1. Introdução;
O texto que ora se inicia o desenvolvimento tem como objetivo alertar e demonstrar que o direito à educação perfaz direito da própria personalidade, com todos os reflexos que decorrem dessa afirmação.
E para corroborar o entendimento, iniciaremos o estudo trazendo inúmeros normativos, pátrios e internacionais, que cuidam da matéria, observando, contudo, que estas bases positivadas não são as únicas a sustentar a importância do direito à educação para o ser humano, para a dignidade humana.
Feito isso, avançaremos na tentativa de elucidar o que se intenta interpretar como sendo direito à educação; direito da personalidade; a necessária interlocução. Na verdade, notaremos que não há que se dizer interlocução, eis que não se tratam de coisas apartadas, separadas e que se comunicam, mas sim a indispensável compreensão de que são elementos indissociáveis da natureza humana, da sua completude como ser humano.
2. Bases normativas;
Para o adequado desenvolvimento do tema concernente à relação existente entre a educação e o direito da personalidade é de bom alvitre discorrer, ainda que sucintamente, os contornos fundamentais dos mencionados institutos.
Nessa linha, desde logo já se faz necessário trazer à baila o anunciado por Hélia Barbosa: “O Direito da Criança e do Adolescente está edificado em uma base político-jurídica e ético-filosófica, estruturante nos documentos e instrumentos jurídicos internacionais de proteção dos direitos humanos, bem assim nos postulados constitucionais da dignidade humana, normas elementares emanadas de princípios, em oposição a toda e qualquer ameaça, tentativa e/ou violação aos direitos humanos. Encontra-se, portanto, no centro axiológico da proteção integral, isto é, da igualdade jurídica entre todas as crianças e adolescentes, assim definidos normativamente”[1].
É certo que nessas conjecturas, que ora se iniciam, não trataremos tão somente da educação como direito da criança e do adolescente; avançando, a aproximação da temática, como anunciado no título, se insere num panorama mais amplo.
Entretanto, mencionada constatação em nada reduz a importância das ilações acima lançadas, ao contrário, continuam perfazendo importante base anunciadora dos propósitos desse trabalho, até porque, pode-se dizer que os centros axiológicos não destoam.
E nesse diapasão, observa-se que o direito à educação vem anunciado em uma miríade de pactos internacionais (denotando a preocupação da comunidade internacional com a temática) que, sem dúvida, apresenta um esforço normativo dessa base “política-jurídica e ético-filosófica” estruturante que nos diz Hélia Barbosa.
Dentre esses instrumentos internacionais podemos citar:
- DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS;
“Artigo XXVI
1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. ? 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. ? 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.” (os grifos são nossos)
- PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS:
ARTIGO 13
“1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação . Concordam em que a educação deverá visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
(…)
2. Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino, desde que respeitados os princípios enunciados no § 1° do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos prescritos pelo Estado.” (os grifos são nossos)
- CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAǘAO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL;
ARTIGO V
“De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2, os Estados Partes comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos: ?(…) ?v) direito à educação e à formação profissional; ?vi) direito a igual participação das atividades culturais; (…)”. (os grifos são nossos)
- CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA;
Artigo 28
“1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito, deverão especialmente:
(…)
2. Os Estados Partes adotarão todas as medidas necessárias para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança e em conformidade com a presente convenção.
