Nos termos do art. 201 da Constituição Federal, a Previdência Social brasileira é organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória.
Apesar do caráter contributivo, a lei previdenciária estabeleceu privilégios a uma determinada categoria de segurado: os segurados especiais.
A lei estabelece que a base de cálculo da contribuição dos segurados especiais será a receita bruta da comercialização da produção rural.
Contudo, também estabeleceu que essa categoria de segurado fará jus aos benefícios previdenciários mesmo não recolhendo contribuições, bastando comprovar o exercício da atividade, ainda que de forma descontínua, durante o período mínimo de meses correspondentes à carência do benefício pretendido (art. 39, I, Lei nº 8.213/91). Nesse caso, o benefício será sempre no valor um salário-mínimo.
Para compreender melhor as razões que levaram o legislador a excepcionar a regra do caráter contributivo da Previdência Social, vejamos o conceito legal de segurado especial.
Segurado especial é toda pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária (em área de até 4 módulos fiscais), de seringueiro ou extrativista vegetal, e faça dessas atividades o principal meio de vida, e, ainda, pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida, e cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
Devemos ter em mente que a maior parte das pessoas que se enquadram como segurados especiais se tratam de pequenos trabalhadores rurais, que vivem nos rincões mais inóspitos do país, raramente são proprietários das áreas que exploram e cuja produção, por vezes, é insuficiente para garantir a subsistência de todos os membros do grupo familiar.
A comercialização de parte da produção não pode ser entendida como transformação de um excesso de produção em renda. A realidade desses pequenos produtores é bem menos glamorosa. Na verdade, a venda de parte da produção é uma necessidade, para que possam ter acesso a outros itens indispensáveis que não conseguem produzir.
Sem falar que o comércio não é organizado. Mais semelhante ao escambo, o pequeno trabalhador rural vende o milho, o feijão ou arroz produzido para comprar a carne, o óleo, roupas etc. Enfim, a vida e o trabalho dos segurados especiais não é fácil.
E apesar disso, quando necessitam recorrer à Previdência Social por algum fato da vida (idade avançada, incapacidade laboral, morte ou nascimento de um filho), têm extrema dificuldade em demonstrar seu enquadramento como segurados especiais.
Via de regra, as demais categorias de segurado comprovam a satisfação dos requisitos para o gozo do benefício através do recolhimento das contribuições. Porém, a contribuição dos segurados especiais é facultativa e, em geral, não recolhida.
Nos termos do art. 106, da Lei nº 8.213/91, a comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:
a) Contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
b) Contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
c) Declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;
d) Comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
e) Bloco de notas do produtor rural;
f) Notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
g) Documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
h) Comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;
i) Cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural;
j) Licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.
Ocorre que os pequenos trabalhadores rurais exploram a atividade de maneira bastante simples, sem formalidades. Muitas vezes nos deparamos com situações em que contratos de arrendamento foram celebrados verbalmente ou que a produção foi vendida em pequenos mercados ou mesmo que não houve venda, mas simples troca (o escambo).
Não raro esses trabalhadores chegam a ser atendidos pelo INSS sem portar qualquer documento que comprove sua condição de trabalhador rural. Quando muito, possuem documentos que servem apenas de indício do exercício de atividade rural (p.ex.: o registro da ocupação na certidão de casamento).
Nesse contexto, a figura do Sindicato de Trabalhadores Rurais ganha importância. A declaração fundamentada emitida pelo sindicato, desde que homologada pelo INSS, garante ao trabalhador seu reconhecimento como segurado especial. E o acesso é mais fácil, vez que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais conta com representações na ampla maioria das cidades, especialmente aquelas caracterizadas pela exploração da atividade agropecuária.
Conforme o art. 62, § 8º, do Decreto nº 3.048/99, a declaração deve atender os seguintes requisitos:
a) Conter identificação da entidade e do emitente da declaração, com indicação do respectivo mandato;
b) Ser fornecida em duas vias, em papel timbrado da entidade, com numeração sequencial controlada e ininterrupta;
c) Conter a identificação, a qualificação pessoal do beneficiário e a categoria de produtor a que pertença (deve identificar e qualificar o outorgante, caso se trate de parceiro, meeiro, arrendatário, comodatário, ou outra modalidade de outorgado);
d) Consignar os documentos e informações que serviram de base para a sua emissão, bem como, se for o caso, a origem dos dados extraídos de registros existentes na própria entidade declarante ou em outro órgão, entidade ou empresa, desde que idôneos e acessíveis à previdência social;
e) Não poderá conter informação referente a período anterior ao início da atividade da entidade declarante, salvo se baseada em documento que constitua prova material do exercício da atividade;
f) Consignar dados relativos ao período e forma de exercício da atividade rural.
A declaração deve ser submetida a homologação pelo INSS e condicionada à apresentação de documento de início de prova material contemporâneo ou anterior ao período de atividade declarado, de acordo com o estabelecido na Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010 (art. 132 c/c art. 125).
