Discorrer sobre a natureza filosófica, sociológica e jurídica da Constituição é tema tratado pela maioria dos autores dentro da esfera da Teoria da Constituição. Assunto interessantíssimo e fundamental para todos os demais ramos do direito como ciência e como direito posto, a Teoria da Constituição além de atual e moderna, enfrenta muitos desafios.
Nessa área do conhecimento, o mundo foi prodigioso em mestres, que, desde a antiguidade se debruçaram sobre o tema, ainda que do ponto apenas filosófico ou político, como Platão, Aristóteles, Solon, Cícero, e já no renascimento: John Locke, Montesquieu, Jean-Jaques Rousseau, dentre tantos intelectuais que vêm até ao dia de hoje desenvolvendo a temática.
No presente trabalho, tecer-se-á um debate em termos de diálogo entre duas vertentes de pensamento: a) Hans Kelsen e Carl Schmitt; e b) Emmanuel Joseph Sieyès e Ferdinand Lassale.
Nesses dois contrapontos, tentaremos, ao decorrer do presente trabalho, mostrar que os dois modelos explicados são dos mais importantes, dentro da Teoria da Constituição, haja vista a modernidade com que ainda hoje se discutem, e pela aplicabilidade prática de seus conceitos.
Começaremos pelo grande jurista de Viena, Hans Kelsen, e Carl Schmitt grande defensor do direito à isonomia dentre do Estado Democrático de Direito.
Empós, passamos a discorrer sobre a Teoria da Constituição sob o enfoque sociológico de Ferdinand Lassale.
Qual está correto? O que é a constituição? A constituição vem antes ou depois do Estado? Qualquer tipo de constituição é possível? Quem pode alterá-la: a sociedade ou o povo? Estas são algumas das questões que levantaremos para o debate, sem arrogância de tentar resolver em termos absolutos o tema, que ainda hoje é objeto de detida análise de muitos jurisconsultos em todos os países culturalmente desenvolvidos do mundo.
HANS KELSEN versus CARL SCHMITT
O direito à igualdade e o juspositivismo kantiano
Disputa-se ainda hoje quem melhor descreveu a anatomia das normas jurídicas, cabendo, sem dúvida alguma, grande parte dos louros a Hans Kelsen, pelo estabelecimento de uma análise altamente científica para a questão.
Hans Kelsen ao estudar a estrutura da regra de direito fixou a existência da endonorma (norma de conduta) e da perinorma (sanção). O preceito ou a vontade primária da lei está na endonorma.
A estrutura da norma jurídica é composta de duas partes: a) mandamento; e b) sanção. Pode-se separar a sanção da norma inicial, entendendo-a como outra norma, como tem feito alguns doutrinadores. A sanção sem o preceito é arbitrariedade ilegal.
O mandamento sem sanção é nada mais que uma obrigação natural cujo cumprimento não se pode exigir.
A função da perinorma é, precipuamente, agir quando quebrada a endonorma. Cossio, seu discípulo, desenvolveu a teoria da norma jurídica como disjuntiva[1].
Para Kelsen, a norma é vista como um dever-ser, e, no âmbito da Teoria da Constituição, o dever-ser superior. É o que foi difundido entre seus seguidores como a estruturação das normas em pirâmide, sendo que as normas constitucionais estariam no ápice, no topo, da pirâmide, estando todas as demais normas jurídicas abaixo e submetidas a elas.
Feitos os prolegômenos à estrutura da regra de direito e ao postulado estatuído por Kelsen de que a Constituição é a norma suprema, da qual todas as demais decorrem, temos como fator de debata crucial o princípio da isonomia defendido amplamente na doutrina de Carl Schmitt.
O temor de o direito positivo, ou o direito constitucionalmente posto, de forma científica e neutra, pela teoria pura do direito, de forma abstrata pelos juspositivistas sempre trazem à discussão a possibilidade de admissão de um Estado que não o democrático de direito.
Em que pese ainda subsistam estados de direito ditatoriais, embora a segunda guerra mundial tenha provado o perigo do facismo e, mais recentemente, a primavera árabe tenha abalados seus fundamentos, o entendimento de Carl Schmitt sobre a importância da prevalência do direito à igualdade no Estado democrático de direito, vem, entendemos, enriquecer o direito positivo no sentido de que a Constituição é a norma suprema e anterior mesmo ao Estado.
