RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a possibilidade de requisição da verba de sucumbência por meio do rito da Requisição de Pequeno Valor – RPV na hipótese em que o crédito principal é objeto de requisição na modalidade de Precatório. A abordagem será feita sob a perspectiva da vedação constitucional ao fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, bem como da evolução normativa do Conselho da Justiça Federal – CJF e da jurisprudência a respeito do tema, cuja relevância está justificada pelas implicações práticas acarretadas no momento da requisição e pela necessidade de racionalização do sistema em prol da segurança jurídica.
Palavras-chave: Fracionamento da execução; Honorários advocatícios; execução autônoma da verba honorária; Recurso Especial - REsp 1347736; Recurso Extraordinário - RE 564132.
INTRODUÇÃO
Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios, excluídos os pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor (CF, art. 100, caput e §3º).
É vedado o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para que se enquadrem como pagamentos de pequeno valor (CF, art. 100, §8º).
Para a classificação da modalidade de requisição (RPV ou precatório), questiona-se se o valor dos honorários advocatícios deve ser considerado como parcela integrante do valor da execução e seguir o mesmo destino do crédito principal ou se deve ser considerado como valor individual e autônomo objeto de requisição própria e independente.
1. A FINALIDADE DA ORDEM CRONOLÓGICA DOS PRECATÓRIOS
Sérgio Pinto Martins observa que a finalidade do precatório é estabelecer uma ordem cronológica para serem feitos os pagamentos, de forma que haja igualdade de tratamento dos credores e não exista preterimento[1] e que “mesmo entre os créditos de natureza alimentícia, deve haver uma ordem cronológica para seu pagamento, sendo vedado o pagamento em parcelas”[2].
A vedação constitucional ao fracionamento da execução tem o evidente propósito de evitar que um mesmo credor divida estrategicamente o valor total a que tem direito em várias parcelas de pequeno valor para que receba cada uma delas por meio de Requisição de Pequeno Valor – RPV, quando deveria aguardar a ordem cronológica dos precatórios (CF, art. 100, §8º).
2. A ESTRATÉGIA DE QUEBRA DO VALOR DA EXECUÇÃO
É pacífico que inexiste fracionamento da execução na hipótese em que há vários litisconsortes credores e o montante devido a cada um deles constitui obrigação definida em lei como de pequeno valor.
Nesse caso, não se trata de quebra estratégica do valor total da execução por um mesmo credor em diversas parcelas, mas de montantes individuais e autônomos pertencentes a cada um dos litisconsortes credores.
A requisição e o crédito de cada litisconsorte são inequivocamente individuais e nada têm a ver com a mencionada estratégia de fracionamento do valor devido a uma só pessoa. Para cada um deles, deve ser expedida requisição própria, independentemente do valor da soma de todos os créditos.
Conforme sustenta Leonardo José Carneiro da Cunha, “em caso de litisconsórcio, será considerado o valor devido a cada um deles, expedindo-se cada requisição de pagamento para cada um dos litisconsortes. Poderá ocorrer, porém, de serem expedidas, simultaneamente, requisições de pequeno valor e requisições mediante precatório”[3].
Se em caso de litisconsórcio admite-se a requisição própria em relação a cada credor, o mesmo deve ser admitido no que ser refere aos honorários advocatícios, que constituem verba autônoma e são pertencentes ao advogado (artigos 22 e 23 da lei 8.906/94).
O advogado é o credor do valor relativo à verba de sucumbência, que também deve ser considerada individualmente e ser objeto de requisição própria (mediante precatório ou RPV).
Assim como cada litisconsorte é um credor que poderá executar o respectivo quinhão independentemente dos demais, o advogado poderá executar o capítulo referente à verba de sucumbência, ainda que a parte autora permaneça inerte quanto ao valor principal.
Caso a sentença seja meramente declaratória, a verba honorária fixada poderá ser executada pelo advogado credor, independentemente da inexistência de crédito principal.
Ademais, caso os honorários venham a ser considerados porventura indevidos, é o advogado que deverá proceder à devolução da verba e a execução será proposta em face dele.
Portanto, assim como ocorre no caso de litisconsórcio, a requisição própria da verba honorária (mediante RPV ou Precatório) também não caracteriza estratégia de fracionamento do crédito por um mesmo credor em várias parcelas de pequeno valor, pois é crédito individual e autônomo.
3. A EVOLUÇÃO NORMATIVA DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL
As resoluções do Conselho da Justiça Federal – CJF evoluíram no sentido de admitir a requisição própria da verba honorária independentemente do valor dos demais créditos da execução.
Inicialmente, a Resolução nº 55/2009, no artigo 4º, parágrafo único, considerava o valor dos honorários como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório:
Resolução nº 55/2009: Art. 4. (...) Parágrafo único. Ao advogado será atribuída a qualidade de beneficiário quando se tratar de honorários sucumbenciais, e seus honorários deverão ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor. (revogada) – (Grifado).
Porém, o referido entendimento foi completamente superado pela Resolução nº 122/2010, seguida pela Resolução nº 168/2011, ambas do CJF, que deixaram de considerar os honorários como parcela integrante do valor devido e passaram a permitir a requisição do valor principal por meio Precatório e da verba de sucumbência por Requisição de Pequeno Valor – RPV, em sentido diametralmente oposto ao dispositivo anterior:
Resolução nº 122/2010: Art. 20. Ao advogado será atribuída a qualidade de beneficiário quando se tratar de honorários sucumbenciais e de honorários contratuais. § 1º Os honorários sucumbenciais NÃO devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor, sendo expedida requisição própria. § 2º Os honorários contratuais devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor. (revogada) – (grifo nosso).
