SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. As teorias da ação desde o romanismo até sua concepção clássica e o advento do pensamento publicista. 3. Implicações entre ação e jurisdição. 4. Considerações finais. 5. Bibliografia.
RESUMO: O presente trabalho busca analisar a evolução das teorias da ação desde o romanismo até sua concepção publicista, passando pela chamada teoria clássica, avaliando o impacto dessas transformações, juntamente com o advento das novas realidades, na concepção de jurisdição. Pretende-se expor a abordagem que se dá à ação enquanto direito acessório, direito subjetivo e direito público subjetivo, demonstrando como o pensamento publicista influenciou na acessibilidade ao Poder Judiciário e à própria justiça.
PALAVRAS-CHAVE: Processo – Ação – Jurisdição.
No contexto do direito processual civil, é possível, de forma bastante resumida, afirmar, por um lado, que a ação é basicamente uma maneira de um terceiro representante do Estado resolver um conflito entre duas ou mais pessoas. Nesse sentido, o conceito de ação parece não ter sofrido mudanças drásticas, porquanto até os dias hodiernos a ação continua sendo entendida, ainda que simploriamente, com essa concepção finalística.
Contudo, a maneira de abordagem desse fenômeno, ou seja, a forma como essa resolução de conflitos é encarada pelos paradigmas teóricos do direito, parece ter se alterado ao longo dos tempos. A título exemplificativo, afora alguns detalhes, é de certa forma irrelevante para um cidadão comum, no seu senso de justiça ordinário, que ele “perca a ação” porque seu pedido tenha sido julgado no mérito improcedente ou simplesmente tenha sido julgado extinto o processo sem resolução de mérito. Assim, nesse sentido, pode-se dizer que os parâmetros em torno da ação não se alteraram ao longo do tempo, mas sim a forma como eles são enxergados pelos envolvidos no conflito de interesses.
Por outro lado, é óbvio que sob o prisma técnico-jurídico, houve mudanças no conceito de ação, passando-se de simplesmente uma ação para um direito acessório de ação, um direito subjetivo de ação, um direito público subjetivo de ação, um direito público subjetivo e autônomo de ação, um direito público subjetivo, autônomo e concreto de ação, um direito público subjetivo, autônomo e abstrato de ação e, enfim, direito público subjetivo, autônomo e eclético de ação.
Nessa toada técnico-jurídica, o conceito de ação e a visão da ciência jurídica sobre ele, além de terem mudado ao longo do tempo conforme os desafios culturais, políticos, sociais e econômicos de cada época, devem continuar se alterando, de modo a se adequar às realidades que vão se apresentando.
Nesse contexto, portanto, será feita uma breve análise histórica do conceito de ação e de suas respectivas teorias, a fim de que, olhando para o passado, seja possível encarar os desafios com maior propriedade. Ainda, será abordada a relação entre ação e jurisdição, identificando-se se e em qual medida as transformações no conceito de ação e as próprias transformações sociais impactam no conceito de jurisdição.
Primeiramente, registra-se que as teorias do Direito de um modo geral parecem se amoldar à realidade que se apresenta à sua época. Trata-se, assim, de raciocínio jurídico desenvolvido como forma de contemplar e resolver os problemas existentes num dado contexto de tempo e de lugar. O Direito não é uma ciência que materializa um pensamento em si mesmo, como se representasse uma evolução matemática ou tecnológica do mundo e das coisas. O Direito parece se justificar como um meio do qual se serve a sociedade para melhor se organizar e resolver seus problemas. E, como dito, tanto a melhor forma de organização quanto a natureza dos problemas variam conforme o tempo e o espaço, de modo que resta ao Direito, ao mesmo tempo em que busca sua evolução em si mesmo – sentimento esse indissociável dos juristas – ajustar-se à realidade.
Registra-se, em contrapartida, que o Direito também pode influenciar a realidade, com novas regras e pensamentos que acabam moldando a realidade. O fato é que, em maior ou menor grau, Direito e realidade se interferem mutuamente, devendo a transformação das teorias jurídicas, representando evolução ou involução, ser analisada nesse contexto.
Pois bem.
A concepção romanista de ação está ligada ao nome de Celso, para quem não há ação sem direito; não há direito sem ação; a todo direito corresponde uma ação. Estabelece-se, dessa forma, a noção de que a ação integra o próprio direito material. O direito à ação não representa um direito específico ou autônomo em relação ao direito material ou substantivo. Ao contrário, integrando-o, consubstancia verdadeiro direito acessório atrelado ao principal.
