SUMÁRIO: 1. Aspectos introdutórios da CPI: histórico e separação de poderes. 2. Aspectos constitucionais da CPI e o princípio da simetria. 3. Limitação dos poderes da CPI às competências do respectivo Poder Legislativo. 4. Bibliografia.
RESUMO: O presente trabalho busca analisar as Comissões Parlamentares de Inquérito à luz dos requisitos constitucionais e do princípio da simetria. Com isso pretende-se explorar os limites de uma CPI local, municipal ou estadual, em cotejo com as competências do respectivo Poder Legislativo. Será abordada, especificamente, a questão da convocação de autoridade federal as CPIs locais. Para tanto, serão analisados julgados do Supremo Tribunal Federal.
PALAVRAS-CHAVE: Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI local – Poder Legislativo – Competência – Limites – Separação de poderes – Pacto federativo.
A comissão parlamentar de inquérito – CPI tem seus contornos delineados na própria Constituição Federal, servindo basicamente à investigação de fatos determinados considerados relevantes pelo respectivo Poder Legislativo, como se observa do art. 58, §3º, do texto constitucional:
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
(...)
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
De certa maneira, a CPI consubstancia uma forma de instrumentalização do sistema de freios e contrapesos, uma vez que ao Poder Legislativo cabe, precipuamente, legislar, e não investigar. Embora a Constituição consagre funções fiscalizatórias para o Poder Legislativo, como ocorre no art. 49, inciso X, que prevê a competência exclusiva do Congresso Nacional para fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta, o fato é que, na clássica visão de separação de Poderes de Montesquieu, atribuições dessa natureza são apontadas como funções atípicas.
A CPI foi primeiramente prevista no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, cujo art. 36 previa que “a Câmara dos Deputados criará Comissões de Inquérito sobre fatos determinados, sempre que o requerer a terça parte, pelo menos, dos seus membros”. Na Constituição de 1937 não houve previsão, ao passo que a de 1946, em seu art. 53, dispunha que “a Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão Comissões de inquérito sobre fato determinado, sempre que o requerer um terço dos seus membros”. Como se vê, se antes apenas a Câmara dos Deputados poderia criar comissões parlamentares de inquérito, posteriormente foi acrescida tal possibilidade também ao Senado Federal.
No mesmo sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 previa que “a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, em conjunto ou separadamente, criarão comissões de inquérito sobre fato determinado e por prazo certo, mediante requerimento de um têrço de seus membros”.
O instituto da CPI, então, ao conferir poderes de investigação de determinados fatos ao Poder Legislativo, acaba por fornecer-lhe certo grau de independência, uma vez que pode, sozinho, se aprofundar em questões fáticas seja para, ainda que implicitamente, subsidiar suas próprias impressões seja para denunciar eventuais irregularidades às autoridades competentes, auxiliando os órgãos estatais de uma maneira geral, aí incluídos as polícias, o Ministério Público, o Poder Judiciário e o próprio Poder Executivo, na preservação do Estado de Direito.
Para atuar nessa função atípica de investigação, contudo, o Poder Legislativo deve agir em conformidade com os limites de suas atribuições, observando, para tanto, as consequências da divisão federativa de competências do Estado brasileiro, na esteira do chamado pacto federativo.
A redação do §3º do art. 53 da Constituição Federal, como visto, já traz vários requisitos para o funcionamento da CPI. Inicialmente, precisa ter sua criação aprovada por um terço dos membros da respectiva Casa legislativa (Câmara dos Deputados ou Senado Federal), ressalvando-se a possibilidade da instalação da chamada Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI, em que os trabalhos são conduzidos pelas duas Casas legislativas.
Além do aspecto formal para sua criação, a CPI deve guardar aderência ao texto constitucional também em sua acepção material, ou seja, o conteúdo da investigação deve dizer respeito a um fato determinado. Não pode a CPI pretender investigar perenemente um ou mais aspectos de um determinado assunto considerado relevante. Deve, ao contrário, dizer respeito a um fato ou ato efetivamente concreto, já posto no mundo empírico.
Em razão disso, a CPI deve ter prazo certo, não podendo se estender para além do necessário à investigação dos fatos a serem apurados. De fato, a discussão perene e abstrata de assuntos relevantes há de ser feita no bojo das demais comissões do Poder Legislativo, como, por exemplo, ocorre no âmbito federal, em que a discussão, conforme o tema, se desenvolve nas Comissões de Educação, de Direitos Humanos e Minorias, de Minas e Energia, de Finanças e Tributação, de Assuntos Econômicos, de Serviços de Infraestrutura, etc. (umas no âmbito da Câmara e outras no âmbito do Senado).
