RESUMO: À Advocacia-Geral da União – AGU e aos seus órgãos vinculados foi conferida a atribuição constitucional da atividade de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal, consoante dispõe o artigo 131 da Constituição Federal e a Lei Complementar nº 73/93. O ingresso dos membros das carreiras da AGU se dá mediante a aprovação em concurso público de provas e títulos, à exceção da nomeação do Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República. Por se tratar do exercício de Advocacia de Estado e não de governo, os seus membros possuem investidura institucional, patrocinam o interesse público e a sua indisponibilidade e representam os 3 poderes da República, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Por essa razão, a nomeação de servidores com investidura precária (comissionados e terceirizados) para o desempenho das atribuições consultivas da AGU e de seus órgãos vinculados é incompatível com o mandamento constitucional respectivo. Ante o arcabouço normativo apresentado, além de farta doutrina e jurisprudência do STF, defende-se no presente estudo que tais atribuições constitucionais devem ser exercidas em caráter exclusivo pelos membros efetivos das carreiras da AGU e de seus órgãos vinculados, em defesa do fortalecimento do Estado Democrático e Social de Direito.
Palavras-chave: AGU, atividade consultiva, exclusividade.
INTRODUÇÃO
O artigo 131, caput, da Constituição Federal de 1988, atribuiu à Advocacia-Geral da União – AGU e a seus órgãos vinculados a competência para representar a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, ainda, nos termos da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Nada obstante, desde o advento da Lei Orgânica da Instituição (Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993), por razões diversas, a Administração Pública Federal, direta e indireta, tem permitido o exercício das atribuições consultivas dos membros da AGU e das entidades vinculadas por servidores comissionados e não concursados (nomeados para cargos de direção e assessoramento superior – DAS´s, conhecidos por comissionados ou “janelados”) e por profissionais terceirizados.
A situação acima referida é flagrantemente inconstitucional e ilegal, na medida em que avilta e viola a vontade do constituinte originário de delegar à AGU e a seus órgãos vinculados além da representação judicial e extrajudicial, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico da administração federal direta e das entidades da administração indireta, essenciais ao atendimento do interesse público primário[1].
É preciso alertar que o ingresso nos cargos públicos das carreiras da AGU e de seus órgãos vinculados ocorre somente mediante a realização de concurso de provas e títulos, consoante dispõe 131, §2º, da Carta Magna, em conformidade com a exigência prevista pelo artigo 37, inciso II, do mesmo Diploma Constitucional.
Nesse panorama, far-se-á um estudo acerca da exclusividade do exercício das atribuições dos membros das carreiras da AGU e de seus órgãos vinculados, a partir da distinção das competências traçadas pela Constituição Federal para a titularidade do exercício da atividade de consultoria e assessoramento jurídico dos órgãos da administração direta federal e das entidades da administração indireta.
Igualmente, serão analisadas as manifestações já existentes no âmbito da própria AGU, vinculantes a toda a Administração Federal, desde que aprovadas pelo Presidente da República. A doutrina e as decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal – STF sobre o tema também serão estudadas no presente trabalho.
O estudo em comento é relevante na medida em que procura demonstrar a inconstitucionalidade das nomeações de servidores comissionados não-concursados e da contratação de terceirizados para o exercício das atribuições consultivas de membros da AGU, buscando apontar soluções jurídicas concretas para o problema observado.
1. AS PROCURATURAS CONSTITUCIONAIS. A ESTRUTURA CONSULTIVA DA AGU E DE SEUS ÓRGÃOS VINCULADOS
Como se disse alhures, o artigo 131, da Constituição Federal de 1988 erigiu a Advocacia-Geral da União – AGU, diretamente ou por meio de seus órgãos vinculados, à condição de instituição[2] competente para exercer a representação judicial e extrajudicial, bem como as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, verbis:
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
A topologia constitucional da AGU, alocada no capítulo “Das Funções Essenciais à Justiça” revela que o constituinte pretendeu conferir à instituição papel central na estruturação do Estado Democrático de Direito em desenvolvimento no país.
A respeito da classificação constitucional das funções de justiça elencadas pelo constituinte de 1988, Diogo de Figueiredo Moreira Neto[3] as divide em “procuraturas constitucionais” encarregadas das funções essenciais à justiça, voltadas à proteção de três conjuntos de interesses distintos, a saber:
A Constituição cria três tipos institucionais de procuraturas, estas encarregadas das funções essenciais à Justiça, exercendo, cada uma delas, atribuições consultivas e postulatórias, todas bem definidas a nível constitucional (artigos 127, 129, 131, 132, 133 e 134, CF) e infraconstitucional (Constituições estaduais e respectivas leis orgânicas), voltadas a três conjuntos de interesses caracterizados.