Essa noção bem demonstra e de certa forma reflete o pensamento civilista marcante da época. Afinal, daí é possível extrair-se a tradicional distinção entre obrigações principais e acessórias. Na mesma linha, constrói-se igual distinção entre direito principal e acessório, este integrando e acompanhando aquele. Destarte, tem-se a concepção romanista de ação, em que ela constitui um direito acessório ao principal (direito material envolvido).
Pode-se até mesmo dizer que a lógica era a mesma da chamada teoria dos poderes implícitos, segundo a qual existem determinados poderes no ordenamento jurídico implícitos àqueles previstos de forma expressa, sem os quais estes últimos restariam esvaziados. Assim, o poder de aplicação de uma multa por órgão da Administração Pública em regra inclui o poder de instrução do processo correspondente, independentemente de este poder instrutório estar ou não previsto no ordenamento jurídico, ou melhor de ele estar ou não expressamente previsto no ordenamento jurídico, já que, segundo essa teoria, sua presença, ainda que não expressa, é indiscutível.
Dessa maneira, o direito de ação implicitamente integra o direito material que lhe é correspondente, seguindo-o. Entendia-se por vazio qualquer direito que fosse desprovido desse direito acessório de ação.
A concepção romanista da ação foi construída no bojo do pensamento civilista e da noção de limitação da jurisdição, num tempo em que sequer existia a ideia de um Poder Judiciário independente separado das demais funções estatais. À época, a função jurisdicional deveria ser exercida em um número reduzido de questões e em determinados casos. Assim, a seletividade judicial se dava com maior propriedade e facilidade com base nessa teoria que permitia a exclusão, do universo de questões jurisdicionáveis, daquelas que não contemplavam o direito material. A existência ou inexistência da ação estava umbilicalmente ligada à existência patente do direito material. Para que fosse exercida a jurisdição, portanto, seria necessária – e isso representa uma grande barreira – uma questão que se amoldasse perfeita ou quase perfeitamente à previsão normativa existente. Refutavam-se, assim, longas discussões hermenêuticas ou integrativas, criando-se, por consequência – ou vice-versa –, um ambiente favorável ao positivismo.
À noção de jurisdição limitada contrapôs-se a ideia de jurisdição universal, aberta a todos. Daí surge a teoria clássica de ação, capitaneada por Savigny, agora verdadeiramente imersa na concepção civilista, sobretudo no conceito de relação jurídica.
A principal diferencial da teoria clássica em relação à época romanista diz respeito à natureza do direito de ação. Ele deixa de figurar como um acessório ao direito material para estar apenas ligado a esse direito principal, sem mais esse caráter de acessoriedade. Nota-se que o direito, de uma maneira geral, se exerce em cada ato e conduta. O exercício do direito, dessa forma, é simplesmente o próprio exercício do direito, não demandando qualquer atuação extraordinária. Ao andar pelas ruas, ao falar, ao se reunir está-se exercendo os direitos de andar pelas ruas, de falar de se reunir. A jurisdição só se justifica para os casos em que não se consegue legitimamente exercer os direitos, o que ocorre em uma parcela ínfima dos atos e condutas ordinários da vida.
A necessidade da jurisdição, portanto, é algo extraordinário, que só faz sentido quando existente o que se chama atualmente de pretensão resistida. Sem ela, não há direito de provocar o Judiciário, ou seja, não há direito de ação, porquanto o direito pode ser normalmente exercido sem essa interferência estatal. Existindo a pretensão resistida ou, nas palavras de Savigny, existindo a violação do direito, aí sim surge o direito de ação.
O direito de ação, então, encontra-se dissociado do direito material, embora com ele mantenha certo vínculo. Tem-se uma relação jurídica obrigacional principal (direito material) que, em caso de violação ou desrespeito, faz surgir uma nova relação jurídica – entre autor e réu – que contempla o direito do autor de acionar o Judiciário contra o ofensor, em razão de a obrigação principal não ter sido satisfeita. Corroborando a visão civilista, o que se vê é uma relação obrigacional nova surgindo da violação de uma relação obrigacional anterior.
A evolução da chamada ciência do Direito, nesse ponto, acompanhou a evolução da realidade no sentido de que todos teriam direito de provocar o Poder Judiciário para obter uma prestação jurisdicional.
Esse novo direito – o de ação ou de obter uma prestação jurisdicional em face do transgressor das normas – estabelece, portanto, nova relação jurídica obrigacional entre autor e ofensor, agora de conteúdo diverso. O Estado, note-se, ainda não faz parte dessa relação, figurando como que um terceiro alheio a toda essa sistemática. Só mais tarde, com a noção de ação como a de um direito público, é que o Estado passa a figurar nessa relação, justamente no lugar do ofensor. O direito do autor é visto sob a ótica estatal, sendo oponível não mais ao ofensor, mas ao próprio Estado, a quem compete dar a prestação jurisdicional.