Para a realização das investigações, a CPI dispõe de poderes próprios das autoridades judiciais, podendo, dessa forma, determinar interceptações telefônicas, quebrar de sigilo bancário, fiscal e de dados telefônicos, não abrangendo a interceptação da conversa, esta última reservada à autorização jurisdicional. Dentre os poderes da CPI, destaca-se o de convocar autoridades relativas aos assuntos objeto da investigação, a fim de prestarem depoimentos, etc. assunto que será explorado mais adiante.
Conforme ensina Luis Roberto Barroso[1], as competências instrutórias da CPI incluem a possibilidade de “(i) determinar diligências, (ii) convocar testemunhas (que têm o dever de dizer a verdade, sob pena de crime de falso testemunho), (iii) ouvir indiciados (quando estes não optem pelo silêncio), (iv) requisitar documentos públicos, (v) determinar a exibição de documentos privados, (vi) convocar ministros de Estado e outras autoridades públicas, (vii) realizar inspeções pessoais, transportando-se aos locais necessários”.
Todo o regramento trazido pela Constituição Federal, embora atrelado expressamente à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, deve ser reproduzido nos âmbitos estadual e municipal. Trata-se da aplicação do princípio da simetria. O Supremo Tribunal Federal, corroborando esse vetor constitucional, aponta que o modelo da CPI federal deve ser obrigatoriamente reproduzido nas demais esferas da Federação:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 34, § 1º, E 170, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. COMISÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. CRIAÇÃO. DELIBERAÇÃO DO PLÉNARIO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. REQUISITO QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO NO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. SIMETRIA. OBSERVÂNCIA COMPULSÓRIA PELOS ESTADOS-MEMBROS. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 58, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando porém ao próprio parlamento o seu destino. 2. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembléias legislativas estaduais --- garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. 3. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembléia Legislativa. Precedentes. 4. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembléia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88. 5. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o trecho "só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e", constante do § 1º do artigo 34, e o inciso I do artigo 170, ambos da Consolidação do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
(ADI 3619, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2006, DJ 20-04-2007 PP-00078 EMENT VOL-02272-01 PP-00127) [grifo nosso]
Ora, segundo a lição de José Afonso da Silva[2], as Comissões Parlamentares de Inquérito são organismos do Poder Legislativo que “desempenham papel de grande relevância na fiscalização e controle da Administração” e que receberam da atual Constituição Federal “poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias”.
Essa definição doutrinária, apesar de simplória, é imprescindível para traçar as competências e limites dos poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito. Assim, antes de analisar os poderes instrutórios propriamente ditos, é necessário verificar a pertinência do objeto da CPI.
O ponto a ser destacado, de certa forma implícito no ordenamento, é a adstrição do objeto da CPI às competências do respectivo Poder Legislativo. De fato, se a Constituição Federal traça os meandros da CPI federal, o princípio da simetria atrai regramento semelhante às chamadas CPIs locais, ou seja, no âmbito da Câmara de Vereadores e da Assembleia Legislativa.
Sendo “instrumento de fiscalização e controle”, o objeto da CPI deve estar necessariamente vinculado às competências de fiscalização e controle do órgão ao qual está vinculada e deve por estas competências ser limitada. Sobre o tema, Luis Roberto Barroso[3] já doutrinou:
“Sofrem elas [as CPIs] limitações de duas ordens: de competência e de conteúdo. No que se refere à primeira, é fora de dúvida que as CPIs devem comportar-se no quadro de atribuições do Legislativo. A competência do Congresso, da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal é o limite do poder investigatório da comissão federal, estadual ou municipal. De fato, sendo elas instrumentos de ação do Parlamento, naturalmente não podem ter mais poderes do que este (...)”
Ora, se o Poder Legislativo local atua na esfera estadual ou municipal, conforme suas competências definidas na Constituição Federal, os poderes investigatórios devem estar adstritos a essa competência local. Não pode extrapolar a competência da própria Câmara de Vereadores ou Assembleia Legislativa, conformem o caso. Então, pode-se dizer que existem dois limites aos poderes instrutórios da CPI: (i) geral, em que deve estar adstritos às competência do respectivo Poder Legislativo; e (ii) específico, em que deve estar adstrito ao próprio objeto da CPI, definido no momento de sua criação com base no requerimento aprovado por um terço dos parlamentares.
