O presente estudo busca fazer uma breve incursão histórica, apresentando, de forma sucinta, as configurações básicas e as alterações sofridas pela execução ao longo do tempo, desde o processo romano até o Código de Processo Civil brasileiro de 1939, passando pela legislação medieval e pela legislação portuguesa, demonstrando as mudanças, rupturas e permanências nas formas de se executar as decisões judicias ao longo do tempo que influenciaram a formação da legislação nacional.
No direito romano havia apenas o título executivo judicial, oriundo da sentença condenatória proferida no processo de conhecimento. Prevalecia o preceito romano pelo qual “deviam conhecer-se as razões das partes antes de fazer-se a execução” (THEODORO JÚNIOR, 1989, p. 02).
Nos primórdios do direito romano, nem sequer havia um processo de execução estatal: o vencedor fazia valer a decisão proferida por seus próprios meios, podendo, inclusive, fazer uso da força. Ficava o devedor à mercê do credor. “Ao tempo da Lei das XII Tábuas não se conhecia outra forma de execução que não fosse a pessoal” (THEODORO JÚNIOR, 2006, p. 101).
No período das legis actiones, compreendido entre a fundação de Roma, em 754 a.C, e a metade do século II a.C., verificavam-se duas espécies de “ações” que se podia afirmar terem natureza executiva: a manus iniectio e a pignoris capio. A primeira, muito mais utilizada, é verdadeiramente representativa do período, razão pela qual limitamo-nos à sua exposição.
Caracterizava-se, basicamente, por seu elevado rigor em face do executado, traduzindo-se em verdadeira vingança privada, apenas fiscalizada pelo pretor. (...) Ou seja, o nexum vinculava o devedor pessoalmente, admitindo-se o seu aprisionamento, escravização e mesmo seu extermínio, desde que fora do solo romano (BAUMÖHL, 2006, p. 85).
Após a sentença proferida pelo iudex (arbitro privado), que tinha apenas o poder de dizer o direito (iurisdictio), o credor deveria levar o devedor à presença do pretor (magistrado) que, como representante do Estado, exercia o imperium. Ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias (tempus iudicati) sem adimplemento da obrigação, seguia-se um procedimento solene que representava a apreensão física do devedor, devendo o credor estender a mão e tocar o inadimplente.
No período do chamado processo per formulas (metade do século II a.C. até século II d.C.), para garantir o direito reconhecido pela decisão judicial, surgiu a actio iudicati, por meio da qual se buscava o cumprimento da obrigação, com fulcro na sentença condenatória, após o transcurso do prazo conhecido como tempus iudicati, concedido ao devedor para o adimplemento.
Seguindo uma mentalidade mais humanizadora, a execução da actio iudicati - que obedecia a procedimento praticamente idêntico ao de sua antecessora, a manus iniectio -, podia ser considerada “uma espécie de execução pessoal “patrimonizada” (BAUMÖHL, 2006, p. 89). Abriu-se o caminho para a execução moderna, de cunho exclusivamente patrimonial.
Entretanto, aquela actio importava na reabertura da contenda, pois deveria ser observado rito processual idêntico ao das demais ações “de maneira a nunca desaguar nos atos executivos sem que nova sentença do iudex reconhecesse o inadimplemento do devedor e o condenasse a cumprir” (THEODORO JÚNIOR, 2006, p. 113) a obrigação contida na condenação anterior.
Gerava-se a possibilidade de um infindável número de execuções sucessivas, pois, considerando-se que a nova condenação ocorria em dobro, seriam, ao menos em tese, possíveis infinitas actio iudicati, desde que o credor não se importasse com o crescimento da dívida. Além da condenação em dobro, havia a necessidade de caução para a defesa; o pretor tinha ainda o poder de “liminarmente” rejeitar a defesa, dando início aos atos executivos, de tal sorte que a sucessão de diversas execuções não ocorria na prática.
Já no final do período da legis actiones, o credor passou a ter direito de manter como seu escravo o inadimplente, mas sem poder vendê-lo ou matá-lo. O escravo, por sua vez, permanecia naquela condição tão-somente até obter, através de seu trabalho, o valor correspondente ao total da dívida. A Lex Poetelia, por volta do ano 300 a.C., chegou, inclusive, a proibir o acorrentamento do devedor, salvo nas hipóteses de condenação criminal.