Vê-se, então, que da época romanista à teoria clássica da ação, o Direito evoluiu, acompanhando o pragmatismo da realidade, para dissociar o direito de ação do próprio direito material envolvido (teoria imanentista) e passar a considerá-lo como um direito autônomo deste, que não é mais acessório ao principal, surgindo por ocasião da violação ao direito material.
Após a concepção romanista de ação e sua evolução – ou melhor, sua passagem – para a teoria clássica, chegou-se ao pensamento publicista, por meio do qual a ação começou a ser enxergada à luz do Estado, ou seja, com a visão pública. A ação, em linhas gerais, deixou de ser simplesmente a ação de um contra o outro para ser a ação de um contra ou outro tutelada pelo Estado. Mais precisamente, passou a ser a ação dirigida ao Estado para que ele dê um provimento jurisdicional que vincule o outro.
Como dito, a concepção romanista entendia a ação como integrante do próprio direito material envolvido. O direito de ação, assim, existia por si só, ou melhor, sua existência decorria, por si só, da existência do direito material. Por sua vez, a teoria clássica passou a ver o direito de ação como dependente de um fator externo ao direito material, qual seja, sua violação ou descumprimento. Dessa forma, o direito de ação, apesar de continuar de certa forma ligado ao direito material correspondente, só existe quando da eventual violação do direito material. Ele deixa, portanto, de existir em razão, por si só, da existência do direito material.
Segundo a teoria clássica, com a ocorrência da violação, o direito de ação surge como uma nova relação obrigacional entre o autor e o ofensor, agora de conteúdo diverso. Se o direito material previa, por exemplo, a obrigação de um construir um muro para o outro, a nova relação obrigacional surgida da violação dessa obrigação prévia consistiria na obrigação de um exigir do outro, por meio do Estado (jurisdição), a construção do referido muro ou o pagamento de perdas e danos.
O Estado ainda não faz parte dessa relação, figurando como que um terceiro alheio a toda essa sistemática. Com o advento do pensamento publicista, o Estado passa a figurar nessa relação, justamente no lugar do ofensor. O direito do autor é visto sob a ótica estatal, sendo oponível não mais ao ofensor, mas ao próprio Estado, a quem compete dar a prestação jurisdicional. Com a violação ao direito material, então, nasce o direito do autor de provocar o Estado, por meio do exercício da jurisdição, em busca de um provimento jurisdicional. Essa passa a ser a nova visão do direito de ação inaugurada pelo pensamento publicista.
O direito de ação não mais consubstancia uma relação entre duas partes (fala-se em partes, e não em particulares, em razão de a(s) parte(s) poderem ser entes estatais), mas entre uma parte e o Estado. Ele passa a ser oponível ao Estado, e não ao ofensor. Este sofre as consequências do provimento jurisdicional a ser exarado, mas não figura mais nessa relação.
Tal noção publicista decorreu, em parte, de incongruências prático-lógicas, como a de explicar como persistiria o direito de ação contra o ofensor no caso de ela ter sido julgada improcedente. Nessa linha, pode-se dizer que o pensamento publicista contribuiu para o desenvolvimento da ideia de autonomia da ação, segundo a qual o direito de ação não depende do direito material correspondente. Com isso, floresceu a noção de que, sendo independente do direito material, o direito de ação abrangeria todos os, digamos, jurisdicionados. Cada um possuiria, então, um direito subjetivo de ação, advindo, daí, a característica da subjetividade.
Instalava-se, assim, de vez, enraizando aquilo que havia se iniciado na teoria clássica, a ideia de jurisdição universal, aberta a todos, em contraposição à ideia de jurisdição limitada.
Pode-se dizer, nesse contexto, então, que a noção de jurisdição passou a afetar de tal modo o conceito de ação que até se poderia falar em superação do conceito de ação pelo de jurisdição. De fato, a partir do momento em que todos passam a ter acesso ao Judiciário, esse fato, por si só, do ponto de vista prático, é que passa a importar para a sociedade, especificamente para os jurisdicionáveis. Deixa de interessar tanto as filigranas formais sobre as condições da ação, desdobramentos do conceito de ação, para interessar mais o simples acesso ao Judiciário.