Nessa linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal – STF, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 71.039/RJ, deixou claro que:
“Podem ser objeto de investigação todos os assuntos que estejam na competência legislativa ou fiscalizatória do Congresso. Se os poderes da comissão parlamentar de inquérito são dimensionados pelos poderes da entidade matriz, os poderes desta delimitam a competência da comissão. Ela não terá poderes maiores do que os de sua matriz. De outro lado, o poder da comissão parlamentar de inquérito é coextensivo ao da Câmara dos Deputados, do Senado Federal o do Congresso Nacional. São amplos os poderes da comissão parlamentar de inquérito, pois são os necessários e úteis para o cabal desempenho de suas atribuições. Contudo, não são ilimitados. Toda autoridade, seja ela qual for, está sujeita à Constituição. O Poder Legislativo também e com ele as suas comissões. A comissão parlamentar de inquérito encontra na jurisdição constitucional do Congresso seus limites. (...) O mesmo vale dizer em relação às CPI’s estaduais; seu raio de ação é circunscrito aos interesses do estado; da mesma forma quanto às comissões municipais, que hão de limitar-se às questões de competência do município.” [grifo nosso]
Assim, quanto aos serviços públicos de titularidade da União, de âmbito federal, como no caso dos serviços de telecomunicações, devem ser tratados no âmbito do Poder Legislativo Federal, ou seja, do Congresso Nacional. Assim não fosse, admitir-se-ia a proliferação potencial de cerca de cinco mil e quinhentas CPIs municipais e 27 CPIs estaduais sobre assuntos federais, em clara ofensa ao pacto federativo.
A matéria de telecomunicações é inerente às competências do respectivo órgão regulador federal, sendo de competência material exclusiva e legislativa privativa da União[4], como se denota dos arts. 21, inciso XI, 22, inciso IV, e 48, inciso XII, da Constituição Federal. Em suma, tanto a regulamentação das telecomunicações, especificamente no que compete à qualidade do serviço, quanto a sua exploração competem exclusivamente à esfera federal.
Dessa forma, percebe-se que um Município, por exemplo, não tem competências materiais ou legislativas sobre a matéria de telecomunicações. A inexistência de competência do Município, como visto, representa patente limite às competências da correspondente CPI criada no âmbito do Poder Legislativo local. Como visto, o próprio STF aduz, em seus julgados, que a CPI local deve observar os limites da competência material do respectivo Poder Legislativo.
E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA - VALIDADE - EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DE PROCEDIMENTO PENAL EM CURSO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO LOCAL - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO, SOBRE FATOS CONEXOS AO EVENTO DELITUOSO, DA PERTINENTE INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. A QUEBRA FUNDAMENTADA DO SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita a investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária. Precedente: MS 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO E QUEBRA DE SIGILO POR DETERMINAÇÃO DA CPI. - O princípio constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) - não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3º), assiste competência à Comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas. AUTONOMIA DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR. - O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como procedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância esta que permite à Comissão legislativa - sempre respeitados os limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que ditaram a sua constituição - promover a pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeito s a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina. (MS 23639, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2000, DJ 16-02-2001 PP-00091 EMENT VOL-02019-01 PP-00082) [grifo nosso]
De fato, o respeito aos limites de sua competência material busca preservar o próprio pacto federativo do Estado brasileiro, sob pena de Municípios e Estados começarem a investigar matérias federais ou aquele investigar matérias estaduais. A existência das esferas federativas serve para que cada ente atue dentro dos limites de sua competência, segundo a organização de competências trazida pelo texto constitucional, o que deve ser observado tanto na função típica de legislar quanto na função atípica de investigar.