Após a propositura da actio iudicati podiam seguir-se os atos executivos restringindo-se aos efeitos patrimoniais, atingindo a pessoa do devedor apenas em último caso, seguindo o procedimento da manus iniectio. Todavia, certo é que, mesmo no período formulário, a execução continuava a ter caráter pessoal, isto é, podia atingir a pessoa do devedor que permanecia como a garantia do adimplemento, mas no máximo por meio de trabalho pelo qual promovia o pagamento.
Informa Theodoro Júnior (2006) que:
Primeiro surgiu a missio in possessionem, que permitia aos credores apreender diretamente os bens do devedor, deixando de lado a manus iniectio. Tal se dava extrajudicialmente, sem presença do magistrado e alcançava todo o patrimônio do devedor.
Depois, por obra pretoriana, introduziu-se a Borum venditio, que importava autêntica revolução no processo romano clássico, pela judicialização operada sobre o procedimento expropriatório do devedor. A apreensão era ainda privada, mas os credores não mais incorporavam os bens penhorados a seu patrimônio. Criava-se apenas uma custódia, enquanto ultimava o procedimento executivo.
Decorrido um certo prazo, o pretor convocava os credores, para que elegessem um magister, que ficava encarregado de bonorum venditio. Atuava o magister como vendedor dos bens do inadimplente e o que se adquiria era chamado bonorum emptor, cuja figura jurídica era de sucessor universal do devedor. O preço assim apurado era, então, repartido entre os credores, se mais de um havia se habilitado.
Apenas no período da chamada cognitio extra ordinem (a partir do século III d.C.), considerado o mais desenvolvido do Direito Romano, é que a iurisdictio e o imperium foram definitivamente concentrados nas mãos do Estado, já que o próprio magistrado (pretor) proferia a sentença e executava suas decisões.
Segundo Theodoro Júnior (2006), nesse período:
O procedimento executivo sofreria, naturalmente, profundas inovações, dentre as quais merecem destaque a criação de um procedimento próprio para as execuções de entrega de coisa e a extrema simplificação da actio iudicati nas execuções por quantia certa.
Pode-se afirmar que é nela que se encontra a verdadeira origem da execução patrimonial. “Teoricamente persistia a execução pessoal, mas o fato é que na prática ela muito pouco ocorria” (BAUMÖHL, 2006. p. 90).
A execução por quantia certa do período, segundo CUQ (Apud THEODORO JÚNIOR, 2006, p. 124), “marca grande progresso na história da execução de sentença”, porque dava-se como execução singular e se limitava à parcela do patrimônio do devedor suficiente a satisfação do crédito.
Por meio da chamada pignus ex causa iudicati captum, penhoravam-se e vendiam-se apenas bens necessários ao cumprimento da obrigação, conciliando-se o direito do credor e do devedor. Restando a borum venditio apenas para os casos de insolvência do devedor, em que se realizava espécie de concurso de credores.
No princípio da Idade Média, em decorrência da queda do Império Romano no ano de 476 d.C. em conseqüência das invasões bárbaras, verificou-se, de certo modo, um retrocesso no processo, com a volta da execução privada: “O povo bárbaro era marcado por um individualismo exacerbado, razão pela qual suas contendas eram resolvidas sempre na esfera privada” (BAUMÖHL, 2006, p. 90).
Após o início dos estudos romanísticos, a execução privada foi perdendo sua força com a formação do chamado “direito comum” ou “intermédio” por volta do século X, resultado da fusão entre o direito romano e o direito barbárico-germânico. Deve-se destacar, no período, o trabalho dos glosadores na formação do chamado sistema romano-germânico, que lançou as bases do moderno direito europeu continental.
Tendo em vista a mentalidade prática do povo medieval e devido aos inconvenientes da actio iudicati romana, que se realizava em novo processo e reabria a cognição, nasceu a executio parata, através da qual, após a sentença condenatória, iniciava-se a execução forçada (aparelhada). “Essa execução, tida como simples prosseguimento ou complemento do ato de prolação da sentença recebia a denominação de execução per officium iudicis” (THEODORO JÚNIOR .1989. p. 05).
