RESUMO: Este artigo aborda as inter-relações existentes entre o Direito de punir reservado ao Estado e sua evolução no tempo com um enfoque acerca dos livros “Aplicação da Pena e Garantismo” e “A Substituição da Prisão”, bem como ao Abolicionismo Penal. Será traçado neste trabalho um quadro sintético da evolução do Direito Penal, bem como se discutirá, à luz das modernas teorias do Direito, as influências dele para as sociedades no tempo e no espaço e o que isto representa para as sociedades atuais. Serão feitas análises acerca de correntes do Direito Penal, tais como a Maximalista, Minimalista e Abolicionista e suas principais peculiaridades sob o olhar de autores modernos. No presente artigo será realizada uma ampla análise dos fatos que fundamentam o estado atual de acontecimentos e conflitos sociais, tais como a prisão, a aplicação das penas, o controle social exercido pelo Estado, a marginalização crescente das pessoas, a ineficiência do sistema prisional e quais medidas poderão ser adotadas por todos, a fim de empreender mudanças no quadro atual do Direito Penal brasileiro. Será evidenciada de que forma o Abolicionismo Penal se torna essencial para efetivação de mudanças e quebra de paradigmas que não mais se sustentam dentro da realidade atual.
PALAVRAS-CHAVE: Direito de punir; abolicionismo; garantismo; minimalismo; penas.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo aborda o aspecto histórico-evolutivo do jus puniendi2, sua inter-relação com a sociedade e o poder e de que forma ele foi ao longo dos tempos utilizado pelas classes dominantes como meio de conservação do poder, de concentração de renda e de monopólio da liberdade apenas nas mãos de poucos, relegando à grande maioria das pessoas o peso do trabalho, do sacrifício e da fúria do Estado no momento de punir. Serão trazidas ao debate a evolução e as discussões acerca da aplicação das penas pelo Estado serão debatidas, principalmente sob o enfoque do Abolicionismo e do Garantismo. Assim, será possível analisar o que vem ocorrendo na atualidade em relação a temas como a prisão, penas alternativas e sócio-educativas, direitos humanos etc, objetivando com isto definir o grau de dominação do povo pelo Estado e de que forma empreender mudanças a fim de garantir um Estado menos interventor no tocante ao Direito Penal e mais presente quanto à garantia dos direitos humanos fundamentais.
Analisar-se-ão modernas correntes que versam sobre o Direito Penal tais como o Direito Penal Minimalista ou do equilíbrio, Maximalista ou do inimigo, o Abolicionismo Penal e o Garantismo, suas influências no campo do Direito e para a sociedade de um modo amplo.
2. BREVE SÍNTESE EVOLUTIVA DO DIREITO PENAL
A história humana evidencia uma organização por meio de grupos e de sociedades. O homem “primitivo” se viu obrigado a se defender de toda espécie de adversidade para se manter vivo. Neste percurso, diversos fatores devem ser analisados à luz da evolução do direito penal, uma vez que a espécie humana é, por natureza, especialmente, dotada de razão e emoção, as quais geram diversos tipos de sentimentos tais como a agressividade, a competição, o orgulho, a fúria, a violência etc.
Neste sentido, os sentimentos internos e as relações em sociedade do homem foram e continuam sendo extremamente complexos, em que conflitos os mais diversos foram surgindo concomitantemente às transformações humanas, culturais e sociais. Assim, historicamente, instituiu-se a societas criminis3, que foi sendo desenvolvida por uma necessidade dos grupos e das sociedades, à medida que a “segurança” das pessoas se viu ameaçada por atos que colocavam em risco a boa convivência.
A fim de evidenciar que a evolução do Direito Penal não se deu de forma automática,
mas gradual no tempo e no espaço classificam-se de forma sintética as fases evolutivas, assim denominadas para um melhor entendimento didático em fases do Período da Vingança, que são as fases da vingança privada, da vingança divina e da vingança pública, que se estendeu até o século XVIII.
