Os direitos humanos, quando positivados em uma ordem constitucional vigente em determinada nação, revestem-se de caráter fundamental[1] (direitos fundamentais), porquanto foram escolhidos pelo constituinte originário como as linhas mestras do sistema de garantia e direitos.
“Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana” é o que almejam os direitos fundamentais, nas palavras de Paulo Bonavides, relembrando Konrad Hesse. Esta seria uma acepção lata dos direitos fundamentais, a qual deve ser analisada ao lado de outra mais restrita, que menciona serem os direitos fundamentais “aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais”[2].
Ao longo dos séculos, desde os primórdios do constitucionalismo até hoje, os direitos fundamentais se fazem presentes nas cartas políticas, vislumbrando-se modificações, contudo, na extensão e eficácia que lhes são conferidos em cada ordenamento jurídico.
Rogério Gesta Leal[3] ensina que
A história dos Direitos Humanos no Ocidente é a história da própria condição humana e de seu desenvolvimento nos diversos modelos e ciclos econômicos, políticos e culturais pelos quais passamos; é a forma com que as relações humanas têm sido travadas e que mecanismos e instrumentos institucionais as têm mediado. Em cada uma destas etapas, os Direitos Humanos foram se incorporando, sendo primeiro nas idéias políticas, e em seguida no plano jurídico (portanto no sistema normativo do direito positivo internacional e interno). Desde os hebreus, com sua visão de Cosmos e religião monoteísta, e na condição de povo perseguido, é possível identificarmos uma certa primazia dada ao tema dos direitos da pessoa humana.
Hodiernamente dividem-se os direitos fundamentais em gerações, também chamadas de dimensões, as quais “não se superam, mas convivem entre si”[4].
Na primeira fase da evolução ocorrida nas sociedades, notadamente pela transição do Estado Liberal para o Estado Social[5], surgiram os chamados direitos fundamentais de primeira geração (também chamados de primeira dimensão[6]). Isto porque pela primeira vez os novos caracteres de um modelo político-social impuseram a elevação dos direitos “humanos” fundamentais a um estamento constitucional.
Os direitos fundamentais de primeira geração/dimensão revestem-se, de forma muito nítida, de uma garantia de não-abuso do poder estatal sobre o cidadão, um limite à competência do Estado[7], que tem força bloqueadora frente à possíveis interferências do Poder Público na órbita individual, pessoalíssima do administrado. Constituem-se em direitos de defesa ou de oposição que o cidadão tem perante a máquina estatal, no dizer de INGO SARLET[8] “direito de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder”.
A doutrina aponta os direitos em comento, e, via de conseqüência, os valores por eles resguardados, exemplificativamente, a vida, a liberdade, a intimidade, a propriedade, a igualdade de todos perante a lei (dita, por isso, formal). BONAVIDES[9], por sua vez, cuidou de classificar estes direitos fundamentais de primeira geração em direitos civis e políticos, associando-os à fase inaugural do constitucionalismo no Ocidente.
A busca do Estado pela justiça social, a repercussão das desigualdades trazidas pelo desenvolvimento industrial e a certeza que os direitos de primeira dimensão não possibilitavam por si só o alcance dessa situação, possibilitou o surgimento (ou reconhecimento) dos direitos fundamentais de segunda dimensão (ou geração).
Realizando-se a inevitável comparação entre os direitos fundamentais de primeira geração é possível afirmar que, os de segunda, ao contrário daqueles, reclamam ações positivas do Estado, pois não têm simplesmente o cunho de abstenção, ao inverso, vicejam também através de atitudes prestacionais, uma vez que são direitos a ações positivas/afirmativas do Poder Público.
INGO SARLET[10] indica que os direitos fundamentais de segunda geração[11] englobam os direitos econômicos, sociais e culturais. A igualdade e a liberdade antes formalmente asseguradas (perante a lei), tornam-se materiais, ganhando um conceito concreto, real. Em outras palavras, o Estado passa a ser garantidor (dever de prestação) das condições necessárias e suficientes para que todos os cidadãos exerçam na sociedade, de forma plena e independente, suas liberdades individuais.
Com efeito, o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região entendeu, em recente julgado, que a instituição de empresa prestadora de serviços sob a falsa aparência de ser uma cooperativa, é incompatível com a Constituição Federal de 1988, uma vez que tem o evidente intuito de fraudar os direitos fundamentais sociais, o que fez nos seguintes termos:
ADMINISTRATIVO. COMPATIBILIDADE LEGAL E CONSTITUCIONAL DAS COOPERATIVAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
- Não pode o ente cooperativo, a propósito de agenciar a contratação de serviços para seus associados, servir como meio de fraudar as normas destinadas à proteção do trabalho e concessivas da previdência social. É incompatível com a Constituição Federal e legislação ordinária a instituição de empresa de prestação de serviços sob falsa aparência de cooperativa, com claro objetivo de fraudar os direitos fundamentais de segunda geração (direitos sociais dos trabalhadores). Apelação improvida[12].
