A prescrição, embora seja tema bastante antigo no Direito, ainda é, e continuará sendo, amplamente debatido no meio jurídico, sobretudo por ser instituto cuja presença impede a obtenção do bem da vida que, pelo menos em tese, teria direito o sujeito, caso não tivesse permanecido inerte.
Mais precisamente no âmbito obrigacional, tem surgido inúmeras controvérsias, sobretudo porque nesse campo estão presentes avenças de onde decorrem grandes repercussões financeiras.
O legislador disciplinou tal instituto por meio do Código Civil, do Código de Processo Civil e de legislações extravagantes. Dessa forma, buscou dar contorno a grande parte das situações. Entretanto, como não é possível abarcar todas as hipóteses cotidianas, alguns casos geram ideias divergentes quanto ao prazo prescricional que deve ser aplicado.
Mais especificamente quanto ao prazo prescricional aplicado à repetição do indébito decorrente do reconhecimento de nulidade de cláusula contratual, existem vários posicionamentos. Vejamos alguns.
1. Da impossibilidade de aplicação de prazo prescricional
Disciplinando o instituto da nulidade, estabelece o Código Civil:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
(...)
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.
(grifamos)
O aludido dispositivo abarca, além das situações de nulidade expressa ou textual, as correspondentes a nulidades implícitas ou virtuais, que ocorrem quando a lei proíbe a prática de um ato, sem, no entanto, cominar sanção, hipótese sob a qual se subsumi a conduta da ré.
Baseando-se nesse dispositivo, existe uma corrente, ainda que bastante minoritária, que entende afigurar-se também imprescritível o direito aos valores consequentes da nulidade do negócio.
Nesse sentido, Nehemias Domingos de Melo:
é de rigor considerar que as empresas concessionárias de telefonia devem devolver tudo o que cobraram indevidamente dos usuários, pelo período de utilização da linha telefônica, desde a data da primeira cobrança, não devendo ser considerado nenhuma forma de prescrição, porquanto estamos diante de uma nulidade absoluta e, como tal imprescritível. (MELO, Nehemias Domingos de apud ANTUNES, Thiago Caversan. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/8253/consideracoes-a-respeito-da-assinatura-basica-telefonica.)
(grifamos)
Entretanto, Pablo Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, acerca do assunto, explicam o seguinte:
"(...) se a ação ajuizada for, do ponto de vista técnico, simplesmente declaratória, sua finalidade será apenas a de certificar uma situação jurídica da qual pende dúvida, o que jamais poderia ser objeto de prescrição. Todavia, se a ação declaratória de nulidade for cumulada com pretensões condenatórias, como acontece na maioria dos casos de restituição dos efeitos pecuniários ou indenização correspondente, admitir-se a imprescritibilidade seria atentar contra a segurança das relações sociais. Neste caso, entendemos que prescreve sim a pretensão condenatória, uma vez que não é possível retornar ao estado de coisas anteriores. (...)Em síntese: a imprescritibilidade dirigi-se, apenas, à declaração de nulidade absoluta do ato, não atingindo as eventuais pretensões condenatórias correspondentes. (STOLZE, Pablo Gagliano; PAMPLONA, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte geral, vol. 1, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 403-404). (grifamos)
A partir da leitura acima, conclui-se que a imprescritibilidade da nulidade do negócio jurídico não implica na retroatividade ilimitada dos efeitos patrimoniais daí decorrentes. Portanto, vejamos alguns dos possíveis prazos prescricionais que podem ser invocados para contê-los no tempo.
Da aplicação da prescrição trienal
Por outro lado, alguns juristas idealizam a aplicação do prazo prescricional trienal atinente à pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa, vigente no art. 206, §3º, inciso IV, do Código Civil, aos casos em debate.
Defendem eles que se a cláusula que deu ensejo ao proveito econômico é nula, os efeitos financeiros dela decorrentes implicará enriquecimento sem causa a quem dela se beneficiou.
Vejamos decisão do STJ nesse norte:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
PRESCRIÇÃO. PRAZO TRIENAL.
1. Com o novo regramento acerca dos prazos prescricionais, aplica- se às ações de restituição de quantia, na rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, o prazo trienal, pois fundadas no principio da vedação do enriquecimento sem causa.
2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1377090/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013)
Pois bem. Antes de mais nada, é preciso fazer algumas considerações acerca do tema.
Segundo o magistério de Flávio Tartuce[1], um dos pressupostos para a ação que visa afastar o enriquecimento sem causa, de acordo com a doutrina clássica, é a inexistência de causa jurídica prevista por convenção das partes ou pela lei.