Resolução nº 168/2011: Art. 21. Ao advogado será atribuída a qualidade de beneficiário quando se tratar de honorários sucumbenciais e de honorários contratuais. § 1º Os honorários sucumbenciais NÃO devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor, sendo expedida requisição própria. § 2º Os honorários contratuais devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor. – (grifo nosso).
4. O JULGAMENTO DO RECURSO REPETITIVO – Resp 1.347.736 / RS PELO STJ E A PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DO RE 564132 PELO STF
Verifica-se que a jurisprudência também evoluiu no sentido de considerar a natureza autônoma da verba honorária e a possibilidade de expedição de requisição própria, independentemente do valor dos demais créditos da execução.
No julgamento do Recurso Especial Repetitivo - REsp 1.347.736 / RS, em 14/08/2013, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça - STJ, por maioria de votos, afastou a natureza acessória da verba honorária em relação ao crédito principal e admitiu a requisição própria mediante RPV, mesmo que o crédito dito "principal" observe o regime dos precatórios:
Como afirmado no tópico precedente, os honorários advocatícios instauram uma relação creditícia autônoma que se estabelece entre o vencido e os advogados do vencedor, facultando ao titular a execução independente, que pode ser feita nos próprios autos ou em processo específico.
O Ministro Relator Castro Meira fundamentou o afastamento da natureza acessória dos honorários advocatícios no fato de que a sentença definitiva de mérito constitui duas relações: uma do vencedor em relação ao vencido e outra do vencido em relação ao advogado; já a sentença terminativa, que julga extinto o processo, sem resolução do mérito, forma apenas a segunda relação, entre o advogado e a parte que deu causa ao processo, independentemente da inexistência de crédito principal; e nas sentenças declaratórias puras, “que não habilitam o vencedor a crédito algum”, “a relação creditícia dos honorários é absolutamente autônoma e não se subordina a qualquer crédito ‘principal’, que sequer existe”.
Após a consolidação do entendimento no Superior Tribunal de Justiça, verifica-se julgado consonante proferido perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. CRÉDITOS REMANESCENTES. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM FRACIONAMENTO DA EXECUÇÃO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. I - A partir de 05 de dezembro de 2011, com a edição da Resolução nº 168 do Conselho da Justiça Federal, que regulamenta os procedimentos relativos à expedição de ofícios requisitórios no âmbito da Justiça Federal, os honorários sucumbenciais passaram a não mais integrar o crédito da parte, devendo ser expedida requisição própria para eles. (...) V - Agravo a que se nega provimento. (TRF3, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO 508873, Processo: 0017042-86.2013.4.03.0000, UF: SP, Órgão Julgador: décima turma, Data do Julgamento: 10/09/2013, Fonte: e-DJF3 Judicial 1, Data: 18/09/2013, Relator Desembargador Dederal Walter do Amaral).
Sobre o tema, ainda, há pendência de julgamento do Recurso Extraordinário - RE 564132, no Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral, no qual o Estado do Rio Grande do Sul se insurgiu contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que assegurou ao advogado o direito de requisitar os honorários de sucumbência fixados na sentença, por meio de requisição autônoma de obrigação de pequeno valor, a despeito de o crédito principal ter sido requisitado por precatório. O Ministro Eros Grau negou provimento ao recurso, no que já foi acompanhado pelos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto, com voto divergente do Ministro Cezar Peluso. A Ministra Ellen Gracie pediu vista e os autos foram remetidos à sucessora Ministra Rosa Weber.
CONCLUSÃO
O Conselho da Justiça Federal evoluiu no sentido de considerar a verba de sucumbência como direito individual do advogado para fins de classificação da modalidade de requisição (precatório ou RPV), acompanhando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e da maioria dos votos até então proferidos no Supremo Tribunal Federal.
Não se trata de quebra estratégica do valor devido a um só credor em várias parcelas para que cada uma delas seja paga por meio de RPV, mas de requisição baseada em direito próprio e individual de cada credor específico, seja litisconsorte, quanto ao valor principal, seja advogado, quanto à verba honorária, e para cada um deles deve ser expedida uma requisição própria, mediante precatório ou, caso seja de pequeno valor, por meio de Requisição de Pequeno Valor – RPV, independentemente dos demais créditos da execução.
Portanto, assim como prevê o vigente artigo 21 da Resolução nº 168/2010 do Conselho da Justiça Federal, os honorários sucumbenciais não devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor, sendo expedida requisição própria.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 55, de 14.05.2009.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 122, de 18.10.2010.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 168, 05.12.2011.
CUNHA, Leronardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 3. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Dialética, 2005.
FEDERIGHI, Wanderley José. A execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Saraiva, 1996.
GRECCO FILHO, Vicente. Da execução contra a Fazenda Pública. Tese apresentada ao concurso para Professor Titular do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1986.
MARTINS, Sérgio Pinto; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (Coord.). Processo do Trabalho: estudos em homenagem ao Professor José Augusto Rodrigues Pinto. São Paulo: LTr, 1997, p. 381.
[1] MARTINS, Sérgio Pinto; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (Coord.). Processo do Trabalho: estudos em homenagem ao Professor José Augusto Rodrigues Pinto. São Paulo: LTr, 1997, p. 381.
[2] Ibidem, p. 383.
[3] CUNHA, Leronardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 3. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Dialética, 2005, p. 227.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e Escola Superior da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TSUTSUI, Priscila Fialho. Fracionamento entre crédito principal (por precatório) e honorários advocatícios (por RPV) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38247/fracionamento-entre-credito-principal-por-precatorio-e-honorarios-advocaticios-por-rpv. Acesso em: 23 dez 2024.
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