exame.
Apesar de eventuais excessos que possam surgir desta nova fase da jurisdição enquanto instituto protagonista do direito processual, não se ofusca a evolução que tal modelo traduz para um processo civil moderno e consentâneo com os anseios dos cidadãos que compõem um Estado.
CONCLUSÃO
A superação da teoria do processo como relação jurídica, fundada num vínculo de sujeição entre as partes, de supra ordenação, demanda uma reflexão a respeito dos demais institutos estruturantes da teoria do processo.
A adoção da teoria do processo como procedimento em contraditório funda-se na adoção do paradigma do Estado Democrático de Direito, mas ela deve ser compreendida a partir deste marco definidor e da compreensão do Modelo Constitucional do Processo, pois o mesmo se estrutura a partir da atuação efetiva dos afetados pela decisão.
A proposta deste trabalho foi demonstrar, portanto, as importantes modificações para a Teoria do Processo, em razão da adoção da teoria do processo como procedimento em contraditório, principalmente no que tange aos conceitos de Jurisdição e Direito de Ação. Ao adotar a compreensão do processo como procedimento em contraditório, refletindo deste modo a própria natureza ontológica do processo, impede-se a simples transposição de conceitos estruturados com base nas teorias relacionistas para o novo modelo constitucional. Esta é a árdua tarefa que deve ser alcançada pelos teóricos do processo civil da atualidade.
[1] SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Vol. I, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 1984, p. 42/43.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 36ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 11.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. 1. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 50.
[4] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. São Paulo: Síntese, 2001, p. 122.
[5] Acesso à justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. Pág. 50.
[9] “Nos estados liberais ‘burgueses’ dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação”. CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Op. Cit. p. 9.
[10] “Com sede constitucional no art. 5º, XXXV, o referido princípio impede que o legislador restrinja o acesso à ordem jurídica ou ao ordenamento justo, bem como impõe ao juiz o dever de prestar a jurisdição, isto é, garantir a tutela efetiva, a quem detenha uma posição jurídica de vantagem”. (PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 30).
[11] “A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público”. (BARROSO, Luis Roberto. Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf.> Acesso em: 01/07/2013.
Procurador Federal, Coordenador-Geral de Estudos e Normas da Procuradoria Federal junto à PREVIC, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL, Membro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar - CRPC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HENRIQUE, Adriano Cardoso. Dos primórdios da ação ao protagonismo da jurisdição moderna - uma visão conceitual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 out 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36927/dos-primordios-da-acao-ao-protagonismo-da-jurisdicao-moderna-uma-visao-conceitual. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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