Ainda no século XVIII entre os anos de 1750 e até meados dos anos de 1850 surge o período Humanitário, sob o qual pensadores do Iluminismo iriam se opor aos pressupostos do Estado Absolutista, no qual este se destacava por arbitrariedades na administração da justiça e a prática de atrocidades em nome da lei. Neste período destaca-se a importante obra de Cesare Becaria “Dos Delitos e Das Penas”, que traduz a insatisfação social com relação a aplicação da lei e administração da justiça pelo Estado.
O Período Científico tem início no século XIX, por volta do ano de 1850 estendendo-se até a atualidade. Surgem neste período diversas teorias que tentam explicar o homem e suas relações com o mundo. Idéias tais como, o Positivismo, o Determinismo, a Teoria da Degenerescência[1], que iria da base ao racismo, irão fundir-se em um mote argumentativo que irá, sob certo aspecto, fazer expandir o campo de aplicação do Direito Penal, à medida que se preocupa com as razões sob as quais ocorrem os crimes.
Merece destaque, como referência histórica, nesta fase o médico italiano César Lombroso com a idéia do criminoso nato, entre outras. Nesta seara, o Estado, representado pelas elites, define inclusive a partir de expressões se o indivíduo é ou não um potencial criminoso, desrespeitando princípios humanos mais básicos apenas pela aparência.
O Estado deve garantir a aplicação do Direito Penal dentro de limites impostos pelo princípio da dignidade humana e pelo Estado Democrático de Direito.
No Brasil a Constituição da República inovou ao incluir este preceito que nas palavras de Fernando Capez:
Diante disso, pode-se afirmar que a expressão “Estado de Direito” por si só, caracteriza a garantia inócua de que todos estão submetidos ao império da lei, cujo conteúdo fica em aberto, limitado apenas à impessoalidade e à não-violação de garantias individuais mínimas. Por essa razão, nosso constituinte foi além, afirmando que o Brasil não é apenas um Estado de Direito, mas um Estado Democrático de Direito (2002, p. 8).
Neste sentido, Estado Democrático de Direito se traduz por ser aquele que não apenas irá submeter todas as pessoas ao crivo da lei, mas aquele em que as leis possuem conteúdo e adequação social e em que se utilizam princípios garantistas e minimalistas em relação ao Direito Penal, por exemplo.
3. ENTENDENDO A TEORIA DO DIREITO PENAL MINIMALISTA
O Direito Penal Minimalista, preconizado a partir do garantismo penal, corrente muito propagada na atualidade, principalmente nos meios acadêmicos, traz em seu bojo diversos princípios importantes para a sociedade com relação às garantias individuais dos cidadãos, tais como o princípio da mínima intervenção, da adequação social etc, que configuram uma mudança crucial no paradigma da atuação do Direito Penal. Rogério Greco define o conceito revelando que:
Na concepção que podemos chamar de “equilibrada” situa-se o Direito Penal Mínimo. O seu discurso, mais coerente, permissa vênia, com a realidade social, apregoa, em síntese, ser a finalidade do Direito Penal a proteção tão-somente dos bens necessários e vitais ao convívio em sociedade. Aqueles bens que, em decorrência de sua importância, não poderão ser somente protegidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico (2009, p. 24). Grifos do autor.
A ideia principal desta teoria, por assim dizer, seria a mínima intervenção do Estado quanto à aplicação do Direito Penal na vida em sociedade, das pessoas e transferindo para esferas diferentes do Direito a tutela de bens jurídicos atualmente a cargo do Direito Penal.
Assim sendo, esta teoria se traduz numa lógica, a qual prevê que quanto maior a inclusão do Direito Penal na vida social menos serão respeitados os direitos humanos e quanto menor a participação do do Direito Penal na sociedade mais garantidos estarão os direitos humanos. Para Salo de Carvalho:
A pertinente proposta da teoria garantista nega os princípios do positivismo dogmático dedicados a uma visão meramente contemplativa dos ordenamentos jurídicos, viciados por uma absoluta incapacidade de responder às demandas das sociedades contemporâneas (complexas e, em nosso caso, marginalizadas) (2008, p. 23).