A própria IN 45/2010 elenca rol exemplificativo (não exaustivo) de documentos considerados início de prova material do exercício de atividade rural:
Art. 122. Considera-se início de prova material, para fins de comprovação da atividade rural, entre outros, os seguintes documentos, desde que neles conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, observado o disposto no art. 132:
I - certidão de casamento civil ou religioso;
II - certidão de nascimento ou de batismo dos filhos;
III - certidão de tutela ou de curatela;
IV - procuração;
V - título de eleitor ou ficha de cadastro eleitoral;
VI - certificado de alistamento ou de quitação com o serviço militar;
VII - comprovante de matrícula ou ficha de inscrição em escola, ata ou boletim escolar do trabalhador ou dos filhos;
VIII - ficha de associado em cooperativa;
IX - comprovante de participação como beneficiário, em programas governamentais para a área rural nos estados, no Distrito Federal ou nos Municípios;
X - comprovante de recebimento de assistência ou de acompanhamento de empresa de assistência técnica e extensão rural;
XI - escritura pública de imóvel;
XII - recibo de pagamento de contribuição federativa ou confederativa;
XIII - registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, como testemunha, autor ou réu;
XIV - ficha ou registro em livros de casas de saúde, hospitais, postos de saúde ou do programa dos agentes comunitários de saúde;
XV - carteira de vacinação;
XVI - título de propriedade de imóvel rural;
XVII - recibo de compra de implementos ou de insumos agrícolas;
XVIII - comprovante de empréstimo bancário para fins de atividade rural;
XIX - ficha de inscrição ou registro sindical ou associativo junto ao sindicato de trabalhadores rurais, colônia ou associação de pescadores, produtores ou outras entidades congêneres;
XX - contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais, à colônia ou à associação de pescadores, produtores rurais ou a outras entidades congêneres;
XXI - publicação na imprensa ou em informativos de circulação pública;
XXII - registro em livros de entidades religiosas, quando da participação em batismo, crisma, casamento ou em outros sacramentos;
XXIII - registro em documentos de associações de produtores rurais, comunitárias, recreativas, desportivas ou religiosas;
XXIV - Declaração Anual de Produtor - DAP, firmada perante o INCRA;
XXV - título de aforamento;
XXVI - declaração de aptidão fornecida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais para fins de obtenção de financiamento junto ao PRONAF;
XXVII - cópia de ficha de atendimento médico ou odontológico;
Vemos, pois, que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais pode simplificar sobremaneira a vida dos trabalhadores representados, especialmente, quanto à comprovação de seu enquadramento como segurados especiais. Se, na prática, dificilmente vemos um trabalhador rural portando algum dos documentos relacionados no art. 106, da Lei nº 8.213/91 (exceto a própria declaração do sindicato), por outro lado aqueles documentos qualificados como início de prova material são bem mais próximos de sua realidade.
E não é só. O sindicato pode fazer ainda mais por essa classe desfavorecida.
Nos termos do art. 117, da Lei nº 8.213/91, o sindicato devidamente legalizado poderá, mediante convênio com a Previdência Social, encarregar-se, relativamente a seus associados e respectivos dependentes, de processar requerimento de benefício, preparando-o e instruindo-o de maneira a ser despachado pela Previdência Social.
Segundo lição de Marçal Justen Filho, “convênio é um acordo de vontades, em que pelo menos uma das partes integra a Administração Pública, por meio do qual são conjugados esforços e (ou) recursos, visando disciplinar a atuação harmônica e sem intuito lucrativo das partes, para o desempenho de competências administrativas”[1].
Assim, aproveitando-se de sua proximidade em relação às comunidades rurícolas, as representações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais receberiam os requerimentos de benefício dos trabalhadores de sua base territorial e preparariam os procedimentos, instruindo-os com a documentação necessária.
Para o INSS as vantagens seriam enormes. Passaria a receber os requerimentos de benefício já instruídos com a documentação necessária, já que o próprio sindicato se encarregaria de emitir a declaração de exercício de atividade rural e orientar o trabalhador a apresentar o início de prova material contemporâneo ao período declarado. Restaria à autarquia previdenciária apenas a realização da entrevista pessoal com o segurado.
Essa, infelizmente, é uma ferramenta ainda pouco utilizada seja pelos sindicatos seja pelo INSS. Com isso, temos que uma significativa parcela de requerimentos de benefícios formulados por trabalhadores rurais são indeferidos exatamente por que não ficou devidamente comprovada a sua qualidade de segurado especial.
A celebração de convênios entre o INSS e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais com finalidade de processar requerimento de benefício seria muito importante em termos de concretização da política pública.
Ganharia muito o INSS, vez que estaria atendendo à sua finalidade legal. Há uma gama de trabalhadores rurais excluídos do regime previdenciário exatamente por não conseguirem demonstrar sua qualidade de segurados. Com a celebração de convênios, os mesmos teriam uma maior chance, pois seriam orientados e auxiliados pelo sindicato. Diminuiriam os casos em que é expedida carta de exigências, cobrando do trabalhador mais documentos para que atenda aos requisitos legais previstos para o benefício pleiteado.
Ganharia o Sindicato, que teria sua imagem e representatividade fortalecidas. A entidade teria um papel primordial, que seria orientar a categoria quanto aos seus direitos e quanto à documentação necessária para a comprovação dos requisitos dos benefícios. Haveria uma interação maior entre a entidade e a autarquia previdenciária, que trabalhando juntos seriam os atores principais na concretização e ampliação da política pública previdenciária.
E, por fim, ganhariam os pequenos trabalhadores rurais, principais interessados, que atualmente vivenciam a dificuldade de comprovar o exercício da própria atividade, por vezes a única que desenvolveram durante toda a vida. Esses passariam a contar, mais ainda, com o auxílio do sindicato, que, fortalecido, cumpriria seu papel de representante e defensor dos interesses da classe.
[1] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12.ed, p.871
Procurador Federal; Graduado em Direito pela UFPI e Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela UNISUL;<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANTONIO DE PáDUA OLIVEIRA JúNIOR, . Função dos sindicatos de trabalhadores rurais na seara previdenciária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jan 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37963/funcao-dos-sindicatos-de-trabalhadores-rurais-na-seara-previdenciaria. Acesso em: 23 dez 2024.
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