Nesse ponto, de bom alvitre fazer um aparte para consignar que o acesso ao Judiciário não pode ser confundido com o acesso à justiça. Este é muito mais amplo que aquele. O acesso ao Judiciário é uma das formas de se chegar à justiça. Mais especificamente, o acesso ao Judiciário é a forma de se chegar à Justiça por meio das mãos do Estado e para um caso concreto que preencha todas as condições formais para ser analisado pelo Judiciário. Já o acesso à justiça envolve todos os elementos sócio-filosóficos que constituem e estão em torno da ideia de justiça, inclusive a platônica, inclusive os mecanismos de facilitação do acesso ao Judiciário, como gratuidade de justiça e expansão da Defensoria Pública. Assim, é possível que mesmo com a obtenção de provimento jurisdicional favorável do Judiciário, ainda assim não se obtenha justiça em sua mais pura acepção.
Fica clara, portanto, a necessidade de uma análise interligada entre ação e jurisdição. A questão diz respeito à seletividade judicial da causas que o Judiciário irá analisar. Percebe-se que o conceito de ação sempre teve sua importância atrelada ao acesso ao Judiciário. Utilizava-se o conceito de ação para identificar quem poderia provocar o Estado-juiz em busca de um provimento jurisdicional. O foco da discussão, como se vê, era voltado para o autor da demanda. Perquiria-se acerca dos limites do direito de ação que ele teria.
A mudança veio quando se percebeu que, na verdade, embora com foco no autor, a análise desses limites do direito de ação era feita justamente pelo Poder Judiciário – ou quem lhe fazia as vezes, em cada época e espaço – para selecionar os casos que iria ou não julgar. Tratava-se, portanto, de critério de seletividade judicial para adentrar no mérito da demanda posta em juízo.
Com isso, a questão passou a ser tratada não mais como limites ao direito de ação do autor, mas como limites a que o Judiciário exerça sua função precípua de julgar. Ao invés de limites ao direito subjetivo da parte, o critério de seletividade passou a ser analisado como uma expressão do poder jurisdicional do Estado.
Estabelecia-se, assim, uma dicotomia entre os privatistas, a quem importava o conceito de ação, com foco no direito de ação do autor, e os publicistas, a quem importava o conceito de Jurisdição, com foco no poder jurisdicional do Estado.
Diante disso, é o surgimento das condições da ação, como consequência de uma teoria mista entre os abstrativistas e os concretistas, iniciada por Chiovenda e aprofundada no Brasil por Liebman, que parece dar o tom do pensamento moderno. As condições da ação é que fazem o papel da seletividade judicial, permitindo que o Poder Judiciário não adentre no mérito de certas demandas, extinguindo-se o processo sem resolução de mérito.
De fato, diante das condições da ação, entende-se que o conceito de jurisdição, do ponto de vista técnico-jurídico, não é mais relevante do que o conceito de ação. Contudo, do ponto de vista prático-social, pode-se considerar socialmente mais relevante o conceito de jurisdição, assim entendido como a possibilidade de obtenção de um provimento jurisdicional do Estado (ou mero acesso ao Judiciário).
Nessa toada, surge a dicotomia entre inércia e ativismo, em que esta é simbolicamente associada à jurisdição, ao passo que aquela o é à ação.
A análise da questão à luz do conceito de ação denota a necessidade de iniciativa da parte (foco no direito subjetivo do autor à ação judicial = direito de ação), cabendo ao Judiciário aplicar os valores e regras consagrados na norma ao caso concreto. Alguns vão entender que é “simplesmente” essa a função do Judiciário. Outros vão dizer que é “justamente” essa a função do Judiciário. Sob essa ótica, a parte é protagonista e, no sentido técnico, o Judiciário é inerte.
Por outro lado, a análise da questão à luz do conceito de jurisdição denota um protagonismo do próprio Judiciário, que, interpretando de forma ampliativa e proativa, apresenta soluções inovadoras aos casos concretos, geralmente diante de omissões alheias. Sob essa ótica, apesar de a parte ter a iniciativa, o Judiciário aparece como protagonista, sobretudo nas ações objetivas, sem partes, configurando-se, assim, o ativismo judicial.
Sobre o ativismo judicial, a grande discussão em pauta diz respeito aos seus limites. Entende-se, particularmente, que ele deve ser interpretado de forma restritiva, sobretudo na definição das escolhas discricionárias legítima e democraticamente feitas pela Administração Pública.
A jurisdição, portanto, se é que superou a ação, deve permanecer restrita às suas funções, aplicando as decisões políticas tomadas pelo Legislativo e pelo Executivo. Ainda que proceda a uma interpretação ampliativa e proativa, isso não pode quebrar a inércia, pilar da separação dos poderes.