A chamada execução per officium iudicis implicou em dispensa da necessidade da instauração da actio iudicati para as execuções de sentença. O requerimento que instaurava a execução não era tido como exercício do direito de ação, mas, segundo ensina Liebman, como “simples ato de impulso processual com o fim de provocar a realização concreta dos atos incumbentes ao juiz” (BAUMÖHL. 2006. p. 98).
Com o avanço do comércio no fim da Idade Média e, conseqüentemente, o aumento das demandas, a demora na ação de conhecimento levou à criação dos primeiros títulos executivos extrajudiciais, que dispensavam a prévia sentença para a execução. “Eram chamados instrumenta guarentigiata ou confessionata (espécie de escritura pública de confissão de dívida) dos quais se dizia que tinham eficácia de execução aparelhada” (THEODORO JÚNIOR. 1989. p. 05).
Apesar de ambas as espécies de títulos ensejarem a execução forçada, notavam-se diferenças entre aquelas nascidas das sentenças e aquelas fundadas em títulos negociais, especialmente no que tange à matéria de defesa. Nas execuções fundadas em sentenças, o devedor só poderia cogitar nulidade da decisão e pagamento; já, nas demais, era assegurado ao executado ampla possibilidade de defender-se.
Com o tempo, as duas execuções passaram a ser absolutamente distintas: a primeira tornou-se mera continuação da ação condenatória; a segunda, uma verdadeira ação executiva. Esse entendimento dominou na Europa central, inclusive, no Direito de Portugal, onde os títulos fundamentavam uma ação sumária denominada assinação de dez dias, cuja sentença possibilitava a execução pelas vias ordinárias: “O rito sumário da assinação de dez dias correspondia ao procedimento monitório, generalizado no direito comum europeu, para ações fundadas em título extrajudicial líquido e certo” (LACERDA, 1982, p. 168).
O mesmo se deu no Brasil. A actio iudicati é lembrada apenas como reminiscência histórica. O Regulamento n.º 737 de 1850 prevê distintamente a execução de sentença, a assinação de dez dias e a ação executiva. Finalmente com o Código de Processo Civil de 1939 desaparece a assinação de dez dias e sobrevivem a via ordinária (execução de sentença) e a especial (ação executiva) (LIEBMAN. 1968 p. 12/13).
Previa, assim, o Código de Processo Civil de 1939 dois diferentes processos de execução: um de títulos executivos extrajudiciais - a ação executiva, que se tratava de “um procedimento misto, com penhora inicial e cognição enxertada, com defesa ampla do réu mediante contestação” (LACERDA, 1982, p. 169); e outro para os títulos executivos judiciais - que retornou ao modelo romano, pois era considerado exercício do direito de ação e realizava-se através de novo processo autônomo, de sorte que “não mais conservava a sumariedade da execução per officium iudicis” (BAUMÖHL, 2006, p. 99).
Isso ocorreu, de modo especial, por influência do direito francês, no qual o padrão executivo passou a ser o dos títulos executivos extrajudiciais e não o das sentenças.
Desaparecia, destarte, a executio per officium iudicis (execução de sentença) e reinstalava-se o método romano de só se poder chegar a execução forçada por meio de uma nova relação processual. E foi assim que o Código de Napoleão acolheu o processo executivo nos princípios do século XIX (THEODORO JÚNIOR, 2006, p. 161).
No Brasil, esse pensamento atingiu o apogeu com a edição do Código de Processo Civil de 1973, que foi objeto de outro estudo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMÖHL, Débora Inês Kram. A Nova Execução Civil: a desestruturação do processo de execução. Coleção Atlas de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2006.
LACERDA, Galeno. Execução de Título Extrajudicial e Segurança do “Juízo”. Estudos de Direito Processual em Homenagem a José Frederico Marques no seu 70º Aniversário. São Paulo: Saraiva, 1982.
LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de Execução. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1968.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. 13. ed. São Paulo: Edição Universitária de Direito, 1989.
_____. Cumprimento da Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal: antecedente histórico da reforma da execução de sentença ultimada pela lei 11.232 de 22.12.2005. 2. ed. Belo Horizonte: Melhoramentos, 2006.
Procurador Federal; Subprocurador da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Processual pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REZENDE, Marcus Vinícius Drumond. Uma breve história da execução: do processo romano ao código de processo civil de 1939 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37929/uma-breve-historia-da-execucao-do-processo-romano-ao-codigo-de-processo-civil-de-1939. Acesso em: 23 dez 2024.
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