Segundo sua teoria, a constituição, porquanto institui o Estado, criando seus órgãos e suas atribuições e toda a estrutura burocrática que o mantém e o movimenta, seria a mesma anterior ao próprio Estado.
Carl Schmitt, tendo por norte os princípios e direitos humanos da igualdade e todos os demais, que, por exemplo, estão estampados no art. 5º da Constituição da República Federativa brasileira, não vê o Estado sem que se assegure, dentre outros direitos fundamentais, o direito à igualdade.
Não se pode esquecer dos inúmeros conceitos que o positivismo jurídico agregou à ciência do Direito, tais como os conceitos de constituição, mecanismos de alteração, etc.
Hans Kelsen e a sua idéia genial da pirâmide normativa, Carl Schmitt com a defesa dos direitos humanos, máxime o direito à igualdade, a nosso humilde ver se ajustam muito bem no sentido moderno de direito positivo, com segurança humanitária e dentro do inafastável Estado de Democrático de Direito.
Porém, como discorreremos no painel seguinte (qual seja, conceito sociológico da constituição, FERDINANDE LASSALLE versus EMMANUEL JOSEPH SIEYÈS), ainda há panos para as mangas na presente discussão.
Conceito Sociológico da Constituição
FERDINAND LASSALE versus EMMANUEL JOSEPH SIEYÈS
Ferdinand Lassale foi genial ao definir sua concepção da constituição, sob o aspecto sociológico, o que o aproxima mais das ideias de Sieyès do que do próprio mentor da teria pura do direito, Hans Kelsen.
Para Ferdinand Lassale, a constituição decorre das forças sociais e do poder de fato, que formalizam na norma suprema total e integralmente seu querer, seja para ampliar, manter ou mudar o status quo.
Tanto assim, que a nossa interpretação da teoria sociológica de Ferdinand Lassale nos leva a afirma que, se a constituição não retratar as forças de poder da sociedade, não passaria a mesma de um punhado de folhas de papel.
Não se discute que as forças de poder: forças sociais, forças econômicas, forças políticas, imprimem no texto da Constituição a sua vontade. Ao contrário do que pode pensar um Rousseau, que a mesma seria fruto apenas da vontade do povo, firmado através de um contrato social, temos que aferir que, além da força popular, existem outras forças que precisam do direito para garantir o sistema de direitos e obrigações que regulam a vida financeiro-econômica do país.
Não se pode fugir desse fator, realmente existente, e muito difícil de ser percebido no texto da Constituição. Vamos exemplificar: quando a Constituição assegura o direito de propriedade a todos os cidadãos, quando a norma prevê que todas as obrigações devem ser adimplidas, quando a lei protege a posse contra eventual esbulho, claramente estamos diante de um sistema de forças de índole capitalista, é, sem sombra de dúvidas, o poder econômico que dita essas regras.
Assim, para Ferdinand Lassale, se as forças de poder rumarem em um sentido e a Constituição noutro, esta passa a não ter valor, é uma folha de papel.
Para Sieyès, a constituição nasce da avença social de todos os partícipes da sociedade civil. Um povo independente erige em constituição aquilo que almeja. Acresce é óbvio que para que haja organização dessa vontade o Estado se organize em Poderes. Esse pacto social, caracteriza sua teoria da constituição como uma constituição política.
Não deixa de ser uma visão sociológica da constituição, com certeza menos radical do que a teoria de Ferdinand Lassale.
Pendo para acolhimento da tese de Ferdinand Lassale, que enfatiza o poder das forças sociais na formação da Constituição. Até porque a Constituição, segundo os positivistas, é o princípio de todo o arcabouço jurídico.
Finalizamos dizendo que ambos foram geniais, que o juspositivismo tem seus grande e louváveis méritos, sendo encontrado por seus seguidores como mais moderno, e que a visão sociológica da Constituição dos outros dois não deixa de conter bastantes verdades e ainda que mais antigas, não deixam de gerar discussões modernas e atuais como a presentemente escrita.
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[1] A.L. Machado Neto, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 6ª. Edição, São Paulo, Saraiva, 1988, p.54.
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Conceitos de Constituição sob a ótica de Hans Kelsen, Carl Schmitt, Ferdinande Lassalle e Emmanuel Joseph Sieyès Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36967/conceitos-de-constituicao-sob-a-otica-de-hans-kelsen-carl-schmitt-ferdinande-lassalle-e-emmanuel-joseph-sieyes. Acesso em: 23 dez 2024.
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