I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Tribunal Regional Federal da Quarta Região tem entendimento jurisprudencial predominante no sentido de que para o interessado fazer jus ao benefício de assistência judiciária gratuita aos necessitados, previsto na Lei 1.060/1950, basta que declare a pobreza e aufira renda mensal líquida inferior a dez salários mínimos, o que equivale, atualmente, à quantia R$ 6.780,00 (10x R$ 678,00[1]).
Para o Superior Tribunal de Justiça o critério adotado pelo TRF4 carece de objetividade, não está respaldado por lei ou por entendimento do Supremo Tribunal Federal, sendo que é objeto de reforma para fazer valer o critério objetivo para presunção do estado de miserabilidade jurídica o limite mensal de isenção do imposto de renda, cabendo ao interessado demonstrar documentalmente que seus vencimentos não ultrapassam a referida baliza.
II – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA: TRF4 e STJ
É da Lei 1.060/1950, que estabelece normas para concessão da assistência judiciária aos necessitados, verbis:
Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.
Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:
I - das taxas judiciárias e dos selos;
II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;
III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;
IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;
V - dos honorários de advogado e peritos.
VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.(Incluído pela Lei nº 10.317, de 2001)
VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal. (Incluído pela Lei nº 7.288, de 1984) (g.n.)
O TRF4 utiliza o princípio da razoabilidade e a garantia de acesso à justiça para sustentar entendimento de que para o deferimento de pedido de concessão do benefício de assistência judiciária gratuita previsto na Lei 1.060/1950 basta que o interessado: a) declare “a pobreza nos autos (impossibilidade de promover a demanda sem prejuízo de seu sustento próprio ou de sua família)” e b) comprove auferir “rendimento mensal inferior a dez salários mínimos (parâmetro de razoabilidade)”. Para detalhar esse entendimento, leia-se a decisão publicada em 15/05/2013:
DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento interposto por Maira Virgínia Silva Fonseca contra a decisão que, em ação ordinária ajuizada em face da Caixa Econômica Federal, indeferiu o pedido de concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita e determinou o recolhimento de custas pela autora. Segundo a decisão atacada: "Vistos. O autor requereu a concessão do benefício da gratuidade judiciária. Ocorre que, para a concessão do beneplácito da Justiça Gratuita, é necessário que o requerente apresente prova inequívoca do seu direito, através da comprovação de seus rendimentos. No caso em tela, o autor comprova renda mensal superior àquela isenta de imposto de renda, o que descaracteriza a situação de hipossuficiência. Assim, não faz a autora jus à gratuidade judiciária, razão pela qual vai indeferida. Intime-se o autor para, no prazo de 10 (dez) dias, comprovar o recolhimento das custas. Cumpra-se." Alega que percebe mensalmente pensão em valor inferior a dez salários-mínimos - parâmetro fixado por esta Corte para exame da razoabilidade do pedido de concessão da AJG. Salienta que a norma ordinária de regência sequer faz exigência de comprovação de rendimentos, limitando-se a exigir a declaração de hipossuficiência do interessado, em homenagem ao princípio da acessibilidade. Requer, assim, a reforma do decisum, inclusive com a agregação de efeito suspensivo ao agravo de instrumento. É o relatório. Decido. Inicialmente, cumpre aclarar que as novas regras insertas nos artigos 522 a 527 do Código de Processo Civil, conferidas pela Lei n. 11.187, de 19 de outubro de 2005, reservam o agravo de instrumento para impugnar decisão que inadmite a apelação (ou para discussão dos efeitos do seu recebimento), bem como para impugnar decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação. A decisão proferida na origem desafia impugnação através do instrumental, porquanto - ao menos em tese - suscetível de causar à autora lesão grave e de difícil reparação. No mérito, tenho que deva ser deferido o pedido de efeito suspensivo. Isso porque, de acordo com o entendimento deste Tribunal Regional Federal, o benefício da Assistência Judiciária Gratuita deve ser concedido àqueles que, declarando a pobreza nos autos (impossibilidade de promover a demanda sem prejuízo de seu sustento próprio ou de sua família), comprovem rendimento mensal inferior a dez salários-mínimos (parâmetro de razoabilidade). Nesse sentido: "PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. RENDIMENTOS MENSAIS COMPATÍVEIS COM A OUTORGA. DEFERIMENTO. 