O primeiro conjunto de interesses abrange, basicamente, dois importantes subconjuntos: os interesses difusos da defesa da ordem jurídica e do regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127, caput, da Constituição), detalhados em rol de funções (artigo 129, CF), em relação aberta, porquanto pode ser acrescida de outras funções, desde que compatíveis com a finalidade institucional (artigo 129, IX). Para esse conjunto, a função essencial à justiça que lhe corresponde é a advocacia da sociedade, e a procuratura que a tem a seu cargo é o Ministério Público, em seus ramos federais, distrital federal e estaduais.
O segundo conjunto de interesses são os interesses públicos, assim entendidos os estabelecidos em lei e cometidos ao Estado, em seus desdobramentos políticos (União, Estados e Distrito Federal). Para esse conjunto, a função essencial à justiça que lhe corresponde é a advocacia do Estado (artigo 131, para a União, e 132, para os Estados e Distrito Federal) e as procuraturas que a têm a seu cargo são a Advocacia Geral da União (órgão coletivo) e os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (órgãos singulares).
O terceiro conjunto de interesses são individuais, coletivos e até difusos, mas todos qualificados pela insuficiência de recursos daqueles que devam ou queiram defendê-los: são os interesses dos necessitados (artigo 5º, LXXIV, da Constituição). Para esse conjunto, a função essencial à justiça que lhe corresponde é a advocacia dos necessitados e a procuratura que a tem a seu cargo é a Defensoria Pública, federal, distrital federal e estadual (artigo 134, CF).
Assim, com a incumbência de desempenhar a procuratura da advocacia de estado em defesa dos interesses públicos cometidos ao Estado brasileiro, a advocacia consultiva da União é atualmente desempenhada pelos seguintes órgãos da AGU: Consultoria-Geral da União - CGU, Consultorias Jurídicas nos Estados – CJU´s, Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios – CONJUR´s[4], Assessorias Jurídicas junto às Secretarias Especiais e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN. Desempenham, ainda, tais atribuições consultivas a Procuradoria-Geral Federal – PGF e a Procuradoria-Geral do Banco Central - PGBACEN, junto às entidades da administração federal indireta e ao Banco Central do Brasil, respectivamente[5].
Reconhece-se que a atual Lei Orgânica da AGU (LC nº 73/93) encontra-se extremamente defasada e ultrapassada, carecendo de imediata reformulação e atualização, a qual deve ser ampla e democraticamente debatida com os membros de todas as carreiras e com as entidades associativas respectivas[6].
2. A AGU E A ADVOCACIA DE ESTADO: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA. INGRESSO NAS CARREIRAS E A EXCLUSIVIDADE DE ATRIBUIÇÕES
Inicialmente, cumpre observar que os membros efetivos da AGU desempenham o múnus constitucional da Advocacia de Estado e não de governo, entendimento por nós perfilhado sobre o tema.
Os membros efetivos da AGU e dos órgãos vinculados possuem investidura institucional, após aprovação em concurso público de provas e títulos, e têm a obrigação constitucional de defesa da supremacia do interesse público e de sua indisponibilidade. Nesse sentido, cita-se o entendimento de Valdemar de Oliveira Leite, em monografia aprovada pela banca examinadora do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP[7]:
Jamais, em tese, poderiam praticar a Advocacia de Governo, ou Advocacia no Governo. Não são advogados de governo porque são membros efetivos, oriundos de concurso público de provas e títulos, cuja investidura, por óbvio, não foi em caráter político. Também não são advogados no Governo, pois não podem quedar às conveniências políticas.
Teoricamente, os membros da AGU jamais poderiam se curvar aos Governos da hora (...) pena de a Instituição não cumprir sua missão constitucional na incumbência de assegurar a legalidade da ação administrativa e a preservação do patrimônio público.
Os interesses patrocinados pelos membros da AGU e dos órgãos vinculados não podem ser os interesses dos governos ou de seus governantes, estes últimos patrocinados por advogados privados[8], mas sim os interesses do Estado brasileiro, entendido em sua feição de pessoa jurídica perene, no auxilio a formulação de políticas públicas contínuas, com atuação institucional e no exercício do controle jurídico interno de legalidade e de constitucionalidade.