O garantismo prega o respeito aos direitos humanos como forma de se inserir na sociedade a idéia de uma pena justa proporcional ao delito, no qual todas as fases de um processo penal, por exemplo, serão garantidas pelo Estado a qualquer cidadão o respeito aos seus direitos fundamentais, principalmente os com menos condições financeiras, de se defender de forma digna e não apenas a algumas pessoas que conseguem referidas garantias por meio do dinheiro.
4. A TEORIA DO DIREITO PENAL MAXIMALISTA OU DIREITO PENAL DO INIMIGO
Os defensores do Direito Penal Máximo, incluindo as elites do país, a mídia, os grandes empresários etc, defendem uma maior participação do Estado na aplicação das penas e um maior número de infrações atribuídas ao crivo do Direito Penal. O discurso direto do medo e da violência serve para manter a sociedade afastada do que realmente importa para a população, a política, as questões sociais, o caos na saúde, na educação que fatalmente irão influenciar na segurança pública e que também, na verdade, revela um subtexto de um discurso indireto que serve para facilitar aos donos do poder, os donos do Estado um maior controle social punindo e intimidando com uma possível punição.
As principais idéias do maximalismo penal foram elaboradas a partir de pensadores como Hobbes e Kant, os quais admitiam como inimigos e traidores da coletividade e do Estado aquelas pessoas que transgrediam as normas e desprezavam o contrato social.
Desse modo, pode-se pensar o maximalismo como meio paliativo do Estado em sua ineficiência histórica de controle social, na incapacidade de empreender mudanças no campo social gerando emprego e renda para aqueles que realmente precisam re-aparelhando o Estado de que forma que se possa garantir pelo menos uma educação de qualidade e um sistema de saúde eficiente, isto já seria suficiente como meio de impedir a marginalização de muitas pessoas e o esvaziamento das prisões, por exemplo. O discurso penal maximalista é extremamente perigoso, à medida que pode provocar, inclusive uma guerra civil pelo endurecimento do sistema. Zaffaroni analisa esta situação:
Por muitas décadas o discurso Jurídico-Penal foi predominantemente o positivista e integrado com a criminologia desta vertente, porém superada esta etapa passou a assentar-se sobre uma base neo-kantiana heterodoxa, que adquiriu elementos das variáveis do neo-kantismo, na medida em que foram úteis. Recentemente, nas duas últimas décadas, com grande resistência e reconhecendo mais as consequências dogmáticas do que a base realista sofreu um relativo desestruturamento com a introdução do finalismo (1998, p. 45).
O Direito Penal do inimigo tem um “efeito colateral” que seria uma revolta crescente da população. O que se vê atualmente no Brasil, entretanto esta revolta restringe-se a alguns grupos ou pessoas, cujos principais objetivos são essencialmente egoístas, pois transgridem as leis, roubam, furtam, delinquem para uso próprio. Existe também o “crime” organizado, mas neste sentido o objetivo é o enriquecimento dos chefes seja do tráfico de drogas, do contrabando etc. Uma mobilização popular para discussão das políticas públicas é quase impossível no Brasil, uma vez que os aparatos midiáticos e estatais mantêm o povo alienado com ideologias, tais como o incentivo a uma cultura libertina, vazia e idiotizante, ao consumismo desenfreado, as quais legitimam e reforçam o poder do mais forte e o poder do Estado sobre os menos abastados.
5. ANALISANDO O ABOLUCIONISMO PENAL E SUA IMPLANTAÇÃO COMO ALTERNATIVA PARA GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS
Embora, à primeira vista, pareça ser o abolicionismo penal uma idéia extravagante e utópica, este na verdade tem um poder de contestação muito forte quanto ao status quo, às estruturas de poder do Estado. Uma mudança estrutural e profunda da sociedade quanto aos conceitos do Direito Penal nela enraizados durante séculos torna-se necessário, segundo esta teoria, à medida que a existência de idéias e costumes nocivos dentro da sociedade legitimam e conservam dentro dela a dominação do forte pelo fraco, por assim dizer. Louk Hulsman, um dos principais idealistas do movimento abolicionista, falecido em 29.01.2009, propugnava que:
É preciso abolir o sistema penal. Isto significa romper os laços que, de maneira incontrolada e irresponsável, em detrimento das pessoas diretamente envolvidas, sob uma ideologia de outra era e se apoiando em um falso consenso, unem os órgãos de uma máquina cega cujo objeto mesmo é a produção de um sofrimento estéril. Um sistema dessa natureza é um mal social. Os problemas que ele pretende resolver – e que, de forma alguma, resolve, pois nunca faz o que pretende – deverão ser enfrentados de outra maneira (1993, p. 91). Grifos do autor.