Importante referir a existência dos direitos fundamentais de terceira geração – direito de solidariedade e fraternidade –, que caracterizam-se pela peculiaridade de se preocuparem com grupamentos humanos. Estes, são direitos de titularidade coletiva, impregnados de humanismo e universalidade. Seriam eles os direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o de comunicação[13].
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre as dimensões dos direitos fundamentais, oportunidade em que reconheceu a existência dos direitos fundamentais de terceira geração:
A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLÓGICAMENTE EQUILIBRADO – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO - PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. - O DIREITO À INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE - TÍPICO DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO - CONSTITUI PRERROGATIVA JURÍDICA DE TITULARIDADE COLETIVA, REFLETINDO, DENTRO DO PROCESSO DE AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, A EXPRESSÃO SIGNIFICATIVA DE UM PODER ATRIBUÍDO, NÃO AO INDIVÍDUO IDENTIFICADO EM SUA SINGULARIDADE, MAS, NUM SENTIDO VERDADEIRAMENTE MAIS ABRANGENTE, À PRÓPRIA COLETIVIDADE SOCIAL. ENQUANTO OS DIREITOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO (DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS) - QUE COMPREENDEM AS LIBERDADES CLÁSSICAS, NEGATIVAS OU FORMAIS - REALÇAM O PRINCÍPIO DA LIBERDADE E OS DIREITOS DE SEGUNDA GERAÇÃO (DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS) - QUE SE IDENTIFICAM COM AS LIBERDADES POSITIVAS, REAIS OU CONCRETAS - ACENTUAM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE, OS DIREITOS DE TERCEIRA GERAÇÃO, QUE MATERIALIZAM PODERES DE TITULARIDADE COLETIVA ATRIBUÍDOS GENERICAMENTE A TODAS AS FORMAÇÕES SOCIAIS, CONSAGRAM O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE E CONSTITUEM UM MOMENTO IMPORTANTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO, EXPANSÃO E RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS, CARACTERIZADOS, ENQUANTO VALORES FUNDAMENTAIS INDISPONÍVEIS, PELA NOTA DE UMA ESSENCIAL INEXAURIBILIDADE[14]. (os grifos são do original)
O constitucionalista Paulo Bonavides[15] defende a existência dos direitos fundamentais de quarta dimensão, os quais seriam frutos da globalização dos direitos fundamentais, tais como o direito à democracia, à informação e ao pluralismo[16].
É extreme de dúvida, portanto, a gradual implementação de conquistas que são incorporadas aos mais diversos ordenamentos jurídicos, as quais podem ser didaticamente enquadradas em gerações ou dimensões de direitos fundamentais, conforme seja a natureza da evolução experimentada.
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[1] Para Robert Alexy “direitos fundamentais são essencialmente direitos do homem transformados em direito positivo”. ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático. Revista de direito administrativo n. 217, jul.-set.1999. ed. Renovar e Fundação Getúlio Vargas. p. 55.
[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 560.
[3] LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 33.
[4] AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.55.
[5] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 4.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 43.
[6] Ingo Sarlet ressalta, em sua obra A eficácia dos direitos fundamentais, p. 53, a controvérsia existente em torno da expressão “gerações”, explicando sua opção pelo termo “dimensões” ao mencionar que “não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais (…)”. Paulo Bonavides foi o primeiro doutrinador a defender a substituição do termo “geração” pelo termo “dimensão”. Este autor, com precisão singular, afirma que “o vocábulo ‘dimensão’ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade”. (Curso de Direito Constitucional, p. 571-572).
[7] AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.52.
[8] SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais, 4.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 54.
[9] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed., Malheiros, 2004, p. 563.
[10] SARLET, A eficácia,... p. 55.
[11] KRELL explica que “os direitos sociais de ‘segunda geração’ surgiram, em nível constitucional, somente no século XX, com as Constituições do México (1917), da República Alemã (1919) e também do Brasil (1934), passando por um ciclo de baixa normatividade e eficácia duvidosa. Seus pressupostos devem ser criados pelo Estado como agente para que eles se concretizam”. KRELL, Andreas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). Revista de Informação Legislativa n. 144, out./dez.1999. p. 240.
[12] AMS n. 78226, Terceira Turma do TRF da 4ª. Região, Rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère, j. 22/10/2002.
[13] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p.569.
[14] MS n. 22.164/SP, Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30/10/1995.
[15] Bonavides, Curso,...p. 570.
[16] José Adércio Sampaio Leite defende, por sua vez, a existência dos direitos de quinta geração ou dimensão em seu “A constituição reinventada pela jurisdição constitucional”. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p.302
Procurador Federal. Especialista em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRENTANO, Alexandre. O conceito de Direitos Fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36974/o-conceito-de-direitos-fundamentais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
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