Outrossim, à Advocacia Pública Federal foi conferida a incumbência constitucional de representação judicial e extrajudicial da União como um todo, i.e., dos três poderes da União, do Ministério Público e da Defensoria Pública[9]. A ideia de que a AGU foi instituída para realizar a defesa do Estado brasileiro como um todo é uma forte evidência de que o constituinte pretendeu atribuir a seus membros e aos dos órgãos vinculados a roupagem da Advocacia de Estado e não de qualquer que fosse o governo.
Em suma, a relação entre a AGU e a Advocacia de Estado deve ser necessariamente estabelecida, dotando-se a referida instituição das necessárias garantias e prerrogativas institucionais, dentre as quais se inclui a independência funcional, para que os seus membros possam exercer com segurança e independência suas atribuições, imprescindíveis à consolidação do Estado Democrático e Social de Direito.
2.1. O INGRESSO NAS CARREIRAS DA AGU E DE SEUS ÓRGÃOS VINCULADOS E A EXCLUSIVIDADE DE ATRIBUIÇÕES CONSULTIVAS
O ingresso nas carreiras da AGU e de seus órgãos vinculados somente é possível por meio do concurso público, por força do mandamento constitucional insculpido no artigo 131, §2º[10]. O princípio do concurso público reforça e confirma outros preceitos constitucionais igualmente relevantes, tais como o princípio democrático, da isonomia e da eficiência, como acertadamente aponta Rommel Macedo[11]:
Ao comentar o instituto do concurso público, Motta (2004, p. 36-37) aduz que este atende a reclamos de probidade administrativa, possuindo alguns princípios endógenos, quais sejam: a) princípio democrático, segundo o qual todos devem ter direito de concorrer às posições estatais; b) o princípio da isonomia, que garante igualdade de tratamento, vedando os privilégios e as discriminações injustificadas; c) o princípio da eficiência, que impõe processos seletivos transparentes e objetivos, na busca pela prestação de um serviço eficiente.
Consequência lógica é que servidores não concursados, com vínculo precário com a administração (comissionados e terceirizados em geral), não podem exercer indevidamente as atribuições dos membros efetivos da instituição. A atribuição constitucional em tela é indelegável e intransferível em todas as suas feições (contenciosa e consultiva), direta e indiretamente, incluídas necessariamente aquelas relacionadas à consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal.
Pela leitura dos §§1º e 2º, do artigo 131, da Constituição, infere-se que tão-somente o Advogado-Geral da União é de livre nomeação e exoneração pelo Presidente da República e que o ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição deve ser feito mediante concurso público, verbis:
Art. 131 (...)
§ 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
O §5º do artigo 2º da Lei Complementar nº 73/93 traz em seu texto expresso o elenco dos membros da Advocacia-Geral da União que possuem competência para atuar na Instituição. Da mesma maneira, a Lei nº 10.480/2002 e a MP nº 2.229-43/2001 o fazem quanto aos membros da Procuradoria-Geral Federal.
Assim, da simples leitura dos dispositivos supramencionados já decorre a consequência lógica da exclusividade do exercício das atribuições dos membros efetivos das carreiras da AGU e de seus órgãos vinculados, à exceção do Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República.
Em reforço ao argumento legal exposto, é interessante trazer à lume o conceito de agentes políticos que vem sendo apregoado pela moderna doutrina administrativista, no sentido de que a caracterização de tal categoria de agente público se deslocou do critério único do provimento eletivo para o da indispensabilidade da função pública desempenhada, tais como aquelas apresentadas pelo constituinte no capítulo das funções essenciais à justiça. Assim sendo, por óbvio, as atribuições constitucionais dos agentes políticos da AGU são exclusivas e não são passíveis de delegação ou transferência a terceiros[12].
As atribuições da AGU e dos órgãos vinculados não se compatibilizam com a precariedade da investidura de comissionados e de terceirizados, sem qualquer estabilidade no serviço público. Com efeito, é praticamente inconcebível, por exemplo, que o servidor público com investidura precária (comissionado ou terceirizado), realize com a imparcialidade e a segurança necessárias o controle jurídico da legalidade dos atos das autoridades superiores[13], que podem determinar a sua demissão a qualquer momento, em razão de eventual contrariedade quanto à manifestação jurídica.
Sob esse prisma, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB editou súmula com o seguinte teor:
Súmula 1 - O exercício das funções da Advocacia Pública, na União, nos Estados, nos Municípios e no Distrito Federal, constitui atividade exclusiva dos advogados públicos efetivos a teor dos artigos 131 e 132 da Constituição Federal de 1988.