O que há de revolucionário no Abolicionismo é que ele “mexe” com muitas estruturas do poder, tais como educação e cultura, por exemplo, pois abolir o Direito Penal significa, antes de tudo, mudanças na linguagem e na atitude para se desvencilhar de idéias e costumes antigos de “verdades” enraizadas na sociedade.
Propõe esta corrente mudanças na linguagem, uma vez substituídas expressões como crime por situação problema; situações por comportamentos; natureza problemática por natureza ilegal do crime; pessoa/instância em lugar de agressor.
Entretanto, é preciso também uma atitude prática que busque trazer para a realidade a mudança na linguagem, o que irá gerar uma outra dimensão ao Direito e um tratamento mais humano às pessoas e, especialmente às vítimas do “crime”, sob o qual o estado as utiliza apenas como referência para punir o “agressor”.
A este respeito Louk Hulsman, em seu livro, preleciona:
As atividades exercidas na base da organização social e cultural na justiça penal, a linguagem usada, as imagens, não são familiares a quase todos nós porque não são parte de nossas percepções, nossas atitudes e nosso comportamento. Também a este respeito o campo do “crime e dos criminosos” é bastante semelhante aos outros campos em que assuntos de “guerra e paz”, temas raciais e de “gênero” são debatidos. Espero que minha detalhada descrição de algumas alternativas ajudem a compreender como esta linguagem e estas imagens da justiça penal nos influenciam e nos constrangem (1993, p. 179).
O abolicionismo penal não significa abolir as penas, mas sim fazer com que o Estado não utilize o Direito Penal com a finalidade de dominação do homem pelo medo, pelo formalismo, pela herança nefasta do pseudo título de Doutor enraizada na sociedade, a qual visa empequenecer e intimidar o cidadão desinformado, mas sim com o objetivo de cumprir seu papel de proteção social, garantidor dos direitos humanos e de selecionar o que de verdade importa ao Direito Penal para consecução de uma justiça menos injusta.
6. A CONCEPÇÃO DE PRISÃO NO BRASIL E A PROBLEMÁTICA ACERCA APLICAÇÃO DAS PENAS E DO SISTEMA CARCERÁRIO
Com uma herança social escravocrata e de aculturalização o Brasil tem um sistema prisional falido, em que não há ressocialização e, pelo contrário, há na verdade uma piora do preso, pois sofre maus-tratos pela polícia e pelos próprios detentos. Investe-se na construção de presídios quando deveria investir-se na construção de mais escolas e no re-aparelhamento da educação, na qualificação e melhoria dos salários dos professores e num sistema de saúde digno.
Tudo isto serve para manter o povo isolado das grandes questões sociais pela alienação da mídia, da tv, etc. muitos programas de tv tais como Se Liga Bocão e Na Mira amplamente difundido entre as pessoas pelo conteúdo sensacionalista e de imagens chocantes envolvendo cadáveres, presos etc, representam verdadeiros atentado aos princípios que regem a comunicação de interesse social e os direitos da criança e do adolescente, por exemplo.
Porém, o sensacional sensibiliza mais que o real e o povo aceita inerte que pessoas do povo sejam maltratadas e tenham seus direitos mais fundamentais violados de forma debochada com o fim de encobrir as questões que realmente interessam à sociedade.