Na esteira da teoria criada pelo jurista Pontes de Miranda, o negócio jurídico estrutura-se segundo três planos: o da existência, o da validade e o da eficácia, os quais formam a conhecida “Escada Ponteana”.
O mencionado jurista aponta que:
Existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. (...) O que se não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer, ou ser eficaz, sem ser; porque não há validade, ou eficácia do que não é. [2]
(grifamos)
A partir da análise da doutrina dos citados autores, conclui-se que o enriquecimento sem causa advém da obtenção de “vantagens” como fruto da ausência de lei, ou de negócio jurídico que não estruturou-se no plano da existência.
Acontece que as obrigações pecuniárias estabelecidas num contrato não se dão sem base qualquer, sem causa jurídica, mas com apoio num negócio jurídico, embora contendo cláusula nula, o que afasta a configuração do enriquecimento sem causa, pois esta existiu, ainda que desprovida de validade.
Ora, consoante os ensinamentos do segundo jurista mencionado, não pode um negócio jurídico valer e ser eficaz, sem existir. E é isto que sustentam os defensores dessa corrente quando invocam a incidência prescricional do prazo relativo ao enriquecimento sem causa.
Dessa forma, a repetição de indébito é apenas consequência da restituição ao estado anterior, efeito este proveniente do decreto de invalidade, e não de enriquecimento a pretexto de um vazio no mundo jurídico.
Nessa esteira, a jurisprudência:
ANTECIPADAMENTE A TÍTULO DE VALOR RESIDUAL GARANTIDO - VRG. PRESCRIÇÃO. PRAZO ORDINÁRIO DECENAL. ART. 205 DO CC/02. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.
(...)
4. O diploma civil brasileiro divide os prazos prescricionais em duas espécies. O prazo geral decenal, previsto no art. 205, destina-se às ações de caráter ordinário, quando a lei não houver fixado prazo menor. Os prazos especiais, por sua vez, dirigem-se a direitos expressamente mencionados, podendo ser anuais, bienais, trienais, quadrienais e quinquenais, conforme as disposições contidas nos parágrafos do art. 206.
5. Não se tratando de pedido fundado no princípio que veda o enriquecimento sem causa, mas de restituição de quantias em razão de contrato de leasing, cuja natureza contratual, como já decidiu esta Corte, basta para conferir caráter pessoal às obrigações dele decorrentes, a prescrição para essa ação é a geral.
(...)
8. Recurso especial não provido.
(grifamos)
(Resp nº 1.174.760 - PR. STJ. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Data do julgamento: 01.12.2011. Data de Publicação: 09.12.2011)
Logo, não se consubstanciando os efeitos do retorno ao status quo ante como pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa, então, não se aplica, por consectário lógico, o prazo prescricional de 3 anos, previsto no art. 206, § 3º, IV do Código Civil.
4. Da aplicação do prazo prescricional decenal
Destarte, ausente previsão específica no Código Civil, existem, ainda, os que pregam a aplicação do prazo geral de dez anos, previsto no art. 205 do Código Civil, para a prescrição dos efeitos patrimoniais consequentes da declaração de nulidade contratual.
Nesse sentido:
PIS E COFINS - SUJEIÇÃO À TARIFA ESTABELECIDA PELO PODER PÚBLICO - FATO GERADOR - DESVINCULAÇÃO COM SERVIÇO PRESTADO INDIVIDUALMENTE - NULIDADE DA COBRANÇA EMBUTIDA NA FATURA DO CONSUMIDOR - RELAÇÃO CONTRATUAL - RESTITUIÇÃO DA COBRANÇA - PRESCRIÇÃO - PRAZO DECENAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CÁLCULO SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. Por se tratar de serviço público, inexiste liberdade na estipulação do preço na telefonia. O preço público estabelecido unilateralmente pelo Poder Público torna-se insuscetível de alteração arbitrária pela sociedade empresária detentora da concessão. Incidindo o PIS e a COFINS sobre o faturamento bruto mensal da pessoa jurídica, não há qualquer vinculação de tais tributos aos serviços individualmente prestados, o que inviabiliza sua fragmentação e inclusão em cada operação realizada no serviço prestado. A declaração de nulidade como direito potestativo não está sujeita a prescrição, mas os efeitos patrimoniais decorrentes de seu reconhecimento o são, de modo que se deve aplicar o prazo prescricional de 10 anos, por ausência de regra específica.
(...)[3]
(grifamos)
Direito do consumidor e processo civil. Recurso especial. Ação coletiva. Entidade associativa de defesa dos consumidores. Legitimidade. Possibilidade jurídica do pedido. Direitos individuais homogêneos. Cerceamento de defesa. Concessionárias de veículos e administradora de consórcio. Cobrança a maior dos valores referentes ao frete na venda de veículos novos. Restituição.
