Introdução
A Constituição Federal de 1988 tornou explícita, em seu art. 5º, LVII, a adoção, como direito fundamental do indivíduo, da presunção de inocência, ao estatuir que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Desse direito fundamental, extraímos que a liberdade, em nosso sistema jurídico, é a regra e a prisão, por conseguinte, é exceção, sobretudo quando decretada antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, como medida cautelar.
A edição da Lei nº 12.403/11 fez somar-se à excepcionalidade da prisão preventiva a exigência de observância da sua subsidiariedade em relação às demais medidas cautelares agora previstas no Código de Processo Penal.
1. A excepcionalidade da prisão preventiva
A subsidiariedade da prisão preventiva é, antes de tudo, uma decorrência lógica do caráter excepcional do aprisionamento preventivo. Com efeito, se, apenas excepcionalmente, é admissível a privação da liberdade do indivíduo antes da sentença condenatória transitada em julgado, caso seja necessária a adoção de medida acauteladora do processo penal, deve-se eleger, sempre que possível, uma menos gravosa do que a prisão.
É princípio basilar do processo penal e, mais, do próprio Estado Democrático de Direito, a presunção de inocência. Trata-se de princípio erigido à condição de verdadeiro direito fundamental, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal.
No sistema adotado pela Constituição Federal de 1988, consagrou-se, na verdade, mais do que simples presunção da inocência do indivíduo, mas sim uma afirmação da situação de inocente salvo sentença penal condenatória transitada em julgado.
Esse princípio assume grande relevância em se tratando de prisão cautelar, corroborando a afirmação, feita na introdução deste texto, de que a liberdade é regra e a prisão, exceção.
Depreende-se, nesse contexto, que a prisão preventiva, modalidade de prisão cautelar, não tem caráter punitivo, ou seja, não configura instrumento de antecipação de pena, até porque, sem a existência de sentença penal condenatória transitada em julgado, não existe indivíduo culpado e merecedor de pena. Na lição de AURY LOPES JÚNIOR, a prisão preventiva, como medida cautelar de natureza processual penal, destina-se, em verdade, à tutela do processo (2013, p. 786).
A propósito do caráter instrumental das medidas cautelares, inclusive da prisão preventiva, o Código de Processo Penal passou a explicitar, com a edição da Lei nº 12.403/11, em seu art. 282:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Para que a prisão preventiva possa coexistir com o princípio da presunção de inocência, portanto, é necessário que a sua decretação se atenha ao caráter de excepcionalidade da medida e seja devidamente fundamentada de acordo com os princípios e regras previstos na Constituição Federal e no Código de Processo Penal.
A propósito, com a edição da Lei nº 12.403/11, que deu nova redação ao art. 319 do Código de Processo Penal, além da presença do periculum libertatis e do fumus comissi delicti, o Juiz, para decretar a prisão preventiva, deve agora justificar, na decisão, a insuficiência da adoção de outras medidas cautelares diversas da privação da liberdade. É o que veremos a seguir.
2. As medidas cautelares da Lei nº 12.403/11 e a subsidiariedade da prisão preventiva
A Lei nº 12.403/2011 trouxe, ao ordenamento jurídico brasileiro, importantes alterações no CPP a fim de harmonizar o processo penal com o sistema acusatório acolhido pela Constituição Federal de 1988.
Entre essas alterações, há de se destacar a previsão de um rol de medidas cautelares diversas da prisão preventiva. Nesse sentido, transcrevemos a nova redação do art. 310 do CPP, com destaque para o inciso II:
Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requ isitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
Verifica-se que a inovadora norma do inciso II do art. 310 é clara: somente será cabível a decretação da prisão preventiva quando, além de presentes os requisitos do art. 312 do CPP, forem insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Pela importância desse dispositivo, vale reprisar: não basta a presença dos requisitos do art. 312 para a decretação da prisão preventiva. É necessário que o Juiz, mediante a devida fundamentação, entenda serem insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP.
Para além de conceder ao Juiz novos instrumentos no exercício de seu poder-dever jurisdicional, o legislador claramente tornou a prisão antes do trânsito em julgado a última opção em relação às novas medidas disponíveis para cautela do processo. Nesse sentido, é o que dispõe o novo § 6º do art. 282, incluído pela Lei nº 12.403/11:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
O art. 319, na sua nova redação, apresenta o rol dessas medidas cautelares alternativas ao aprisionamento preventivo. Vejamos:
“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica” (grifo nosso).
Impõe-se ao Juiz, nesse contexto, que, diante de uma situação prática que demande o acautelamento do processo penal, realize um juízo de proporcionalidade do instrumento a ser utilizado para atender a essa finalidade cautelar.
É importante lembrar, nesse ponto, que a imposição de qualquer das medidas cautelares diversas da prisão (art.319) também depende da presença do periculum libertatis e do fumus comissi delicti, ou seja, dos fundamentos da prisão preventiva. Em outras palavras, é necessário que haja prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, bem como que a decisão judicial justifique a necessidade da medida para acautelamento do processo.
Esse é o entendimento manifestado por AURY LOPES JÚNIOR, para quem “A medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação” (2013, p. 861).
O ilustre doutrinador revela, ainda, preocupação com a possível banalização do uso dessas medidas cautelares, as quais, apesar de serem menos gravosas do que a prisão, também impõem um ônus significativo àqueles a quem são impostas. Afirma:
“O maior temor é que tais medidas sejam deturpadas, não servindo, efetivamente, como redutoras de danos, mas sim de expansão de controle.
O problema reside exatamente na banalização do controle, de modo que condutas de pouca reprovabilidade penal e que até agora não ensejariam qualquer tipo de controle cautelar (até pela desnecessidade), passem a ser objeto de intensa incidência de restrições. O que se busca com a reforma é reduzir o campo de incidência da prisão cautelar e não criar um maior espaço de controle estatal sobre a liberdade individual”
Outra questão importante diz respeito ao juízo de suficiência/insuficiência da medida cautelar alternativa à prisão. Já dissemos que a decretação da prisão preventiva só é admissível se insuficiente a adoção de alguma ou algumas das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP. Ocorre que não basta a mera afirmação, baseada em ilações superficiais e hipotéticas, de insuficiência das medidas alternativas. É necessário que o juízo de insuficiência seja fundado em dados concretos, idôneos a comprová-la.
Com efeito, é preciso tomar a sério o propósito do legislador de adequar a prisão provisória aos direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. As medidas cautelares diversas da prisão configuram uma imposição legal ao Juiz quando necessárias e suficientes para assegurar o resultado útil do processo. Na ordem de preferência dos instrumentos colocados à disposição do Juiz para essa finalidade, elas vêm obrigatoriamente antes da prisão.
Conclusão
A Lei nº 12.403/11, ao estabelecer, com primazia sobre a prisão preventiva, as medidas cautelares agora previstas no art. 319 do CPP, procurou conferir a máxima efetividade ao direito fundamental à liberdade e à presunção de inocência do acusado. Nesse sentido, tornou explícito o imperativo, já presente na Constituição Federal de 1988, de que a prisão deve ser a última ratio, utilizada apenas nos casos em que ficar comprovada ser insuficiente a adoção de outros meios menos gravosos.
Referência
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013.
Defensora Pública Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Mariana Lucena. As medidas cautelares introduzidas pela Lei nº 12.403/11 e a subsidiariedade da prisão preventiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36986/as-medidas-cautelares-introduzidas-pela-lei-no-12-403-11-e-a-subsidiariedade-da-prisao-preventiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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