Com isto espalha-se a notícia do medo, da violência como forma de controle social, entupindo as prisões e xadrezes, muitas vezes construídos para uma determinada capacidade e utilizados com 3 ou mais vezes mais o número que originalmente foram projetados. Muitos presos, por falta de defensorias públicas irão permanecer assim por muito tempo à espera de uma sentença do judiciário cheio de problemas e moroso como é. A situação carcerária do Brasil, de forma geral, é inumana e sua existência fere muitos princípio constitucionais. Com isto a aplicação da pena e a pena aplicada serão realizadas de forma complexa e quem irá pagar o preço desta desorganização será invariavelmente o preso. Geder Luiz afirma que:
Assim, a despeito da conformação normativa da pena privativa de liberdade, tendo em vista a sua previsão em sede constitucional (artigo 5°, XLVI, da CF), bem como infraconstitucional (artigo 32, I, do CP), tem-se observado, no campo da sua execução, dadas as notórias estruturas e as ínfimas condições do sistema carcerário, bem como a sua utilização banalizada, uma rota de colisão com o principio constitucional regulado no mesmo artigo 5°, XLVI, “e”, que veda a existência de penas cruéis. Afirmação que encontra constante apoio na doutrina pátria. “Quem conhece minimamente o sistema carcerário do País tem idéia do cínico absurdo e descompasso que existe, no caso, entre norma e realidade” (DUCLERC, 2008, p. 35)[2]. (2008, p. 165).
A sociedade alienada pelo aparato da mídia e do Estado irresponsável produz nos recantos mais distantes e nas favelas a miséria e a marginalização de milhares de pessoas. Dessa forma, o Estado tenta sem êxito controlar uma população ansiosa por um mínimo de dignidade e sufocada pela falta de recursos para sua sobrevivência A imersão de muitas pessoas na marginalização se dá de forma natural. Em muitas cidades o “crime” já faz parte da vida das pessoas pela absoluta ausência do Estado. Tenta-se reverter a situação com medidas paliativas e controle os mais diversos, no entanto a mudança deve ser feita na raiz.
A raiz de toda esta problemática social sem dúvida está numa atitude omissa de muitos setores da sociedade, principalmente, a mídia, a igreja, os políticos, os pensadores e universitários do país que pouco ou quase nada fazem a fim de mobilizarem a sociedade para questões como o Direito Penal, a aplicação das penas, a situação prisional do país e, principalmente como o Estado deve garantir educação e saúde como meio social de combate à marginalização.
Os juízes deste país extremamente preparados e treinados quanto aos ramos do Direito, ao assumirem comarcas distantes das capitais, em regra, não conseguem compreender a dinâmica social e a cultura local, pois isto na prática demanda tempo e, até entenderem realmente como se processam os relacionamentos das pessoas eles, em geral, já analisaram, acompanharam e julgaram estas pessoas segundo critérios teóricos e racionalistas. Esta é a prova da existência de um sistema corrompido pelo tempo, estruturado em idéias ultrapassadas e que precisam de mudanças conceituais e estruturais. Para Carlos Eduardo Scheid:
Dessa arte, o discurso garantista alcança aos magistrados a possibilidade de criticarem as leis inválidas por intermédio de sua (re)interpretação em sentido constitucional, denunciando, assim, a sua inconstitucionalidade, o que os coloca na posição de garantidores dos direitos fundamentais. Daí por que se deve observar o juiz, atualmente, por lente diversa da implantada pelos pedrões (extremamente) positivistas, a qual o enxergava como “um burocrata, um temeroso respeitador de formas, um seguidor obstinado e compulsivo de regras porque elas simplesmente existem e, por isso, têm validade formal”5 (SCHEID, 2009, p. 62).
Um sistema de aplicação de penas deve ter no mínimo uma coerência com a realidade, entretanto parece que no Brasil as atitudes conservadoras, formais, mecanicistas, a linguagem tecnicista e formal do judiciário, herança da escravidão e da opressão do povo, forçam uma prática de continuação de um modelo político, à medida que os juízes mais antigos, principalmente, e pessoas influentes de diversos setores da sociedade acomodam-se travando as mudanças. A abolição deste tipo de atitude é que se busca com os ideais propagados por Louk Hulsman nesta bela metáfora:
Se afasto do meu jardim os obstáculos que impedem o sol e a água de fertilizar a terra, logo surgirão plantas de cuja existência ou sequer suspeitava. Da mesma forma, o desaparecimento do sistema punitivo estatal abrirá, num convívio mais sadio e mais dinâmico, os caminhos de uma nova justiça (1993, prefácio a 1ª edição).