1. Percebendo a parte-impugnada remuneração inferiores àquela adotada como parâmetro para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, qual seja, remuneração líquida mensal não superior a dez salários mínimos, possui direito a litigar sob seu pálio, uma vez que tal patamar é reputado presumidamente insuficiente para que a requerente arque com o pagamento das custas e despesas processuais. 2. No total líquido da remuneração devem ser considerados eventuais gastos não cogentes com desconto em folha realizados pela servidora, eis que se trata de débitos que não decorrem de imposição legal, mas de ato volitivo desta. 3. Se o apelante não apresenta quaisquer elementos concretos que infirmem a alegada condição de miserabilidade, reputa-se razoável a pretendida concessão do benefício da assistência judiciária. (TRF4, AC 5001703-89.2011.404.7001, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 18/04/2013) "ADMINISTRATIVO. CIVIL. IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INCIDENTE AUTÔNOMO. 1. A orientação jurisprudencial inclina-se no sentido de que a afirmação de não estar em condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família cria presunção iuris tantum em favor do requerente. 2. A Segunda Seção desta Corte firmou entendimento no sentido de que AJG deve ser concedida àqueles trabalhadores que percebam até dez salários mínimos líquido. 3. Caso em que a impugnante não comprovou que o rendimento do autor ou sua situação financeira seriam capazes de afastar o benefício de gratuidade. (TRF4, AC 5006079-75.2012.404.7101, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vânia Hack de Almeida, D.E. 18/04/2013)" Na espécie, a autora/agravante comprovou renda mensal bem inferior ao limite paradigmático destacado (Evento 7, CHEQ2 e CHEQ3, origem), inexistindo qualquer razão para o indeferimento do pleito, em prestígio à norma de regência (Lei n. 1.060/1950) e ao princípio da acessibilidade (artigo 5º, XXXV, Constituição Federal). Registre-se que a Segunda Seção deste Tribunal Regional Federal, em incidente de uniformização de jurisprudência, afastou a exigência de comprovação de rendimentos, para fins de concessão de AJG, pelo interessado, consoante ementa que colaciono: "INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. LEI 1.060/50. ART. 4ª. ESTADO DE MISERABILIDADE. PRESUNÇÃO PELA SIMPLES AFIRMAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. PARTE CONTRÁRIA. 1. Para a concessão da assistência judiciária gratuita basta que a parte declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida - art. 4º da Lei nº 1060/50. 2. Descabem critérios outros (como isenção do imposto de renda ou renda líquida inferior a 10 salários mínimos) para infirmar presunção legal de pobreza, em desfavor do cidadão. 3. Uniformizada a jurisprudência com o reconhecimento de que, para fins de Assistência Judiciária Gratuita, inexistem critérios de presunção de pobreza diversos daquela constante do art. 4º da Lei nº 1060/50. (TRF4, AC 5008804-40.2012.404.7100, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 07/03/2013)" A Terceira Turma deste Regional, com base no referido precedente, segue utilizando o montante de dez salários-mínimos como parâmetro de razoabilidade da condição de necessitado do interessado, a ser aferido no caso concreto e mediante impugnação da parte adversa (ementas supratranscritas). Por conta disso, em síntese, não há como deixar de acolher o pedido de agregação de efeito suspensivo ao instrumental, afastando a determinação de recolhimento de custas pela autora/agravante. Ante o exposto, com base no artigo 527, III, do CPC, defiro o pedido de agregação de efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Comunique-se ao juízo a quo. Intimem-se, sendo a parte agravada para os fins do artigo 527, V, do CPC. Após, voltem os autos conclusos. (TRF4, AG 5010151-34.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 15/05/2013) (g.n.)