Registra-se, por fim, que não parece ser deveras certo que o conceito de jurisdição tenha simplesmente superado o conceito de ação. Parece mais uma diferença entre abordagens de um mesmo fenômeno, qual seja, o da seletividade judicial, que se desdobra na conclusão de que ambos os conceitos são úteis, cada um na sua esfera de incidência, sem olvidar, no entanto, que realmente ganhou importância, no mundo hodierno, não apenas a simples possibilidade de se obter um provimento jurisdicional do Estado (acesso ao Judiciário), mas também a necessidade de se garantir, do ponto de vista social, jurídico e material, o acesso à justiça, incluindo os meios para bater às portas do Judiciário.
4. Considerações finais.
A forma de abordagem da resolução de conflitos levada a cabo pela prestação jurisdicional no bojo de uma ação parece se alterar ao longo do tempo, juntamente com as especificidades das realidades que se apresentam. Do ponto de vista técnico-jurídico, portanto, pode-se dizer que não só houve como haverá mudanças no conceito de ação.
A concepção romanista entendia a ação como integrante do próprio direito material envolvido. O direito de ação, assim, existia por si só, ou melhor, sua existência decorria, da existência do direito material, numa relação entre acessório e principal. Por sua vez, a teoria clássica passou a ver o direito de ação como dependente de um fator externo ao direito material, qual seja, sua violação ou descumprimento. Dessa forma, o direito de ação, apesar de continuar de certa forma atrelado ao direito material correspondente, passa a existir apenas quando ocorre a violação desse direito material.
Após a concepção romanista de ação e sua evolução – ou melhor, sua passagem – para a teoria clássica, chegou-se ao pensamento publicista, por meio do qual a ação começou a ser enxergada à luz do Estado, ou seja, com a visão pública. A ação, em linhas gerais, deixou de ser simplesmente a ação de um contra o outro para ser a ação de um contra ou outro tutelada pelo Estado. Mais precisamente, passou a ser a ação dirigida ao Estado para que ele dê um provimento jurisdicional que vincule o outro.
O pensamento publicista, então, contribuiu para o desenvolvimento da ideia de autonomia da ação, segundo a qual o direito de ação não depende do direito material correspondente. Com isso, floresceu a noção de que, sendo independente do direito material, o direito de ação abrangeria todos os, digamos, jurisdicionados. Cada um possuiria, então, um direito subjetivo de ação, advindo, daí, a característica da subjetividade. Com isso, consagra-se a ideia de jurisdição universal.
Estabelecia-se, assim, uma dicotomia entre os privatistas, a quem importava o conceito de ação, com foco no direito de ação do autor, e os publicistas, a quem importava o conceito de Jurisdição, com foco no poder jurisdicional do Estado.
Com o surgimento das condições da ação, a jurisdição, apesar de sob a ótica técnico-jurídica não se afigurar como mais relevante do que o conceito de ação, acaba se tornando, do ponto de vista prático-social, socialmente mais relevante. É que a jurisdição passa a ser entendida como a possibilidade de obtenção de um provimento jurisdicional do Estado (ou mero acesso ao Judiciário).
Nesse contexto de implicações mútuas entre ação, jurisdição e adequação às novas realidades, o grande desafio da evolução conceitual da ação – alguns já iniciados –, portanto, parece ser a sua compatibilização com as constantes demandas de massa que assolam cada vez mais o sistema jurídico. Cada vez mais as ações puramente individuais tendem – ou ao menos deveriam tender – a ser substituídas por ações coletivas de massa que resolvam o problema da excessiva e desnecessária massificação de processos individuais iguais. Talvez deva se pensar uma objetivação da ação, desta vez sobre teses realmente em abstrato, tal como já ocorre no controle de constitucionalidade concentrado.
O problema, ressalte-se, não é apenas do Poder Judiciário, mas de todos os envolvidos com o tema, ou seja, dos advogados, públicos e privados, do Ministério Público, da Defensoria Pública, das partes e, enfim, da própria sociedade, que requer tanto uma prestação jurisdicional rápida e de qualidade quanto um atendimento também rápido e de qualidade dos demais profissionais do direito.
5. Bibliografia
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre a multiplicidade de perspectivas no estudo do processo. Revista de Processo, São Paulo, ano 13, n. 49, p. 7-14, jan./mar. 1988.
Procurador Federal, pós-graduado em Regulação de Telecomunicações e pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Paulo Firmeza. Implicações entre teorias da ação e jurisdição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37178/implicacoes-entre-teorias-da-acao-e-jurisdicao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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