5. CONCLUSÃO
Pode-se afirmar, com precisão, que as mudanças no Direito de punir do Estado ocorreram e ocorrem de forma lenta em que a continuação do modelo marginalizante e alienista é buscado pelas classes dominantes como forma de se manterem no poder.
Será que o “delinqüente” o “agressor” sozinho é quem deve pagar pela irresponsabilidade da sociedade e do Estado em manter um sistema político e social corroído na essência, cruel e desumano como é o Direito Penal e a situação carcerária e social no Brasil? Parece que não. Então, passou do momento de se discutir o Direito Penal, de forma ampla, em que a sociedade e o Estado deverão assumir sua parcela de “culpa” pela ineficiência enquanto controladores e responsáveis pela vida social.
Pouca coisa mudou efetivamente em termos de direitos humanos, de aplicação justa das penas, da abolição da tortura física e psicológica, pois a polícia ainda tortura e mata. Mudaram-se as formas de punir, entretanto o intuito de vingança do homem não mudou, continua o mesmo.
O mundo contemporâneo não admite mais a pena privativa de liberdade com o encarceramento de pessoas que o Estado pratica. Ela não é eficaz para ressocialização do réu, nem para a satisfação da vítima e da sociedade por justiça, pelo contrário a prisão da forma como é concebida só prejudica a sociedade ao devolver, para o seio desta, pessoas piores do que quando entraram nas prisões com o fim de serem ressocializados. Este descaso consciente representa uma vingança.
O trabalho como forma de cumprimento de pena é sem dúvida uma excelente forma de aplicação de pena, entretanto no Brasil não se busca esta alternativa penal, à medida que, apenas pouco mais de 20% dos presos trabalham, enquanto os aproximadamente 80% restantes permanecem inertes gerando inclusive despesas ao Estado e à sociedade para manutenção de uma máquina prisional falida.
Desse modo, para se ter o mínimo de convivência justa e de respeito aos direitos humanos torna-se necessária, como acima exposto, uma mudança urgente na estrutura da sociedade e isto não ocorre “da noite para o dia”, demanda tempo, requer esforços por parte de todo o corpo social, a fim de efetivar práticas necessárias à implantação de uma nova visão sobre o Direito Penal e uma mudança no paradigma político atual. E isto pode ser alcançado pela absorção de ideais aqui elencados tais como o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal.
REFERÊNCIAS:
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
GOMES, Geder Luiz Rocha. A Substituição da Prisão – Alternativas penais: Legitimidade e Adequação. Salvador: Jus Podvium, 2008.
GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: Uma Visão Minimalista do Direito Penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
HULSMAN, Louk, CELIS, Jaqueline Bernat De. Penas Perdidas – o sistema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: Luam, 1993.
Pesquisa. Disponível em <site http://tradutor.babylon.com/latim/portugues>. Acesso em 1° de junho de 2010.
SCHEID, Carlos Eduardo. A Motivação das Decisões Penais a partir da Teoria Garantista. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2009.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca de lãs Penas Perdidas – Deslegitimacion y Dogmatica Juridico-Penal. 2ª ed. Buenos Aires: Ediar, 1998.
[1] Esta teoria foi sistematizada por Benedict Morel (1809-1873), no “Tratado das Degenerescências”, de 1857, a qual propugnava que a partir da sucessão de gerações, nervosos gerariam neuróticos, que gerariam psicóticos, que gerariam idiotas ou imbecis, até a extinção da linhagem.
[2] STRECK, Lenio Luiz, 2003, p. 47/60 apud SCHEID, 2009, p. 62.
Servidor público efetivo do Ministério Público do Estado da Bahia. Bacharelando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Almir Izidório Oliveira da. O jus puniendi como estratégia de dominação e a busca pela efetivação dos direitos humanos a partir do abolicionismo e garantismo penais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37259/o-jus-puniendi-como-estrategia-de-dominacao-e-a-busca-pela-efetivacao-dos-direitos-humanos-a-partir-do-abolicionismo-e-garantismo-penais. Acesso em: 23 dez 2024.
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