Questiona-se, diante do limite paradigmático adotado pelo TRF4, consubstanciado na existência de renda mensal líquida inferior a dez salários mínimos, se realmente uma pessoa que tem esse rendimento - R$ 6.780,00 - pode realmente ser considerada necessitada para fins de obtenção do benefício previsto na Lei 1.060/50 e, assim, demandar o judiciário sem precisar pagar custas processuais e os honorários de sucumbência.
O limite mensal líquido de R$ 6.780,00, sem receio de se equivocar em dados, praticamente permite que mais de 90% da população possa demandar o judiciário sem ter a preocupação com pagamento das custas do processo e de eventuais honorários de sucumbência em favor do advogado da parte adversa. Pode-se se defender que nesse limite não estão inseridas as despesas médicas, escolares, tributárias, com financiamento habitacional, pensão alimentícia, remédios e muitas outras.
Faz jus ao benefício de assistência judiciária gratuita o demandante que estiver, por exemplo, a financiar uma casa de mais de um milhao de reais, com prestação mensal elevada em sua remuneração, contudo, renda mensal líquida inferior a R$ 6.780,00?
Data venia, o entendimento do TRF4 sobre o tema em comento dá azo a sustentar alguns descompassos que refletem diretamente no direito a honorários sucumbenciais por parte da advocacia privada e pública.
De acordo com o TRF4, que tem resistido a acatar a jurisprudência do STJ, é inaplicável “a tabela referente ao imposto de renda para tratar de benefício da assistência judiciária gratuita, matérias sem vinculação jurídica, porque uma é de natureza tributária e a outra possui índole processual, voltada que está ao princípio constitucional de acesso à justiça e que transcende aos princípios voltados à tributação.” Nesse sentido, é da decisão do TRF4 publicada em 08/07/2013, in litteris:
DECISÃO: Trata-se de agravo legal interposto em face da decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento com fulcro no art. 557, caput, do CPC, tomando por correta a decisão que indeferiu o pedido de Assistência Judiciária Gratuita. O agravante requer a reconsideração da decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento, sustentando que sua renda mensal é inferior a 10 salários mínimos. Refere que a jurisprudência do STJ é no sentido de que basta a declaração de necessidade do benefício, cabendo ao impugnante demonstrar a prova em sentido contrário. Reitera as alegações de dificuldades financeiras. É o relatório. Decido. Analisando-se mais detidamente a declaração de renda juntada pelo agravante (evento 32 - OUT2), assim como o comprovante de entrega da referida declaração (evento 27 - DECL2), verifica-se que de fato sua renda mensal líquida é inferior a 10 salários mínimos (atualmente calculado em R$ 6.780,00), pois considerando o valor do total dos rendimentos tributáveis (R$ 83.225,11), subtraídos dessa quantia as deduções de contribuição à previdência oficial (R$ 718,30), de despesas médicas (R$ 5.815,52) e da pensão alimentícia judicial (R$ 12.000,00), sua renda anual totalizaria em R$ 64.691,29, conseqüentemente, a renda mensal seria de R$ 5.390,95. Cite-se, ainda, jurisprudência acerca da concessão do benefício da AJG à parte que perceba renda mensal líquida inferior a 10 salários mínimos: PRIMEIRA TURMA. EMENTA: TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. RENDA MENSAL LÍQUIDA INFERIOR A 10 SALÁRIOS MÍNIMOS. AGRAVO PROVIDO. A Assistência Judiciária Gratuita deve ser concedida à parte que perceba renda mensal líquida de até 10 (dez) salários mínimos e pressuposto estado de miserabilidade, de forma que não possa arcar com as custas do processo. (TRF4, AG 0009523-38.2010.404.0000, Primeira Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 06/07/2010) SEGUNDA SEÇÃO. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INAPLICABILIDADE DA SISTEMÁTICA DE TRIBUTAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. ART. 4º DA LEI 1.060/50. RENDA LÍQUIDA INFERIOR A DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS. Inaplicabilidade da tabela referente ao Imposto de Renda para tratar de benefício da Assistência Judiciária Gratuita, matérias sem vinculação jurídica, porque uma é de natureza tributária e a outra possui índole processual, voltada que está ao princípio constitucional de acesso à Justiça e que transcende aos princípios voltados à tributação. A Segunda Seção desta Corte firmou entendimento no sentido de que a AJG deve ser concedida àqueles que percebam até dez salários mínimos líquido, no que se enquadra a agravada. Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. . Apelação improvida. (TRF4 5004132-45.2010.404.7201, D.E. 01/07/2011) Ante o exposto, reconsidero a decisão agravada e dou provimento ao agravo de instrumento, por força do art. 557, §1°-A, do CPC, para que seja concedida Assistência Judiciária Gratuita ao agravante. Intimem-se. Comunique-se o Juízo a quo. Publique-se. (TRF4 5000894-82.2013.404.0000, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 08/07/2013)
O STJ afirma que o entendimento do TRF4, de que o critério de presunção de miserabilidade para fins de obtenção do benefício de assistência judiciária gratuita é o recebimento de renda mensal líquida não superior a 10 salários mínimos, não encontra amparo legal na Lei 1.060/1950, sendo, portanto, critério subjetivo e não respaldado pelo STF. Leia-se das ementas dos seguintes arestos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. LEI 1.060/1950. CRITÉRIOS OBJETIVOS. RENDIMENTOS INFERIORES A DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS. CRITÉRIO SUBJETIVO NÃO PREVISTO EM LEI.
1. Há violação dos artigos 2º e 4º da Lei 1.060/1950, quando os critérios utilizados pelo magistrado para deferir o benefício da assistência judiciária revestem-se de caráter subjetivo, ou seja, criados pelo próprio julgador, tal como ocorreu no caso dos autos (remuneração líquida inferior a dez salários mínimos), e pelos quais não se consegue inferir se o pagamento pelo jurisdicionado das despesas com o processo e dos honorários irá ou não prejudicar o seu sustento e o de sua família.
2. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no AREsp 239341/PR. Ministro BENEDITO GONÇALVES. Primeira Turma. Julgado em: 27/08/2013. DJE: 03/09/2013)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. LEI 1.060/1950. ADOÇÃO DE CRITÉRIO NÃO PREVISTO EM LEI. RENDA LÍQUIDA INFERIOR A 10 SALÁRIOS MÍNIMOS. NECESSÁRIO RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O exame da controvérsia não encontra óbice na Súmula 7/STJ, porquanto não exige o reexame do conjunto fático, haja vista limitar-se à questão exclusivamente de direito, in casu, à legalidade do critério adotado pelo Tribunal de origem a fim de deferir o benefício da assistência judiciária gratuita.
2. O Tribunal de origem decidiu que a recorrida faz jus à assistência judiciária gratuita porquanto aufere renda inferior a 10 (dez) salários mínimos, o que possibilitaria presumir o seu estado de miserabilidade. Contudo, o critério adotado como parâmetro para o deferimento do benefício vindicado não encontra amparo na Lei 1.060/1950. Precedentes.