3. Os Estados Partes promoverão e estimularão a cooperação internacional em questões relativas à educação, especialmente visando a contribuir para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e aos métodos modernos de ensino. A esse respeito, será dada atenção especial às necessidades dos países em desenvolvimento.” (os grifos são nossos)
Artigo 29
“1. Os Estados Partes reconhecem que a educação da criança deverá estar orientada no sentido de:
a) desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física da criança em todo o seu potencial;
b) imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;
c) imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do país em que reside, aos do eventual país de origem, e aos das civilizações diferentes da sua;
d) preparar a criança para assumir uma vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena;
e) imbuir na criança o respeito ao meio ambiente.” (os grifos são nossos)
Logo, não se vislumbra qualquer dificuldade em notar a importância que a temática educação traduz, sendo certo que a Carta Republicana de 1988 também não descurou do assunto e já no seu Título II (“Dos direitos e garantias fundamentais”), Capítulo I (“Dos direitos deveres individuais e coletivos”), prenuncia:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)” (os grifos são nossos)
E prossegue, no artigo 205, dizendo:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (grifamos)
Ainda, no artigo 207:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)” (grifamos)
Não obstante todo o arcabouço normativo protetivo destacado, dignas de relevo são as considerações do professor Gustavo Tepedino:
“A rigor, as previsões constitucionais e legislativas, dispersas e casuísticas, não logram assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de tutelar as irradiações da personalidade em todas as suas possíveis manifestações. Com a evolução cada vez mais dinâmica dos fatos sociais, torna-se assaz difícil estabelecer disciplina legislativa para todas as possíveis situações jurídicas de que seja a pessoa humana titular. Além disso, os rígidos compartimentos do direito público e do direito privado nem sempre mostram-se suficientes para a tutela da personalidade que, as mais das vezes, exige proteção a só tempo do Estado e das sociedades intermediárias – família, empresa, associações -, como ocorre, com frequência, nas matérias atinentes à família, à inseminação artificial e à procriação assistida, ao transexualismo, aos negócios jurídicos relacionados com a informática, às relações de trabalho em condições degradantes, e assim por diante.[2]” (os grifos são nossos)
É o caso da tutela que ora se analisa. Toda a proteção normativa já anunciada não gera uma rede suficiente, por si só, para abarcar as “irradiações da personalidade”. Aliás, a proteção deixa de se concretizar e se afasta ainda mais dos seus objetivos, caso não considerada a educação como direito da personalidade do indivíduo.
3. Educação: direito da personalidade;
Evoluindo o raciocínio, cabe perscrutar o significado do que ora se propõe a desenvolver. Nesse sentido, entende o Prof. Dalmo Dallari[3] que a “educação é um processo de aprendizagem e aperfeiçoamento, por meio do qual as pessoas se preparam para a vida. Através da educação obtém-se o desenvolvimento individual da pessoa, que aprende a utilizar do modo mais conveniente sua inteligência e sua memória. Desse modo, cada ser humano pode receber conhecimentos obtidos por outros seres humanos e trabalhar para a obtenção de novos conhecimentos. Além disso, a educação torna possível a associação da razão com os sentimentos, propiciando o aperfeiçoamento espiritual das pessoas.”
Esclarece o mesmo professor que a educação além de perfazer um direito fundamental do indivíduo, não se restringe aos conhecimentos transmitidos nas escolas. Sua abrangência é muito maior. Alcança, em virtude dos estímulos que são apreendidos pelo ser humano desde o nascimento, o direito a usufruir um ambiente familiar e social sadio.
O direito à educação, desta forma, não equivale à simples possibilidade de aprendizado ante a transmissão de conhecimento nas instituições de ensino. Deve-se extrair de tal direito a possibilidade de absorção desses conhecimentos, que é viabilizado ante a higidez mental garantida por uma infância e adolescência sadia, propiciando a visualização de um futuro estruturado.
Essa é a chamada educação informal de que nos fala o Prof. Dallari, ou seja, aquela recebida por estímulos advindos dos meios sociais e familiares. Referida educação informal é tão importante para o desenvolvimento do ser humano quanto a educação formal, mesmo porque, indubitavelmente aquela perfaz a base para o aprendizado desta.
Pelo pouco que até agora se teceu acerca do direito à educação já se pode vislumbrar os contornos da sua importância para a vida, para a sociedade, para a própria personalidade do Homem. E como direito que integra a personalidade do indivíduo, faz-se obrigatória sua inserção no conjunto de direitos fundamentais.
Então, tracemos alguns poucos comentários sobre os direitos fundamentais e da personalidade.
Já de início nos alerta Canotilho[4] que “muitos dos direitos fundamentais são direitos de personalidade, mas nem todos os direitos fundamentais são direitos de personalidade.”
O mesmo mestre nos confere a abrangência dos direitos da personalidade ressaltando que “abarcam certamente os direitos de estado (por ex.: direito de cidadania), os direitos sobre a própria pessoa (direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos distintivos da personalidade (direito à identidade pessoal, direito à informática) e muitos dos direitos de liberdade (liberdade de expressão).”[5]
Por sua vez, Gustavo Tepedino, alertando que a categoria dos direitos da personalidade é construção recente (segunda metade do século XIX), esclarece que referidos direitos compreendem os direitos atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade.