O Supremo Tribunal Federal – STF já teve oportunidade de apreciar o tema da exclusividade das atribuições das carreiras da advocacia pública dos Estados e do Distrito Federal (artigo 132, da Constituição Federal), no julgamento da ADI MC nº 881-ES, ocasião em que se afirmou peremptoriamente a exclusividade da atividade funcional dos membros da advocacia pública do estado, verbis:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos.
No mesmo sentido, o Ministro Gilmar Mendes, na relatoria da ADI nº 1.679 – GO, manifestou o seguinte entendimento em seu voto:
“(...) Entretanto, a representação dos estados federados dá-se por meio dos Procuradores dos Estados, no exercício de atividade exclusivamente a estes afeta – tanto a representação judicial como a consultoria jurídica – nos termos do art.132, da Constituição da República (...)”.
Em ambos os casos, o STF analisou a aplicação do artigo 132, da Carta Maior, atinente às atribuições exclusivas das carreiras da advocacia pública estadual, cujos preceitos são igualmente aplicáveis à advocacia pública federal. O STF pacificou, pois, o entendimento de que o aconselhamento jurídico ao Poder Executivo Estadual é prerrogativa constitucional conferida exclusivamente aos membros da Advocacia Pública do Estado, posicionamento em tudo aplicável à AGU, em razão da identidade de fundamento jurídico e político, nada obstante as atuações se dêem em esferas federativas distintas.
Cumpre assinalar que é fundamental para a consolidação da AGU enquanto instituição essencial à justiça, que a ideia da exclusividade de atribuições dos membros da área contenciosa da instituição seja aplicada com a mesma força e intensidade às atividades de consultoria e assessoramento jurídico, sobretudo na esfera dos Ministérios, onde os interesses políticos menos nobres podem pressionar para obtenção de manifestações muito pouco republicanas.
3. A POSIÇÃO INSTITUCIONAL DA AGU SOBRE A EXCLUSIVIDADE DE ATRIBUIÇÕES
Nada obstante a clareza e o caráter explícito das previsões normativas e das decisões do STF acima citadas, ainda é muito comum a prática da nomeação e da contratação de servidores não concursados para exercerem as atribuições dos membros da AGU ou de seus órgãos vinculados, sobretudo nas Consultorias Jurídicas dos Ministérios[14][15].
Há, nesses casos, usurpação da competência constitucional e infraconstitucional atribuída aos membros da AGU e dos órgãos vinculados, responsáveis pela consultoria e assessoramento jurídico da Administração Direta da União e das entidades da administração indireta.
Sobre o tema da exclusividade das atribuições dos membros da AGU e dos órgãos vinculados, a instituição consolidou seu entendimento por meio da Orientação Normativa nº 28, de 9 de abril de 2009[16], atualmente em vigor e vinculante para todos os órgãos de direção superior e de execução da instituição, verbis:
(...)
A COMPETÊNCIA PARA REPRESENTAR JUDICIAL E EXTRAJUDICIALMENTE A UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS, BEM COMO PARA EXERCER AS ATIVIDADES DE CONSULTORIA E ASSESSORAMENTO JURÍDICO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL, É EXCLUSIVA DOS MEMBROS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO E DE SEUS ÓRGÃOS VINCULADOS.
(...)
Com efeito, a exclusividade das atribuições de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal pelos membros das carreiras da AGU e de seus órgãos vinculados já havia sido consolidada pelo Parecer GQ nº 163/1998, parecer normativo vinculante para toda a Administração Pública Federal, cuja ementa e conclusão pedimos vênia para transcrever:
Parecer nº GQ – 163
EMENTA: I – A representação judicial da União compete exclusivamente à AGU, que a exerce (a) diretamente por seus Membros enumerados na Lei Complementar n° 73 e, (b) indiretamente, por intermédio de seus Órgãos vinculados que são os órgãos jurídicos das autarquias e das fundações públicas. É a representação institucional.
(...)
V – As funções institucionais da AGU, nela compreendidos seus Órgãos vinculados, são indelegáveis.
(...)