3. Agravo regimental não provido (STJ. AgRg no AREsp 353863/RS. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES. Segunda Turma. Julgado em: 03/09/2013. DJE: 11/09/2013)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. RENDIMENTO INFERIOR A DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS. CRITÉRIO SUBJETIVO NÃO PREVISTO EM LEI. DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. Na linha da orientação jurisprudencial desta Corte, a decisão sobre a concessão da assistência judiciária gratuita amparada em critérios distintos daqueles expressamente previstos na legislação de regência, tal como ocorreu no caso (remuneração líquida inferior a dez salários mínimos), importa em violação aos dispositivos da Lei nº 1.060/1950, que determinam a avaliação concreta sobre a situação econômica da parte interessada com o objetivo de verificar a sua real possibilidade de arcar com as despesas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ. AgRg no AREsp 354197/PR. Ministro SÉRGIO KUKINA. Primeira Turma. Julgado em: 13/08/2013. DJE: 19/08/2013)
Recentemente, contudo, a segunda turma do TRF4 tem demonstrado a necessidade de observar o entendimento predominante do STJ sobre o tema, no sentido de que para fins de concessão do benefício de assistência judiciária gratuita, o critério objetivo da presunção do estado de miserabilidade jurídica é o limite de isenção do imposto de renda, “devendo o requerente demonstrar documentalmente que seus vencimentos não ultrapassam referido limite”. É decisão da segunda turma do TRF4:
DECISÃO: Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Hugo Pedro Felisbino contra decisão do MM. Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Itajaí-SC que, nos autos da Ação Ordinária nº 5001339-78.2011.404.7208, indeferiu o benefício da gratuidade da justiça, determinando o recolhimento das custas de apelação, sob pena de deserção. Sustenta o agravante, em síntese, que faz jus à gratuidade de justiça, visto que seus rendimentos líquidos são inferiores a 10 (dez) salários-mínimos mensais, consoante comprovantes de renda acostados. Tudo bem visto e examinado, passo a decidir. Pelo que se vê dos autos, o juiz da causa negou o benefício da gratuidade de justiça, uma vez que o agravante recolheu as custas iniciais e não indicou qualquer situação nova a ensejar o reconhecimento de impossibilidade de pagamento das custas para recurso. É certo que a declaração de necessitado, firmada nos termos do art. 4º da Lei nº 1.060, de 1950, faz presumir essa condição, mas, conforme já assentou o Superior Tribunal de Justiça, trata-se de presunção relativa, que sucumbe mediante prova em contrário (STJ, AI 990.026-AgRg, rel. Min. Sidnei Beneti, DJ de 15-08-2008 e AI 915.919-AgRg, rel. Min. Carlos Mathias, DJU de 31-03-2008, apud Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 43ª ed., Saraiva, 2011, p. 1257; STJ, REsp nº 1.2576.478/RS, rel. Min. Castro Meira, DJe de 30-08-2011; STJ, AgRg no Ag 1.374.348/SP, rel. Min. João Otávio Noronha, DJe de 19-08-2011). Aqui, essa presunção foi cabalmente afastada pelos comprovantes de rendimentos do agravante, indicativos de que ele possui renda mensal de quase de R$ 5.000,00 (Evento 1 - CHEQ6). Acresce que esta 2ª Turma tem firmado o entendimento de que, auferindo a parte renda superior ao limite de isenção do imposto de renda, fica afastada a presunção de necessitado, declarada na forma do art. 4º da Lei nº 1.060, de 1950. Confira-se: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. ENERGIA ELÉTRICA. REQUERIMENTO DE AJG. PESSOA FÍSICA. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL. FALTA DE PREPARO. DESERÇÃO. ART. 511 DO CPC. 1. Para fins de concessão do benefício de assistência judiciária gratuita, esta Turma adotou, como critério objetivo da presunção do estado de miserabilidade jurídica, o limite de isenção do Imposto de Renda - devendo o requerente demonstrar documentalmente que seus vencimentos não ultrapassam referido limite. 2. No caso concreto, além de as custas inicias terem sido pagas regularmente, a autora postulou a AJG somente em apelação, ou seja, após a sentença de improcedência do feito - indicando sua real intenção de apenas eximir-se do pagamento dos divisados ônus da sucumbência. 