E prossegue o mesmo insigne professor, citando Giorgio Giampiccolo, elucidando que “o homem, como pessoa, manifesta dois interesses fundamentais: como indivíduo, o interesse a uma existência livre; como partícipe do consórcio humano, o interesse ao livre desenvolvimento da ‘vida em relações’. A esses dois aspectos essenciais do ser humano podem substancialmente ser reconduzidas todas as instâncias específicas da personalidade”[6].
Com os elementos delineados já se pode notar a forte, intrínseca, e, porque não dizer, indissociável relação existente entre a educação e o direito da personalidade. Aliás, ousamos afirmar que não se consegue verificar a plena existência de um sem o auxílio, a integração do outro.
A robustecer ainda mais o argumento, novamente nos socorremos de Tepedino, que esclarece ser a “tutela da personalidade (...) dotada do atributo da elasticidade, não se confundindo, todavia, tal característica com a elasticidade do direito de propriedade. No caso da pessoa humana, elasticidade significa a abrangência da tutela, capaz de incidir a proteção do legislador e, em particular, o ditame constitucional de salvaguarda da dignidade humana a todas as situações, previstas ou não, em que a personalidade, entendida como valor máximo do ordenamento, seja o ponto de referência objetivo”[7].
Assim, infere-se com clareza que o direito à educação perfaz direito da personalidade e deve ser atendido na sua mais completa amplitude, em observância aos princípios atinentes à dignidade da pessoa humana que gracejam no meio social, bem como às inúmeras regras constitucionais e internacionais vigentes.
4. Conclusão;
É impossível usufruir dos direitos provindos da personalidade do indivíduo sem que se possua um mínimo de instrução (educação) a respeito dos mesmos. Portanto, tem-se que o ser humano desprovido do direito à educação (com a abrangência delineada pelo Prof. Dalmo Dallari) vê-se podado de inúmeros aspectos do seu direito de personalidade.
O ser humano que não tem integrado ao seu cotidiano o aprendizado, a possibilidade de interiorizar conhecimentos, inserido num ambiente sadio para o seu desenvolvimento, está sendo privado do direito à vida no que diz respeito à plenitude que deve ser inferida do termo.
A negativa do direito à educação implica na violência, por via da omissão, ao direito da personalidade e conseqüentemente aos direitos fundamentais do Homem. Ao revés, a implementação do direito à educação garante a possibilidade do desenvolvimento da personalidade e do direito à vida nos seus aspectos mais fundamentais e comezinhos.
BARBOSA, HÉLIA. A arte de interpretar o princípio do interesse superior da criança e do adolescente à luz do direito internacional dos direitos humanos. Revista de Direito da Infância e da Juventude. Ano 1. Vol. 1.; jan. / jun. de 2013. Pág. 18.
CANOTILHO, J.J.GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª edição. Coimbra (Portugal): Livraria Almedina, 1999.
DALLARI, DALMO DE ABREU. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. - (Coleção polêmica)
TEPEDINO, GUSTAVO Temas de direito civil. 3º edição atualizada. – Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
MUNIZ, REGINA MARIA FONSECA. O direito à educação. Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar, 2002.
SILVA, JOSÉ AFONSO. Curso de Direito Constitucional Positivo, 18ª edição, revista e atualizada nos termos da Reforma Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
[1] Barbosa, Hélia. A arte de interpretar o princípio do interesse superior da criança e do adolescente à luz do direito internacional dos direitos humanos. Revista de Direito da Infância e da Juventude. Ano 1. Vol. 1; jan. / jun. de 2013. Pág. 18.
[2] Tepedino, Gustavo. Temas de direito civil. 3º edição atualizada. – Rio de Janeiro: Renovar, 2004. Pág.: 37/38.
[3] Dallari, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania, pág. 47.
[4] Canotilho, J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág. 390.
[5] Idem, ibidem.
[6] Tepedino; op. cit., pág.: 24/25.
[7] Tepedino, op. cit., pág. 51
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GALLO, Ronaldo Guimarães. A educação como direito da personalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37903/a-educacao-como-direito-da-personalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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