Nesse sentido, também não cabe a quaisquer CPIs, federal, estadual ou municipal, discutir o teor de decisões judiciais, ou seja, discutir a atividade típica do Poder Judiciário que é a prestação jurisdicional. Além de se limitar pelas suas próprias competências, o Poder Legislativo, quando da criação e execução de uma CPI, não pode invadir a competência típica de outros Poderes – quanto ao Executivo, adentrar na discricionariedade legal e proporcional da Administração Pública. Cita-se, a respeito, julgado em que a Corte Constitucional deixa claro haver ofensa ao princípio da separação de poderes no caso de uma CPI tentar discutir ou investigar o mérito de uma decisão judicial:
HABEAS CORPUS. CPI DOS BINGOS. ATO JURISDICIONAL. SEPARAÇÃO DE PODERES. 1. O acerto ou desacerto da concessão de liminar em mandado de segurança, por traduzir ato jurisdicional, não pode ser examinado no âmbito do Legislativo, diante do princípio da separação de poderes. O próprio Regimento Interno do Senado não admite CPI sobre matéria pertinente às atribuições do Poder Judiciário (art. l46, II). 2. HC deferido. (HC 86581, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006, DJ 19-05-2006 PP-00003 EMENT VOL-02233-01 PP-00135 LEXSTF v. 28, n. 331, 2006, p. 494-503) [grifo nosso]
No exercício dos poderes de investigação, portanto, também deve haver respeito a esses limites materiais. Assim é que a convocação de uma autoridade federal, como um poder instrutório da CPI local, resta inviável. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica ao apontar não ser possível às CPIs a convocação (obrigatoriedade de comparecimento) de pessoas estranhas às suas competências:
O art. 15 da Lei n.º 12.016/09 autoriza o deferimento do pedido de suspensão de segurança concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, para evitar grave lesão àordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Sobre a matéria discutida na origem, esta Corte entende que autoridade federal pode apenas ser convidada para prestar esclarecimentos em CPI estadual, não estando obrigada a comparecer. Daí não ser aplicável a regra prevista no art. 58, §3º, da CF. É o que se observa no julgamento do RE 96.049, Min. Oscar Corrêa, julgado 30.6.83:
“Podem ser convocados também, além dos funcionários da Administração direta, os de sociedade de economia mista, concessionárias de serviços públicos, porque, embora particulares, estão exercendo um serviço público e podem ser chamados a prestar depoimentos. Evidentemente, sempre em relação a serviço público municipal.
Quando se trata de terceiros, que nada tenham a ver com a Administração Municipal, que não tenham nenhum tipo de vínculo jurídico direto com a Administração municipal, poderão ser ‘convidados’ pela Comissão Parlamentar de Inquérito a comparecer, mas não podem ser compelidos. A legislação municipal não pode criar nenhum tipo de sanção para desobediência aos ‘convites’ da Comissão Parlamentar de Inquérito (SS 4.147, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 23-3-10, DJE de 30-3-10) [grifo nosso]
(...)
Comissão parlamentar de inquérito instaurada pela Câmara Municipal. Não se lhe aplica o disposto no artigo 3º da Lei n. 1.579/52 e artigo 218 do Código de Processo Penal, para compelir estranhos a sua órbita de indagação. (RE 96.049, rel. min. Oscar Corrêa, julgamento em 30-6-1983, Primeira Turma, DJ de 19-8-1983.)
Ora, se uma CPI municipal não pode investigar matéria ínsita à esfera federal, é decorrência lógica que também não pode convocar autoridade federal. Nesse desiderato, vale traçar a distinção entre a convocação e o convite. No primeiro caso, a autoridade é obrigada a comparecer, prestando o respectivo compromisso, ao passo que no segundo seu comparecimento é facultativo, não precisando ainda prestar o respectivo compromisso.
Assim, havendo convocação indevida de uma autoridade federal, ela deve ser entendida como um mero convite a ser facultativamente atendido. De qualquer forma, em caso de comparecimento facultativo em atendimento a um convite, a autoridade federal não prestará depoimento, mas apenas colaborará com os trabalhos da comissão.
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Ed. Saraiva. 5ª edição. São Paulo. 2003;
____________. Comissões parlamentares de inquérito e suas competências: política, direito e devido processo legal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /revista/Rev_15/LuisRoberto.htm. Acesso em: nov/2013
FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. Ed. Malheiros. 1ª edição, 2ª tiragem. São Paulo. 2000;
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., Editora Malheiros;
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 25ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2005.
[1] BARROSO, Luis Roberto. Comissões parlamentares de inquérito e suas competências: política, direito e devido processo legal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /revista/Rev_15/LuisRoberto.htm. Acesso em: nov/2013.
[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 25ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 515.
[3] Obra citada.
[4] Nessa situação, o máximo que se admitira, dados os limites constitucionais, é existência de autorização aos Estados, através de Lei Complementar, para que legislassem sobre questões específicas de Telecomunicações (CF/88, art. 22, Parágrafo Único). Tal lei complementar, todavia, não existe no caso concreto.
Procurador Federal, pós-graduado em Regulação de Telecomunicações e pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Paulo Firmeza. Adstrição da CPI às competências do respectivo poder legislativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37257/adstricao-da-cpi-as-competencias-do-respectivo-poder-legislativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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