3. Tendo a recorrente apresentado a apelação desacompanhada do respectivo preparo, não deve ser conhecida, por deserta, nos termos do art. 511 do CPC. (TRF4, AC 0003044-69.2006.404.7016, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 03/08/2011) AGRAVO LEGAL. TRIBUTÁRIO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. 1. Para a concessão do benefício da AJG, no que tange às pessoas físicas, esta Turma tem limitado àquelas que recebam até a faixa de isenção do Imposto de Renda, sem fazer, em relação a quem ganha acima dessa faixa, eventual análise casuística de despesas. 2. O agravo legal não traz elementos para alterar o entendimento do julgador. (TRF4, AG 0003929-09.2011.404.0000, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 18/05/2011) PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PRESUNÇÃO MISERABILIDADE JURÍDICA. CRITÉRIO OBJETIVO. FAIXA DE ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS SUPERIORES. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. O critério objetivo adotado por esta Segunda Turma para balizar a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita é a faixa de isenção do imposto de renda. 2. Sendo os rendimentos percebidos pelo impugnado superiores ao limite adotado, não há presunção de miserabilidade jurídica. 3. Apelação provida para revogar o benefício da gratuidade da Justiça anteriormente concedido. (TRF4, AI 2006.70.12.000257-0, Segunda Turma, Relator Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona, D.E. 03/05/2007) Em conclusão, o recurso está em manifesto contraste com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o benefício da gratuidade de justiça pode ser negado pelo juiz quando afastada, por quaisquer outros meios de prova, a presunção de necessitado decorrente de declaração nos termos do art. 4º da Lei nº 1.060, de 1950, como aqui ocorre, visto que o seu comprovante de rendimentos evidencia que o recorrente não é pessoa necessitada para os efeitos da Lei nº 1.060, de 1950. Ante o exposto, nego seguimento ao agravo, por estar em manifesto contraste com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, o que faço com base no caput do art. 557 do Código de Processo Civil. (TRF4, AG 5004917-08.2012.404.0000, Segunda Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, D.E. 10/04/2012)
III – CONCLUSÕES FINAIS
Em que pese o entedimento predominante do TRF4 de se permitir amplo acesso à justiça por meio do alargamento do conceito de miserabilidade constante da Lei 1.060/1950, fato é que, conforme jurisprudência do STJ, falta objetividade e respaldo legal ao critério de percebimento de renda mensal líquida inferior a dez salários mínimos.
Assim, data venia, mostra-se mais acertado o entendimento pacífico do STJ, no sentido de que para fins de concessão do benefício de assistência judiciária gratuita, o critério objetivo da presunção do estado de miserabilidade jurídica é o limite de isenção do imposto de renda, cabendo ao interessado demonstrar documentalmente que seus vencimentos não ultrapassam referido limite.
IV – REFERÊNCIAS
BRASIL. TRF4, AG 5010151-34.2013.404.0000, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 15/05/2013.
BRASIL. TRF4, AG 5000894-82.2013.404.0000, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 08/07/2013.
BRASIL. TRF4, AG 5004917-08.2012.404.0000, Segunda Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, D.E. 10/04/2012.
BRASIL. STJ. AgRg no AREsp 354197/PR. Ministro relator: SÉRGIO KUKINA. Primeira Turma. Julgado em: 13/08/2013. DJE: 19/08/2013.
BRASIL. STJ. AgRg no AREsp 239341/PR. Ministro relator: BENEDITO GONÇALVES. Primeira Turma. Julgado em: 27/08/2013. DJE: 03/09/2013.
BRASIL. STJ. AgRg no AREsp 353863/RS. Ministro relator: MAURO CAMPBELL MARQUES. Segunda Turma. Julgado em: 03/09/2013. DJE: 11/09/2013.
Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal no Estado do Paraná. Membro da Advocacia-Geral da União. Pós-graduanda em Gestão Pública MBA pela FGV. Especialista em direito e processo do trabalho. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1687483075552641
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GASTALDI, Suzana. TRF4 e STJ: critérios divergentes na aferição da miserabilidade propugnada pela Lei 1.060/1950 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jan 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37922/trf4-e-stj-criterios-divergentes-na-afericao-da-miserabilidade-propugnada-pela-lei-1-060-1950. Acesso em: 23 dez 2024.
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