VII – CONCLUSÃO
62. De todo o exposto, pode-se afirmar que:
(...)
b) a partir da Lei Complementar n° 73, de 1993, que regulou o art. 131 da Constituição Federal, a Representação judicial e extrajudicial das autarquias e das fundações públicas cabe exclusivamente aos órgãos jurídicos das entidades;
O entendimento acima afirmado garante a exclusividade aos membros concursados da instituição na atividade contenciosa da União, das autarquias e fundações e, por óbvio, deve ser igualmente aplicado às demais atribuições funcionais previstas no dispositivo constitucional citado, dentre as quais se encontram necessariamente incluídas as atividades consultivas da AGU e de seus órgãos vinculados.
No mesmo sentido, a instituição exarou o Parecer GQ nº 191/1999, o qual concluiu que “a competência para interpretar a legislação vigente, no âmbito dos Ministérios, cabe, exclusivamente, às respectivas Consultorias Jurídicas, ressalvada a competência do Advogado-Geral da União”.
Vê-se que a exclusividade da consultoria e do assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal pelos membros da AGU e de seus órgãos vinculados é entendimento já pacificado e consolidado na esfera da referida instituição, além de vinculante para toda a Administração Pública Federal.
Qualquer atuação prática da Administração Pública e de seus gestores em sentido diverso do acima afirmado constituirá, portanto, indevida e frontal violação à decisão fundamental do constituinte originário.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 conferiu à Advocacia-Geral da União – AGU e a seus órgãos vinculados a competência para representar a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, ainda, nos termos da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo Federal.
Os membros efetivos da AGU e dos órgãos vinculados desempenham o múnus constitucional da Advocacia de Estado e não de governo, tendo em conta que os mesmo possuem investidura institucional, após aprovação em concurso público de provas e títulos, e têm a obrigação constitucional de defesa da supremacia do interesse público e de sua indisponibilidade.
As atribuições consultivas constitucionalmente deferidas à AGU são atividades exclusivas dos membros das carreiras da instituição e de seus órgãos vinculados, em decorrência do disposto no artigo 131, §§1º e 2º, da Carta Magna, bem como tendo em conta as normas contidas na Lei Complementar nº 73/93, notadamente o artigo 2º, §5º.
O Supremo Tribunal Federal – STF já se pronunciou sobre o tema da exclusividade das atribuições das carreiras da advocacia pública dos Estados e do Distrito Federal (artigo 132, da Constituição Federal), no julgamento da ADI MC nº 881-ES, ocasião em que se afirmou expressamente a exclusividade da atividade funcional dos membros da advocacia pública dos Estados. A decisão se aplica in totum à AGU, em razão da identidade de fundamento jurídico e político, nada obstante as atuações se dêem em esferas federativas distintas.
Institucionalmente, por meio da Orientação Normativa nº 28/2009, a AGU consolidou o entendimento de que a competência para representar judicial e extrajudicialmente a União, suas autarquias e fundações públicas, bem como para exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do poder executivo federal, é exclusiva dos membros da Advocacia-Geral da União e de seus órgãos vinculados.
Nada obstante, ainda é muito comum a prática da nomeação e da contratação de servidores não concursados para exercerem as atribuições dos membros da AGU ou de seus órgãos vinculados, sobretudo nas Consultorias Jurídicas dos Ministérios.
Tais nomeações constituem indevida e frontal violação à decisão fundamental do constituinte originário, na medida em que promovem usurpação de competência das funções dos membros das carreiras da AGU e de seus órgãos vinculados (PGF e PGBACEN), e enfraquecem a feição constitucional desejada pelo constituinte à instituição, qual seja a de função essencial à justiça e ao Estado Democrático, Social e Ambiental de Direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GRANDE JÚNIOR, Cláudio. Advocacia Pública: estudo classificatório de direito comparado. In: Interesse Público, ano 11, nº 54, mar/abril, 2009, Belo Horizonte: Fórum, 2009.
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KIRSCK, César do Vale. A alavancagem da AGU para a consolidação e o sucesso da Advocacia Pública de Estado no Brasil. In: Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antonio Dias Toffoli, Belo Horizonte: Fórum, 2009.
[1] Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o interesse público propriamente dito ou primário "é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social". Por outro lado, interesse secundário "é aquele que atina tão só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa, mas que só pode ser validamente perseguido pelo Estado quando coincidente com o interesse público primário” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 27ª Ed., 2010, p. 386).
[2] Há forte corrente doutrinária, com a qual concordamos, defendendo que a natureza jurídica da AGU (da advocacia pública e privada em geral) é a de função essencial à justiça, ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública, de modo que não se poderia afirmar que a mesma é órgão integrante do Poder Executivo (sobre o tema cf. KIRSCK, César do Vale. A alavancagem da AGU para a consolidação e o sucesso da Advocacia Pública de Estado no Brasil. In: Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça: estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e José Antonio Dias Toffoli, Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 395-422).