(...)
- A pretensão condenatória de serem restituídos valores pagos indevidamente comporta a aplicação do prazo prescricional previsto no art. 205 do CC/02, ante a incidência da regra de transição do art. 2.028 do CC/02.
(...)
Recursos especiais não conhecidos. [4]
APELAÇÃO - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - PRESCRIÇÃO - ART. 205 CÓDIGO CIVIL - DEZ ANOS - SERVIÇO DE TELEFONIA FIXA - DISCRIMINAÇÃO DA COBRANÇA DOS PULSOS EXCEDENTES - JURISPRUDÊNCIA UNIFORMIZADA - VOTO VENCIDO PARCIALMENTE.205CÓDIGO CIVIL. Nas ações de repetição de indébito de valores cobrados pela concessionária de serviços de telefonia, inexiste prazo especial, sendo, pois, aplicável o prazo prescricional de 10 (dez) anos das ações em geral (art. 205 do Código Civil).
(...)
Eis o teor do voto do Ministro Teori Albino Zavascki, no Recuso Especial nº 1.113.403 – RJ, em que se discutiu o prazo prescricional para a repetição de indébito por cobrança indevida:
Ora, o que se tem presente no caso é uma pretensão de restituir tarifa de serviço paga indevidamente. Não se trata, pois, de ação de reparação de danos causados por defeitos na prestação de serviços. Não há como aplicar à hipótese, portanto, o prazo do referido art. 27 do CDC. Também não se pode supor aplicável o prazo quinquenal estabelecido no Código Tributário Nacional - CTN, para restituição de créditos tributários, eis que a tarifa (ou preço) não tem natureza tributária. Quanto a esse aspecto, há mais de um precedente da própria Seção (EResp 690.609, Min. Eliana Calmon, DJ 07/04/08; REsp 928.267, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21/08/09). Não havendo norma específica a reger a hipótese, aplica-se o prazo prescricional estabelecido pela regra geral do Código Civil, ou seja: de 20 anos, previsto no art. 177 do Código Civil de 1916 ou de 10 anos, previsto no art. 205 do Código Civil de 2002.
Eis as decisões mais recentes do STJ sobre o tema:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ARTIGOS 177, DO CC/16 E 205, DO CC/02. TERMO INICIAL. LESÃO. NÃO PROVIMENTO.
1. A prescrição para a restituição/repetição de valores pagos indevidamente em função de contrato bancário segue os prazos previstos nos artigos 177, do Código Civil revogado, e 205, do Código Civil, respeitada a norma de transição do artigo 2.028 deste, e tem como termo inicial o efetivo prejuízo (pagamento ou lesão).
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 234.878/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/09/2013, DJe 27/09/2013)
AGRAVO REGIMENTAL AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO FEITO. MATÉRIA SUBMETIDA À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. REGRAMENTO DIRIGIDO AOS TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA.
PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE. CLÁUSULA ABUSIVA. PRESCRIÇÃO.
1. A afetação de tema pelo Superior Tribunal de Justiça como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC, não impõe o sobrestamento dos recursos especiais que tratem de matéria afetada, aplicando-se somente aos tribunais de segunda instância.
2. O prazo prescricional aplicável nas hipóteses em que se discute a revisão de cláusula considerada abusiva pelo beneficiário de plano de saúde é de 10 (dez) anos, previsto no art. 205 do Código Civil.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 188.198/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe 25/11/2013)
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se a posição mais acertada é aquela que prima pela aplicação do prazo geral prescricional de dez anos à repetição de indébito decorrente de nulidade contratual, sendo possível também afirmar-se que este é o entendimento que mais vem sendo adotado pelo STJ, consoante as decisões acima.
[1]TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2011. P. 282-283.
[2]PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 4º ed. São Paulo: RT, 1974. P. 15.
[3]Acórdão nº 1.0223.09.285611-9/001(1) de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 17 de Agosto de 2010.
[4] STJ - REsp: 761114 RS 2005/0060864-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 02/08/2006, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 14.08.2006 p. 280
Advogada. Bacharelado em Ciências Jurídicas - Centro Universitário de João pessoa - UNIPÊ. Pós-Graduação em Direito Público na Universidade Anhanguera - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1ª lugar na Paraíba. Já foi nomeada como Procuradora do Estado de Minas Gerais e também como Técnica Judiciária do Tribunal de Justiça da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Fernanda Vasconcelos. Prazo prescricional para repetição de indébito decorrente de nulidade de cláusula contratual: Regra Geral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37704/prazo-prescricional-para-repeticao-de-indebito-decorrente-de-nulidade-de-clausula-contratual-regra-geral. Acesso em: 22 dez 2024.
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