[3] MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. As Funções Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais, in Revista Jurídica, set/2001, ano 1, nº 1, pp. 54-55.
[4] Tramita perante o STF a Adin nº 4297, que pede o fim da dupla vinculação dos Advogados da União lotados nas Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios.
[5] vide sítio eletrônico http:// www.agu.gov.br/sistemas.
[6] A mensagem do Poder Executivo nº 400, de 31 de agosto de 2012, submeteu ao Congresso Nacional o PLP nº 205/2012, que “Altera a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União”. O Projeto de Lei Complementar em questão não foi minimamente debatido na instituição, de modo que foi preciso solicitar que a nobre deputada Andreia Zito (PSDB-RJ) fizesse requerimento junto à Comissão de Trabalho e Serviço Público da Câmara – CTASP para a realização de audiência pública sobre o tema, que até o presente momento ainda não foi marcada (cf. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=554204).
[7] LEITE, Valdemar Costa. Advocacia-Geral da União. Instituição Constitucional Independente ou Órgão do Executivo? Monografia apresentada à banca examinadora do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, como exigência parcial para a obtenção do título de Pós-graduado Especialista em Direito Público Latu Sensu, Março/2003, p. 72.
[8] Sobre o assunto cf. GRANDE JÚNIOR, Cláudio. Advocacia Pública: estudo classificatório de direito comparado. In: Interesse Público, ano 11, nº 54, mar/abril, 2009, Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 77-107.
[9] Com o intuito de concretizar o mister constitucional de representação dos poderes da União, a AGU tem instalado escritórios avançados junto ao STF, STJ, CNJ, Câmara dos Deputados e Senado Federal, com base no artigo 8º, inciso VI, do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010.
[10] Sobre o acesso aos cargos públicos por meio de concurso, o STF decidiu nas Adin’s 656/RS e 637/MA.
[11] MACEDO, Rommel. Advocacia-Geral da União na Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2008, p. 56.
[12] Vide MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Constituição e Revisão: temas de direito político e constitucional, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 244.
[13] Sobre o controle jurídico interno exercido pela AGU conferir MOURÃO, Carlos Figueiredo. A advocacia pública como instituição de controle interno da Administração. In: Interesse Público, ano 11, nº 52, mar/abril, 2009, Belo Horizonte: Fórum, 2009, pp. 43-51.
[14] Os exemplos são numerosos nos Ministérios e nas CONJUR’s da Esplanada. Apenas a título exemplificativo, cita-se a recém-publicada Portaria Interministerial nº 88, de 27 de março de 2013, publicada na Seção 1, do DOU de 28 de março deste ano, que admite a “contratação temporária” de profissionais graduados em Direito, para o exercício de atribuições exclusivas da carreira de Advogado da União no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS.
[15] A Corregedoria-Geral da AGU – CGAU/AGU já há muito vem alertando para essas situações irregulares nos Ministérios, já tendo exarado inclusive a NOTA CGAU/AGU Nº 025/2006, relativamente às irregularidades no Ministério do Esporte e a NOTA CGAU/AGU Nº 60/2006, na qual se consignou que a usurpação de competência ocorre em quase todas as CONJUR’s, salientando, ao final, “a necessidade de um acompanhamento atento da Consultoria-Geral da União”.
[16] Até o final de 2012, a ON nº 28/2009 vinha tendo seus efeitos suspensos anualmente, por Despachos subscritos pelo Advogado-Geral da União Luis Inácio Adams, sob o argumento da escassez de membros concursados na instituição. A última suspensão vigorou até o mês de dezembro de 2012 e não houve novo despacho prorrogando a suspensão para o ano de 2013, de modo que, ao menos em tese, todos os servidores em situação de irregularidade devem ser exonerados.
Advogado da União. Mestre em Direito Constitucional - UFPE. Especialista em Direito Administrativo - UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Marconi Arani Melo. A atividade de consultoria e assessoramento jurídico ao poder executivo federal: atribuição exclusiva dos membros das carreiras da AGU e de seus órgãos vinculados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2013, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37658/a-atividade-de-consultoria-e-assessoramento-juridico-ao-poder-executivo-federal-atribuicao-exclusiva-dos-membros-das-carreiras-da-agu-e-de-seus-orgaos-vinculados. Acesso em: 23 dez 2024.
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